terça-feira, 24 de julho de 2018

“Pensamento mágico” coisa nenhuma, caro Estadão



(Comentário a seu editorial de 23/07/2018)
A ministra Cármen Lúcia, do S.T.F. agiu com muito discernimento e coragem — mais uma vez engrandecendo sua biografia — quando concedeu liminar suspendendo a resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que regulamenta a cobrança de franquia e coparticipação em planos de saúde.

A honrada e corajosa ministra, apesar de mulher, fisicamente frágil, consegue nos seus votos — apesar da pressão rude, quase grosseira, vez por outra, de algum colega de tribunal — resistir, e com bons modos, às coações daqueles ministros que tentam intimidá-la, com o degastado “temor reverencial”, para que ela decida do modo que lhes agrada mais, por tendência política ou por mera simpatia pessoal com a pessoa sob julgamento, na área criminal de alto coturno.

Cármen Lúcia tem conseguido, até agora, realizar a ingrata façanha de conectar a orgulhosa mas manipulável Ciência Jurídica com a boa Moral — existe também moral má dos bandidos profissionais — liame esse necessário para que a Justiça não perca o respeito do cidadão honesto. O Direito, em última análise, não é mais que moral técnica, aperfeiçoada. Ocorre que na prática diária dos tribunais constata-se que o homem tem uma vocação inata para distorcer as palavras e frases segundo sua conveniência. Autor, réu e juiz quase sempre discordam sobre qualquer problema.  Como tudo pode ser discutido —, com maior ou menor razoabilidade —, cabe à Senhora Boa Moral a missão final de dizer: “Isso não pode ocorrer”. Foi o que fez Carmen Lúcia ao conceder a liminar em exame. Bom senso, humanidade e coragem deram as mãos.

Os preços da mensalidade dos planos de saúde particulares têm subido com reajustes bem superiores à inflação. E, não contente com isso, a ANS — agindo aberrantemente contra sua razão de ser —, permitiu que as operadoras cobrem dos usuários até 40% do valor de atendimentos, isto é, das consultas e exames. Quer dizer, além dos usuários desembolsarem altas quantias mensais — quase insuportáveis para os idosos, mesmo quando não usarem os serviços médicos durante bom período — quando os usarem, terão que pagar 40% das consultas e dos exames laboratoriais e outros.

Isso é carta branca para lucrar o máximo possível com o temor dos idosos, principalmente, de terminarem seus dias em uma UTI. Esse o medo maior dos velhos — precisar dessas três letras — considerando que cada dia nela custa cerca de R$10.000,00, um óbvio mas lucrativo exagero. Se o velho não tiver um plano de saúde com garantia dessa assistência intensiva e ficar dois meses na UTI, sairá — ele ou os filhos — do hospital com uma dívida de R$600.000,00. Será preciso, talvez, vender seu imóvel, talvez o único que possua. A UTI terá funcionado, em internações mais demoradas, como uma espécie de “sequestro legalizado”, com a agravante da vítima ser idosa. A alternativa de não ter plano de saúde particular é o risco de ficar deitado num corredor do SUS, sujeito a infecções oriundas do próprio hospital.

Frise-se ainda que os planos de saúde melhor equipados não aceitam cobertura de idosos, geralmente aposentados. Só aceitam adesões de empresas. Ocorre que as empresas demitem os seus empregados quando estão na faixa dos 60 anos, ou bem antes. Se a política contra os idosos é mesmo matar, “limpar a área”, que digam isso às claras, com a mesma coragem demonstrada pela ministra do Supremo, em sentido contrário.

A permissão meio “aloucada” da ANS, de os usuários serem obrigados a pagar até 40% das consultas e exames levará ao seguinte absurdo: além das prestações mensais já serem altas demais, acima da inflação, obrigando muitos velhos a pedirem ajuda mensal dos filhos e filhas — que podem até estar desempregados — forçará os usuários, na dúvida se tal ou qual dor, ou sensação, origina-se de um enfarto ou câncer inicial, por exemplo, a pedir ao médico — “por caridade, doutor!” — que não solicite exames laboratoriais; que apenas os apalpem e “raciocine”, porque tais exames, acrescidos ao valor da mensalidade, não estão ao seu alcance de seu bolso, ou dos filhos. Um tipo de economia que mata.

Ocorre que o médico ficará, nesses casos, entre a cruz e a caldeirinha: se atender ao pedido do usuário, terá de trata-lo “no escuro”, apenas “adivinhando” a explicação do sintoma, porca e incompletamente, porque com frequência vários exames são necessários: sangue, urina, fezes, raio-x, ultrassom, etc. E o cliente pode morrer devido a uma inexistente “negligência médica”, sendo depois acusado pela mídia e processado pelos parentes do falecido. E se o médico disser ao cliente que sem os exames não pode tratá-lo direito, como manda a prática médica, mandando que procure outro médico, o assistido se perguntará: — “Essa droga de plano, afinal, serve para quê? Terei que batalhar em duas frentes? Uma conhecida (as prestações) e outra desconhecida (as consultas e exames)?

Objetivamente, a ministra Cármen Lúcia apenas suspendeu a resolução da ANS, que parece muito estranha, em seu conteúdo. Suas palavras de conteúdo humanitário no despacho apenas exprimem sua elogiável revolta humana contra uma patente injustiça. Cabe mesmo ao Congresso examinar mais a fundo a suspeita resolução. Não houve demagogia na sua decisão. Foi mera constatação de uma realidade. Todas as pessoas da classe média sentem que os planos de saúde parecem absorver cada vez mais os orçamentos dos usuários. Um tumor financeiro — já que falamos em doenças — que precisa ser extirpado antes que mate os hospedeiros mais descartáveis.

Há, com frequência, um excesso de pedidos de exames por parte dos médicos que trabalham para os planos de saúde? Talvez haja, não sou médico; mas haverá outros modos de cortar ou desestimular esse eventual abuso profissional. Talvez pagando melhor os médicos, desmotivados com a baixa remuneração recebida dos planos de saúde mas que neles ainda permanecem porque a concorrência profissional hoje é tremenda e há um excesso de médicos nas grandes cidades.

Há muita gente pensando que o habitualmente ótimo jornal desta vez “pisou na bola”, ou no peito dos doentes magros e de cabelo branco. O editorial decepcionou seus assinantes, que não vão ficar dizendo isso  aos berros por medo de represálias burocráticas dos revoltados com a sensata liminar.

(24-07-2018)





quarta-feira, 11 de julho de 2018

Qual o limite futuro da vida humana? Talvez nenhum

Li, em 07/07/2018, no jornal “O Estado de S. Paulo”, um fundamentado e bem redigido artigo do jornalista Fernando Reinach, especializado em difusão de assuntos científicos. Seu texto aborda o aumento progressivo da longevidade nos seres humanos, graças aos cuidados médicos, alimentação adequada e tudo o mais que favoreça uma vida sadia. Ele nos lembra, porém, que há limites intransponíveis para a vida humana, frisando que nenhuma pessoa chegou, até agora, a viver 130 anos, mas quem sabe poderemos alcançar, futuramente, o pico etário de 200 anos. Na opinião do articulista esse deve ser o marco intransponível da longevidade humana. Ele está certo, apoiado na tecnologia disponível neste momento.

Como sou um entusiasta da possibilidade (teórica, por enquanto) de uma vida muito além dos 200 anos, combinando a Criogenia com a posterior utilização das células tronco — se o “retorno à vida” do “congelado” der certo  —, senti o impulso de expor, novamente minha convicta opinião de que nós, brasileiros, estamos perdendo um tempo precioso no que se refere ao drible técnico da morte, desatentos ao fato incentivador de que os seres humanos não gostam, nem um pouco, da ideia de que vão morrer fisicamente.

“Aceitam” a morte, mas rangendo os dentes. Mesmo os infelizes se apegam à vida. Desconhecendo o potencial da Criogenia aplicada em seres humanos, consolam-se com a alternativa disponível para evitar o perecimento, o pavoroso “nada”: a religião, que promete a vida eterna no paraíso, caso tenham levado uma vida correta. E se isso não foi possível — porque a santidade exige qualidades sobre-humanas — dizem, algumas crenças, que o arrependimento sincero, antes de morrer, limpa uma alma até então suja.

Nada a opor contra os efeitos úteis, calmantes e espirituais das religiões, que não devem ser menosprezados porque as religiões, de modo geral, visam o bem; aconselham o crente a evitar a mentira e as más tendências que dormitam em todos nós. Esse efeito prático, de desestimular o crime e outros malfeitos justifica, por si só, a proteção legal das práticas religiosas.

Ocorre que, com ou sem religião, o instinto de sobrevivência física é inato no ser humano, a menos que ele se sinta em uma situação tão desesperadora e insolúvel que a morte pelo suicídio seja mais atraente que permanecer entre os vivos. Por isso, tenho a certeza de que mais década, menos década, a conservação das pessoas no gelo, para “ressuscitação” futura — com a técnica adequada — leiam mais adiante minha sugestão a respeito —, conjugada com o avanço na utilização das células tronco nos “ressuscitados” jogará a familiar morte para o baú das antigas lendas. Imagine, leitor, ou leitora, como estará nossa civilização daqui a mil anos.  

Pelo menos dentro de um século o problema técnico de “morrer provisoriamente e acordar quando for conveniente” estará solucionado. Resta saber quem terá o privilégio de utilizar esse “tratamento” que não pode ser concedido apenas a quem tenha dinheiro e poder. Isso seria a negação da democracia. Ocorre, realisticamente, que a Terra já tem gente em excesso, com previsão do progressivo e inevitável empobrecimento de milhões porque a informática, a robótica e a inteligência artificial estão substituindo os braços e os cérebros humanos.

Não demora, os desempregados, em todo o mundo, se revoltarão, com razão, exigindo, de seus governantes, com desespero e violência, uma decisão: ou vocês nos propiciam um emprego ou uma pensão mensal equivalente ao ganho atual da classe média mais modesta. E não me venham com essa história de que daqui a xis anos teremos um desequilíbrio parasitário, cada vez menos gente trabalhando para sustentar o crescente número de idosos e aposentados. Com as fábricas robotizadas, aplicativos e toda essa tecnologia que dispensa o trabalho humano, os robôs não reclamarão de serem obrigados a sustentar os humanos idosos. Robôs não fazem greve, não pedem aumento, não engravidam e não estrilam quando são substituídos por robôs mais “jovens”, novos. Estamos “condenados” ao ócio forçado, ao desemprego, e a revolta popular, que será inevitável se a humanidade não der um passo político decisivo para algo que nem convém desenvolver aqui: a necessidade de uma governança global, um assunto que mexe muito com os nervos e pouco com a inteligência.

Volto, agora ao assunto da Criogenia e seu complemento, as células tronco.

Como sou curioso sobre o futuro da humanidade, estudei, anos atrás, a aplicação da Criogenia na conservação de pessoas, no exato momento de sua morte, para eventual “retorno à vida” quando a doença que as matou — câncer, por exemplo — for curável. Li grande parte do que havia disponível, na mídia, sobre a “Cryonics” — palavra inglesa — e escrevi um romance com o título “Criônica”, que publiquei por conta própria em forma impressa. A demora para a avaliação dos originais, pela provável editora, era excessiva para uma pessoa idosa, e eu, com mais de 70 anos, não quis esperar. Recentemente publiquei esse livro, na forma de e-Book.

Muito depois de publicado o livro fiquei sabendo da existência de rãs, e outros batráquios, na região ártica, que conseguem ficar praticamente “mortos”, no inverno mas quando chega a primavera “acordam”, prontos para se alimentar e procriar. Isso graças a um “truque químico” da natureza que permite ao animal ficar congelado sem que a água das células de seu corpo se transforme em gelo (com as malditas arestas, finíssimas, que perfuram a membrana celular). Pelo que fui informado, com a perfuração da membrana celular, no início do descongelamento, a água das células “vaza” e o cérebro, por exemplo, fica reduzido a uma espécie de papa. Daí a impossibilidade atual de “ressuscitar” os congelados, não apodrecidos enquanto submetidos ao frio próximo dos 190º Celsius negativos.

São tais arestas que anulam o urgente trabalho da equipe da “Criônica” (o congelamento dos corpos em temperatura próxima do frio absoluto). Se a ciência e a técnica, conseguirem, futuramente, injetar um líquido anticongelante nos seres humanos, substância semelhante àquela presente nas referidas rãs, — antes de sua morte —, o homem interessado no seu congelamento poderá, talvez, ser ressuscitado em tempo futuro, continuando seu ciclo de vida. E não só “ressuscitado” como também “renovado”, “reconstruído”, graças ao uso das células tronco que prometem a renovação até de neurônios velhos, coração, fígado, etc.

É nesse ponto que a Criônica tem uma ligação de ideias com o artigo que li no jornal: viver não só 200 anos, mas 2.000, talvez.

Penso que alguma empresa brasileira, ou grupo de cientistas, poderia se interessar pelo assunto. Se não o fizer, cientistas de outros países farão isso. Gasta-se bilhões, hoje, em planos e esforços para colonizar Marte, quando há, à disposição, uma façanha científica bem menos cara, acessível ao Brasil, que ultrapassa qualquer outro avanço já imaginado: o domínio da morte física. Se eu fosse milionário bancaria tal empreendimento.

O leitor pensa que exagero. Quem exagera é o leitor, no pessimismo, na rejeição passiva de algo tremendamente promissor. O que a natureza fez com a rã o homem fará — muito melhor — com os recursos da técnica. Um Thomas Edison da área química faz falta.

Tinha razão Woody Allen quando dizia que “Não tenho medo da morte. Apenas não espero estar lá quando ela chegar”. E complementava afirmando, mais ou menos, não querer continuar vivo em seus filmes, nos seus livros e na mente de seus admiradores. Quer continuar vivo não morrendo mesmo.

Apesar do fecho humorístico deste artigo, deixo expresso que tudo o que disse antes é exatamente o que penso. E respeito, apenas por cortesia, quem pensa o contrário. Gente prática, de tímido juízo.

Francisco Pinheiro Rodrigues (10-07-2018)