segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Justiça para os palestinos na ONU

Dia 23 próximo Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina apresentará, na Assembléia Geral, um pedido formal de reconhecimento de seu povo como mais um estado-membro nas Nações Unidas.

A maioria da opinião pública internacional está mais do que de acordo com essa pretensão, bem modesta, mesmo ciente de que no Conselho de Segurança o pedido será vetado pelos Estados Unidos e, provavelmente, por um ou outro governo vergonhosamente submisso aos desejos da grande potência econômica, tecnológica e militar americana que, de uns tempos para cá, sofre uma desmoralizante crise de amnésia no que se refere aos geniais valores morais cultuados pelos fundadores dos Estados Unidos da América.

Entre esses esquecidos valores está o respeito ao direito de autodeterminação dos povos. Por acaso, os palestinos nem mesmo são um “povo”? Serão apenas — como querem seus inimigos — uma primitiva massa sub-humana, ergo sem direitos? Ou um bando de selvagens, bandidos ou “parias”, sem nem mesmo o direito de discursar e votar numa entidade que pretende “representar” o planeta? Que representação distorcida é essa? A ONU conta hoje com 193 países, muitos com populações ínfimas, inferiores à quantidade de palestinos já expulsos, vivendo de favor em barracas ou abrigos precários nos países vizinhos. Qual o “crime” deles para sofrer essa diáspora árabe? Nenhum. Apenas estavam lá, há séculos.

Se o leitor acessar, no Wikipédia, quais os países-membros da ONU, verificará que grande número deles são de ínfima população, reduzida área e nula influência na geopolítica internacional. Nada a opor que tais pequenos países possam ser ouvidos e votar na Assembléia Geral, porque toda situação de injustiça, sofrida por milhares de pessoas, merece um canal de expressão e discussão em um órgão internacional. O que não se compreende — daí a legitimidade da atual pretensão da Autoridade Palestina — é que um povo que foi expulso de uma área que ocupava há quase dois mil anos — com isso despertando sentimentos ferozes e impiedosos de solidariedade e vingança (foi o caso de Bin Laden) — não possa dispor de um canal legal internacional, no caso a ONU, para reclamar contra um tratamento que considera e é injusto. Nenhum povo tolera indefinidamente a ocupação progressiva de seu solo, com expulsão de milhares de famílias.

Compare, leitor, as populações, mencionadas entre parênteses, dos seguintes países-membros da ONU: Andorra (71.822 habitantes, em 2007); Antígua e Barbuda (86.754 hab., em 2010); Bahamas (323.000, em 2005); Barein (791.000, em 2009); Belize (372.000, em 2010); Brunei (381.371, em 2009); Cabo Verde (499.796, em 2008), Granada (90.343, em 2008), além de inúmeros outros micro-estados. Por que esse mísero direito de expressão e voto internacional deve permanecer inacessível aos palestinos, vivendo, há décadas, numa situação de submissão, restrição do direito de ir e vir, pobreza e expulsão?

Essa discriminação e inferiorização sistemática cria um clima que alimenta profundo rancor, facilmente expresso em atos de terrorismo. Um terrorismo inequivocamente sincero na motivação porque ninguém de imola, “se explode”, por motivos banais. Não esquecer que os israelenses também tiveram sua fase de “fora da lei”, confessadamente terrorista — a organização Irgun, que em abril de 1946 explodiu em Jerusalém, o hotel Rei Davi — na primeira metade do século passado, quando os ingleses se opunham à chegada excessiva de judeus à Terra Santa. Os ingleses previam a inevitável ampliação dos conflitos — já existentes naquela época — drama que continua e se agrava com assentamentos ilegais. Enquanto não for solucionado o conflito entre árabes e Israel o mundo permanecerá, “por contaminação”, na ante-sala de um conflito mundial. O risco do “tempero atômico” — leia-se Irã — foi acrescentado à sopa de ódio que borbulha e pode transbordar e queimar áreas bem distantes da Palestina, considerando-se a importância do petróleo extraído em países vizinhos. Já se fala, ainda, nas reservas de petróleo e gás que dormem off shore, no Mar Mediterrâneo.

Examinemos as razões dos judeus. Eles também viveram um drama secular de perseguições, mas, chegando à Terra Prometida acabaram — agora com o superior status de israelenses —, “se esquecendo” do que significa humilhação, viver sem direitos, “sob tacão”, empobrecidos à força e transformados em cidadãos de segunda classe, como ocorre com os palestinos. Não é raro, na história humana, que perseguidos se tornem perseguidores.

É natural que os sofridos judeus sonhassem, há séculos, com uma nação própria. E isso lhes foi concedido terminada a Segunda Guerra Mundial, graças, em grande parte, à indignação provocada pela carnificina do Holocausto. Hitler, com seu anti-semitismo implacável é também responsável indireto pelo conflito no Oriente Médio. Não existisse sua política de perseguição e expulsão, os judeus europeus continuariam onde estavam, sempre subindo de status nas profissões liberais, finanças, artes e tudo o mais. É preciso lembrar, porém, que os árabes não concordaram com a criação do Estado de Israel. Nem foram consultados. Israel não resultou da “negociação” direta entre judeus e palestinos árabes, tanto assim que, criado o estado judeu, em 1948, estalou uma guerra entre Israel e o mundo árabe, em que Israel, melhor preparado e armado pelos americanos, levou a melhor. Com a vitória aflorou a arrogância. Sendo hoje potência nuclear não admite, em hipótese alguma, que algum país da região — Irã — tenha acesso a uma tecnologia que poderá, talvez, algum dia, permitir a construção de uma arma nuclear. Sobre isso, leia-se um certo pensamento do criador do Prêmio Nobel, no fim deste artigo.

Incoerente, portanto, a atual pretensão de Israel, ao exigir que a criação do Estado Palestino só possa ocorrer como fruto de “negociação direta”, pois tal negociação, repita-se, não existiu antes da criação do Estado de Israel. Com ou sem a concordância árabe, criou-se um novo Estado que hoje é o país melhor armado do Oriente Médio, tanto em armamentos convencionais quanto nucleares.

A exigência de Benjamin Netanyahu, de um novo e eterno retorno à “mesa de negociações” não passa de uma estratégia de contemporização, permitindo a ampliação dos assentamentos judeus na Cisjordânia. Qualquer pessoa que tenha acompanhado, há anos, os avanços (fictícios e escassos...) e recuos (constantes) das negociações de paz sabe que enquanto Netanyahu se mantiver no poder, as “negociações” não chegarão a lugar algum. E é isso que exatamente quer esse político cuja ambição máxima é ser lembrado, futuramente, como o autor da “grande Israel”, construída com a tática rasteira, abdominal, de “empurrar com a barriga”. Quanto maior a demora, melhor a posição relativa de Israel numa eventual partilha de áreas, porque Israel constrói milhares de casas enquanto os palestinos mal têm recursos para sobreviver.

Israel não teve ainda a sorte de colocar no poder um líder de mentalidade superior, um Abraão Lincoln, um George Washington, um Gandhi ou um Frank D. Roosevelt. Netanyahu é um patriota no sentido mais primitivo do termo. Astuto, insistente, despreocupado com a verdade, é inconfiável quando fala qualquer coisa relacionada com a Palestina. Um exemplo típico de “advogado patológico”, isto é, capaz de qualquer sofisma para favorecer o próprio cliente —, no caso, Israel —, mesmo que isso signifique jogar na miséria velhos, crianças e jovens palestinos sem esperança. Elementares direitos humanos são negados aos palestinos.

Como já disse, compreende-se o antigo anseio dos antigos judeus espalhados principalmente na Europa central e oriental. Com a ascensão de Hitler ao poder mesmo aqueles judeus que aceitavam uma “assimilação” racial, com perda da identidade cultural, foram rejeitados na sua pretensão. Hitler, um obcecado patológico, proibia o casamento de alemães, a “raça pura”, com judeus. Tudo fazia para, fanaticamente, “limpar” a Alemanha, e os países por ela invadidos, de uma raça que ele considerava física e moralmente inferior, uma grande asneira científica. Chegou ao ponto de orientar seu serviço secreto no sentido de estimular discretamente o sionismo, que tinha como objetivo máximo a obtenção de uma pátria judaica. O que ele queria é se livrar deles, por bem ou por mal. Esgotada a persuasão, passou para a “solução final”. Vários países, não obstante dissessem, da boca pra fora, que se solidarizavam com o sofrimento judeu sob o nazismo, recusaram-se a aceitar grandes imigrações dessa raça. Daí a procura compreensível, pelos judeus, de uma área que se tornasse seu Estado. Não era intenção consciente prejudicar os palestinos árabes que ali se encontravam, mas quem consegue impedir um desembarque contínuo de pessoas da mesma raça e crença em busca de uma vida melhor?

No fundo, o mais agudo problema político da atualidade está na resposta a um dilema simples: os judeus mereciam uma “casa”, mas a habitação escolhida é pequena, já estava ocupada e não comporta duas famílias numerosas. Somente com alguma modificação nos conceitos tradicionais de soberania é que é possível acomodar as duas vastas famílias. Mas é preciso que a solução venha “de fora”, da comunidade internacional. Felizmente, ainda há espaço, no planeta, para acomodar algumas dezenas de Israel e Palestina. A África, por exemplo, é imensa. O planeta já pagou demais pela falta de ousadia no aperfeiçoar o conceito de soberania. A ONU, ou algum tribunal criado por ele tem muito mais condições de resolver, com isenção, o velho conflito, do que as duas partes, envenenadas pelo ressentimento e desejos de vingança. Todos os países civilizados já descobriram, há séculos, que quando vizinhos se atritam e não chegam a um entendimento a solução passa para um poder superior, estatal, que ouve as razões dos litigantes mas decide soberanamente. E o perdedor da causa tem que acatar a decisão, queira ou não. Nenhum país pode impor sua soberania, esmagando, pela força ou intimidação, a soberania do vizinho.

Barack Obama diz que vetará, no CS, o reconhecimento do Estado Palestino, porque somente as “duas partes’ em conflito é que poderiam alcançar uma solução permanente. Por que diz isso, apesar do persistente fracasso de todas as negociações anteriores? Porque precisa do lobby e do voto judeus na próxima eleição presidencial. No íntimo, antipatiza com soberba de Netanyahu, sempre arrogante, respondendo com sonoros “Não!” aos pedidos de Obama para que contivesse a ocupação da Cisjordânia.

Essa arrogância do primeiro ministro vem da certeza de que Obama prefere mais um segundo mandato do que ser justo para um pequeno povo indefeso que vem sendo espezinhado há décadas. Por outro lado, Obama pensa, mas não fala: “Vou ceder, agora, ao interesse de Netanyahu mas, se eu for reeleito, vou colocá-lo no devido lugar. É a única tática possível que tenho no momento. Além do mais, se o Partido Republicano, com o apoio do lobby judaico, vencer a eleição, os palestinos ficarão em situação muito pior. Preciso agir como um enxadrista paciente. Obviamente, não poderia dizer, numa entrevista, o que realmente penso”. Deve ser esse o plano de Obama. Se não o for, assistiremos a decadência de um homem inteligente mas sem a necessária fibra moral para enfrentar gente mais determinada do que ele.

O ideal, no próximo dia 23 de setembro, seria que a Autoridade Palestina, ou os EUA, ou a União Européia — em um “estalo” de lucidez, sugerisse, discutisse e finalmente a ONU aprovasse uma resolução criando um tribunal internacional para solucionar o problema palestino. Esse Tribunal, “ad hoc” — ou o próprio Tribunal Internacional de Justiça — definiria as fronteiras entre os dois estados e criaria compensações quando não fosse factível obedecer rigidamente as delimitações de 1967. Criaria o Estado Palestino em que a Faixa de Gaza estaria ligada, territorialmente, à Cisjordânia, e resolveria o problema do retorno dos palestinos expulsos. Só assim teremos, finalmente, a paz, com uma imensa redução do terrorismo. E na composição desse futuro tribunal não será aconselhável que qualquer juiz seja de origem árabe ou judaica, por motivos óbvios.

É preciso, também, que a ONU corrija um outro absurdo impressionante: a recusa de jurisdição. Quem quiser pertencer ao “clube”, a ONU, precisa aceitar suas regras e seus julgamentos. Quem não se sujeitar a isso, que caia fora e fique falando sozinho. É espantoso que, em pleno Século XXI a parte acusada se recuse a ser julgada e esse desejo seja respeitado.

Nicholson Baker, autor do livro “Fumaça Humana”, cita, na primeira página de sua obra, que “Alfred Nobel, o fabricante de explosivos, conversando com a amiga baronesa Bertha von Suttner, autora de Lay Down Your Arms (Deponham as armas). Cofundadora do movimento pacifista europeu, ela acabava de participar da Conferência mundial da Paz em Berna. Era agosto de 1892.

“Talvez as minhas fábricas acabem com as guerras antes dos seus congressos”, disse Nobel. “No dia em que dois exércitos forem capazes de se aniquilar mutuamente em segundos, é provável que todas as nações civilizadas recuem com horror e desmobilizem suas tropas”.
Essa opinião abalizada vem em favor do argumento de que nenhum país do Oriente Médio deve ter o privilégio da força convencional, nuclear e diplomática. A força excessiva induz seu portador a ver os mais fracos como insetos indefesos. Daí a necessidade de se conceder algo substancial aos palestinos quando seu presidente discursar no dia 23 próximo, na Assembléia Geral. Um mínimo de personalidade é exigível dos embaixadores de todos os países votantes que, solidários com os palestinos, forem incapazes de obedecer à própria consciência.

(19-9-2011)

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terça-feira, 6 de setembro de 2011

“Dízimo” partidário e CPMF com redução do I. Renda

A conexão entre os assuntos acima mencionados não é perceptível de imediato, mas existe. Quanto maior a despesa estatal com a contratação de funcionários, maior o vazio de caixa e a necessidade de aumento de tributos, principalmente para financiar gastos com a saúde pública. Aí encaixa-se o tema CPMF, na sua nova denominação. Considerando, porém, que a nossa carga fiscal já é excessiva — com baixo retorno —, um novo “imposto do cheque” só seria tolerável se complementado com uma simultânea redução do Imposto de Renda da pessoa física cuja alíquota, a meu ver, é desproporcionalmente pesada. No momento, quem ganha, mensalmente, acima de R$3.911,63, paga 27,5% de I., Renda. Se for funcionário público , a esse desconto soma-se 11%, para fins de aposentadoria. 38,5% de tributos diretos, descontados na fonte, não é um percentual justo, principalmente para quem ganha apenas R$3.911,63, ou pouco mais. Daí a compreensível ojeriza a qualquer perspectiva de criação de novo tributo.

Na verdade, a extinta CPMF era boa, mas por motivo diferente daquele oficialmente mencionado ( saúde pública): alcançava pessoas e firmas com bom ganho, teoricamente tributável, mas que, graças a manobras espertas — inclusive contábeis —, escapavam da tributação. O vasto mundo do negócio informal, ou parte formal e parte informal. O governo federal, não conseguindo recolher sua parte da riqueza nacional (finalidade dos tributos), na renda dos mais “espertos”, compensava o “prejuízo” cobrando pesado dos indefesos assalariados porque — bons cidadãos ou rangendo os dentes — eles não têm como sonegar. Com o “imposto do cheque” (e do cartão de crédito) restabelece-se a justiça fiscal. Todos pagam — e assim todos pagam menos. Imaginar que negociantes passarão a carregar imensas somas em malas, sacolas e nos bolsos é desconhecer a ferocidade dos assaltantes.

Vamos agora aos “dízimos” do título.

Não há como negar que autoridades em alta posição, necessitando de assessor, prefiram escolhê-lo livremente, não só por razões de competência como também por confiar nele, seu amigo, parente ou conhecido. Daí a legislação brasileira, e a dos países em geral, permitir que chefes do executivo, ministros de estado, magistrados das instâncias superiores e autoridades assemelhadas escolham, elas mesmas, as pessoas que lhe pareçam adequadas para cumprir e fazer cumprir suas determinações. Nada a censurar no bom uso da livre contratação.

Ocorre que em nosso país não há, pelo que sei, limites legais, quantitativos, para a criação de Ministérios, cargos em comissão ou de confiança, o que permite aquilo que no Brasil passou a se chamar de “inchaço” e “aparelhamento do Estado”. Quais as más consequências dessa ausência de limites na criação de cargos, sem exigência de concurso?

São duas. Uma, financeira: aumento desmesurado de despesas com o funcionalismo, desviando recursos que seriam melhor utilizados na construção de obras públicas e serviços de obrigação estatal. Outra conseqüência é política: facilita a perpetuação, no poder, de determinados políticos. Explico: os funcionários livremente nomeados transformam-se em “financiadores forçados” — via “dízimo” — dos partidos que os beneficiaram com a contratação. Além disso, tais nomeados se transformam em ativos “cabos eleitorais gratuitos”. Forçados e de graça. Isso porque tais funcionários se desdobrarão, antes das eleições, para que seus protetores sejam reeleitos. Se não o forem, poderão perder o emprego, não garantido porque não conquistado através de concurso público.

Realmente, como disse, há muita vantagem, por parte dos partidos, em, abusivamente, criar cargos desnecessários, que serão preenchidos com critério político. Os nomeados, em troca do favor, comprometem-se a contribuir mensalmente com um percentual de seu ganho que varia entre 2% e 20% , destinado à sustentação do partido.

Essa dupla vantagem — na manutenção do partido e na disponibilidade, sem gastos, de funcionários agindo futuramente como cabos eleitorais — explica o grande empenho de partidos de sustentação dos governos em obter cargos e ministérios, criados com imensa desinibição da gastança. Já foi dito que se alguém, em Brasília, entrar em qualquer saguão de edifício e disser em voz alta “Ministro!”, metade dos presentes se volta, pensando estar sendo chamado. Quanto mais ministérios, mais gente, mais “money’ para financiar o partido e, como disse, trabalhar gratuitamente como cabo eleitoral no momento eleitoral.

Um interessado na manutenção do ‘status quo” pode objetar: — “Todo cidadão não tem o direito, democrático, de contribuir financeiramente para o partido político de sua preferência? Tem, em abstrato. Não, porém, no caso concreto. A liberdade é um direito humano em abstrato, o que não impede a existência concreta de cadeias.

A contribuição do “dízimo” não poderia ser imposta, forçada, como é o presumível caso — bem presumível... — de alguém que consegue ser nomeado de favor, com a condição de contribuir com um percentual de seu salário para a manutenção do partido que o favoreceu. O “dízimo” é uma espécie de “taxa de ingresso e manutenção”. Uma variante burocrática da compra e venda, com pagamento futuro: — “Eu te nomeio”, subentende o político, “com a condição de você destinar parte do salário para mim, digo, para nosso partido. Se você não fizer as contribuições, poderá perder o emprego, que é sem garantia”. É claro que o recém-nomeado assumirá tal compromisso, mesmo rosnando, futuramente, contra essa pegajosa obrigação.

Como solucionar esse problema? Somente com uma lei que, primeiro, estabeleça um teto para a criação de cargos com dispensa de concurso público. Segundo, proibindo que servidores, nomeados sem concurso, contribuam para partidos políticos, qualquer partido, sob pena de demissão. Alguém dirá que a lei será contornada, com contribuições feitas de forma escondida. O risco, porém, para o funcionário, de ser descoberto, com isso perdendo o empreso, diminuirá sensivelmente essa forma indireta de “venda de cargos públicos”, em que é comprador o funcionário e vendedor o partido que lhe forneceu o posto. Obviamente, se o funcionário conseguiu o cargo por concurso, aí estará livre para contribuir a favor de qualquer partido porque sua decisão foi presumivelmente espontânea, garantido que está pelo estatuto de funcionário a que está sujeito. Sua vontade é considerada livre.

Voltemos, agora, para a hipótese, provável, de uma nova versão da CPMF. Ela não seria tão odiada se “casada” com a redução simultânea — ou quase... — na alíquota do I. Renda. Obviamente, não cabe aqui qualquer sugestão específica para que as alíquotas, tanto da CPMF quanto do I. Renda, sejam fixadas em “x” ou “y”. Somente o Ministério da Fazenda e economistas de confiança da oposição poderão, após estudos, dizer que, fixado em “z” o percentual da futura CPMF, a alíquota do R. Renda poderá ser reduzida em “x” por cento. O “casamento” das alíquotas será feito de modo tal que aumente a arrecadação — para fins gerais ou somente para a saúde — com a concomitante diminuição do I. Renda.

Li em jornais sérios que com o desaparecimento da CPMF a União deixou de arrecadar 42 bilhões de reais. Imagine-se qual seria a arrecadação se a nova CPMF fosse de 0,5% ou mesmo 1%. O I. Renda poderia, talvez, ser fortemente reduzido.

O “imposto do cheque” (abrangendo o cartão de crédito) tem a grande vantagem de garantir que o dinheiro vá direto ao tesouro nacional. Além disso, é um tributo “virtuoso”, isso é, preserva a virtude dos funcionários em cujas mãos passa a verba antes dela chegar no caixa do governo. É um tributo praticamente indesviável.

Finalmente, um outro assunto, conexo e deixado para o fim desta dissertação porque considerado utópico: seria ideal que, em toda sociedade humana, só existisse um tributo, com razão denominado de “imposto único”. Já imaginou, o leitor, um só tributo que cobrisse todas as despesas governamentais, de união, estados e municípios? Nada de preencher inúmeras guias, atentos aos variados prazos, e outras desgastantes formalidades. Seria um pedaço do céu na terra. Esse nobre e difícil objetivo talvez seja presenciado pelos nossos futuros bisnetos porque a simplificação tem sido a tendência de toda tecnologia.

Como, porém, tão cedo a humanidade — e fiquemos, agora, com o Brasil — não conseguirá o milagre organizacional do “imposto único”, uma variante brasileira da CPMF poderá ser um instrutivo experimento, um ensaio, um “ovo” desse imposto. Mesmo porque nenhum governo federal, em seu juízo perfeito, ousará instituir esse novo imposto geral, único, cancelando abruptamente os tributos já existentes. Seria um passo no escuro e à beira de um abismo. Somente depois de constatada, na prática, o montante da arrecadação da nova CPMF é que, provavelmente, será possível decidir qual o percentual do I. Renda que poderá ser reduzido. A oposição, no entanto, deverá estar atenta para que, na lei que crie a nova CPMF fique expresso que no prazo “x” o Executivo fixará qual o percentual da redução do I. Renda.

Que os argutos tributaristas me perdoem por entrar, sem a menor cerimônia, na complexa seara deles.

(06-9-2011)


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