segunda-feira, 7 de maio de 2018

“Doces Mentiras”, uma crônica de Danuza Leão


Não me lembro de ter lido crônicas de Danuza Leão antes de comprar — de uns dois meses para cá, e apenas aos domingos —, o jornal “O Globo”. Moro em São Paulo e sou assinante de jornal paulista. Sabia apenas que, anos atrás, era um nome em evidência. Nem sabia que foi escritora premiada. Lendo, hoje (06/05/2028), sua crônica “Doces Mentiras” — na revista ‘Ela’, que acompanha o jornal aos domingos — gostei demais do que ela disse sobre a mentira, quando piedosa.

O tema “verdade” sempre me interessou vivamente, tanto assim que publiquei dois volumes — “Verdades que melindram” — contendo 170 artigos meus, quase sempre procurando demonstrar a verdade em temas que, pela sua abrangência e fluidez, permitem cavalares recheios de falsidades.

Para ser franco, não sei como a raça humana conseguiu, até agora, evitar a autodestruição mentindo com tanto desembaraço, a arte pela arte. A mentira criou até profissões honradas: a propaganda e a advocacia. Nenhum criminalista sentirá remorso por mentir em favor de seu cliente, visando sua absolvição. Pelo contrário, arrepender-se-á, profissionalmente, se o cliente for condenado, por excesso de sinceridade do defensor. Será rotulado de ingênuo e incompetente. Será xingado até pela mulher, exasperada com as contas ainda não pagas: “Assim não dá, meu santo querido... Acho melhor você ficar em casa, cozinhando sua santidade... Vou arranjar um emprego, nem que nele seja necessário mentir!”

Antes de ler o texto da Danuza eu ainda guardava dúvidas se deveria sempre, “cláusula pétrea”, dizer a verdade, porque a auto permissão de distorcer a realidade seria um incentivo à desonestidade mental. Lendo a crônica de Danuza fiquei mais convencido de que, em algumas situações, omitir a verdade é muito mais humano, caridoso, e possivelmente mais construtivo que dizer a verdade. Assim como alguns venenos, na dose mínima adequada, podem se tornar excelentes remédios, também na política, por exemplo, mentir inteligentemente — e com boa intenção —, pode salvar um país de uma situação econômica catastrófica. O problema, por vezes, não está na mentira em si, mas no “timing”, na capacidade analisar melhor a situação atual e do futuro, próximo ou remoto.

Em suma, a própria verdade, tão elogiada por si só, depende da inteligência quanto ao uso, ou momento de uso.  Se um pai, por exemplo, tem um filho que lhe parece meio retardado, ou incapaz, ele deve lhe dizer — ou deixar isso subentendido —, que não vê nele qualquer futuro? Jamais! Um pai que faz isso é um verdadeiro assassino moral. Além do mais, burro, porque a “incompetência” do júnior pode talvez desaparecer se procurada uma profissão diferente daquela imaginada e preferida pelo pai. Pequenas deficiências visuais, auditivas, endócrinas do menino, ou rapaz, ou mal hábitos, podem, se corrigidos, revelar que o filho acabou “vencendo mais” que o pai. E se isso não ocorrer, não importa: a natureza não foi boa com ele. Afinal, o filho vem do pai e da mãe. Sua missão de pai será a de compensar essa falha da natureza. Se os próprios cães, nas famílias, são bem tratados, até respeitados, por que não fazer o mesmo com os filhos?

Na crônica da Danuza ela pergunta: “Quer um conselho? Reúna a família e declare, em alto e bom som, que se seu marido estiver tendo um caso você não quer nem saber, e se teve um há 20 anos, também não está interessada”. E acrescenta: por que os crimes prescrevem, mas os sofrimentos que certas revelações trazem, esses não”.

Uma mulher casada há mais de quarenta anos, deve, apenas por amor à verdade, confessar ao marido, que trinta anos atrás traiu o marido com um amigo dele, em um momento de fraqueza? Essa inútil verdade só envenenará, doravante, a velhice do casal. O marido vai saber com quem foi, como foi e “tem certeza que meus ‘supostos’ filhos são realmente meus?”

Outra boa sacada da cronista é quando diz (...) “Aprendi com Vinícius (de Morais): quando alguém chegava perto e dizia “preciso te falar uma verdade”, ele respondia logo: “verdades, só pelas minhas costas”. 

Alguém, em perfeito juízo, aconselharia a autoridade máxima de qualquer religião, com milhões de fiéis, a assumir o rádio e a televisão, para anunciar uma “dura” verdade: concluiu que Deus não existe e por isso precisa renunciar porque lhe seria desonesto mentir e manter seus seguidores no erro? Se quisesse prosseguir na sua fala, detalhando seus argumentos, certamente sua voz e imagem desapareceriam da tela, em poucos minutos, porque seus assessores logo concluiriam que o líder religioso fora vítima de algum distúrbio cerebral.

Com ou sem perturbação mental, tal “verdade” — sempre muito pessoal — deveria ser logo desmentida pela cúpula da religião porque seria um terrível golpe, um “puxar de tapete” em milhões de pessoas que encontram conforto espiritual e esperança na crença de que dias melhores as aguardam quando estão em momentos de dor, doença, dramas familiares e aflição financeira. Se, dias depois do terrível enunciado, o chefe religioso fosse procurado por repórteres, querendo ouvir seus argumentos, o que seria mais virtuoso? Manter sua opinião ateia, ou desconversar, dizendo que não andava bem de saúde, quando da sua “confissão”, estando agora sob tratamento neurológico, e por isso renunciava à sua liderança religiosa, pedindo desculpa aos fiéis.

Esse hipotético renunciante mostraria caráter escondendo sua descrença, apenas preocupado com o bem comum. Isso porque a maior parte dos seres humanos precisa de um Deus. Precisam de um ombro amigo, de sentir-se ligados a um ser superior que os protejam, ou pelo menos os confortem. Penso que são raros os ateus absolutos.Com saúde, é fácil ser ateu. Com câncer, depende. Se for curável, seu ateísmo reduz-se a um terço. Se incurável, com morte próxima, o ateísmo aproxima-se de zero.

O assunto possibilitaria infindáveis associações de ideias. Aqui, via eletrônica, o que já escrevi já é quantitativamente demais. Termino incentivando que essa “leoa” — até no nome —, continue aparecendo no “Ela” do jornal, para deleite daqueles que admiram a sinceridade, complementada pela inteligência de uma mulher que foi até modelo, coisa rara em escritoras de sucesso.