tag:blogger.com,1999:blog-22998073241306621942024-03-13T19:15:01.226-03:00Francisco Cesar Pinheiro RodriguesDesembargador aposentado Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.comBlogger382125tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-48059816119323235522024-03-09T09:29:00.000-03:002024-03-09T10:09:09.955-03:00Observações complementares sobre o livro “REFLEXÕES JURÍDICAS II”, do advogado Elias Farah.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbJCbVq6d0pka6HiXnGe4p90npGA_4h1FSs-NOtU1r3H0X0J25hUcdbQVSaj1-hUk7SPw9h6HXGbO-lOUPkwfqD9QYxZbqIu_0d-nw3z18jEL1DSbY1aXgTLN68ImROtRtld5LvxX_T1Evl5aJV_pGXAQcRmiud2niW01q4uNyDkljxvXqJcmhqco_oX8/s1536/LIVRO_ELIAS_FARAH.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1536" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbJCbVq6d0pka6HiXnGe4p90npGA_4h1FSs-NOtU1r3H0X0J25hUcdbQVSaj1-hUk7SPw9h6HXGbO-lOUPkwfqD9QYxZbqIu_0d-nw3z18jEL1DSbY1aXgTLN68ImROtRtld5LvxX_T1Evl5aJV_pGXAQcRmiud2niW01q4uNyDkljxvXqJcmhqco_oX8/w640-h426/LIVRO_ELIAS_FARAH.webp" width="640" /></a></div><br /><p>Cerca de um ano atrás fui agradavelmente surpreendido pelo Dr. Elias Farah com o convite para que eu redigisse o prefácio de sua mais recente obra — acima mencionada. Honrado com sua lembrança, escrevi prontamente o prefácio, que consta no livro impresso.</p><p>A justificação da minha surpresa com o convite, é porque nunca me considerei, a rigor, um jurista. Embora “viciado” pela palavra impressa e com mais de 6.000 livros comprados, aguardando leitura, meu preponderante interesse intelectual nunca foi centrado no Direito. Essa orgulhosa e bela Ciência tem seu ponto fraco no momento de sua aplicação ao caso concreto. A excessiva abstração e extensão das constituições, nos variados países, possibilita decepcionantes distorções interpretativas, via infindáveis recursos e até mesmo habeas corpus concedidos de ofício “anulando tudo”, com a benevolência ou severidade judicial variando conforme a tendência política de quem julga ou está sendo julgado.</p><p> Napoleão Bonaparte, militar e político inteligentíssimo, chegou a dizer, em momento de desabafo, ou blague, que “as constituições deveriam ser curtas e vagas”. Quanto mais extensas, palavrosas, maior a possibilidade de infindáveis conflitos interpretativos, tudo dependendo do caráter do julgador, da sua honestidade intelectual. Resumindo: o Direito, como “ciência” merece total respeito, mas seu “aplicador” nem sempre está isento de preconceitos, simpatias ou antipatias — pessoais ou políticas. Mesmo em países francamente ditatoriais, com “ditadura do proletariado”, ou de extrema direita, com inspiração nazista, existem, “tribunais’, meros prédios, com magistrados nomeados, controlados e intimidados pelo ditador, interessado em manter uma aparência de legalidade. Stalin não fechava seus tribunais, só trocava os ocupantes.</p><p>Pedindo desculpa pela digressão, voltemos ao que interessa: explicar porque volto a falar sobre o Dr. Elias Farah e, seu livro “Reflexões Jurídicas II” e porque, no referido prefácio, usei algumas linhas elogiando a modéstia pessoal do prefaciado.</p><p>Por que mencionei, várias vezes, que meu amigo Elias Farah é um homem modesto? Essa bela e nobre qualidade humana — cada vez mais rara com a globalização —, a modéstia é um traço inato do caráter, nada tendo a ver com a abundância, ou escassez, ou riqueza intrínseca de sua obra.</p><p>O cidadão pode ser até um premiado Nobel, sem ficar proclamando isso em toda parte, promovendo-se, procurando jornalistas ou sites para entrevistá-lo. Eu poderia citar aqui dezenas de grandes cientistas premiados pela Fundação Nobel de quem o leitor nunca ouviu falar. Há bilionários discretos que não gostam de exibir sua riqueza. Vez por outra fico sabendo, apesar de ler jornal diariamente, há décadas, que um determinado cidadão — para mim um completo desconhecido — de um pequeno país é um dos homens mais ricos do planeta. Grandes pintores do passado, escritores e cientistas foram modestos, as vezes só reconhecidos e valorizados depois de falecidos. Porém na música, nos palcos, no cinema, no futebol e nos demais esportes de massa um comportamento modesto é hoje quase impossível porque seu ofício, seu trabalho é assistido ao vivo, nos estádios, na televisão, em filmes e na mídia em geral. Assim mesmo, há diferenças entre tais profissionais. A maioria procura os holofotes. Uma minoria prefere fugir deles, preservando sua vida familiar. Nos dias atuais, se o artista for reservado demais seu empresário o criticará porque seu lucro — do empresário e do artista —, depende da extroversão, do “grito”, do “aparecer”. Quase todos querem ou precisam ter seus cinco minutos de fama. Se essa exposição torna-se incômoda, passam a usar óculos escuros.</p><p>Na advocacia e na medicina a vontade de aparecer sofre restrições porque há controle externo e legislação proibindo a autopromoção. Em síntese: afirmar que um determinado profissional é um homem modesto não significa que sua obra também o seja. </p><p>É o caso do advogado Elias Farah, autor de 8 livros, volumosos e substanciais mas no fundo sintéticos porque o Dr. Farah sempre foi detalhista e conciso, pesando cada palavra. Para ajudar os leitores que desconhecem os fundamentos legais de determinados problemas ele menciona a lei, ou decreto, sua data, artigo, parágrafo, alínea, jurisprudência e também sua própria opinião, ou interpretação. Quando tem, vez por outra, alguma dúvida sobre o mérito de um assunto controverso ele diz isso expressamente.</p><p>Uma singularidade minha mas que não deve ser apenas minha: quando topo com algum profissional — qualquer profissional, até mesmo braçal—, que realmente conhece os segredos da sua atividade mas que, por modéstia, esconde sua superior qualificação, sou o primeiro a recomendá-lo, promovê-lo. Faço isso com satisfação. Por que só elogiar depois de morto?</p><p> A modéstia pessoal é uma virtude, não uma falha a ser escondida. Não confundir, por favor, modéstia com moléstia. Principalmente quando o profissional revela uma inteligência e um senso de responsabilidade bem acima da média. Frequentemente o modesto ganha menos que seus colegas mais atrevidos, não pelo próprio trabalho, mas pela ousadia no cobrar, ousadia que falta no “modesto”. Alguém já observou que pessoas bondosas, generosas, não são bons comerciantes. Na advocacia também isso pode ocorrer, com um grande advogado criminal trabalhando de graça, para defender um injustiçado. Tales Castelo Branco é um deles. Até políticos podem ser modestos, usando pouco os microfones. Ângela Merkel, por exemplo, tem essa característica pessoal. Não procura holofotes, os holofotes é que a procuram. E ela não pode fugir das entrevistas, no cargo que ocupa.</p><p>Penso que já escrevi, até demais, esclarecendo que a modéstia pessoal é uma bela qualidade e pode existir em um Papa, um prêmio Nobel, um bilionário e até em um político, excepcionalmente. O cidadão pode ter obra extensa e de altíssima qualidade e ser de temperamento modesto, reservado, pouco falando dele mesmo quando isso não é necessário.</p><p>Voltando ao livro “Reflexões Jurídicas II”, explico qual a utilidade da sua leitura. Sendo uma coletânea de ensaios, a maioria de assuntos jurídicos, alunos do curso de Direito teriam proveito quando pretendem escrever tese de grande relevância no momento. Escolhido o assunto, lendo o livro do Farah o aluno fica sabendo porque o tema, aparentemente vago, é tão importante, no momento, e qual a legislação sobre ele.</p><p>Mesmo os jornalistas podem tirar proveito da leitura dos ensaios. De modo geral os jornalistas conhecem os assuntos sob o enfoque político, não jurídico. Não têm tempo para longas pesquisas. Caso decidam investigar a base legal do problema, encontrariam nos ensaios do Farah os melhores argumentos, já meditados, resumidos e indicando as fontes legislativas.</p><p>Quem quiser saber o essencial sobre drogas, entorpecentes e variados tóxicos, leia o que escreveu o Farah no referido livro. Aprendi muito com tal leitura. Foi como ler um livro inteiro, sintetizado, abordando o tema sob o ângulo médico, jurídico, policial, social e moral.</p><p>Termino por aqui, repetindo que o prefaciado, mesmo tendo escrito centenas de artigos muito bem argumentados é um homem, no fundo, modesto. Que continue assim.</p><p>Perdão pela extensão. A falha é minha, não do homenageado.</p><p><br /></p><p><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=Z8SL98K5HY7C&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C233&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />Desembargador aposentado<br />oripec@terra.com.br</a></p><p><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=Z8SL98K5HY7C&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C233&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Conheça meus livros na Amazon.com.br</a></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-77508099466714668932024-02-24T08:38:00.001-03:002024-02-24T08:53:38.636-03:00“Criônica”. Um livro original <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://www.amazon.com.br/Cri%C3%B4nica-Francisco-Cesar-Pinheiro-Rodrigues-ebook/dp/B08T1L6VZG/ref=sr_1_3?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=DH6YFYD4Y5SB&dib=eyJ2IjoiMSJ9.OjC2vnijGPE06CjD6v6W73P_mTj7b5rM5JUsvArrzuJKDU7xwJSjzu4QEMze8PgQUBnASLZc74-9cVuRel1BWXukKnFIAnZpVWlUk-63k33o2bsWWdbs2lWE6FZJjXp2eZbg9vY3DNYmVXpMwsZpQ-rZbBeT-HNzu3CUdIBgmVT6euxAnhVGE7otwdgRmrxgzjfwYTKby6PwotbpcKKrtF6aLtSbE_MVErKEdpsSeN0.wIpbC2vAumKYj4WSaW38-nVoe0SUueBYq-T-qtj-Kgg&dib_tag=se&keywords=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&qid=1708775597&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C208&sr=8-3" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;" target="_blank"><img border="0" data-original-height="320" data-original-width="298" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEXLPMYrDwCKtBNBA6ZQ_t5q2zxJ0Mzi6Q87cjQGM4hhs0DmISSo-pObMmHRTrlZevoPJMtnubPv68D1QhCOnAiumY4jukhLLcVMW4P1F4WjQVlB3KibkscOw7Cyla1Xyh-ovIr1-GulGyZoEHQ8UbyDkUyWWwAzZEmUlDYuCGBrXwYT-0lOM0Pur2Nnc/s1600/capa_crionica2.jpeg" width="298" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 18pt; line-height: 107%;">“Criônica”.
Um livro original</span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; text-align: justify;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Em 2005 publiquei um
romance que batizei com o título acima, um aportuguesamento da palavra inglesa
“cryonics”, inventada por norte-americanos. Ela significa a técnica de congelar
seres humanos imediatamente após a morte — antes que ocorram danos cerebrais
irreversíveis —, com a esperança de que possam ser descongelados, alguns anos
depois, quando as suas doenças, hoje incuráveis, já não mais o forem. A
presunção, inegável, é a de que a medicina do futuro será muito mais avançada
do que a do presente. Técnica, hoje, incipiente, tateando, mas quando der certo
iniciará uma nova era. Não existe nada mais revolucionário”, embora sem data
previsível para o sucesso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Não confundir, por favor,
a palavra “cryonics” com “cryogenics”(criogenia), ramo mais abrangente da
física que estuda a produção de temperaturas extremamente baixas e seus efeitos na matéria em geral, inclusive nos seres vivos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Reiterando, “cryonics”
refere-se unicamente ao congelamento de pessoas, com o fim de “acordá-las” anos
depois. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">— “Como?!
Ressuscitá-las?!” — perguntam-se as pessoas mais apegadas ao pensamento
religioso. — “E o que acontece com a alma? Permanecerá congelada no “cadáver”
ou fica passeando até ser chamada de volta”? Caçoadas não faltam. Por enquanto
com alguma razão, mas o tempo mostrará que o futuro nos surpreenderá.
Obstáculos mais difíceis já foram superados pelo engenho humano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">O congelamento seria uma
espécie de “pause” do filme gravado em DVD. Querendo continuar a exibição basta
apertar o botão do controle remoto. O filme não se “deteriora” com a pausa.
Segundo li, os próprios átomos — normalmente tão irrequietos na temperatura
normal, filmados no microscópio eletrônico —, ficam quase imobilizados quando a
temperatura está em -196 C. Essa é a temperatura do nitrogênio líquido em que
estão encerrados os “mortos”, ou “pacientes”, na terminologia dos entusiastas
da criônica. Uma espécie de “coma” gelado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">O interesse prático por
tão ambiciosa façanha, “ressuscitar” uma pessoa “morta” — assim considerada,
legalmente, hoje, porque o coração e o pulmão pararam de funcionar — obviamente
surgiu em seres humanos que ainda esperavam viver muitos anos, mas foram informadas,
por médicos sinceros e competentes, que sua doença é mortal, incurável e com
desfecho próximo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Mesmo o paciente sabendo
que os laboratórios esforçam-se para a cura de sua doença, o médico honesto e
realista informa ao angustiado cliente que, no seu caso, mesmo surgindo,
eventualmente, a notícia de uma grande descoberta científica, não haverá tempo
suficiente para a composição do remédio, rigorosos testes de eficácia e a
autorização para sua comercialização. Esperar por um “milagre científico” e
farmacêutico será morte garantida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Quando a situação é essa,
o paciente, imaginativo e apegado à vida, pensa da seguinte forma: — “Já que
vou morrer daqui a algumas semanas, ou meses, por que não arriscar em me
congelar a -196° C e esperar por tempos melhores, quando minha moléstia for equivalente
a um resfriado? Não vou ser morto antes do tempo porque isso seria homicídio.
No momento que eu naturalmente morrer, em vez de meu corpo iniciar o processo
de decomposição, a técnica iniciará um “tratamento” impeditivo do
apodrecimento. Só quando meu coração espontaneamente parar de bater e eu
estiver inconsciente é que os paramédicos de prontidão extrairão, com rapidez,
meu sangue, substituindo-o por um líquido — uma espécie de glicerina —, que só
será substituído por sangue verdadeiro quando eu for descongelado”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">E o “condenado” prossegue
pensando: — “Quando eu sair do “coma gelado”, daqui a alguns anos, receberei
uma transfusão de sangue; meu coração será estimulado, eletricamente, a pulsar,
o oxigênio invadirá meus pulmões, e eu poderei, quem sabe, voltar a viver. Se o
processo, não der certo, eu continuarei morto, como o restante da humanidade,
totalmente inconsciente do fracasso. Apenas o velho e conhecido sono eterno.
Essa conjetura é mais reconfortante que saber — com absoluta certeza —, que
daqui a alguns dias, ou meses, morrerei mesmo, sendo enterrado ou reduzido a
cinzas. Congelando, terei alguma chance, acima de zero por cento, de “voltar”
—, porque a ciência e a tecnologia não param de evoluir. E o que tenho a perder
congelando-me? Apenas o dinheiro que dei para a empresa que me manteve
mergulhado em nitrogênio líquido. Qual a utilidade do dinheiro para qualquer
morto? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">No meu romance “Criônica”
— que não é, de forma alguma, um livro de ficção científica —, eu coloquei dois
personagens: um arguto ex-banqueiro brasileiro, condenado por homicídio da
esposa, portador de câncer incurável, e seu irmão, um desembargador aposentado,
mais ajuizado, que tenta convencer o doente a não entrar numa provável arapuca
comercial. Considera impossível essa história de voltar a viver após anos ou
décadas, mas no decorrer das conversas com o irmão começa a admitir alguma
possibilidade. É emocionalmente estimulado, nessa tolerância científica, porque
vê nela uma solução para um segredo sentimental que nunca revelou a qualquer
pessoa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">O romance desenvolve-se
no dia-a-dia da espera da morte, o ex-banqueiro contando ao irmão o desenrolar
de sua vida, a lembrança das mulheres que “conheceu”, no sentido bíblico ou
platônico — o financista foi um mulherengo que realmente amava, embora provisoriamente,
cada uma delas — registrando os diálogos em gravador. Faz isso porque espera
que o irmão jurista, aproveite esse material escrevendo um livro que ele, o
doente, continuará escrevendo após seu retorno à vida. No “volume 2” poderá
contar com mais detalhes, o que viu, pessoalmente, no fim do tal “túnel de
luz”, assim descrito por pessoas que sofreram a experiência de “quase morte”,
ou morreram mesmo durante alguns minutos, sendo ressuscitadas por choques no
coração.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Para escrever esse
romance perdi um bocado de tempo, lendo os tópicos de ciência e filosofia
relacionáveis com tão peculiar situação. Aproveitei a oportunidade para trazer
à baila, nos diálogos, a experiência profissional do irmão aposentado, criando
um enredo paralelo ao aspecto científico, assim evitando a monotonia de
conversas girando em torno de um único assunto técnico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Nossa vida é breve. De modo geral, os primeiros vinte anos servem
apenas para o desmame, a alfabetização e o conhecimento elementar do mundo que
nos cerca. Depois dos vinte vem a fase da luta pela vida, a disputa sexual, a
concorrência, a luta pelo status. Dos quarenta aos sessenta a luta do “camelo”
apenas útil continua. Depois dos sessenta, o “gás” vai sumindo. De modo geral,
nessa fase, a maioria, olhando para trás, não se considera “vencedora”. O
resumo disso é: “Nasceu, mamou, comeu, bebeu, fornicou, trabalhou — ou não teve
sempre essa oportunidade — e o foco da vida passou a ser o combate contra o
colesterol, o diabetes ou a fome, a pressão alta e preocupações assemelhadas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Há, porém, alguns poucos
milhares de indivíduos — entre os sete bilhões de habitantes do planeta —
realmente interessados em conhecer verdadeiramente nosso habitat, nós mesmos e
o cosmo fascinante e misterioso. São pessoas, geralmente inteligentes — ou pelo
menos invulgarmente curiosas —, que anseiam por formar uma síntese do mundo
conhecido e avançar no desconhecido, procurando explicação para todos os
fenômenos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Para aqueles realmente
interessados em penetrar a fundo na compreensão dos seres vivos, e não vivos, o
tempo de vida plenamente lúcida é decepcionante. É um desperdício que pessoas
como um Einstein, por exemplo, e centenas de outros cientistas — notáveis na
inteligência e no caráter — disponham de tão pouco tempo útil. Daí o interesse
em criar uma técnica adequada de congelamento que permita a cientistas e
pensadores, especialmente engenhosos, fazerem uma “pause” nas suas vidas,
quando o cérebro começa a declinar seriamente, sabendo que, depois de um “sono”
de dez ou vinte anos, poderão “acordar”, reparar seus cérebros, acrescentar
novos neurônios utilizando células-tronco, e prosseguir com suas pesquisas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Além do mais, no decorrer
das futuras décadas, e séculos, o homem “precisará” enviar astronautas para a
exploração espacial muito além da lua. Tais viagens consumirão anos de vida.
Com a técnica do congelamento, até lá dominada, o astronauta poderá “dormir”
por dez, vinte, trinta ou cinquenta nos, voando talvez com velocidade próxima à
da luz, sem envelhecimento, só “despertando” quando o computador da nave
espacial disser que é hora de “acordar”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Penso que está
justificada minha defesa esperançosa no conteúdo programático do livro
referido. Quero incentivar as pessoas mais inteligentes a pensar no tema. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"></p><div style="text-align: left;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=DH6YFYD4Y5SB&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C208&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues</a></span></span></div><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=DH6YFYD4Y5SB&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C208&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><div style="text-align: left;"><span style="font-size: 12pt;">Desembargador aposentado</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-size: 12pt;">e.mail - oripec@terra.com.br</span><span style="font-size: 12pt;"> </span></div></a></span></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=DH6YFYD4Y5SB&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C208&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Click aqui e conheça meus
livros</a></span><o:p></o:p></span></p></div><p><br /></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-78321538118631671582024-02-12T11:24:00.002-03:002024-02-12T11:24:36.551-03:00Proposta legislativa pró liberdade de opinião<p><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNaffYoJaZhmcnCa9USZJDtSU9tZvfkpFNmLCriS4W9HQOHu5PuzuG-jy8LHL2-jmRbKHA4dnIZ1nRKp4dpq5bBiYfCflEdj2hoL6P6Y7Vou6NUCjjLoDNbf2SpWgOl172zMmKSj9OzhXCfe2El9Fq40hKWVXks7S-EGBC1PhK4VBhfvyeWgjOyFnQdAI/s320/liberdade.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="226" data-original-width="320" height="226" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNaffYoJaZhmcnCa9USZJDtSU9tZvfkpFNmLCriS4W9HQOHu5PuzuG-jy8LHL2-jmRbKHA4dnIZ1nRKp4dpq5bBiYfCflEdj2hoL6P6Y7Vou6NUCjjLoDNbf2SpWgOl172zMmKSj9OzhXCfe2El9Fq40hKWVXks7S-EGBC1PhK4VBhfvyeWgjOyFnQdAI/s1600/liberdade.jpg" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p> Não obstante nossa “total” liberdade de opinião, na imprensa e na internet, essa liberdade é teórica, fictícia — mesmo quando exercida sem abuso. Isso ocorre por causa de uma ameaçadora possível ação de “indenização por dano moral”, movida por quem errou, sabe que errou, continua errando mas pretende silenciar seus críticos — mesmo quando mentalmente honestos —, “usando” a Justiça para seu astuto objetivo. </p><p>Espero que as entidades encarregadas da defesa da liberdade de expressão leiam este despretensioso texto, redigido em estilo coloquial, compreendendo que com a atual legislação — em um país atolado em milhões de processos demorados —, o receio de uma arrasadora condenação por “dano moral” paralisará a busca da verdade ou a tornará imensamente arriscada.</p><p>Friso que este artigo não ataca o demandante bem intencionado que realmente foi caluniado, ou difamado. Visa apenas os que utilizam o “medo financeiro” como forma de manter escondidos seus malfeitos.</p><p>Em toda ação judicial, deve estar presente a máxima genial de Voltaire que gosto de invocar: “A vantagem deve ser igual ao perigo”. Hoje, na ação por dano moral movida pelo poderoso contra o remediado — por exemplo um jornalista —, este pode perder todo o seu patrimônio, enquanto o risco patrimonial do poderoso é praticamente nenhum, “coisinhas”. Isso leva o poderoso a abusar de seu poder de intimidação econômica, forçando o jornalista a calar a boca porque, se não o fizer, poderá perder o pouco que tem.</p><p>O presente artigo sugere uma curta modificação legislativa, no processo civil, que funcionará como desestímulo para tais ações quando visam apenas intimidar o réu — jornal, jornalista, repórter, revista, rádio, televisão, blogs e opinião desfavorável de qualquer modo publicada. Ao mesmo tempo, essa lei, aqui sugerida, teria o bom efeito colateral de desestimular, na mídia, críticas desnecessariamente ácidas — até com obscenidades, dando uma péssima imagem do país, — com ofensas pessoais que aproveitam a oportunidade da crítica, talvez justa, para insultar e desmoralizar uma pessoa física ou jurídica. A tentação do abuso, tanto de um lado quanto do outro, é uma constante na história do Direito. </p><p>O sofrimento apenas moral varia muito, conforme a sensibilidade de cada um. Tais ações podem demorar vários anos — quanto mais, melhor para o autor, em certos casos, porque sua verdadeira intenção é calar o réu, que precisa ser silenciado “a qualquer custo!”. Um custo financeiro previsível para o autor da ação, mas imprevisível para o réu, pois não há uma tabela legal impondo limites máximos para indenizações por dano moral. A quantia em jogo é uma caixa misteriosa.</p><p> Penso, até, que a legislação poderia fixar o limite máximo da condenação do réu nessas ações, mas com um parágrafo, de exceção, permitindo condenação indenizatória superior ao teto, se confirmado, nos autos, que o autor agiu com indiscutível má-fé, na certeza de que poderia insultar à vontade porque o juiz estaria impossibilitado de aplicar uma condenação alta, exemplar, acima da tabela. </p><p>A propósito, diz a história, ou lenda, que na Roma antiga uma lei previa que um tapa da cara tinha como castigo uma pequena indenização de xis moedas de cobre, o sestércio. Apoiado nessa legislação, um ousado gaiato rico saía na rua, acompanhado de um escravo forte carregando um saco de moedas. Quando o excêntrico topava com alguma pessoa cuja cara não lhe agradava o maldoso a esbofeteava e seu escravo pagava, no ato, à própria vítima, a multa prevista em lei, que era modesta. Daí a minha sugestão de que se houver uma eventual fixação de teto para indenização do dano moral que a lei preveja também uma indenização alta, caso bem comprovado o permissivo abuso do poder econômico. </p><p>Em algumas ações de indenização por dano moral, paradoxalmente — porque nas ações judiciais, é o autor quem tem pressa no término da demanda —, quanto mais tempo ela demorar, melhor para o criticado, autor, porque sua verdadeira intenção não é obter o dinheiro da indenização mas incutir medo paralisante — na alma e/ou no “bolso” — de quem apontou suas falhas. O réu sabe que o tema “dano moral” é, por natureza subjetivo, “escorregadio”, e os juízes variam muito na quantificação da dor moral. A sorte do réu vai depender, em muito, da distribuição do processo, ou do recurso.</p><p>É por causa da desigualdade de forças financeiras entre autor e réu que muitas investigações importantes, iniciadas por órgão de imprensa, somem do noticiário. A investigação, a “busca da verdade” contra um poderoso pode significar um pesadelo capaz de arruinar uma vida ou uma empresa.</p><p>Um “detalhezinho” jurídico-processual que facilita a intimidação de jornalistas e críticos em geral — mesmo quando mentalmente honestos — está na permissão de o Autor da ação dar à causa um valor mínimo, “simbólico”, como, por exemplo, R$1.000,00, frisando o Autor, na petição inicial, que deixa “a critério de Vossa Excelência” (o juiz cível) “fixar o valor da indenização”. Esse “valor simbólico” representa uma enorme vantagem psicológica para o autor da ação, o criticado — quando mentalmente desonesto —, porque caso ele perca a demanda — algo bem previsível para ele —, sua condenação pela “sucumbência” (pagar honorários à parte contrária) será mínima, eis que a condenação dele não poderá exceder 20% do valor da causa. 20% de R$1.000,00 é R$200,00. Essa ridícula “condenação”, de duzentos reais em honorários, estimula sua prepotência, o uso “baratinho” da Justiça para silenciar, durante muitos anos de demanda, quem revelou suas faltas.</p><p>Ocorre, no entanto, que como o valor da causa, dada pelo autor da ação, foi “simbólico”, esse baixo valor não proíbe o juiz — segundo a jurisprudência — de condenar o réu (o jornalista, p. ex.) a pagar uma altíssima indenização, sem valor previsível, caso entenda que a crítica ofendeu moralmente o autor. Enfim, o réu, mesmo ciente de que não fez nada errado, vê-se obrigado, por mera prudência, a sempre contestar a ação, mesmo com baixo “valor da causa”, contratando advogado e sofrendo um longo desgaste emocional. Nenhum jornalista previdente, p. ex., se absterá de contestar uma ação dessa natureza presumindo que, se condenado, a condenação será pequena. O juiz pode pensar diferente. Se o autor não contestar a ação será revel, “confesso”. Perde a ação por omissão.</p><p>É, portanto, de urgente necessidade moral e jurídica — tendo em vista que tais ações podem estender-se por muitos anos — que o legislador conceda ao réu — um jornalista, por exemplo — o direito de, quando citado em ação cobrando “danos morais’, apresentar “reconvenção”, pedindo contra o autor uma indenização, de igual valor ao pretendido pelo autor, também por dano moral, só pelo fato de estar sendo processado injustamente. Na sentença, o juiz decidirá, com base na prova, a boa e a má intenção do criticado e do crítico. Não tem cabimento, é injusto exigir que o jornalista seja obrigado a ser “fritado” vários anos, apenas se defendendo, aguardando o remoto trânsito em julgado de sua inocência para, só depois, poder processar quem o processou injustamente. Propõe-se aqui, em vez de duas ações, em sucessão, apenas uma, simultânea. </p><p>Alguém poderá alegar que a lei agora proposta é desnecessária porque se o autor perder sua ação poderá ser condenado por “litigância de má-fé. Ocorre que os que frequentam o fórum sabem que, nessas ações, a condenação por “litigância de má-fé” do autor é raríssimamente aplicada tendo em vista que a sensibilidade moral é muito variável na sua ocorrência e medição. </p><p>Se, com a legislação atual, um juiz admitir — por economia processual —, a utilização da reconvenção nessas ações de indenização por dano moral, essa decisão ensejará infindáveis e sutis discussões acadêmicas e judiciais, com o argumento de que a “mera” condição de Réu em ações desse tipo não representa um “sofrimento moral” já ocorrido, passado. “Seria necessário” — dirão os críticos da ideia — “um prolongado tempo de sofrimento do jornalista, após sua citação, para justificar o pedido do Réu”. Este teria — “tecnicamente” — que sofrer longamente para, só depois, muitos anos depois, transitada em julgado sua absolvição, ter o direito de pretender cobrar do Autor a mesma quantia pretendida pelo Autor que o intimidou financeiramente por longo período.</p><p>Ponha-se o leitor na pele de um jornalista que foi citado judicialmente para pagar, digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não comprovou uma falcatrua — ouvida de fonte confiável, em tese crível. Essa ameaça tira-lhe todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer que, devido a globalização, a ação por danos morais seja processada em país estrangeiro propenso a indenizações milionárias.</p><p>O jornalista Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi condenado, pela justiça americana, a pagar uma indenização de cem milhões de dólares por haver mencionado — em entrevista, divulgada também nos EUA —, que a diretoria de uma empresa estatal brasileira, teria desviado altas somas da empresa para contas particulares dos diretores, em banco suíço. Como Francis não comprovou em juízo esse desvio — o sigilo bancário era inviolável —, o jornalista foi condenado a pagar os cem milhões. Ele justificava-se, dizendo que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria investigar o fato, supostamente ilícito, mas a investigação não ocorreu. Pelo que presumia a mídia, nos anos 1990, o enfarte do jornalista foi apressado com tal condenação.</p><p> Não sei se Paulo Francis tinha, ou não, razão no que disse, mas de qualquer forma, é impossível escapar da insônia — do enfarte, ou do mesmo do câncer induzido por angústia — com tal espada sobre a nuca. Não tem cabimento impor tal sofrimento moral, por muitos anos, a qualquer réu que vive da escrita, para só depois de transitar em julgado sua absolvição ter ele, réu, o direito legal de requerer uma indenização por dano moral contra alguém que o processou sem razão, conforme reconhecida pela justiça. O dano moral, o sofrimento psíquico, começa a existir a partir do momento em que o jornalista é citado e prolonga-se enquanto o processo caminha lentamente, como uma máquina de moer neurônios, no processo de milhões em que só sofre o réu.</p><p>Por que não, repita-se, decidir as culpas recíprocas no mesmo processo? Se ficar provado, no conjunto da prova, que o jornalista abusou, que pague pelo abuso. Se ficou provado que não abusou, que receba do “ofendido” a mesma quantia que este lhe cobra. Justo, não? Quem ganhar, leva tudo. Se ambos erraram e também acertaram, que a justiça fixe a divisão da quantia em disputa, na medida e proporção do abuso de cada um. E tem mais: se o conflito em exame exigir dois processos, um após o outro, pode acontecer que a prova apresentada no segundo processo seja diferente da prova produzida no primeiro processo, acarretando uma contradição da justiça, abalando a confiança da comunidade. </p><p>Há mais a ser modificado com essa futura lei. Ela exigirá que em toda ação de indenização por dano moral — seja qual for o motivo — o Autor será obrigado a mencionar expressamente, na petição inicial, o valor que pretende receber do Réu, não podendo deixar isso “o critério do juiz”, na sentença. Nada mais racional que cada ofendido quantifique, ele mesmo, monetariamente, o grau de seu sofrimento psíquico. Só ele é quem melhor pode revelar o grau de seu sentimento. Que assuma sua responsabilidade, e o risco processual da sucumbência. </p><p>A menção obrigatória desse “quantum” pelo autor teria a vantagem de permitir a qualquer réu, quando demandado, abster-se de contestar a ação, quando o valor mencionado for mínimo, não justificando maiores gastos com sua defesa judicial. Como está hoje a legislação — ensejando ao Autor não quantificar o valor que pretende cobrar —, todo Réu sente-se forçado, por prudência, a contestar qualquer ação de danos morais, mesmo que a considere risível.</p><p>A lei a ser proposta também deveria ter a virtude “extra” de forçar maior urbanidade, ou compostura, nas críticas, impressas ou orais, antes e depois de proposta a ação, contra pessoas ou instituições. Isso porque, se os fatos criticados forem verdadeiros, mas o crítico aproveitou a oportunidade para enxovalhar, mesmo com algum “brilhantismo”, a reputação do criticado e de sua família — muito além da intenção de apenas criticar um ato —, ele verá reduzida sua indenização. Não pela sua crítica — na essência verdadeira —, mas pela forma abusiva, insultuosa, ou obscena, de se expressar.</p><p>Essa possível lei teria também um “efeito colateral” civilizador, educador. O direito de livre crítica, reconhecido mundialmente, foi concebido “para o bem”. Não como maldosa oportunidade para ofensas, verbais ou escritas, que estimulam imitadores, do pior nível imaginável, transformando a mídia em um bordel vocal, com insultos de baixíssimo calão, que estimularão novas ações judiciais, ou vinganças à bala. Quem insultar desnecessariamente a parte contrária, mesmo com o direito de receber uma indenização, ficará sabendo que o seu montante indenizatório será diminuído, na decisão, na proporção do exagero no insulto desnecessário. Analogamente, se a lei processual permite que o juiz, nas ações cíveis, pode mandar riscar, nos autos, os insultos incompatíveis com o decoro judicial, poderá também punir financeiramente os palavrões e ofensas equivalentes. Será útil, para a boa imagem do país no exterior, que políticos, economistas e “filósofos” de boca suja policiem seu linguajar, mesmo que façam isso só pensando no dinheiro, não por virtude.</p><p>Encerro, aqui, minha sugestão. Observo ao leitor que não escrevo para juristas, mas para pessoas em geral. Daí meu estilo coloquial. Vou encaminhar esta proposta às entidades de defesa da liberdade de imprensa, as maiores interessadas no direito de informar o que ocorre no município, no estado, no país e no planeta. </p><p>Desnecessário, de minha parte, apresentar agora um esboço de projeto de lei a respeito, pois há advogados e juristas do mais alto nível que podem fazer isso melhor do que eu, afastado que estou, há anos, da atividade forense.</p><p>FIM</p><p><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=29W4V3SY7UD5L&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C174&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />oripec@terra.com.br</a></p><p><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=29W4V3SY7UD5L&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C174&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Conheça meus livros na Amazon.com.br</a></p><p><br /></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-88280061706141873152023-08-01T11:14:00.005-03:002023-08-01T11:14:50.120-03:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3JrFFgjxyp_BPbjFsBSO4_JtGFIEp3f3PCWt2CMTA3fKq_m2fM_efgN2jNlOKsGGco5wJ4J5NK4F0oXIHFuQpgXj1LAF-h-jsPOSgY274yS7MEEOSlwM4jJKXdYyPYwAnZnRk-K2sjbGtiI9rirXvabuWLJ7Y5U1O6qJhEJhsgnZZv-e-dvSNV6LRQVU/s1920/wp3846251.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3JrFFgjxyp_BPbjFsBSO4_JtGFIEp3f3PCWt2CMTA3fKq_m2fM_efgN2jNlOKsGGco5wJ4J5NK4F0oXIHFuQpgXj1LAF-h-jsPOSgY274yS7MEEOSlwM4jJKXdYyPYwAnZnRk-K2sjbGtiI9rirXvabuWLJ7Y5U1O6qJhEJhsgnZZv-e-dvSNV6LRQVU/w400-h225/wp3846251.jpg" width="400" /></a></div><p><span style="font-size: xx-small;">Foto divulgação</span></p><div style="text-align: center;"><span style="font-family: times; font-size: medium;"><b>CRIMES E SOBERANIA</b></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both;"><span style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"><span> </span><span> </span><span> </span>Já não me acanho — tenho precursores ilustríssimos, Kant inclusive — em insistir que as nações precisam, cada vez mais, renunciar largas porções de sua soberania, em favor de uma federação democrática mundial, para que o mundo seja menos caótico, injusto e auto-destrutivo.</span><span style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"> </span></div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Não se trata de “mero” idealismo; propensão à utopia; otimismo fantasioso (estilo J. J. Rousseau, de que o homem nasce essencialmente bom, sendo pervertido pela sociedade); altruísmo e coisas do gênero. O homem é bom e mau, em variadas proporções, conforme sua carga genética, educação — formal e informal —, o coquetel de pancadas e afagos recebidos desde pequeno e o cálculo das vantagens ou riscos legais e sociais que cercam sua atuação. Se é vantajoso ser “bom” — <span>vantagem</span> aqui ou no além —, ele o é, embora no fundo não o seja. Dança conforme a música. Mas deixemos de generalizações, que o leitor não tem tempo a perder.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Quando estudante de Direito já me impressionava o fato de um cidadão estrangeiro, condenado pela justiça de seu país, correr para o Brasil, fecundar brasileira, gerar um filho e com isso livrar-se da extradição para cumprimento da pena. Parecia-me o “habeas corpus” preventivo mais fácil e prazeroso do mundo. Livre das grades graças a um “rábula” gratuito — tem, realmente rabo —, analfabeto, mas assim mesmo extremamente eficaz — o “doutor espermatozóide”.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Ronald Biggs, um inglês simpático, participante do milionário “roubo do trem pagador”, de 1963, foi um dos casos. Após cumprir alguns meses de cadeia no Reino Unido, pulou o muro e fugiu para a Austrália. Certamente por não se sentir seguro naquele país, que mantém fortes vínculos com a Inglaterra, acabou fixando-se no Brasil após saber que aqui havia algumas “benevolências” legais bem adequadas ao seu caso. Envolveu-se sentimentalmente com uma dançarina de bons sentimentos, engravidou-a e com isso garantiu sua permanência no país.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A justiça inglesa tentou extraditá-lo mas como o filho de Biggs era seu dependente (claro...),<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e não havia um tratado de extradição entre os dois países — o velho problema das soberanias... —, o fugitivo continuou por aqui tanto quanto quis. Livre e — conforme o Wikipedia da internet —, cobrando sessenta dólares de quem quisesse almoçar e bater um papo com a celebridade. Segundo informação do foragido, sua parte no roubo estava reduzida a quantia mínima, tais as despesas com advogados e outros gastos relacionados com sua luta para não retornar à prisão. Quando, porém, a saudade da pátria se tornou insuportável, voltou à Inglaterra e acabou encarcerado. Velho, doente, alquebrado, fotos suas despertavam compaixão nas pessoas mais sensíveis e inclinadas ao perdão.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">O interessante — alguém precisar escrever uma tese acadêmica sobre esse fenômeno sociológico — é que boa parte da sociedade, principalmente a carioca, até mesmo o bajulava, considerando sua simpatia pessoal e audácia por haver participado de um roubo cujo valor, atualizado, chega a mais de cem milhões de reais. O “sucesso”, em qualquer de suas formas — política, econômica, esportiva, artística ou “simpaticamente criminosa” — legitima qualquer ato. No Primeiro Mundo, artistas de cinema, para reforçar a fama de “durões”, gostavam de serem vistos, em restaurantes e shows, na companhia de mafiosos de alto coturno. O requinte de acrescentar, ao status, o frisson do vago perigo — no caso vaguíssimo. Isso ocorria com Frank Sinatra, Alain Delon e outros incendiários de corações femininos. Um político inglês de ficção, sentindo-se um tanto chantageado por seu interlocutor, mencionou, querendo impressionar, que tinha relações “nas altas esferas”. Ao que o outro respondeu, seguro, que também tinha relações, mas “nas baixas esferas”. Algo bem mais intimidante, porque o mal pode ser infligido com a força e velocidade do raio, sem peias burocráticas e jurídicas.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">O que foi dito sobre extradição apenas mostra, em breve resumo, que na difícil harmonização das soberanias, o crime fica muitas vezes impune, ou quase isso. O que não aconteceria, pelo menos em tese, com uma federação mundial, com jurisdição em todo o planeta.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Outro exemplo de favorecimento da impunidade está na lentidão com que a acusação estatal é derrotada ou atrasada quando tenta reaver verbas vultosas depositadas no Exterior. Como o dinheiro pode, em segundos, mudar de banco e de país, com um simples clicar no computador, o esforçado promotor de justiça quase sempre chega atrasado no seu pedido de congelamento de depósitos feitos por aproveitadores do dinheiro público. Enquanto o promotor estuda — lutando com a língua que não conhece bem — a legislação bancária do país onde está o dinheiro e redige o pedido de retorno de verbas, o dinheiro já foi enviado para outro banco, em outro país. E aí começa tudo de novo. Mesmo o credor privado do devedor milionário que tem recursos espalhados no mundo não consegue cobrar, por vezes nem mesmo citar o grande devedor, tornando-se seu crédito — mesmo transitado em julgado — uma bonita cifra sem significado real.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Extradições sofrem a influência do prestígio internacional dos países envolvidos. No caso dos canadenses que foram presos e condenado pelo seqüestro de um famoso empresário de São Paulo, o governo canadense conseguiu que os condenados fossem repatriados para cumprimento da pena no país deles, com conseqüências provavelmente benevolentes. Se, porém, um grupo de brasileiros for preso, no Canadá ou nos EUA, após realizar seqüestros, é altamente provável que o governo brasileiro não consiga a extradição. Com Bush, certamente não conseguirá.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Mesmo homicídios horrendos acabam quase impunes em razão desse “excesso” de soberania, cada país vivendo em um mundo isolado, apenas seu — pura esquizofrenia política.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Veja-se o caso do japonês Issei Sagawa, de 1981, que, em Paris, matou, “estuprou” — na verdade, tecnicamente, “violou o cadáver” — uma bonita e vistosa estudante holandesa, sua colega, na <i>Université Censier</i>, de Paris. Fez isso porque a holandesa — que o ajudava nas traduções naquele momento, no <i>studio</i> dele —, recusou suas propostas cheias de paixão e de libido. Issei, que tem a aparência de um anão mais desenvolvido, cabeçudo — vi uma foto dele —, media <st1:metricconverter productid="1,48 m" w:st="on">1,48 m</st1:metricconverter> e pesava 44 quilos, certamente menos que a holandesa. Esta, vendo no oriental apenas um colega, mandou que ele se concentrasse no trabalho que estavam fazendo. O japonês se levantou, pegou um rifle calibre 0.22 que estava num armário, atrás da moça, e disparou um tiro na nuca da estudante. Em seguida fez amor com o cadáver e depois cortou seus lábios, nariz, seios e partes pudendas, guardando-as no “freeze’ da geladeira para consumo futuro. E realmente comeu boa parte dessa carne até ser preso. Ele tinha essa estranha compulsão, ligando o ato sexual ao ato de comer. O caso é descrito resumidamente no livro do escritor canadense Max Haines, no “Book V” de sua série de “True Crime Stories”. O relato está na página 121, no capítulo “Fantasies Turn to Cannibalism”. Pena que essa série não tenha sido traduzida para o português.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"><o:p> </o:p><span style="text-indent: 54pt;">O réu, após esquartejar o cadáver, colocou os pedaços em duas malas, que transportou de táxi. Pretendia jogar a carga macabra em um lago ou rio próximo. Na rua, dispensado o táxi, notou que as pessoas olhavam com desconfiança aquele japonês pequeno arrastando duas malas pesadas demais para ele. Assustado, abandonou os volumes na calçada, pensando não haver prova de sua vinculação com o homicídio. Com o passar das horas, o sangue das malas começou a escorrer pelas frestas, despertando suspeita e exame do conteúdo. A polícia só chegou a ele porque o motorista do táxi, lendo as manchetes dos jornais, lembrou-se do estranho oriental e tomou a iniciativa de procurar as autoridades.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Reunidas as provas irretorquíveis contra ele — encontradas em seu pequeno apartamento, principalmente na geladeira —, Issei confessou o crime mas foi considerado irresponsável, louco, não obstante ser homem culto e inteligente. Era fluente em alemão e francês. Estava na França para um doutorado sobre a influência japonesa na literatura francesa. O juiz determinou sua internação em uma instituição psiquiátrica.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Issei era filho de um rico industrial japonês. Passados três anos de manicômio seu pai conseguiu que fosse extraditado para o Japão, sob condição de ficar confinado em um sanatório para doentes mentais. A proximidade da família seria útil para seu “tratamento”. Decorridos, porém, 15 meses de internação foi dispensado. Os médicos nipônicos concluíram que ele era normal. A França nada pôde fazer porque cada país tem sua soberania. E, afinal, o que é “ser louco?”<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Após sua liberação — diz Max Haines —,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Issei Sagawa escreveu diversos livros sobre seu assunto favorito — o canibalismo. “Um saber de experiência feito”, como diria Camões. A família da vítima holandesa — cujo nome não menciono aqui por respeito à dor alheia — não deve ter boa opinião nem sobre a seriedade da Psiquiatria, nem sobre os bastidores dessa pomposa palavra, geralmente pronunciada com a boca cheia de ignorância inflada: soberania.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;">Por outro lado, a família de Issei deve ter pensado que todo homem merece uma segunda chance. Afinal, o oriental passou quatro anos e meio em manicômios, embora sendo “normal”, segundo os psiquiatras de seu país. Certamente, haverá quem pense que Issei foi enlouquecido pela paixão rejeitada. Já disse alguém que “O homem é fogo e a mulher, estopa. Vem o diabo e sopra.”<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=29W4V3SY7UD5L&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C174&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><o:p> </o:p><span style="text-indent: 54pt;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /></span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> oripec@terra.com.br</span><br /></a></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=29W4V3SY7UD5L&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C174&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><o:p></o:p></a></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=29W4V3SY7UD5L&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C174&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><o:p> </o:p><span style="text-indent: 54pt;">Conheça meus livros na Amazon:<br /></span><span style="text-indent: 54pt;"><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>Click aqui - Amazon</span></a></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 54pt;"><span style="text-indent: 54pt;">Publicado em 04.12.2006</span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-65141157188730380422023-04-04T12:46:00.010-03:002023-04-04T12:50:00.891-03:00 Em defesa de Sérgio Moro e da Lava Jato<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLNIykt04zgU7yTeyxJqRMs3pquKaRE9a4MwfUwZJBgSKqeo4MEMzpId4s_5WSbnrGGL1nnobaS_dBkkxxwwY6YTYWl5wE1LZQ_7Efhh2h1US6rHB5vVoTGCjh3SQ8TBYJqoxe6VkWMRxhkSgk1-gzTCWIiyIeRD9UPBEG8nLXO4fwvKWj-ZD6bCdC/s474/sergio_moro.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="267" data-original-width="474" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLNIykt04zgU7yTeyxJqRMs3pquKaRE9a4MwfUwZJBgSKqeo4MEMzpId4s_5WSbnrGGL1nnobaS_dBkkxxwwY6YTYWl5wE1LZQ_7Efhh2h1US6rHB5vVoTGCjh3SQ8TBYJqoxe6VkWMRxhkSgk1-gzTCWIiyIeRD9UPBEG8nLXO4fwvKWj-ZD6bCdC/s320/sergio_moro.jpeg" width="320" /></a></div><span style="font-size: x-small;">Foto divulgação </span><p>Em 05/03/2021 publiquei no meu blog um artigo sobre Sérgio Moro com o título de “A Lava Jato, de Moro, será mais valorizada se mundial”.</p><p>A tese central do artigo é sobre a prevalência — em casos complexos — da verdade, da justiça concreta, individual, sobre a justiça formal — justiça apenas aparente, manipulável, funcionando o juiz como um robô, sem poder também procurar esclarecimentos, para comprovar que decidiu bem, isto é, com provas nos autos. Essa liberdade judicial pode ser exercida beneficiando acusação ou defesa. É sabido, por exemplo, que um preso, já condenado a muitos anos de cadeia, “confesse” que matou outro preso, em troca de uma remuneração.</p><p>Como a legislação não tem a mesma velocidade e astúcia do crime — que nada respeita — é preciso que o juiz criminal, opte por uma justiça verdadeira, com direito de também solicitar provas, não dependendo apenas do promotor e dos advogados.</p><p>Transcrevo, abaixo, o referido artigo que continua atual, neste momento em que o crime organizado da inícios confiáveis de que pretende a eliminação física de um grande ex-magistrado, agora senador.</p><p>Leiam, abaixo, o referido texto. </p><p style="text-align: center;"> <i>“A visão do estado social não admite a posição passiva e conformista do juiz, pautada por princípios essencialmente individualistas. O processo não é um jogo, em que pode vencer o mais poderoso ou o mais astucioso, mas um instrumento de justiça, pelo qual se pretende encontrar o verdadeiro titular do direito. (…) Nesse quadro, não é possível imaginar um juiz inerte, passivo, refém das partes. Não pode ele ser visto como mero espectador de um duelo judicial de interesse exclusivo dos contendores. Se o objetivo da atividade jurisdicional é a manutenção da integridade do ordenamento jurídico, para o atingimento da paz social, o juiz deve desenvolver <br />todos os esforços para alcançá-lo. Somente assim a jurisdição atingirá seu escopo social” <br />(Ada Pelegrini Grinover, citada por um jurista, em artigo na internet, <br />cujo nome não anotei no momento, não conseguindo aqui mencionar).</i></p><p>Todos os povos, com um mínimo de civilização, gostariam que seus respectivos governantes fossem incorruptíveis no manejo do dinheiro público. Esse desejo generalizado de honestidade independe da ideologia dominante no país. Nações capitalistas, socialistas, mistas e até nazistas — ou assemelhadas —, toleram tudo, exceto a desonestidade de seus líderes.</p><p>Na China comunista, até poucos anos atrás, mesmo altos membros do partido único, ou influentes empresários, quando culpados de corrupção eram condenados à pena de morte e executados com um tiro na nuca, em estádio de futebol. Um ex-presidente da Huarong Asset Management, Lai Xiaomin — empresa estatal especializada na gestão de ativos financeiros —, que se apropriou de 277 milhões de dólares, em dez anos, de 2008 a 2018, foi condenado à morte por corrupção e bigamia. Seus bens também foram confiscados. Confiram na internet. E o “custo” da execução, a bala, ainda era cobrado da família.</p><p>Detalhe de humor negro, a cobrança da bala, mas que simboliza uma advertência, curta e grossa, para gênios e analfabetos, de que “se você roubar, você morre!”, dirigida a todos os cidadãos, “os de cima e os de baixo”. Como a imagem — o fuzilamento —, ao vivo, é mais persuasiva que centenas de páginas, escritas ou faladas, isso deve ter contribuído para conter, pelo medo, milhares de cidadãos tentados pela possibilidade de enriquecer ilicitamente trabalhando no governo, onde é mais fácil roubar porque o dinheiro, em impressionante volume, está mais acessível, sem vigilância externa.</p><p>Atualmente a pena de morte para casos de corrupção, na China, diminuiu devido a pressão internacional, mas o rigor continua, embora sem tiro na nuca. Isso porque o povo chinês, como os demais povos, na sua imensa maioria, aprova tal severidade, e nenhum governo despreza o apoio popular. O medo, em tese uma emoção negativa, pode, conforme o contexto, ser imensamente virtuoso, daí meu apoio ao esforço de Sérgio Moro, doravante no plano internacional.</p><p>Sua expertise no combate à corrupção sofisticada será melhor compreendida e praticada em outras nações. Seu sacrifício pessoal não pode ser desperdiçado. A corrupção perdeu a primeira batalha, no Brasil, mas ainda tem a esperança de ganhar a guerra, com ajuda da bandidagem dos hackers e partidarização de parte da cúpula do poder judiciário. </p><p>Diz a mídia que Xi Jinping, o atual presidente chinês, já puniu mais de um milhão de funcionários públicos. A severidade na proteção ao bem público — seja por inata honestidade do governante, seja por cálculo político — gera confiança e lealdade. O fato objetivo é que sem demonstração de honestidade pessoal todo líder, de qualquer pais, acaba perdendo o poder. Vejamos, sinteticamente, alguns exemplos.</p><p>Hitler, foi um ditador brutal e assumido mas não considerado ladrão. Stálin, camarada perverso, tinha hábitos simples, sem luxo, interessado “apenas” em implantar, progressivamente, uma ditadura mundial do proletariado, começando pela Rússia. Mandava matar opositores, mas, pelo que se sabe, não guardava dinheiro no exterior (talvez porque não precisasse; tinha de tudo, e jamais pensou em deixar o poder). Seu antecessor, Lênin, também não ligava para o dinheiro. O mesmo se diga do chinês Mao Tsé Tung, que para implantar o comunismo em seu país não hesitou em matar dezenas de milhares de “desobedientes”, usando a fome ou o fuzilamento. Todos os ditadores acima mencionados tinham seus defeitos, mas não roubavam o próprio país.</p><p>Alguém pode imaginar Hitler, Lênin, Stálin, Mao sendo fotografados carregando dólares ou diamantes na cueca? Impossível. Uma desmoralização inaceitável. Eram “grandes”, no estilo deles, brutal, mas não furtavam e por isso foram apoiados pela maioria de seus povos. No Brasil, Getúlio Vargas foi um ditador, em certo período, mas nunca ladrão. O mesmo ocorreu com nossos presidentes militares, todos, na minha opinião, pessoalmente honestos, nos vinte anos de exceção. </p><p>Insistindo: à vasta maioria dos homens e mulheres, do mundo inteiro, interessa vivamente que seus governantes não roubem nem deixem roubar. Daí a necessidade de uma nova estratégia, agora mais extensa, global — “dura”, juridicamente discutível, mas inevitável se realmente queremos sucesso na luta contra o crime do colarinho branco: a “delação premiada”.</p><p>Sem essa “delação”, ou “colaboração premiada”, utilizada na Operação Lava Jato, liderada por Sérgio Moro, o Brasil continuaria como um país com dois tipos de justiça: a rotineira, “Genérica”, do povão — de investigação rudimentar —, e a “Privilegiada” — de investigação policial complexa, demorada, exigindo conhecimentos de informática, telefonia, escutas legais e ilegais, hackers, variadas legislações tributárias e bancárias, no próprio país e em diferentes partes do mundo, notadamente nos Paraísos Fiscais. </p><p>Sem a necessária ousadia inovadora dos integrantes da Lava Jato, coordenada pioneiramente por Sérgio Moro, o Brasil continuaria “enxugando gelo”: a polícia tentando obter um flagrante do infrator subalterno mas sem poder chegar ao topo, o “cabeça” do esquema de desvio, geralmente oculto, respeitado e blindado por competentes advogados. Em suma, antes de Sérgio Moro a polícia podia avançar até um certo nível de conhecimento da fraude, digamos 50% — o suficiente apenas para saber que “aqui há crime!” — mas incapaz de chegar aos detalhes, com prova documental, oral, e informática, possibilitando uma denúncia precisa e uma condenação judicial difícil de reformar. A investigação policial, quando sem apoio judicial, era dificultada porque, ao contrário do juiz, o delegado não goza do direito de inamovibilidade. Se estiver incomodando um figurão o policial pode ser removido para outra cidade. </p><p>Claro que a cooperação das polícias, entre os países, já existe na luta contra o tráfico internacional de drogas, prostituição, trabalho escravo e outras formas de combater o crime organizado, mas pouco se podia fazer, antes de Sérgio Moro, em casos de lavagem de dinheiro, caixa dois, evasão de divisas, em que a prova está espalhada no mundo. Se a ONU — ou outra entidade assemelhada, criada com apoio de grande número de países — facilitar o acesso, regrado, às instituições financeiras dos países signatários — nos casos do colarinho branco e crime organizado — é o que propomos aqui —, já não seria tão necessário prender preventivamente o suspeito, por tempo mais longo, a não ser para impedir sua fuga. Haveria enorme diminuição da burocracia legal e judicial para verificar os depósitos e transferências do dinheiro ilegal entre países e paraísos fiscais. </p><p> Os infratores, antes da Lava Jato, sentiam-se praticamente impunes por saberem o quanto é difícil comprovar, em juízo, tais crimes. O butim pode estar escondido em malas, cuecas, empresas lícitas e de fachada, e instituições financeiras internacionais, com seus depositantes protegidos pelo sigilo bancário. </p><p>Falei em delação premiada, dizendo-a essencial para a repressão ao desvio de grandes somas, mas há um problema com ela: uma suscetibilidade excessiva protegendo pessoas importantes quando acusadas de desvios milionários. Muitos operadores do direito não gostam ou temem melindrá-los, esquecidos de que — triste realidade —, sem alguma pressão psicológica e desconforto, o infrator não confessa. Nem ao delegado, nem ao promotor, nem ao juiz, nem ao padre e nem a Deus — com Este o infrator apenas evita o assunto. Sem alguma pressão, medo ou constrangimento — que não se confundem com a verdadeira tortura, a física —, o investigado também não indica quem são seus cúmplices. Seria uma deslealdade perigosa, no “código de ética marginal”. Nos E.U.A. o delator é chamado de “rato”, merecendo ser pisado ou temperado com chumbo.</p><p>Daí a necessidade real, na Lava Jato, da polícia investigar — sem alarde —, até onde for possível fazer isso sozinha e depois, para completar a investigação, pedir a um juiz a prisão provisória, ou cautelar, sem pré-aviso, dos investigados — porque só eles mesmos podem informar os detalhes indispensáveis ao êxito de uma ação penal eficaz: nomes completos dos cúmplices, laranjas, doleiros, bancos, agências, contas correntes, países, valores exatos, datas e outros detalhes indispensáveis a uma denúncia apoiada em inquérito bem feito e confirmável em juízo.</p><p>Nessa corrente de participantes nenhum “elo” pode faltar, como recomenda a tática de “siga o dinheiro”. Daí, insista-se, a necessidade de prender provisoriamente o investigado —, de surpresa —, porque se intimado com dias de antecedência, para comparecer à delegacia, ele, sabendo-se culpado, imediatamente procurará um criminalista que — por dever profissional — lhe dirá o que fazer, conforme a situação: fugir, calar, destruir provas, avisar os cúmplices, transferir recursos de um banco para outro, etc. A legislação brasileira permite as prisões cautelares porque sem elas, nos crimes mais complexos, fazer justiça seria uma raridade, perpetuando a já mencionada “dupla justiça”, a dos ricos e a dos pobres.</p><p>Há quem diga — emocionado, quase às lágrimas — que prender alguém, provisoriamente, sem aviso prévio, com possibilidade de prorrogação da detenção, é uma “tortura”, principalmente se o preso for idoso.</p><p>Quem considera “tortura” a prisão temporária prorrogável vive no mundo da lua ou é amigo fiel do “torturado”. Esquece que o dinheiro, geralmente polpudo, obtido com o furto do dinheiro público, matou ou prejudicou grande número de velhos, moços e crianças das classes menos favorecidas, que vivem em condições precárias. Mal educados, mal alimentados, mal tudo, porque foram privados da riqueza subtraído pelo “torturado” idoso incapaz de controlar a própria ganância. Por que tanto carinho com quem agiu mal, apesar de velho?</p><p>Todo crime, ou ilegalidade, pressupõe risco. Quando dá certo é só felicidade, mas quando dá errado, há que aceitar a consequência de um grande desconforto, ou um sofrimento que é apenas moral. O detido não foi torturado. Não passou fome, nem frio, nem privação de sono, nem sofreu agressão física. Na maioria dos casos de prisão cautelar longa houve depois o julgamento e a condenação, com provas e até confissão explícita, havendo recuperação de bilhões de dinheiro governo. Prova de que a sistema funcionou, atingiu seu objetivo: condenar culpados. </p><p>É conhecida a genérica frase “os canalhas também envelhecem”, mas concedo que nem todo investigado merece essa vil classificação. Alguns poucos suspeitos talvez não estivessem completamente informados da realidade, quando convidados a participar de alguns negócio ou operação. Mas, descoberto o esquema desonesto, seus nomes figuravam em longas listas de infratores e por isso precisavam ser detidos, na busca da verdade. Não é possível deixar de investigar com base no rosto de bondade e prestígio social de um cidadão.</p><p>Às mentes dolosas interessa convidar algumas pessoas honestas, prestigiadas, para dar um ar de respeitabilidade aos empreendimentos desonestos. Tais vítimas — paradoxalmente vítimas por serem honestas demais — podem entrar em depressão, e até cometerem suicídio, não suportando a humilhação. Esse é um risco, raro e lamentável mas não invalida o que foi mencionado neste artigo: a necessidade de prisão provisória para chegar ao fundo de uma trama que sem a prisão, significaria impunidade. Nenhum sistema judicial, no mundo, está blindado contra a eventualidade de uma acusação equivocada. Lembre-se que há muito mais criminosos não punidos, por falta de prova, do que inocentes condenados. Quando isto ocorre, a mídia não deixa passar em branco, pela sua raridade. Mosca branca.</p><p>Não sei como são feitas, na prática, os interrogatórios feitos nas prisões provisórias e preventivas, mas presumo que só serão plenamente úteis se o investigado responder às perguntas desacompanhado. Se seu advogado for de temperamento agressivo, exaltado, interessado em tumultuar — protestando e interrompendo constantemente o diálogo entre quem pergunta e quem responde — esse trabalho torna-se inútil.</p><p>Presumo que, no geral, há uma espécie de jogo de pôquer, nessas inquirições, em que o delegado ou o promotor talvez aparente saber mais do que realmente sabe sobre a conduta ilegal do investigado mas não quer “mostrar suas cartas antes do tempo”. Essa incerteza agonia o infrator, limita sua liberdade de inventar o que não existe. Por sua vez o investigado tenta, ao máximo, aparentar uma inocência inexistente. Nesse joguinho de astúcias o delegado ou promotor leva vantagem porque não trabalha com medo, sob pressão. Não precisa, nem pode, mentir, inventar fatos inexistentes — dizendo, por exemplo, que todos os asseclas já confessaram, quando isso não ocorreu. Só tem que perguntar e duvidar, insistindo nos detalhes, mostrando as contradições do infrator. É um trabalho relativamente tranquilo, cômodo. Busca apenas a verdade.</p><p>O investigado, porém — quando culpado —, depõe angustiado, suado, tendo que inventar, de improviso, e depois lembrar-se de como mentiu, para não se contradizer. Sente medo ser condenado, desmoralizado, perdendo tudo — liberdade, posições, riqueza, convívio familiar. E não adianta permanecer mudo, sabendo que, por isso, ficará ainda mais tempo detido. Exausto, torna-se propenso a dizer a verdade, mesmo contra a opinião de seu advogado. Pensa nas vantagens da delação premiada. Não perderá tudo, e talvez fique em casa, com tornozeleira eletrônica.</p><p>Lembro-me que poucos anos atrás, quando assistia, na televisão, os julgamento dos crimes do colarinho branco, cheguei a escrever, em artigo, que como havia uma certa corrupção generalizada, tradicional — “quando em Roma, como os romanos”— e havia, como ainda há, uma enorme ganância fiscal brasileira, estimulando a ilicitude como uma “defesa” compreensível do contribuinte espoliado — seria mais equânime que, nesses casos, seria razoável que, descoberta a fraude, o réu apenas devolvesse o que sonegou, evitando a prisão.</p><p> Com o passar do tempo, mudei meu entendimento porque essa brandura estimularia a desonestidade. O cidadão inescrupuloso pensaria assim: — “Vou roubar, ou sonegar o máximo que puder. Se não descoberto, enriqueço ou multiplico minha riqueza. Se descoberto, e condenado — o que será difícil porque a prova é complicada —, devolvo o que desviei, sem prisão. Vale a pena ser esperto, precisando apenas coragem”.</p><p>Como este artigo já está longo demais, não há necessidade de detalhamento do trabalho do juiz da Lava Jato porque a mídia, no Brasil e no Exterior, já publicou o suficiente a sobre o juiz Moro, modesto, trabalhador, paciente, honesto, homem de família e imensamente corajoso. Há também livros sobre ele.</p><p> Poucos dias atrás, li, em e-Book, sua biografia, “Os dias mais intensos”, escrito por sua esposa, Rosângela Moro. Alguém dirá que biografia escrita por esposa é sempre suspeita, parcial. Nem sempre. Quando o leitor acompanha, quase diariamente, na mídia, tudo o que é publicado —, pró e contra o biografado —, dá para saber se o biógrafo mais recente diz ou não a verdade. Todos os fatos relatados no referido livro enquadram-se, harmonizam-se, com o que já eu sabia sobre a personalidade do agora ex-juiz. </p><p>Por razão que não interessa aqui detalhar — também de conhecimento geral — a convivência entre o magistrado e o presidente não deu certo. Azar de três: do juiz, do presidente e do país. Não podendo voltar ao cargo de juiz, porque pediu demissão, ficou desempregado. E aí? Como Sérgio Moro ganharia a vida? Advogando na área criminal, sua especialidade?</p><p> Não teria sentido ele montar uma banca de advogado criminalista tendo como missão defender grandes infratores da lei, logo ele, que sempre combateu os infratores. Além disso, terminada a quarentena, ficou sem proteção policial, com dezenas de réus poderosos, ricos, condenados por ele — presos ou soltos —, querendo e podendo se vingar com quase total impunidade porque não é difícil encomendar um falso “latrocínio” em que o matador nem sabe quem foi o mandante.</p><p>Daí a necessidade ou extrema conveniência de sair do país, o que certamente fará. O que foi dito acima tenta lembrar que Sérgio Moro é um idealista e por isso a Organização das Nações Unidas, ou entidade de propósitos assemelhados, tem quase uma obrigação moral de aproveitá-lo para a uma missão que é desejada não por tal ou qual nação, mas por todas elas, adeptas da honestidade. </p><p>O presente artigo foi redigido em estilo coloquial, para o leitor comum, sem formação jurídica, embora possa ou deva ser lido também por juízes, promotores e advogados da área não penal. Ficarei honrado se isso ocorrer. Observo que o texto, inicialmente, tinha três vezes a extensão aqui presente, o que provocaria uma debandada de leitores apavorados, não dispostos a prolongar o sacrifício. É o dilema da comunicação eletrônica: não se pode dizer tudo. E se fatiado o “monstro”, nem a primeira fatia será consumida por inteiro.</p><p>(22/02/2021)</p><p><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=V62C3UWP0HRU&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C216&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />Desembargador aposentado</a></span></p><p><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=V62C3UWP0HRU&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C216&ref=nb_sb_noss" target="_blank">oripec@terra.com.br<br />Conheça meus livros / Amazon.com.br.</a></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-43280463798805291052023-01-21T19:08:00.010-03:002023-01-22T15:50:09.090-03:00 EXPLOSÃO NO VENTRE DO MACGYVER<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_4BKKVIHue5IyE7atZcOTxecBzYxEFwpmq5xtc1s2qbNxrskmeoqea0lOrdx1xT86V4eE61DBfKLgqVB8Ev-A1xn3EEcb7nXRuLY2ADDU-hVey0kwAVSOclllYT_viAlusH2rCpmNGPmv-4T4hXz-XIcJIuTGbEdrqD7pysOfqxWABDxTv3ZV7pX9/s1800/vulcao.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="863" data-original-width="1800" height="306" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_4BKKVIHue5IyE7atZcOTxecBzYxEFwpmq5xtc1s2qbNxrskmeoqea0lOrdx1xT86V4eE61DBfKLgqVB8Ev-A1xn3EEcb7nXRuLY2ADDU-hVey0kwAVSOclllYT_viAlusH2rCpmNGPmv-4T4hXz-XIcJIuTGbEdrqD7pysOfqxWABDxTv3ZV7pX9/w640-h306/vulcao.jpg" width="640" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: xx-small; text-align: left;">Foto divulgação</span><span style="text-align: left;"> </span></div><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; mso-tab-count: 1; text-indent: 36pt;"> </span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;">Soube, dias atrás, através de um
jornalista de crimes — sempre exagerando nas descrições —, que o MacGyver
faleceu, vítima de uma explosão que lhe “dilacerou o ventre, espalhando suas
poderosas tripas”. Quem me contou isso não resistiu à imitação da contundência
dos roteiristas de filmes policiais americanos. Acrescentou ainda que “os
intestinos dele foram recolhidos às colheradas”. Imagem forte, despertando
imediato interesse dos leitores, pois vem sendo repetida com alguma frequência
na fala dos endurecidos policiais cinematográficos de Los Angeles, Chicago e
Nova Iorque. Ou onde quer que rechonchudos mantenedores da lei — bebendo café
em canecas e comendo rosquinhas — troquem piadas cínicas sobre os pedaços das
vítimas estraçalhadas. A explosão ainda feriu um médico cirurgião, bem como uma
enfermeira. É possível que ela venha a ficar cega.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A junção do nome à referida explosão
leva qualquer leitor a pensar imediatamente em terrorismo. Seria esse MacGyver
algum irlandês revoltado com o domínio inglês sobre a Irlanda do Norte? O
artefato teria detonado no momento errado, quando manipulado no colo? Era para
ser disfarçadamente “esquecido” dentro de uma sacola em um aeroporto?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mais. Se o leitor ainda for
informado de que nosso homem, quando bem jovem, era conhecido, dentro da sua
turminha, pela alcunha de “Maçarico”, a conclusão lógica é a de que ele, além
de um tremendo terrorista, “detonador” de bombas, era também um ardiloso
arrombador de cofres-fortes. Enfim, um homem execrável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Sirva este relato como advertência
pedagógica contra a fácil tendência humana de formar juízos distorcidos pela
imaginação que, como um cavalo doido, desembesta pelo mundo, relinchando
estórias sem conexão com a realidade. É um relato — desculpe a falta de
modéstia —, que deveria ser imposto como leitura obrigatória a todos os juízes
em início de carreira, obrigados que são a julgar seus semelhantes com provas
indiciárias e depoimentos de falíveis testemunhas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Para começar, esse MacGyver não era
irlandês, nem escocês, nem americano. Era brasileiro, cearense. “MacGyver” era
apenas seu apelido, recebido logo que surgiu na televisão, na década de 1980,
um seriado — “<i>Profissão Perigo”</i> — em que o personagem principal
inventava saídas geniais, mecânicas ou elétricas, para qualquer tipo de
dificuldade criada pelas forças do mal. O simpático e ruivo herói da televisão
está, mero exemplo, amarrado a uma cadeira. Pode movimentar apenas o dedão do
pé, aproveitando o buraco de um tiro no sapato, enquanto, ao seu lado, o
tique-taque angustiado de uma bomba-relógio cochicha que a coisa vai explodir
em cinco minutos. O recinto, por sua vez, está impregnado de gases letais. Mas,
de repente, olhando para o chão, o imaginativo agente da lei vê, digamos, um
prego, um arame e uma porca — de metal, claro. Mesmo que fosse de carne, a
porca na certa teria serventia. Genial, com um Q.I. improvisador inimaginável,
o herói do seriado logo arquitetaria uma combinação engenhosa de prego, arame e
porca. Esta, sendo eventualmente um animal, é induzida a roer a corda que
prende seu tornozelo — o dele, MacGyver —, após o que ela recua até que seu
gordo traseiro funcione como uma tampa, interrompendo a saída do gás venenoso.
Então, agarrando o arame com o dedão liberado, o herói mexerá no ponto certo do
artefato, desarmando a bomba segundos antes de explodir. Tudo sem muita
pancadaria porque a marca registrada do simpático herói era a inteligência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nosso “MacGyver” cearense não
chegava ao ponto de se igualar ao homônimo do seriado — não promovido, nunca
teve o convite de um diretor de cinema —, mas foi sua propensão para as
invenções e “saídas” inesperadas que gerou o apelido entre a rapaziada. Além
disso, tinha o cabelo avermelhado — resultado da sensualidade holandesa por
cima de nossas índias mais bonitas — não sendo de estatura muito mais baixa que
seu original americano. Era também muito brincalhão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Que o nosso “MacGyver” cearense,
tinha uma mente fértil, ninguém pode negar. Bastariam dois ou três exemplos
para ilustrar os recursos inesperados de sua imaginação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Quando na faixa dos vinte nosso
biografado passou vários meses na Alemanha. Foi lá com a cara e a coragem. Era
maluco por alemãs doidonas e conhecia um pouco a língua local. Se desembarcou
na pátria de Goethe com algum dinheiro, seriam no máximo uns duzentos dólares.
Voou aproveitando o preço da “baixíssima temporada” — mais baixa seria
impossível —, utilizando diversas rotas, dormindo horas e horas nos aeroportos,
enquanto esperava o embarque para o voo seguinte. Dava como certo que, com sua
engenhosidade natural, conseguiria trabalhar, mesmo com a polícia da imigração
vigiando. No seu caso, não haveria tanto perigo porque seu cabelo ruivo
despistava a origem sul-americana. Poderia passar por alemão, antes de falar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ocorre que, como é sabido, uma coisa
é viajar como turista; outra, como imigrante. Sabe-se que os empresários locais
tiram proveito do medo que acossa o trabalhador irregular. Pagam bem menos. E
nosso amigo, se se livrou da fome, não conseguia se defender do desgraçado
inverno alemão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Como tudo é pago na Europa, o
aquecimento de seu quarto dependia da inserção de uma moeda em determinado
aparelho de aquecimento, que não posso aqui bem descrever porque não o vi,
sabendo do caso pelo próprio MacGyiver. O fato é que, com a moeda introduzida
na fenda, o quarto esquentava. Se não, o frio congelante penetrava nos seus
ossos, roendo-os, chupando e dando risadinhas sádicas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ocorre que, certa noite de
sexta-feira, o MacGyver, acompanhado de uma garota meio taradona, gastou, entre
bar e hotel, muito além da conta, voltando para casa praticamente sem tostão. E
só receberia seu parco salário dias depois, não havendo a mais remota
possibilidade de um adiantamento. Assim, em pleno mês de janeiro, num dos
invernos mais rigorosos da década, com registro de várias mortes, mesmo em
ambientes fechados, viu-se no terrível dilema de, ou gastar as últimas moedas
comendo — mas congelando-se em seguida —, ou se aquecendo — mas depois
perecendo de fome. E o frio era duplamente torturante porque, nos últimos dias,
nosso cearense não parava de pensar nas cálidas areias da praia de Iracema na
saudosa Fortaleza de seu Ceará.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Passar dois dias no quentinho, mas
em jejum, seria exigir demais, mesmo porque seu apetite era excelente, apesar
de magro. Mas como vencer o frio? Usar jornais entre dois cobertores era uma
boa ajuda, mas insuficiente, porque o frio parecia congelar até as notícias. Se
os jornais lhe permitiam escapar da morte, não conseguiam vencer a insônia. O
mero ato de dormir exige algum conforto. O sujeito só dorme, no extremo frio,
quando já está morrendo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Aí o MacGyver resolveu utilizar sua
veia inventiva, que alguns anos depois acabou virando profissão. Levantou-se da
cama, envolto no cobertor, os dentes batendo como castanholas, e passou a
estudar o aquecedor. Como o estudo demorasse, ele, para se aquecer — talvez por
sugestão do som das castanholas de seus dentes —, sapateou um pouco, erguendo
os braços como um dançarino de flamenco, lembrando-se de uma fogosa espanhola
de pernas cabeludas, perita nessa dança, com quem tivera um caso rápido um mês
antes. Pensando nela terminou o artístico aquecimento com um grito de “Olé!” —
inexplicável como tantas outras coisas em sua vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Após várias espiadas e reflexões em
frente do aparelho, descobriu que talvez tivesse encontrado a solução para seu
problema. Teria que ser algo que não envolvesse um risco muito alto de processo
criminal — como seria o caso se arrombasse o aparelho. Cadeia, mesmo em
Primeiro Mundo, faz mal à alma e ao casto traseiro, como era o seu. Pensou
ainda que, se introduzisse na fenda um objeto semelhante a uma moeda — um disco
de lata, por exemplo —, “enganando” a engenhoca com seu formato e peso — o
aquecedor talvez até funcionasse porque, falta-lhe, por enquanto, a malandra
inteligência humana. Mas o funcionário da empresa que explora tais aparelhos,
quando fosse recolher as moedas, encontraria o objeto do crime. E aí ele,
MacGyver, entraria em cana pela falcatrua.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Teria, portanto, que inventar uma
“moeda” que “se evaporasse” depois de acionado o mecanismo. Desaparecendo a
“moeda”, o funcionário pensaria que se tratava apenas de um defeito da máquina.
Assim, pensando, pensando e repensando, agora deitado de costas — sua posição
preferida para solucionar problemas — descobriu a chave do enigma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Levantou-se novamente e pôs-se a
examinar as diversas tampinhas de garrafas de refrigerantes e outras bebidas
que havia em cima da mesa de seu quarto. Escolheu uma delas, pelo formato e
tamanho, e a encheu de água. Após, com extremo cuidado, colocou a tampinha do
lado de fora do batente da janela, esperando que a água congelasse. E como a
temperatura era baixíssima, não demorou muito para que o líquido se
transformasse em gelo em formato de moeda. Torcendo para que desse certo,
porque o frio estava de rachar, MacGyver introduziu o disquinho de gelo na
fenda do aparelho, ato que imediatamente provocou seu funcionamento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Foi uma descoberta e tanto,
permitindo que nosso amigo passasse um fim de semana bem mais confortável e sem
jejum. Mas, como sempre, as pessoas tendem a abusar das soluções fáceis.
Aqueceu o quarto durante algumas semanas, sem gastar uma única moeda. Chegou a
esquecer que ali, ao contrário do Ceará, o calor era pago.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Até que a casa caiu. Um dia, ao
chegar do trabalho, estava sendo esperado por dois funcionários da empresa que
explorava os tais aquecedores. E uma viatura policial, com dois agentes, estava
estacionada em frente, junto à calçada, como que aguardando uma decisão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— “Estou frito!” — deduziu o
MacGyver. Mas a coisa não terminou tão drasticamente como ele imaginara.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Um dos homens à paisana, muito
seguro de si, não perdeu tempo com amabilidades. Sem sequer lhe apertar a mão,
foi logo dizendo: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Nós sabemos que você está
utilizando o aparelho... Não adianta negar... O que nós não sabemos é que
técnica você usa. Já imaginamos tudo que é possível imaginar mas não
conseguimos descobrir o artifício. Não há sinais de arrombamento ou coisa
parecida... Trabalhamos no setor técnico da empresa e nosso papel é corrigir
qualquer falha que permita aos usuários o uso de algum truque, como aquele que
você está utilizando. Se você nos disser como consegue fazer a máquina
funcionar sem usar moedas, não será preso. Somos engenheiros. Modificaremos o
aparelho para que ninguém possa repetir a manobra. Se não quiser contar o
segredo será detido agora mesmo e levado à Delegacia. O que decide?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Não havia muito o que escolher.
Revelou o truque, o que provocou uma expressão de espanto no técnico, que ficou
de boca aberta.<br />
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O alemão cumpriu a promessa,
não levando o assunto formalmente à esfera policial. Mas nosso amigo, por via
das dúvidas, no dia seguinte mudou de pensão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Um outro fato que explica a origem
de seu apelido ocorreu antes de sua ida à Alemanha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Um tio dele vinha se queixando de
que os frequentadores de bares, perto de sua casa, costumavam à noite “aliviar
os rins”, como se diz, num canto do muro, aproveitando a escuridão propiciada
por algumas árvores.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ocorre que, se a bexiga dos bêbados
ficava, com essa prática, aliviada, o mesmo não acontecia com as ventas do tio
e muito menos com o da tia, mulherzinha nervosa, azeda, que não parava de infernizar
o marido, exigindo que “tomasse logo alguma providência!”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mas que providência tomar? Chamar a
polícia? Colocar uma placa dizendo ingenuamente que “É proibido urinar neste
local”?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O MacGyver, ouvindo a queixa, saiu
da sala para examinar a área — sempre fedorenta, porque não adiantava lavar
semanalmente — e logo encontrou a solução: instalou, no dia seguinte, um fio
elétrico, descascado, na junção das duas paredes — no “mictório” de fato, não
de direito —, protegendo-o com uma tela, de um modo que não pudesse ser tocado
por alguma criança.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A invenção deu certo. Quando os
“aliviadores” devolviam a cerveja metabolizada no cantinho eletrificado, a
eletricidade chegava aos mal-educados através do jato, punindo o infrator com
um inesquecível choque educativo, pois aplicado em região muito sensível. Como
a corrente elétrica era de 110 volts, não havia perigo de morte, mas a “cadeira
elétrica genital” fez com que o mau-cheiro local quase desaparecesse. E o tio,
prudentemente, jamais disse às vítimas indignadas — ainda ficavam bravos, os
porcalhões! — que o choque era proposital.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Explicada a origem do apelido do
MacGyver, cumpre esclarecer as circunstâncias de sua morte. Se não era
irlandês, nem terrorista — pergunta-se —, como foi que morreu de uma explosão
no ventre?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Havia realmente — e dizemos isso com
toda seriedade científica — um certo mistério biológico relacionado com o
aparelho digestivo do nosso amigo, de saudosa memória. Aliás, fatos estranhos
podem acontecer em qualquer parte do mundo. No Japão, por exemplo — deu no
jornal —, um cidadão ficava literalmente de porre mal acabava de almoçar. E não
bebia. Foi preciso uma cirurgia para curar a anomalia. O estômago desse japonês
segregava uma química toda peculiar — uma enzima, talvez —, que transformava em
álcool, em alguns minutos, os carboidratos ingeridos. Assim, uma simples porção
de arroz, por exemplo, transformava-se no equivalente a vários copinhos de
saquê. Enfim, o estômago do oriental era uma destilaria viva. Defeito que,
felizmente, não pode nem deve ser reproduzido por via cirúrgica porque, caso
contrário, não faltaria ansiosa clientela a implorar aos cirurgiões uma
conversão estomacal, visando a “ficar igualzinha ao estômago do japonês”. Muita
gente dispensaria a compra do saquê no bar da esquina, optando pela produção
caseira. Economia até de garrafa e de copos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mas o mistério biológico do MacGyver
não estava no estômago propriamente. Estava mais em baixo, nos intestinos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Expliquemos sem rodeios: o MacGyver,
assim como fermentava de inventividade na cabeça, borbulhava espantosamente na
área intestinal — não sei se intestino grosso ou delgado. Algo impressionante,
merecedor de monografia em Congresso de Gastroenterologia. Alguma coisa havia
na flora — ou fauna, ou que melhor explique o diabo, porque aquilo não podia
ser obra de Deus — dos seus tubos intestinais que fazia com que a produção de
gases de nosso amigo fosse pelo menos cinco ou dez vezes superior à normal.
Cinco ou dez é algo impreciso, reconheço. Mas tais coisas não se medem, apenas
se sentem. E talvez houvesse algo genético nessa anomalia porque, não o pai,
mas o avô dele era conhecido no sertão alagoano como “Coronel Ventania”.
Cognome estranhável numa região conhecida pela suavidade de seu clima e seus
ventos. E não se levante a hipótese de que o apelido poderia ter origem em um
temperamento turbulento. Todos os que o conheceram afirmavam ser ele um velho
sereno, acomodatício, amigo da leitura e que passava o dia sentado em alguma
cadeira de balanço com assento de palha trançada, tinha que ser. E era
especialmente preocupado com as vias respiratórias das pessoas que viviam sob o
seu teto. Por causa disso, mantinha as janelas sempre abertas — dizia que era
por causa do calor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mas, dirá o leitor que gosta de
exibir sua inteligência: — Tudo bem, mas “Maçarico” implica fogo. E onde está,
no caso, o fogo do apelido?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>É um outro ponto em que, para
explicar verdadeiramente, necessito ainda mais tolerância, ou até mesmo
caridade do refinado leitor. Eu bem gostaria que nosso amigo se notabilizasse
por uma outra característica excepcional qualquer, como por exemplo a memória.
Ou mesmo algo corporal, como a força muscular. Ou até mesmo algo visceral, vá
lá, como, por exemplo, a capacidade de beber muito sem ficar embriagado. Mas os
caprichos da natureza são insondáveis e eu me vejo agora hesitante entre a
elegância, a compostura, e a necessidade de relatar um fato da vida real que
teve consequências na área médica e resultou em morte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Fosse ainda vivo o escritor Émile
Zola, eu lhe pediria uma mãozinha para redigir o trecho que se segue, pois o
velho mestre daria um jeito de conciliar tópicos “baixos” com a alta
literatura. Para ele, realismo não era problema. Como não adianta sonhar e não
seria justo deixar as coisas pelo meio, vejo-me obrigado a prosseguir sozinho,
jurando de pés juntos que não se trata de apelação. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No caso, a denominação “Maçarico”
originou-se de uma infeliz brincadeira feita pelo MacGyver quando ele tinha uns
quinze anos. Muito brincalhão, e querendo ganhar uns cobres, fez uma aposta de
que “criaria” um jato de fogo igual ao de um maçarico” sem usar nada mais que
um palito de fósforo. Seus colegas de escola — uma canalhada esperta que até se
deu bem na vida, algo nada estranhável — disseram que aceitariam a aposta mas
com a condição de que ele não poderia se limitar a encher a boca com alguma
bebida alcoólica, devolvendo-a, em seguida, na chama. Isso seria um truque
banal, muito comum em circos do interior.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>MacGyver aceitou a restrição.
Acendeu o fósforo, ergueu uma perna e colocou a chama na posição adequada. O
jato de fogo — um lança-chamas em miniatura — que emitiu foi de assustar,
chamuscando os cabelos de uma mocinha que estava de costas, conversando com uma
amiga. Todos esperavam que o dragão largasse fogo pela frente. Assim, ganhou a
aposta, mas também um apelido pernicioso que sempre o embaraçava quando era
indagado quanto à origem do apelido, “Maçarico”. Seus amigos, ex-colegas
perdedores da aposta, gostavam de, em festas e reuniões sociais, induzir as
moças a lhe perguntar a origem do apelido. E riam abertamente quando o MacGyver
inventava uma mentira inocente para explicar tão estranha ventilação. As moças,
vendo as risadas dos amigos, ficavam meio desconcertadas, não entendendo onde
estaria a graça na explicação tão banal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 2;"> </span>Dizem que o inventor
nato tem uma mente toda especial. Ele não se interessa muito por saber como são
as coisas. Quer saber é como alterar ou substituir essas coisas, de modo a se
tornarem mais úteis ou interessantes. Veem sempre mais adiante, certa ou erradamente
— alguns são meio amalucados —, e a todo momento nos impressionam pela visão
antecipada que têm do mundo. É uma qualidade necessária para a evolução da
humanidade, mas oferece também os seus perigos, como aconteceu com o MacGyver.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Finalmente, o fato principal. Como
se explica a explosão que arrebentou os intestinos de nosso pranteado amigo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Pode-se dizer que ele foi,
paradoxalmente, uma vítima da tecnologia moderna. Se a técnica operatória
estivesse mais atrasada, estaria vivo. Explico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Durante décadas, os pacientes foram
operados com bisturis comuns, de aço, claro. Até que inventaram o tal do
bisturi elétrico, que corta melhor e talvez tenha outras utilidades. Mas ele
tem uma peculiar desvantagem: pode emitir uma minúscula faísca. MacGyver estava
no hospital em razão de uma obstrução intestinal. Se qualquer obstrução
normalmente provoca uma retenção de gases, imagine-se esse problema no caso
especial do nosso amigo. Esses gases — metano? — são realmente explosivos,
desde que surja mínima fagulha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Assim ocorreu a tragédia. A faísca
do bisturi, no ventre gasificado do paciente explodiu no rosto do cirurgião e
da moça que estava bem perto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>E assim morreu bestamente meu
interessante amigo, vítima da invenção de um colega inventor que, eletrificando
o bisturi, jamais previu que poderia ferir ou matar um operado e seu cirurgião.
E não sei se, afinal, o tumor que causava a obstrução era ou não maligno. A
notícia que li no jornal — nem me lembro qual era —, não entrava em detalhes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Dirá o leitor mais sisudo que o
escritor, eu, não se revelou tão amigo assim do seu amigo MacGyver pois, se o
fosse, jamais colocaria no papel passagens tão grotescas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Respeito o enfoque, mas fico com a
opinião oposta, do próprio morto. Quando em vida, sabendo de minha preferência
para buscar na vida real a inspiração para minhas estórias, por duas vezes
chegou a dizer que eu tinha plena liberdade para usar as passagens acima em um
livro de ficção, desde que mantivesse no anonimato seu verdadeiro nome. Só não
me autorizou o relato da explosão porque seria humanamente impossível prever
tal coisa. Não sei se houve outros acidentes iguais, mas lembro-me
perfeitamente que o jornal também informava que depois dele os hospitais, em
casos iguais, de excesso de gases, passaram a aconselhar ou obrigar uso de
bisturis não elétricos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O MacGyver cearense, quando morreu, não
vivia mal, financeiramente, porque inventou e patenteou duas ou três invenções.
Perdemos contato durante os últimos vinte anos. Se não tivesse morrido
precocemente, teria resolvido vários problemas, porque sua imaginação não era
normal. Se quisesse ser um escritor, enriqueceria nossa literatura. Mas nunca
demonstrou interesse nesse sentido. Preferia inventar coisas e solucionar
dificuldades. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">Se existe um
céu, o MacGyver deve estar lá, sugerindo alguns truques a São Pedro, ajudando-o
a barrar a entrada de alguns pecadores disfarçados em santinhos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>FIM<span style="mso-spacerun: yes;">
</span><o:p></o:p></span></p><p><span style="color: #ffa400;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />Desembargador aposentado</span></p><p><span style="color: #ffa400;">oripec@terra.com.br</span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-bottom: 10pt; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;"><span style="mso-spacerun: yes;"></span></span></p><p><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=1HYAFO6YPFPH&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C195&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Conheça meus livros - Amazon.com.br</a> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt;"><o:p> </o:p></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-25935877785627385562023-01-14T08:03:00.004-03:002023-01-14T08:04:32.082-03:00 GENTILEZA ANTIDROGAS<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8LAWo-AadZb-0VIjIt6Sd-6aCT9m0kmjxCURePSLNMMbcMuOIzS3C4aZLR-i-zJCdvbIzf1fDlu5wwP4mikHDdB2ozGPKHv1dqh0CvD1zA-4iVjVhHJpXpf-LC653V7g9pWtjEAnxxz75ccBaBjnncHiJjgVgr1Mi16syOCideOtrz7vby98cqo3t/s474/cocaina.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="266" data-original-width="474" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8LAWo-AadZb-0VIjIt6Sd-6aCT9m0kmjxCURePSLNMMbcMuOIzS3C4aZLR-i-zJCdvbIzf1fDlu5wwP4mikHDdB2ozGPKHv1dqh0CvD1zA-4iVjVhHJpXpf-LC653V7g9pWtjEAnxxz75ccBaBjnncHiJjgVgr1Mi16syOCideOtrz7vby98cqo3t/w400-h225/cocaina.jpeg" width="400" /></a></div><span style="font-size: xx-small;">Foto divulgação </span><p></p><p><span style="white-space: pre;"> </span>O narcotraficante, grau médio na hierarquia criminosa, bem-vestido, envolvente, esperto, de regular instrução, procura convencer a velha senhora, uma mulher alta, magra, visivelmente angustiada.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Vamos logo, dona Genoveva! Decida-se! A senhora nunca mais vai ter uma oportunidade igual a essa!</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ela reluta, torcendo as mãos:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— E se a polícia me pegar? Não aguentarei a vergonha! Eu tenho netos, meu senhor... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Que a senhora tem neto, eu sei. Conheço um deles. Por isso estou aqui, para ajudá-lo... Mas quem disse que a senhora pode ser presa? As apreensões da “mercadoria” são raríssimas! Um quilo por tonelada. E não vá em conversa de jornal. Se a senhora soubesse como são as redações! Ninhos de fungadores! Todos eles “cheiram” para ficar mais inteligentes, faiscantes, escrevendo com mais nervo, mas alguns nem assim conseguem... Agora, para efeito externo, posam de grandes moralistas. Fique sossegada. Será apenas um passeio.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Mas comigo pode dar azar! Nunca tive sorte em coisa alguma. Em toda a minha vida, já devo ter comprado umas quarentas rifas e jamais ganhei nem mesmo o prêmio de consolação. Pedacinhos de loteria, então!... No máximo, o valor do próprio bilhete. Se tivesse economizado meu dinheiro, teria agora uma geladeira nova e um forno de micro-ondas.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Olha... eu não devia contar isso... mas, vá, lá, em confiança... — Fez uma pausa, como que hesitando em tomar uma decisão difícil. — Até agora, nada aconteceu com aquela senhora da esquina. Aquela, da casa bonita, do lado esquerdo. Há tempos que ela trabalha para nós, discretamente. Quem a senhora pensa que paga as viagens dela?</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ele sacava as mentiras conforme surgiam as resistências. Inventava tudo na hora, porque cada pessoa tinha um medo ou tentação diferente. Basicamente, tudo se resumia em falta de dinheiro e medo da prisão; mas havia muita variação quanto ao envoltório desses dois sentimentos. As hesitantes “mulas” velhas nunca eram iguais. Algumas se convenciam com um argumento. Outras, com outro. E na escolha do veneno específico, ele tinha boas antenas, sendo muito persuasivo. Mentia com facilidade, até mesmo com certa graça. Sabia, por experiência, que a virtude apoia-se em algumas estacas morais que podem ser removidas, uma a uma, com golpes nos pontos certos. Removidos os apoios, bastava um piparote para derrubar todo o edifício.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>A velha espantou-se com a referência à mulher da esquina: — O quê?! A dona Heloísa? Aquela orgulhosa, dona da verdade, que me olha de cima? Não acredito!</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Ela mesma... — Sorriu, tranquilo, com a falsa verdade no olhar franco, pois era um artista. — Mas o que estou dizendo agora é estritamente confidencial. Se a senhora abrir o bico, mesmo para contar à melhor amiga, não garanto pela vida da senhora. Não por mim, claro, mas meu chefe não perdoa. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ela balançou a cabeça, espantada com a informação sobre a vizinha, mas de certa forma sentindo uma pontinha de satisfação. Afinal, encontrara um “podre” na “ricona”, toda superior. Saberia como lhe devolver o olhar, na próxima vez em que se cruzassem na calçada. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Quem diria... A dona Heloísa... Minha filha disse que ela parece um bispo de peruca... Toda cheia de dignidade... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— E sou capaz de apostar que a senhora conhece mais duas pessoas insuspeitas aqui no bairro que, de vez em quando, fazem alguns servicinhos para nós. Só que não posso revelar nomes. Por isso não vejo razão para tanto medo. A gente tem que reagir contra a própria covardia. Todos nós somos um pouco covardes, mas é nossa obrigação lutar contra sentimentos inferiores.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Mas não é só medo... É saber que estou fazendo uma coisa errada, criminosa... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ele a interrompeu:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Criminosa... Formalmente, pode ser, porque está na lei. Mas errada, não! A senhora já ouviu falar de Freud, Einstein, Salvador Dali, aquele pintor aloucado de bigodes retorcidos e outros homens famosos? Todos eles eram exímios cheiradores. Sem a coca não teriam brilhado, aparecido. Ao que dizem, o descobridor da penicilina também consumia. Moderadamente, como deve ser. O mal está no excesso, não no uso. Daqui a algumas décadas, os cientistas vão dizer que o uso do pó branco foi um grande avanço da humanidade. Um cientista já escreveu que, sem a coca, não existiriam os computadores.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— O senhor falou no Flemming, aquele que inventou a penicilina? Nunca soube disso!</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Fica sabendo agora. São coisas que os governos mantêm em segredo. Porque, infelizmente, muita gente exagera. E aí faz mal. Controlando, só estimula o cérebro. A diferença entre o remédio e o veneno está na dosagem. É o mesmo que comer, tomar remédio, etc. Coma muita feijoada e a senhora vai passar mal — sorriu. — Mas, como é, vai ou não vai fazer essa viagem pra gente?</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Ainda não sei... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ele fez um gesto de impaciência. Erguendo mais a voz, pressionou: — Sejamos práticos: teu neto, como a senhora sabe, vai ser preso, se não devolver o dinheiro do banco onde trabalhava. O banco está até fazendo um favor, não levando o caso à polícia. Se, na hora do desfalque, tinha ou não a intenção de devolver, isso não tem a mínima importância legal. Desfalque é desfalque. Apropriação indébita, um crime muito sério. Se não estou enganado, é crime hediondo. Vai ter que cumprir a pena inteirinha. E vocês não têm de onde tirar essa quantia. A pensão da senhora é uma piada. O governo está pouco ligando, tanto pra senhora quanto pro teu neto. Ele vai ser preso, preso! se não devolver a grana! E a senhora aí, indecisa, rejeitando ganhar uma bolada no mole, sem qualquer risco!</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Como sem qualquer risco? Posso ser presa!</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ele pareceu hesitar, como se novamente em dúvida se deveria revelar mais um segredo da organização. Após pequena pausa, decidiu largar a melhor mentira de seu estoque. Mas fez antes um pouco mais de teatrinho:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— ... Estou me desmoralizando — disse, balançando a cabeça. — Falo coisas que nunca deveria falar...Mas vá lá: no aeroporto onde a senhora vai desembarcar, todos os policiais são gente nossa... Eles não vão nem chegar perto da senhora. Já estão sabendo de tudo. Vão ficar de longe, até mesmo dando uma cobertura disfarçada. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ela ainda relutava:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— O senhor talvez não acredite, mas nunca fiz coisas erradas. Meu único defeito foi ser um pouco preguiçosa e, desorganizada. Mas nunca traí meu marido, nem mesmo em pensamento... Como é que, agora, com setenta e três anos, vou virar traficante de cocaína?! Vou ser “mula”! Até o nome é feio!</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Ele já estava perdendo a paciência:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Mulher burra, medrosa! Desculpe a franqueza! Este é um momento de emergência para a senhora, não para nós! Nós a procuramos porque soubemos da situação do seu neto e porque a senhora tem um porte e rosto distintos, respeitáveis. Mas não se esqueça que existem centenas, milhares de mulheres necessitadas e com boa aparência! Afinal, a senhora não liga pro rapaz? Que tipo de avó insensível é a senhora? Aqueles banqueiros pilantras, encharcados de uísque e amantes, ganhando rios de dinheiro sem risco — porque o Governo os garante nas crises —, bem que poderiam perdoar o pequeno desfalque. Mas isso nunca! O dinheiro deles é sagrado! Só o deles! Não passam de agiotas legalizados. Vão levar o caso à polícia, jogar teu neto numa cela cheia de tarados. A senhora já viu, já esteve dentro de uma cela? Aquilo é um viveiro de piranhas. Por acaso, não sabe o que um rapaz bonito como ele pode passar numa cela superlotada? Pretos, brancos, mulatos, todos avançando, excitados. Sairá no mínimo aidético!</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>A visão do neto sendo violentado na cela a fez decidir-se:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Para! Cala a boca, por favor! Não me martirize... Está bem, aceito, mas com uma condição.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Qual?</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Que seja uma única vez. Ouço falar que quem entra no tráfico não consegue sair. Faço uma única vez. Não quero morrer com esse peso na consciência.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Quanto a isso, não tenha medo... A própria idade da senhora já é sua proteção. E nada vai conhecer sobre nossa organização. Sabe apenas que foi procurada por um homem, cujo verdadeiro nome nunca conhecerá. Assim, não nos oferece perigo. A senhora nem pode dizer que “saiu” da organização, porque sequer nela “entrou”. Entregue a mercadoria, a senhora receberá no ato o seu dinheiro, salva o neto e nunca mais nos veremos. E volta pro Brasil no dia seguinte porque a passagem é de ida e volta. Se, por acaso, um dia, me vir na rua, finja que não me conhece porque vou fazer o mesmo. Agora, preste atenção ao que vou dizer. Saindo do aeroporto, a senhora vai encontrar uma mulher de casaco verde segurando um papelão com o nome da senhora — E deu uma série de instruções. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Alguns dias depois, munida de passaporte, a velha estava sentada dentro de um avião com destino a Portugal, suando frio em razão da tensão e quente em consequência da temperatura propriamente dita. Sentia-se abafada naquele casaco, que não podia tirar por causa dos inúmeros saquinhos de cocaína presos em volta do tronco. À aeromoça, que lhe sugeriu tirar o casaco, explicou que estava muito gripada. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Logo após a decolagem, começou a orar em pensamento, alternando rezas e pedidos. Rogava duas coisas: primeiro, que o avião não caísse; segundo, que tudo desse certo. No meio de uma “Ave-Maria”, lembrou-se que o segundo pedido, se atendido, transformaria o Criador em cúmplice do narcotráfico. Aí parou a reza, explicando a seu Deus, mais uma vez, que fazia aquilo, não por egoísmo, mas por amor ao neto. Sua filha, a mãe do rapaz, era uma coitada, largada do marido, que mal conseguia arranjar comida para o dia seguinte. O pai estava sumido há anos. Deus, que tudo sabe, leria dentro de seu coração e a perdoaria por essa viagem horrível. Tinha certeza disso. Por que seria gravemente punida por um único erro, cometido para salvar um neto? Deus não seria jamais injusto. Via mais longe que qualquer juiz de carne e osso. Um pecado, sim, mas para salvar um corpo e uma alma. Na verdade, uma vida. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Desceu do avião sem incidentes. — “Daqui a uma hora, estarei livre!”, pensava, quase aliviada. — “O homem garantiu que nenhum policial ia me abordar”.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Não gostou quando se deparou com uma grande fila à sua frente. As pessoas teriam que mostrar seus passaportes. Ao que presumia, seu documento, providenciado pelo traficante, deveria estar na mais perfeita ordem. Eles não seriam tão estúpidos de falhar no detalhe. O desagradável era a tensão da espera. Havia muitas pessoas à sua frente.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Nesse momento, dois policiais à paisana, mas com distintivos bem visíveis no paletó, conversavam a uma certa distância. Nada desconfiavam. Um deles acabara de contar uma anedota a respeito de sogras. O outro, mais velho, precocemente calvo, disse que não compreendia essa prevenção dos humoristas porque jamais conhecera mulher mais generosa e distinta que sua sogra, falecida uma semana antes.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Mal ele disse isso, seus olhos avistaram aquela senhora alta, pálida, de feições cansadas que, na fila dos passageiros chegados do Brasil, parecia sofrer mais que os outros pela demora.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Está vendo aquela velha? Aquela meio barriguda, de casaco cinza, atrás do japonês? É parecidíssima com minha falecida sogra. Tem, como ela, a retidão no semblante... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Ela parece doente... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Deve estar exausta... Sabe de uma coisa? Vou resgatar, por via indireta, uma dívida moral que tenho com dona Lourdes — era o nome da falecida. — Fui um pouco impaciente com ela nos dias que antecederam o derrame que a matou. Vou fazer essa velha passar na frente de todo mundo. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— O pessoal pode estrilar... Há outras velhas também esperando... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Eu disfarço... Pode vir comigo? — E os dois caminharam na direção da tensa senhora, que, vendo-os aproximar-se, sentiu crescer o medo.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Somos da Polícia... — disse o agente calvo. — A senhora quer nos acompanhar?... — E, dizendo isso, segurou no braço da velha, uma forma de lhe dar apoio, retirando-a da fila. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Mal deram uns dez passos, a velha, apavorada, tremendo, gaguejou:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Olha, quem me mandou foi o senhor Oliveira... O senhor sabe... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Sei o quê?</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Ele me disse que... me disse que tinha uma mulher me esperando lá fora... Que nada aconteceria... Que estava tudo combinado... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Combinado?! A senhora vai contar essa estória direitinho... </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Aí, o salão todo, com pessoas, malas, poltronas e letreiros, começou a girar vertiginosamente na cabeça da pobre mulher. Ao turbilhão seguiu-se a perda da consciência.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Pouco depois ela acordou numa sala do próprio aeroporto. Estava sem o casaco. Os saquinhos de cocaína haviam sido agrupados em cima de uma mesa para serem fotografados. Agentes policiais tomavam notas e um médico recomendava algum cuidado com a angustiada porque havia o perigo de um infarto.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>No fim do dia, a velha foi ouvida no flagrante. Narrou os fatos conforme descritos acima.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Os dois policiais que a retiraram da fila, ao se despedirem, porque findara o turno de trabalho, conversavam a respeito da apreensão da droga. O calvo, não obstante o casual sucesso funcional, parecia aborrecido:</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Eu deveria estar feliz porque peguei uma traficante... Mas não estou!... Acredito piamente no que ela disse... Foi a primeira vez... Uma mulher escolada não se denunciaria tão depressa. Eu só queria ajudar... Agora vão ser duas gerações em cana: a avó e o neto.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Foi bancar o bom samaritano das velhinhas e se deu mal... — brincou, irônico, seu colega, policial bem mais endurecido.</p><p><span style="white-space: pre;"> </span>— Não fosse a sua piada sobre sogras, eu não teria me lembrado da minha. Não teria pensado em ajudar... Para você ver o peso acidental das palavras em determinados momentos... Mas, eu me pergunto: se tudo tivesse dado certo, será que ela não faria isso de novo? Nunca vi ninguém chorando, arrependido, quando o crime foi bem-sucedido. </p><p><span style="white-space: pre;"> </span>Esse pensamento o tranquilizou, parcialmente. Afinal, os policiais são seres humanos. Precisam também de apoio para continuar nas suas funções, mas essa teorização não conseguia sossegar a sua alma. A seu julgamento, a velha era sincera, não voltaria a fazer esses transportes. Que pelo menos cumprisse prisão domiciliar. Se fosse intimado para depor, diria ao delegado e ao juiz que estava convencido da boa índole da idosa que apenas tentava salvar um neto.</p><p> FIM</p><p><span style="color: #ffa400;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />Desembargador aposentado</span></p><p><span style="color: #ffa400;">oripec@terra.com.br</span></p><p><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=1HYAFO6YPFPH&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C195&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Conheça meus livros - Amazon.com.br</a> </span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-13847446667810250912022-12-09T19:19:00.008-03:002022-12-09T19:20:54.159-03:00Terra, Marte e conjeturas. Atualização<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXwldNXK4NnuOsbvS7N1nk3CvAwl_slHBBNnlBXgcSfn1Lyc7EG3wIvOc-orFsUiHb1VLL8CYcStxdICys2tehZSNUIsaJfNu0lbo1oLz8wpehyT0ILb-d7gLP34Grhbaue2NIliaWvDmztIGSLA48oR2r3V7JSWPI4JITKApwh0x4d08cZXV6VuoN/s1200/marte-1.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="1200" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXwldNXK4NnuOsbvS7N1nk3CvAwl_slHBBNnlBXgcSfn1Lyc7EG3wIvOc-orFsUiHb1VLL8CYcStxdICys2tehZSNUIsaJfNu0lbo1oLz8wpehyT0ILb-d7gLP34Grhbaue2NIliaWvDmztIGSLA48oR2r3V7JSWPI4JITKApwh0x4d08cZXV6VuoN/w400-h266/marte-1.jpg" width="400" /></a></div><p><span style="font-size: xx-small;">Foto divulgação </span><br /></p><p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">Observação inicial.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(Em dezembro de 2020 publiquei em meu blog —
francepiro.blospot.com — um artigo, francamente especulativo: “Terra, Marte e
conjeturas”, estas envolvendo o coronavírus e a eventual de existência de
discos voadores e interesses extraterrestres — marcianos? — em busca de um
habitat menos hostil. Tomei essa liberdade porque em 2020 não havia muita
certeza sobre a origem do vírus e o planeta Marte era um pouco menos conhecido
que hoje, dois anos depois. Pensei em Marte porque nenhum outro planeta do
sistema solar possui condições ambientais de gerar vida assemelhada à
terrestre.)</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(O planeta vermelho, pelo visto, continua ainda misterioso
e inabitável em sua superfície, mas, a meu ver é bem razoável a probabilidade
de ter gerado vida inteligente milhões de anos atrás — quando a Terra era
quente demais e Marte possuía uma temperatura amena, assemelhada à de nosso
planeta hoje, podendo alcançar um estágio tecnológico talvez mais alto que o da
Terra hoje. Tenho absoluta convicção, com base na analogia, que quando pesquisarem
profundamente o subsolo marciano, encontrarão restos de uma antiga civilização
soterrada em toneladas de poeira endurecida pelo tempo. Especulação, claro, mas
de alguma probabilidade porque toda vida inteligente é também ambiciosa e
pretende crescer ao máximo no conforto, riqueza e conhecimento. E quanto mais
sabe, com mais rapidez inova e cresce).</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>(Pergunto: como
estará nosso planeta daqui a dois mil anos, por exemplo, se não autodestruído
por guerras nucleares ou atingido por gigantesco meteoro, ou algumas pandemias
indomáveis? Se na Terra a vida brotou do zero, do nada — mero resultado do
calor e luz solar, presença de água, eletricidade de raios e abundância de
todos os átomos necessários à vida —— por que somente no nosso planeta brotaria
a vida?)<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(Lendo e escutando na internet, de uns poucos dias para cá,
os climatologistas Ricardo Augusto Felício, Luz Carlos Molion, Bjorn Lamborg, e
outros menos citados — dissertando sobre ambientalismo —, concluí que minhas
suposições amadoras sobre Marte, escritas em 2020, tinham algum fundamento. A
ignorância generalizada da humanidade sobre cosmogonia, astronomia e até mesmo
o ambientalismo ainda é considerável, com “conclusões” científicas às vezes
forçadas, exageradas, contaminadas com cálculos geopolíticos de dominação de
países mais fracos e desorganizados. Grandes florestas e terras com muita
riqueza no subsolo despertam cobiça em países que, após destruírem suas
próprias florestas, pretendem tirar proveito de áreas alheias com difíceis
problemas de administração de suas enormes florestas.)</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(Esse involuntário “reforço” de minha desconfiança, sobre a
questão ambiental, vindo de Felício e Molion, duas grandes inteligências,
conhecimento e coragem —, me aconselharam a republicar meu artigo de 2020, com
o presente acréscimo.)</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(Longe de mim resumir aqui os textos de Felício e Molion,
ambos professores universitários de São Paulo e Alagoas, respectivamente.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Isso tomaria dezenas de páginas. Mas o leitor
minucioso poderá se informar exatamente sobre as razões e conclusões desses
dois inteligentes e corajosos cientistas do clima acessando no Google, ou
outros mecanismos de procura, mas sempre — atenção! — clicando seus nomes
completos nas buscas. Esse cuidado é absolutamente necessário, porque ambos
foram e ainda são perseguidos e boicotados por aqueles que pretendem uma
unanimidade opinativa que não parece coincidir com a verdade).</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(Encerrando este acréscimo ao meu artigo de 2020, logo
abaixo, aconselho o leitor a, antes de formar sua opinião sobre o clima global,
olhar com atenção um globo terrestre. De preferência um globo de três
dimensões, mais convincente. Notará logo que o Planeta Terra deveria chamar-se
“Planeta Oceano”, tal a quantidade de água, líquido que não polui a atmosfera.
Felizmente, para todos nós, os mares representam cerca de 70% da superfície
terrestre.)</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(Localizados, no globo, a Europa e o Oriente Médio, o
leitor verá quão ínfimas, proporcionalmente, são essas áreas, em comparação com
o tamanho do planeta. Além dessa insignificância territorial dos países é
preciso lembrar que suas cidades representam pequeníssimo percentual da área
total dos estados. Todos os países possuem área rural, campos, plantações,
bosques, fazendas, em que a poluição aérea é mínima ou nenhuma. O gás metano, intestinal,
emitido por vacas e ovelhas parece um exagero, argumento forçado para
justificar os fanáticos do ambientalismo. E existem também, em alguns países,
desertos, pequenos ou enormes, onde é impossível a poluição provocada pelo
homem).</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">(O mesmo argumento pode ser usado com a poluição ambiental
causada pelos Estados Unidos, China, Índia e Rússia, que ocupam imensas áreas,
mas com poluição limitada a cidades, fábricas e veículos movidos a gasolina,
álcool e diesel.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Esses pontos de
poluição devem, claro, ser combatidos por causa do prejuízo local à saúde da
população, ao pulmão e vias respiratórias. Mas esse efeito local, não explica o
aquecimento do planeta inteiro, dos oceanos e áreas não densamente habitadas,
que dependem de causas pouco conhecidas, como ocorre com as eras glaciais.
Nossa estrela não é um “forno” estático, sofre alterações. O clima terrestre,
está provado, tem fases de aquecimento e resfriamento. Segundo Felício e
Molion, a Terra inicia uma fase de resfriamento.)</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">Agora, o artigo de 2020: “Terra, Marte e conjeturas”</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Será que os alienígenas pensam em nos colonizar com vírus?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">Seria isso possível? Apenas em teoria, sim, por mais
indesejável e “paranoico”, que isto possa parecer, neste triste momento de
recrudescimento de uma epidemia diferenciada, teimosa e seletiva, eliminando os
“fracos” — velhos e doentes — mas poupando os jovens e fortes que possam manter
“a máquina planetária” em funcionamento.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">
</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">Leiam os argumentos, as deduções lógicas e pensem, mas com a própria
cabeça. Friso que desejo estar completamente errado na minha dúvida teórica.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Como no mal pode haver alguma semente do bem, o imaginário
“perigo marciano” teria um lado bom: a união política da humanidade, coisa que
nunca ocorreu antes.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Consciente do risco do ridículo, advirto que não se trata,
aqui, de ficção-científica — fantasia, literatura —, porque ela não faz meu
gênero. Apenas alerto para uma remota e indesejada possibilidade, baseado em
leituras, raciocínios, e conclusões — que me parecem logicamente aceitáveis —
se pelo menos alguns dos milhares de depoimentos, fotos e filmagens de “objetos
voadores não identificados” forem verdadeiros, como me parecem. Digo assim, aos
poucos, cauteloso, porque a expressão “discos voadores” já afasta, de cara,
metade dos leitores.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Se não sou totalmente assertivo quanto a realidade do
perigo mencionado no título, por que perco tempo — meu e do leitor —, abordando
apenas possibilidades, ainda mais sendo elas desanimadoras? Justifico-me logo
abaixo.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Os campos da cosmogonia, astronomia e astrobiologia estão
recheados de conclusões sensatas mescladas com tremendos “chutes” científicos
que — para nós, leigos — são mil vezes mais inacreditáveis que minha modesta
suspeita mencionada no título. <br /><br />Vejamos.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Big Bang (o universo brotando de uma “bolinha mágica”);
Idade do Universo (tolice, ele não “nasceu”, como um bebê, vindo do nada,
sempre existiu, como poeira cósmica e corpos celestes); Buracos de Minhoca;
Universos Paralelos (vários, como fantasmas); novas Dimensões (além das 3, ou
4? tradicionais); Viagens no Tempo; Buracos Negros (com saída dos fundos para
“outra dimensão”, impossível se o Buraco for apenas uma estrela que se apagou);
Teoria das Cordas, etc., são discutidos sem rir. Isso porque, afirmam os
cientistas, estão baseados em “cálculos matemáticos”, inacessíveis à
verificação de 99,9 %, dos seres humanos. Quanto aos 0,1% que “verificaram”,
não são raras as discordâncias entre eles.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Cabe aqui um imediato reparo — apenas na grosseria, não na
opinião — ao que acabei de escrever num impulso —, usando a palavra “chute”,
referindo-me àqueles astrônomos que acreditam no Big Bang — só porque as
galáxias estão, no largo “momento cósmico”, se afastando umas das outras e eles
não sabem como explicar. Bastaria dizerem não saber, por enquanto.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Afirmar, porém, que toda a matéria cósmica,
com bilhões de galáxias brotaram do nada, em um segundo, sugere que a abstração
excessiva da Astronomia cansa demais o cérebro, recomendando duas férias anuais
para descanso dos neurônios.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Segundo essa absurda teoria, antes do Big Bang havia um
“nada” absoluto. Um “vazio” não só de “coisas” como da própria “ideia” de
vazio. Sem matéria, sem energia e sem o já imaterial “tempo”. Se essa teoria
foi apenas um pedido dos líderes religiosos aos cientistas, para reforçar a
ideia de Deus — um milagre unindo ciência e religião visando diminuir a
descrença, maldade e materialismo animal — é preciso lembrar que qualquer
teoria explicativa ridícula ajuda a opinião pública mais esclarecida a não
confiar nos cientistas, considerando-os “um bando de malucos”. Inclusive quando
eles acertam em questões importantes, como a preservação do meio-ambiente.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">A bondade, no lugar errado, torna-se maldade
involuntária.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Quando um astrônomo, em cruzeiro marítimo, contempla o céu
noturno e está, casualmente, rodeado de leigos que o olham com respeito,
fazendo perguntas, o indagado sente-se meio que obrigado a dizer alguma coisa.
Afinal, é um astrônomo, interessado em diminuir a ignorância geral, pelo menos
na sua área.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Percebendo que a curiosidade do grupo é sincera, não mera
gozação, o estudioso dos astros provavelmente tentará ser gentil com os
circunstantes que, sobre as estrelas, sabem apenas o que leram em livros de
poesia. No máximo lembram-se dos versos de grandes poetas sentimentais,
associando luas, estrelas e amores imortais, como Olavo Bilac e outros
inspirados. Esquecem, ou desconhecem, que aquelas luzinhas, piscando, são
gigantescas fornalhas, impiedosas e indiferentes, que impedem, “torrando”, ou
estimulam, “aquecendo adequadamente”, o surgimento e crescimento da vida em
milhares de planetas cujos habitantes talvez, nesse mesmo momento, estejam
também nos espiando através de seus binóculos ou telescópios, conjeturando se
há ou não vida inteligente no nosso sistema solar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">É natural, humano, profissional — e até caridoso —, que os
astrônomos mais imaginativos — a imaginação era muito valorizada por Einstein —
expliquem o que sabem, ou presumem, porque tudo é muito distante e complexo.
Quanto ao que não sabem — porque é impossível saber, por enquanto... —, e
apenas pensando em não decepcionar os leigos com o silêncio, o astrônomo aqui
imaginado prefere dar uma explicação breve, que pareça razoável. Melhor assim
do que o mutismo, que pode ser interpretado como arrogância ou incapacidade de
comunicação.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Essa atitude é semelhante à adotada por delegados de
polícia quando, chamados para atender uma ocorrência policial de grande
repercussão — por exemplo, uma famosa “estrela”, sem alusão, de cinema é
encontrada morta depois de vários dias desaparecida. Indagado por insistentes
repórteres, filmando o local, o delegado dá sua provisória explicação do que
pode ter acontecido. Esse mero “palpite” profissional é natural e útil, porque
demonstra interesse e inteligência do poder público em combater o crime com
racionalidade e planejamento. A mesma coisa acontece com o uso da intuição na
Astronomia, mostrando a intenção, não de combater o crime, mas a ignorância.
Melhor isso do que o astrônomo ficar mudo, como que aturdido, desprovido de
ideias.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Não podemos esquecer que o universo, como objeto de estudo,
é mais ingrato que qualquer outra ciência porque o astrônomo não pode ver, de
perto, o que lhe compete investigar, para depois explicar. Tudo está envolto em
mistério, distantes anos-luz, ou Parsecs, ou outras unidades de medições de
gigantescas distâncias interestrelares, por melhores que sejam os telescópios.
Sem estes aparelhos, o que saberíamos dos astros? Praticamente nada. Galileu
Galilei descobriu mais que astrônomos anteriores. Kepler, por exemplo, porque
usou telescópios inventados, pouco antes, por um fabricante holandês.
Enxergando mais, pôde explicar melhor a realidade do heliocentrismo.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Imagino a constante frustração de todo astrônomo
profissional: — “Como é possível trabalhar assim, quase no “escuro”,
propriamente dito? E no claro, de dia, não dá pra ver nada porque não
enxergamos as estrelas. Um biólogo pelo menos vê o que pretende conhecer. Nós
não, temos que adivinhar, até “chutar”, inicialmente, porque com o “chute”, o
próprio “chute” pode ser investigado e dele surgir um “gol”, uma importante
descoberta científica”. Acho até que a intuição dos cientistas mais
imaginativos foi mais profícua, em descobertas, que o severo e cauteloso
ceticismo daqueles colegas que esperam que a verdade surja já inteirinha,
perfeita, certinha nos cálculos e na forma observável.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Albert Einstein —
que respeito profundamente, por seu caráter e ideias em seus livros, quando
escritos com palavras, não com fórmulas — afirmou, em 1915, quando publicou sua
Teoria da Relatividade, que um corpo de enorme massa poderia desviar um feixe
de luz que passasse perto dele.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Até então, pensava-se que a luz só poderia viajar em linha
reta. Quando, porém, ocorreu um eclipse total do Sol, pela Lua, cinco anos
depois, em 1919, a luz solar realmente “entortou”, atraída pela gravidade do
nosso satélite, como foi constatado com telescópios. Foi a confirmação visual
do que afirmava Einstein, usando apenas cálculos, de que muitos físicos não
tinham condições de entender, apenas matematicamente, a Teoria da Relatividade.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Com perdão pelo
atrevimento — próprio dos ignorantes —, não acho que esse desvio no raio de luz
seja tão surpreendente assim, porque a luz, afinal, é também “matéria”. Não é
uma “coisa” espiritual, imaterial, como um pensamento. Uma ideia, imaterial,
pode ser o produto de algo material, químico — sinapses entre neurônios —, mas
uma coisa é a sinapse, a “causa”, e outra, o “efeito”, a ideia em si. Em um
feixe de luz há fótons, ou elétrons, e outras partículas subatômicas em
movimento. “Coisas”, enfim, ligadas ao mundo da matéria, sujeitas à atração da
gravidade.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Há algo de “material” na eletricidade que chega a nossa
casa, tanto assim que é medida mensalmente e temos que pagar a conta de luz. Se
é mensurável, palpável — um choque dói... —, nela há algo de “massa” sujeita a
ser atraída pela gravidade da Lua, no caso da mencionada eclipse.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> <br /></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">Segundo li em livro
sobre Einstein, ele também considerou um exagero esse “oba-oba”, a repercussão
científica do eclipse, com pessoas viajando para outros países só para observar
o fenômeno. Desnecessário, porque o desvio já fora previsto por ele, com sua
matemática que provavelmente continha algum componente intuitivo ou
imaginativo. Se os fatos contrariam a matemática, azar dos fatos.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Voltando ao título, se minha suspeita sobre marcianos,
discos voadores e vacinas — eventualmente decepcionantes —, for apenas uma
especulação fantasiosa, autorizo qualquer escritor ou roteirista de science
fiction a utilizar as considerações, aqui presentes, para a redação de um livro
ou filme desse gênero, que — salvo brilhantes exceções — pouco me agrada por
causa dos exageros e ilogicidade.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Se um escritor de
invulgar imaginação quiser que respeitem suas fantasias, que se esmere na
argumentação, mostrando, por a + b, que o que ele diz, apesar de inusitado, é
logicamente possível, mesmo que seja pouco provável. Não ofendendo a
inteligência, O.K., porque até o simpático bom senso pode estar, e já esteve,
durante milênios, totalmente errado.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Sintetizando o conteúdo da minha suspeita, referida no
título, acho logicamente possível, embora indesejável — só faltava mais essa em
plena pandemia! — que seres extraterrestres, extremamente inteligentes,
portadores de uma tecnologia muito mais avançada que a nossa, habitando nosso
sistema solar — as estrelas e seus planetas estão distantes demais — talvez
estejam ambicionando, ou realmente necessitando de um novo “lar”, no caso, a
Terra.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Para isso, ficariam
nos “espionando” furtivamente, usando objetos voadores não identificados, os
genéricos “discos voadores”, nem sempre no formato de pratos ou discos. Eles
talvez não só nos observam do alto como também — muitos juram —, nos
sequestram, abduzem, para estudar nossos organismos e depois nos devolvem ao
solo com a memória recente afetada ou bloqueada. Uma forma de camuflagem
psicológica, estimulando a ideia de que tudo isso, “discos voadores”, é
mentira.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Não penso que todos os casos relatados de abdução — são
dezenas ou centenas —, seguidos de esquecimento parcial, sejam mentirosos. Com
o progresso das nossas pesquisas sobre substâncias que afetam os neurônios
talvez esse bloqueio temporário da memória esteja ao nosso alcance rotineiro
daqui a pouco tempo. A “ignorante” doença do Alzheimer já faz isso “de graça”,
sem alarde científico, prejudicando seletivamente a lembrança de fatos recentes.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">O leitor pode garantir com exatidão como estará nosso
conhecimento do cérebro daqui a quinhentos ou mil anos? Mil anos é uma gotinha
de tempo na Cosmologia, Astronomia, Biologia, Física, Evolução, etc. Um
prodigioso volume de descobertas nos aguardam.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Em assuntos planetários, não podemos nos basear apenas no
que hoje conhecemos. Nosso “hoje” poderá se tornar um envergonhado “antigamente
pensávamos que...”. Quando cientistas garantem, por exemplo, que o coronavírus
é de origem natural — não inventado em laboratório —, eles fazem essa afirmação
com base nos atuais conhecimentos deles, cientistas. Não estão mentindo, apenas
não sabem, hoje, o que saberão amanhã. Talvez desconheçam que laboratórios
secretos de governos do primeiro mundo — ou de grupos privados, bilionários,
com projetos de domínio planetário, megalomaníaco, tipo Illuminati — talvez
consigam, em total segredo, fabricar vírus que apenas “pareçam” naturais.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Países politicamente inimigos, com alta tecnologia, temendo
que o inimigo fabrique ataques virais, pesquisam também armas biológicas, para
defesa e/ou ataque. Tais “armas” são segredos de estado. Isso todo mundo sabe.
Se já competem, em segredo, sobre armas atômicas e foguetes, por que — pergunto
—, não fariam o mesmo com “armas” biológicas que permitiriam controlar a mente
dos inimigos sem precisar matá-los nem destruir seus bens que intactos,
passariam ao poder dos invasores?</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">O que se pode dizer sobre conflitos entre países seria
aplicável, com mais razão, em eventuais conflitos interplanetários que venham a
ocorrer. Conflitos esses que nunca chegaram ao nosso conhecimento por
impossibilidade física, ou visual, porque a distância entre as estrelas, com
seus planetas, é tão imensa que não estariam ao alcance de nossos telescópios.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Calma, leitor... Sei que a mera ideia de “conflito
interplanetário” já provoca risada. Com razão, porque lembra “Guerra nas
Estrelas” e todo o besteirol que aparece em filmes para adolescentes. Como o
leitor nunca ouviu falar em guerra de verdade entre planetas parece-lhe
“impensável” imaginar que a Terra possa estar sendo objeto de desejo, de
conquista, de habitantes de outro planeta, pretendendo aqui morar, movidos ou
por ambição, ou conveniência ou necessidade. Não obstante, incoerentemente, aos
terráqueos parece “normal”, até desejável, “científico”, que enviemos naves
espaciais, tripuladas, ao planeta Marte para lá permanecerem em definitivo,
iniciando uma colonização. A Terra colonizando Marte não é absurdo, mas o
contrário, Marte nos colonizando, é “aberrante”.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Esta ideia de
ocuparmos o Planeta Vermelho não nos choca, talvez porque presumimos que nele
não há vida. Ou, se houver, será ela muito rudimentar. Bactérias, ou coisas
assim. Atrevo-me a dizer, porém, que se soubéssemos que em Marte vivem animais
semelhantes aos nossos chimpanzés — ponto máximo da evolução marciana —, isso
não nos impediria, moralmente, de conquistar aquele planeta — porque
pensaríamos estar até “lhes fazendo um favor”, levando nosso progresso, nossa
civilização, aos primitivos “ marcianos”, como aconteceu quando Cristóvão
Colombo e Pedro Álvares Cabral desembarcaram nas duas Américas, tomaram suas
terras e riquezas e escravizaram os nativos.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Tenho total
convicção de que surge vida microscópica, rudimentar — mas evoluindo
constantemente — em todo planeta que, por mero acaso, reúna condições propícias
à vida: pelo tamanho, temperatura — distância média “razoável” de sua estrela
—, água em estado líquido e beneficiado pela sorte de não sofrerem alguns
impacto catastrófico como aquele que matou nossos dinossauros, milhões de anos
atrás.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">Todo ser vivo, de qualquer tamanho, nasce, em todos os
planetas, com instintos iguais: perpetuação da própria vida e da sua prole.
Para isso precisa de alimento, abrigo, sexo, total liberdade —, mas vigilância
severa contra a liberdade alheia que possa nos afetar. Nenhum ser vivo nasce se
odiando, a menos que isso seja causado por alguma doença, ou total desespero,
em que a morte significará alívio. Precisando conquistar um outro país, ou
planeta — para não se extinguir —, fará isso, mas na forma compatível com seu
grau de cultura científica, técnica e moral.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Daí minha convicção de que se Marte, ou outro corpo
celeste, se habitado por seres inteligentes, considerar a Terra como sua única
salvação, esse corpo celeste resolverá “seu problema”, por bem ou por mal. Como
nós faríamos, em igual situação. Se imensamente civilizado, o planeta invasor
procurará fazer isso com o mínimo possível de dor e destruição, própria e
alheia. Daí que, pelo menos em teoria, o planeta invadido, tendo espaço
disponível, constatando que não dispõe de tecnologia capaz de enfrentar os
invasores, deve pensar bem antes sobre como reagir.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Repito que desejo que todas as vacinas contra a codiv-19
sejam eficazes no prazo usual das vacinas. Se não o for, é o caso de se pensar:
aí tem coisa! E é melhor que essa “coisa” tenha origem terráquea, mais fácil de
lidar porque conhecemos a natureza do inimigo.</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=1XU7UN5IQT177&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C192&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Conheça meus livros:<br /></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">Amazon.com.br</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;"> </span></a></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=1XU7UN5IQT177&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C192&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 12pt;">oripec@terra.com.br</span></a></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-34315484525188922092022-11-26T21:52:00.002-03:002022-11-26T21:57:36.104-03:00“Casaca de Urubu”<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXcbNMHjWVNHnZ_0YAOeL0gRRBaFEJZt7dkBF6pIrt8kqV49uevpHq6h-xbrqQQDbSJLIycx6GqFdXifRD-a4dfNcOFWJ6tYDl7yL4CyDaoc-9whBkYMD8CfVwrU3-LfiDqYBzubfXuJHTadmHaKqcvorm8BDmaOm_j-PXkjZDirwpAea-oz3gmbWL/s640/casaca.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="640" data-original-width="640" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXcbNMHjWVNHnZ_0YAOeL0gRRBaFEJZt7dkBF6pIrt8kqV49uevpHq6h-xbrqQQDbSJLIycx6GqFdXifRD-a4dfNcOFWJ6tYDl7yL4CyDaoc-9whBkYMD8CfVwrU3-LfiDqYBzubfXuJHTadmHaKqcvorm8BDmaOm_j-PXkjZDirwpAea-oz3gmbWL/s320/casaca.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Não sei onde os contistas, no geral,
procuram inspiração para suas estórias. De minha parte, o jornal, lido pela
manhã, me abastece com muito mais material do que posso aproveitar.</p><p class="Estilo1" style="line-height: 150%;"><o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Isso porque a vida continuamente
forja incidentes que nenhum escritor, por mais imaginativo que seja, teria a
audácia de lançar no papel.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Não que falte aos ficcionistas
suficiente imaginação. Usualmente têm-na até em excesso. Junte-se todo o
delírio imaginativo de um asilo de loucos furiosos e a soma ficará muito aquém
do imaginário de um único escrevinhador. O problema está na preocupação com a
verossimilhança. <o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Precavido com a possibilidade de
afrontar a inteligência do leitor, possivelmente mais inteligente do que o
escritor, apenas não tendo paciência para cansar o traseiro escrevendo, por
exemplo, um romance, o ficcionista não se arrisca a lançar no papel situações
aberrantes, criadas pela sua imaginação.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Já a vida real não está nem aí.
Desenrola-se com a mais altiva indiferença, nem um pouco preocupada se vão, ou
não, acreditar nos seus caprichosos movimentos. Bocejando, a vida simplesmente
acontece.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">De minha parte e outros, igualmente
comodistas, o grande truque da chamada “inspiração” — artigo hoje quase
dispensável, tal o acúmulo de estímulos que chegam de toda parte — está em
agarrar o fato real, dramático ou pitoresco, relatado pelo obscuro repórter —
que, por justiça, mereceria parte dos direitos autorais — e dar ao relato dele
uma “ajeitada” embelezadora. Ou “banho de loja”, no linguajar dos vendedores de
carros usados — outra categoria profissional com a qual toda cautela é pouca.
Sem preocupação quanto à possível rejeição dos leitores mais críticos e
sabidinhos. Afinal, se o fato básico realmente ocorreu, embora inacreditável,
pode o autor permanecer tranquilo, não obstante a previsível chuva de
impropérios e perdigotos, felizmente cuspidos em sua ausência.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Em resposta dirá apenas um “É inacreditável,
claro, mas é a própria vida. Apenas carreguei nas cores”.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Um ficcionista pode, por exemplo,
necessitando reduzir o elenco de personagens, descrever a cena em que uma cobra
pica o pé de uma moça. Convém que ela seja linda porque escritores e leitores
jovens não gostam de gastar tinta e tempo com gente feia sofrendo os efeitos do
veneno. A jovem morrerá com maior ou menor estilo, talvez nas exageradas
“vascas da agonia” — que já foi uma imagem forte, muito requisitada, embora por
demais produtoras de saliva. Ou até mesmo não morrer, apenas passando perto, se
o autor subitamente se lembrar de que ainda pode precisar da personagem alguns
capítulos mais à frente. “Depois eu mato ela”. Mas nenhum escritor teria a
coragem de ir tão longe dizendo, por exemplo, no caso da cobra, que quem
morreu, após a picada, foi a cobra, não a linda moça. Pois foi o que ocorreu, na
vida real segundo um jornal —, quando uma serpente caiu na besteira de, na zona
rural, morder o calcanhar de uma baiana vigorosa que saiu ilesa, aos pinotes,
enquanto a cobra desencarnava. Talvez morta de susto ofídico e arrependimento;
não pela maldade da picada, mas pela burrice na seleção do alvo.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">É claro que notícias assim — “Cobra
morre após picar o pé de uma mulher, que sobrevive” —, geralmente muito
sumárias, merecem ser lidas com alguma reserva. O repórter se interessa apenas
pela síntese intrigante. Não esmiuça os fatos. No caso da cobra, pode ser que o
pavor da mulher ao sentir-se picada tenha feito a mulher saltar e sapatear,
numa espécie de dança guerreira. Sendo, talvez, muito pesada — o jornal não
esclarecia — aquele bate-estaca humano, com mais de noventa quilos, mais a
velocidade da descida do pinote —, desabando em cima da frágil espinha da
tentadora de Eva, possivelmente explicasse melhor a “causa mortis” do ofídio.
Mas não, o repórter apenas conta o produto final: foi só a cobra que morreu
após a picada. Induzindo o leitor a pensar que o veneno da mulher era muito
mais forte. Claro que isso acontece, às vezes, com algumas beldades perigosas, mas
não se pode generalizar. <o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Outra fonte excelente de ficção,
também emergente da vida real, está na memória dos velhos. E não se
impressionem, os moços, com a maior lentidão das anosas mentes porque, como
dizia o também idoso – por isso suspeito – Marquês de Maricá: “ A memória dos
velhos é menos pronta porque seu arquivo é mais extenso”. Admitamos que uma
parte da marcha lenta cerebral seja devida às condições das artérias, entupidas
com excesso de pizzas, torresmos e feijoadas. Mas não se pode minimizar que,
tendo o idoso visto muito, é natural que demore, mais que o jovem, a localizar
aquela determinada ficha mental, entre tantas amontoadas na gaveta cerebral.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Nesses velhinhos aposentados, tão tranquilos
— refiro-me aos mais abonados, ou amparados pelos filhos, porque os que
dependem só do INSS contorcem-se na corda bamba — existem verdadeiros tesouros
de recordações, com registros de fatos que nenhum escritor, mesmo beirando a
loucura, seria capaz de conceber.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Para dar um pequeno exemplo,
transcreverei aqui o que me foi contado por um velho cearense, com quase
noventa anos mas perfeitamente lúcido.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Dizia-me ele que, quando menino, no Ceará,
havia um cidadão que ganhava seu pão cobrando, presencialmente, velhas dívidas.
Credores, cansados de cobrar, sem êxito, seus devedores, contratavam esse
cidadão, um especialista, que ficava com um combinado percentual do que
conseguia recuperar do devedor. Era, enfim, um “cobrador” e tinha um apelido,
“Casaca de Urubu”, isso porque trajava, nas suas cobranças, uma espécie de
fraque velho de cor preta, fosse qual fosse o calor nordestino.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não existindo, então, um sistema de protesto
de títulos, o Casaca de Urubu quando parava na casa de alguém isto significava
que esse alguém era um devedor que não pagava suas dívidas. Por isso, era
temido, não por ser violento, mas porque ninguém quer ficar com fama de
caloteiro. Sua casaca funcionava como uma espécie de farda, ou uniforme de
cobrança, porque as pessoas das casas vizinhas, vendo o Casaca passando na rua,
logo se interessavam, maldosamente, para ver se ele ia se deter em algum portão
ali perto, porque a fofoca faz parte da natureza humana.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">O velho cearense que me contou esse
eficiente sistema prático de cobrança de dívidas não me descreveu —, porque não
me ocorreu a lembrança de lhe perguntar — como era, fisicamente, o “Casaca de
Urubu”. Se alto ou baixo, fisicamente forte ou fraco. Presumo que era um homem
fisicamente forte, grande, porque a pessoa cobrada nem sempre era calma,
pacífica, sabendo que a vizinhança a observava disfarçadamente. Alguns reagiam de
forma agressiva.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">O Casaca não chegava ameaçando nem
gritando, mas era firme, de uma tenacidade doentia. Ele simplesmente chegava e
cobrava a dívida. Se o devedor não estava, ou mandava alguém da casa dizer que
não estava, o “Casaca de Urubu” simplesmente se encostava no portão ou muro,
com expressão fechada, e aguardava a sua volta. Não se incomodava de ficar ali
horas e horas, sob chuva ou calor. Se o devedor estava escondido dentro da
casa, ficava “ilhado”, não se atrevendo a sair, nem mesmo para trabalhar. Se
estava fora, não tinha coragem de voltar à própria moradia. Com tática tão
eficiente, caso o devedor ainda tivesse algum dinheirinho ele priorizava o
pagamento dessa dívida, só para se livrar da sorumbática craca humana.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">O grande problema para os devedores,
como já disse, é que toda a vizinhança sabia porque o “cobrador” estava
plantado ali, qual uma sentinela do crédito. Ninguém queria ser seu amigo,
porque amizade implica em alguma proximidade física. E uma simples visita de
cortesia do nosso homem equivaleria, hoje, a uma citação judicial, com alto
falante, num pedido de falência. O amigo visitado, tão logo a visita ia embora,
teria que correr quase de casa em casa explicando aos vizinhos que se tratava
de uma visita social.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Para agravar o vexame dos devedores,
a garotada da vizinhança costumava seguir, de uma certa distância, expectante,
o “cobrador”. Uma espécie de alegre procissão, ou chegada do circo na cidade,
porque não era raro que o devedor, sentindo-se desmoralizado, se exasperasse, ameaçando
partir para a ignorância. A cobrança tinha, realmente, um grande potencial de
violência, numa época em que a necessidade humana de ver sangue — o alheio,
claro —, tinha muita chance de ser satisfeita. Naquela época não havia cinema
nem televisão, em que sexo e sangue, juntos ou separados, escorrem pela tela e
pingam no tapete.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">A garotada, claro, torcia para que o
devedor não pagasse, porque assim aumentava a tensão e a possível violência. Já
o cobrador, evidente, torcia em sentido contrário. Ele só ganhava na medida do
que conseguia receber. <o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Até aqui tudo está normal, podendo o
relato ser fruto da minha imaginação. Ocorre que — aqui começa a escalada do
impensável, a originalidade da vida real:<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>quando o devedor, na primeira visita do Casaca, prometia pagar a dívida
no dia xis — mas não cumpria a sua palavra —, o “cobrador” tinha um “chilique”,
desmoronava, desfalecia, caindo realmente no chão, ali ficando desacordado. O
velho cearense não soube me informar se nesses momentos o “Casaca” tinha
convulsões, ou se babava – o que caracterizaria a epilepsia. O fato é que caía
de verdade, sem escolher jeito menos doloroso de se estatelar. Às vezes
desmoronava na vertical, como que implodido, dobrando os joelhos, sem se
machucar . Outras vezes caia de chapa, para frente ou para trás, machucando o
rosto ou a parte de traz da cabeça. De qualquer forma, seus magistrais desmaios
atraiam ainda mais a atenção dos passantes e vizinhos, que se aglomeravam na
porta do devedor, tentando erguer o cobrador.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">O desmaiar, ou sair andando do
“Casaca”, era um outro sinalizador da situação financeira da pessoa cobrada. A
vizinhança inteira espreitava, de perto ou de longe: se o “Casaca” desmoronava
é porque o devedor estava mesmo numa situação tão preta quanto a casaca do
cobrador, inadimplência que representava uma utilidade geral para o comércio
local. Equivalia ao atual Serviço de Proteção ao Crédito, ou cartório de
protesto de títulos. Se não havia desmaio, a situação do devedor não era tão
grave. Ele costumava desmaiar só no retorno para cobrança, sem conseguir receber.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Até aqui não há nada de especial
neste relato. O desmaio seria, talvez, mero fingimento, “teatro” do Casaca?
Algo diferente, grotesco, mas eficiente? Alguns “galos” na cabeça seriam apenas
os ossos do ofício, ou, modernamente, “despesas do protesto do título”?<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Ocorre, leitor — e é aí que entra a
genialidade da vida real — que os desmaios não eram simulados. O velho cearense,
homem sério, me garantiu isso. O “cobrador” sofria realmente os ataques, quando
não conseguia receber o que lhe fora prometido. Ao que tudo indica, a contrariedade,
a decepção, após tanta espera, fazendo planos sobre como gastaria a comissão —,
causava um tal choque no seu peculiar sistema nervoso, que seu organismo reagia
desabando. Não constava que ele fosse epilético. Se o fosse, os ataques não
escolheriam hora nem local, salvo melhor juízo da crítica médica especializada.
Nunca soube que decepção financeira, provocasse ataques epiléticos. <o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Dirá o leitor mais exigente que, ou o
velho cearense mentia, ao relatar os fatos, ou era muito ingênuo, supondo que
os desmaios do “Casaca” eram autênticos. De minha parte excluo a hipótese de
ser mentira ou ingenuidade do velho que me contou. Ele nem sabia, nem eu, que
um dia eu iria escrever sobre seu relato. Se eu soubesse, teria cavoucado
bastante sua narrativa.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Cheguei a conhecer bem o caráter desse
velho, meu parente, homem de total veracidade. Como ele estava convicto que os “ataques”
não eram simulados? Porque, carregado para sua casa, o “Casaca de Urubu” demorava
para recobrar a consciência. Ficava mesmo doente, meio zonzo, não trabalhando
no dia seguinte. Insisti muito nesse ponto — na tese da simulação — mas a
convicção do cearense era inabalável. Ao que constava, o Casaca se machucava de
verdade nas quedas, no nariz, na testa. O velho sentiu-se até ofendido com
minha insistente descrença. O detalhe da possível simulação fora muito debatido
na vizinhança, à época, quando havia poucas distrações na cidade. Agora, se o
“Casaca de Urubu” era tão astuto e indiferente às próprias machucaduras nas
quedas, aí já não sei. Mas a versão do desmaio autêntico era assunto quase
pacífico, mesmo em um ambiente de gente desconfiada. O cearense, pelo que ouço
— vivi em São Paulo desde dois anos de idade — é desconfiado por natureza.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Qual o ficcionista que se atreveria a
inventar coisa tão anômala?<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Nem mesmo um
neurologista, dublê de escritor — a menos que tivesse tido um cliente nessas
condições — teria lembrança de inventar essa parte final. Talvez o “Casaca de
Urubu” fosse um exemplar único no mundo. Pouco tempo atrás, porém, conversando
com um experiente médico vizinho, em São Paulo, sobre a estranha reação do
desmaio, ele me disse que soubera de um caso semelhante, não de cobrança de
dívidas, mas de desmaios autênticos quando a pessoa sofria uma grande decepção.
Mulheres, com frequência, até em filmes, costumam desmaiar quando recebem
notícias chocantes, como a morte súbita de uma pessoa querida, mas homens
desmaiando para mim é novidade.<o:p></o:p></p>
<p class="Estilo1" style="line-height: 150%;">Minha particular opinião inclina-se —
mas não garanto —, para a conclusão de que “Casaca de Urubu” fingia desmaiar,
por vários motivos lógicos: primeiro, porque se não fizesse essa cena poucos
devedores pagariam seus débitos e essa “moleza” seria contagiosa, tirando seu
meio de vida; segundo, porque se fosse agressivo, ameaçador, poderia levar um
tiro, ou facada, ou ele matar algum devedor; terceiro, porque, sendo violento,
seria fonte permanente de ocorrências policiais, e o delegado <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>poderia proibi-lo de trabalhar nessa função,
visando a paz pública. Ninguém pode ser chamado de “desordeiro” só porque
desmaia com frequência. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não sei como
terminou a vida do “Casaca”. Pena que não tenha tido a oportunidade de
conhecê-lo. Era um homem inteligente, um psicólogo, porque conseguia fazer o
que ninguém mais conseguia. Sem burocracia, protestos, justiça ou violência, a
não ser contra ele mesmo, mas em diminuta escala. Quem sabe, tendo filhos, tais
desmaios possibilitaram estudo em universidade. Haveria fingimento mental com
sua técnica? Se havia, o Casaca se punia por isso, machucando-se na queda.</span><span style="font-size: 12pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><b><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><i>OBSERVAÇÃO. <br />Esta narrativa foi
escrita vários anos atrás e publicada em livro impresso que publiquei, por
conta própria — mais para distribuir aos amigos —, fazendo parte do livro de
contos “Tragédia na Ilha Grega”. Como não houve difusão desse livro, fiz
algumas alterações. O presente conto — ou será narrativa? — fará parte da 2ª
edição, agora online, que venderei pela Amazon.com, logo que terminar a
atualização de todos os textos reunidos no livro “Tragédia na Ilha Grega”,
agora na versão e-Book.</i></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 10.0pt; text-indent: 3cm;"><o:p><i> </i><br /></o:p></span></b><span style="font-size: 12pt; text-indent: 3cm;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="color: #ffa400;"><span style="font-size: 12pt; text-indent: 3cm;">Aproveite e
conheço meus livros<br /></span><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=1XU7UN5IQT177&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C192&ref=nb_sb_noss" style="font-size: 12pt; text-indent: 3cm;">www.amazon.com.br</a><br /><span style="font-size: 12pt; text-indent: 3cm;">Francisco
Cesar Pinheiro Rodrigues</span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 3cm;"> </span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 3cm;"> <br />o</span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 3cm;">ripec@terra.com.br</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-indent: 3cm;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">FIM<o:p></o:p></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-62536731292414022952022-11-22T20:29:00.007-03:002022-11-23T08:36:01.046-03:00 A CIGARRA E A FORMIGA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHstTOJeYmc8GMP9jPCwAsPAhu_Q8mXjkFAEXJYTvDR1MEMZuyIl085QHj1bAzuchc4rVqbeB9gEYOGtBorJcyMeV9h_Qcq3baGzec6_jCnV52a_zlhNC56JPpPjS6aMMV3lSlAFQFh09B6r4Cywa7RBZJanOaWhsltGipgRHameqw4V10PpEE-V-R/s774/4d5ee1f2ff3c9b4ee440a465d0f501bf.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="325" data-original-width="774" height="168" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHstTOJeYmc8GMP9jPCwAsPAhu_Q8mXjkFAEXJYTvDR1MEMZuyIl085QHj1bAzuchc4rVqbeB9gEYOGtBorJcyMeV9h_Qcq3baGzec6_jCnV52a_zlhNC56JPpPjS6aMMV3lSlAFQFh09B6r4Cywa7RBZJanOaWhsltGipgRHameqw4V10PpEE-V-R/w400-h168/4d5ee1f2ff3c9b4ee440a465d0f501bf.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-size: x-small;">Foto divulgação</span><br /><p><br /></p><p>Todos conhecem a fábula de La Fontaine, louvando o trabalho honesto e anecessidade de economizar. Consequentemente, tudo o que se opõe ao comportamento acima só pode resultar em arrependimento e miséria. Precisando de dois insetos para ilustrar sua tese, o fabulista francês escolheu uma formiga — infatigável trabalhadora — e uma cigarra, que não trabalha e passa a vida cantando.</p><p>Na fábula (atualizada), a formiga aconselha a cigarra: —“Amiga cigarra, falo para o seu bem. Arranje um trabalho honesto, pense no futuro... “</p><p>— Pode parar! Conheço essa ladainha! Desculpe, mas estou atrasada para um show em que vou cantar e rebolar usando apenas um fio dental transparente. Já imaginou o “tchan’ dos ‘cigarrões’? Vão babar...”. Dizendo isso voou e a formiga, balançando tristemente a cabeça, continuou varrendo a calçada.</p><p>Longo tempo depois um Mercedes preto estaciona em frente. O chofer particular, solícito, abre a porta dela sai a mesma cigarra cheia de joias, saia curtíssima. Dirige-se à formiga sorrindo: — Querida, não me reconhece?</p><p>— Quanto luxo! — responde a formiga, atônita.</p><p>— Nem tanto. Saí às pressas porque estou atrasada no meu voo a Paris. Tenho uns contratos milionários a cumprir. Sinceramente, foi um prazer vê-la. A imagem comovente da modéstia, sempre manejando a honesta vassourinha. Tchau”.</p><p>— Espere... Já que você vai a Paris, procure lá um tal de La Fontaine e diga a ele que o mandei à p. que o pariu!”</p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-17917320464382409082022-10-27T10:13:00.002-03:002022-10-27T10:13:43.783-03:00Modern art<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcHryVgHxArETSzpmxE0gOjBPyQsse2QeYoGpYPhpc5ocxCCKXPbT3pU8BRo68Aqhcq3V4p0gD1Xdm3YsZV1PHJGymnaHr5IDLdfZXuXnLHWZPhu_5n2BORYP4T_dmjdPvg_PikZ_pNRJLzr4DvIwuP1JNe7_a4k-X5kYMvgk9Wzav_MydHLfw2mp_/s400/Arte_moderna2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="225" data-original-width="400" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcHryVgHxArETSzpmxE0gOjBPyQsse2QeYoGpYPhpc5ocxCCKXPbT3pU8BRo68Aqhcq3V4p0gD1Xdm3YsZV1PHJGymnaHr5IDLdfZXuXnLHWZPhu_5n2BORYP4T_dmjdPvg_PikZ_pNRJLzr4DvIwuP1JNe7_a4k-X5kYMvgk9Wzav_MydHLfw2mp_/w640-h360/Arte_moderna2.jpg" width="640" /></a></div> Foto divulgação<p></p><p><span lang="EN-US" style="font-family: inherit; text-indent: 54pt;"><br /></span></p><p><span lang="EN-US" style="font-family: inherit; text-indent: 54pt;"> On concluding my article of the series “The age of mediocrity”, I classified Pablo Picasso more as a skillful psychologist and expert<i> </i>in marketing and advertising than a painter. I never envisaged him as a great painter because - in my sinful ignorance - I believed, and still believe that a necessary qualification of any painter is the ability to draw very well indeed. I repeat: very well. A talent that is not widespread and perhaps inaccessible solely through “muscular” obstinacy. Something like the “musical ear”, a gift. In reality, it is not easy to reproduce a true likeness of a face, a galloping horse, a human figure in a less than conventional position, the movement of waves on the sea, a waterfall, etc.</span><span style="font-family: inherit; text-indent: 54pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">However, of all the items of a generic “age of mediocrity”, that which gave me the most work in order to arrive at some kind of conclusion - on my own account - was the definition of what art is; how to interpret the reaction of the public when faced with a painting or sculpture; the difficult “explanation” of the sensation of beauty and the vast nomenclature that arose following classicism. Anyone who wants to understand the meaning of Impressionism, Post-impressionism, Fauvism, Cubism, Expressionism, Futurism, Dadaism, Surrealism, Concrete Art, Abstraction, Primitivism, Pop Art, Minimalism, etc., will face great difficulty in establishing boundaries between these various “schools”. And to further complicate such a slippery subject, the “post-” variations should also be taken into account, given that the artistic species is highly mercurial.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">There is, however, a common thread in all these movements: the more modern the work, the less the need for the physical and mental “sweat” of the artist. To put it another way: the more modern the painting, the greater the degree - dispensing with effort - of abstraction, subjectivism, valorization of quantity over quality, and absolute need of advertising for sale of the “product”. Without advertising, nobody is a “genius”. Actual genius is the brain behind the promotion of the painter.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">If, just for fun, someone who had never before wielded a paintbrush - and even despised the art of painting - made some quick marks on a canvas, with closed eyes, and asked Picasso to sign it, the painting in question would be worth millions of dollars, thus proving that it is not the picture that is important, but the “brand”. In this hypothetical experience, so-called and perhaps naive “connoisseurs” of the style of the famous painter - seeing the authenticity of the signature, by Picasso himself, a joker - would say that, with this canvas, the “genius” once again showed the versatility of his talent.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Vincent Van Gogh only sold one painting in his lifetime. Those few people who purchased his paintings, for next to nothing soon after his death, had the maximum financial interest in exalting the genius of the painter. The more highly they praised his work, the greater the value paintings would have that were acquired after his passing. Without doubt, Van Gogh was an extraordinary person, but it is strange to think that his pictures only came to be so highly valued after his death. Further proof that “financial psychology”, so to speak, has an immense influence on the valorization of works of art. The question must be asked whether the genius of the Dutch painter, when he was alive, was so non-apparent to connoisseurs of the time, that it was necessary for his pictures to change hands in order to be worth a fortune? Do “art dealers”, who are only familiar with the business of “dealing in art”, have a better “eye for art” than real scholars of art?</span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">I would feel more comforted if I knew that the genius of Van Gogh had been recognized when he was still alive. He was a tragic man who suffered greatly, which only inspires our sympathy. And with a detail: he knew how to draw. His good character, sensitivity and personality deserve the greatest respect, but his example is proof of the fact that money has contaminated and dominates the world of the arts. Paintings and sculptures have become more of a financial issue - just like the actions of corporations -, than an issue of actual art. Here lies the explanation of why I have included visual arts in my series of articles on mediocrity in general. Money has introduced mediocrity into the arts.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Leonardo da Vinci took five years to paint the “Mona Lisa”. He painted for just a few hours in a single day, continuing little by little on others, striving to achieve perfection in details. In any case, a considerable amount of time to paint a single picture. In counterpart, Picasso even said, according to quotes on the internet, “Give me a museum and I'll fill it”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">As any museum is always vast, only a fast-working and roguishly “abstract” painter could fill it alone. With some twenty or thirty paintings a day, Picasso would be able to deliver the goods in a few months. Proof of the fact that it was quantity that interested him, and the mere declaration, by the artist himself, of the existence of<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a deeply emotional “meaning” in those few brush strokes. So profound that it was only felt by him. Believe it if you want to. </span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Tom Stoppard, an observer of modern art, even said that the only criterion for distinguishing a painting from a modern sculpture would be the following: “if it hangs on a wall it's a painting, and if you can walk around it it's a sculpture”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Richard Schmid, probably a connoisseur of the subject - because he is mentioned on art sites - said that “I honestly believe students of painting in the next century will laugh at the abstract art movement. They will marvel at such a drawn-out regression in the plastic arts”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Al Capp, in his distinctive, more brutal and direct style, said that “abstract art is produced by the <span style="mso-bidi-font-weight: bold;">talentless</span>, sold by the unscrupulous, and bought by the utterly bewildered”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Another harsh critic of modern art even said that “trying to understand <span style="mso-bidi-font-weight: bold;">modern art</span> is like trying to follow the plot in a bowl of alphabet soup”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">And, finally, what did the prince of painters, Leonardo da Vinci, say? He said that “where the spirit does not work with the hand, there is no art”. Elitism? No, simple recognition of the fact that the artist should add some emotion to the perfect technique of drawing and painting.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">In other words: without the “hand” of the true artist, the subjectivism of the painter is just not enough, however much he sincerely feels excited - the great excuse for the modern painter who only trusts in what he feels, not in that which may be sincerely felt by the public.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">The bottom line is that the essential function of art is to give rise to pleasure. Real pleasure, not the false pleasure required by fashion. At a piano concert of classical music, a pianist, even cold in feeling but endowed with an uncommon technique - so uncommon that it overwhelms the audience - will be a better piano artist than a key-hammerer, tremendously excited, sweating, groaning, eyes on target, but by playing everything wrong, almost punching the keyboard.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">If, in the case of modern art, that which matters is the emotion of the artist - and not the effect of the product of his hands on others - it is possible to imagine that science has invented a device capable of recording the degree of emotion and inspiration during performance of a musical piece. A device, of proven effectiveness, similar to that used today to measure blood pressure. Or similar to a current lie detector. The difference is that the latter indicates the existence of lies, whereas the other, more modern, would prove the real sensitivity of the artist. Let us continue, giving an example.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">The arrival in London of a new musical genius is announced with great fanfare; a foreign pianist - so brilliant that few listeners would have the ability to “understand” the profound nature of his art. His manager would say that the artist’s inspiration cannot be feigned, given that the aforementioned infallible device would be attached to his arm, showing evidence of the maximum degree of feeling that a human being can endure. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">In the advertising that would precede the inaugural concert of this newly discovered genius, there would be a warning that individuals lacking an exceptional degree of musical sensitivity should not even purchase tickets, as they would probably not be able to “capture” the depth of the art hidden in simple appearances. The presence of the great artist in the country would even be doing a favor to Brazilians. It would show our own people an artistic wealth that they had not noticed in their old folklore. Such a lack of interest in selling tickets to people without any artistic sensitivity would even stimulate demand for such tickets. Everyone buying tickets would be demonstrating how sensitive they are to artistic beauty. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">On the announced day, with a packed </span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Royal Festival Hall, a “sincere emotions detector” would be attached to the pianist’s arm. After an impressive silence, the artist would begin to play, using only one finger: “Oh, can you wash a sailor's shirt, Oh, can you wash it fine? Oh, can you wash a sailor's shirt and hang it on the line?”</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span lang="EN-US">The audience, dumbfounded, wanting to laugh but dreading being considered ignorant, would maintain a straight face but continue to observe the immense electronic panel - connected to the “sincerity detector” - in the hope of seeing an inadequate “sincerity” result that would authorize the booing imprisoned in everyone’s throat. The device, however, would confirm the maximum level of artistic emotion felt by a human being. The extraordinary inspiration of the pianist would thus be duly demonstrated. With this, those in the audience would only complaint silently to themselves: “I really am extremely ignorant, but I would not confess this to anyone. I will give a standing ovation”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US"><o:p> </o:p></span><span style="text-indent: 54pt;">And if the artist suffers a stroke, his heart unable to withstand so much emotion, and drops dead on completing the special concert? There would be a long theoretical discussion on the brilliance of pianist and the mysterious reasons that made the artist choose this style and not another. Among others, the questions raised would include “Why was it necessary to ask whether someone can wash a sailor’s shirt? What is the symbolism involved?”, and so on.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">Of course, I am exaggerating in this example; however, in substance, it is that which occurs with the excuse that artists only have to think about what they feels in order to express their art. Only think about themselves. They are not concerned whether or not the public felt authentic pleasure. If there is pleasure on the part of the public, it will be the pleasure of “being up-to-date, one of the crowd, a follower of fashion”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">Going back to painting, everything was going very well in Classicism, until a technical novelty arose, outside the art world, which shook the pacific panorama that emphasized the art of drawing things as they are seen by the eyes: photography. With a simple “flash”, anything could be “drawn” with an accuracy of line and balance of proportions that only a Leonardo da Vinci could achieve. The spread and improvement of photography was the saving excuse of many artists who, despite their enthusiasm for painting, could not draw.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">The path - or shortcut - was open for the man who admired the arts, identified himself emotionally with them, and would like to be part of that mysterious world, full of temptations. The women of the time - the late 19th century and early 20th century - felt a special attraction for artists, generally impetuous and free of restrictions in matters related to other men’s wives. Today, they probably prefer the “artists of finance” and mass sports; far more profitable, or should I say attractive to them. Painters were, then, almost always men.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">The art world - when sincere and authentic - really has an interesting facet. Its insights are frequently right. Freud confessed that he rarely made some kind of discovery without<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>some poet having been there first. True art is good in this respect: it attains “without deliberately wanting to”, by intuition, areas not yet reached by science. It flies, although falling frequently, whereas the scientist goes on foot.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">With the advent of photography, there was also the emergence of “smart painters”, who only wanted a quick and easy path to fame and its by-product: money. It was artistic “democracy” that would allow any audacious artist, without any drawing talent, to bold facedly “appear” and draw attention. “The order now is to scandalize!”. The more shocking his work - in non-conformance with the normal appearance of objects - the greater the “scandal” capable of attracting attention, with good business consequences.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">With as view to confronting the most distrustful or skeptical observers, who said that there was only audacity in the work, not art, there were two clever excuses: 1) those who want the exact reproduction of a landscape or object should take a photo; and 2) in the arts, what really matters is the feeling of the artist, not the visible physical product of this emotion.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">It was Pablo Picasso who, with great frankness, raised the argument that, in painting and sculpture, what really matters is the emotion of the artist, not what we know as “mere reality”. In his opinion, the painter can even paint with his eyes closed, provided that he is “inspired”. The general public should not be concerned with appearances. It should only “feel” the same as that “felt by the artist”. He stated this nonsense with such conviction - extraordinary psychologist that he was - that some millionaires began to buying his paintings, thus giving rise to immense valorization of any picture with the signature “Picasso”. He afforded himself the luxury of saying that he was not sufficiently rich to have a “Picasso” in his home.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">There follow some of his quotes, taken from the internet:</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“I paint objects as I think them, not as I see them”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“Painting is a blind man's profession. He paints not what he sees, but what he feels, what he tells himself about what he has seen”. Remark: he was a joker</span><span lang="EN-US" style="font-size: 10pt; mso-ansi-language: EN-US;">.</span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“The people who make art their business are mostly imposters”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“The world today doesn't make sense, so why should I paint pictures that do?”</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“To draw you must close your eyes and sing”. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“Who sees the human face correctly: the photographer, the mirror, or the painter?”</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">What explains, then, the permanence of modern art and its high economic value, even though easy, brief, shocking and out of touch with visible reality?</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">In my opinion, the explanation lies in the personality of the artist. In audacity, firmness, bold faced effrontery, “charisma” and “marked personality”, as was the case of Picasso, a great psychologist. Or in integrity and compassion, as in the cases of Vincent Van Gogh and his friend Paul Gauguin. It is impossible to read the biography of these two without being touched by such sensitive souls. Did they know how to draw? They knew enough; more than the average attained by people who are not artists. However, they were people of immense integrity. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">The character of artists “contaminates” their work positively or negatively. It has a great influence regarding their acceptance by the public. Including their political leanings. Picasso himself benefitted from this. He had interesting ideas and was frank in his opinions, as we can see in the above quotes. If he had been a man of right-wing sympathies or a Nazi, he would never have been considered a famous painter. “Guernica” gave him a boost. The same occurs in other arts: the personality of the artist “contaminates” his or her work, for better or worse.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Abstraction is more appropriate ground for philosophy, not painting. I think that, at least for a long time, human beings will still require some degree of virtuosity, difficulty and hard work on the part of all painters. In sports competitions, the circus, cinematographic performances and the writing of tales, novels, chronicles and poems, it is expected that artists express themselves with an extraordinary degree of skill. I cannot accept that a writer just “feels” refined emotions in his mysterious head, only writing nonsense, or even things that are incomprehensible to the writer himself. Hence the general well-founded prejudice against modern art that is not pleasing to look at and can mean anything: - “It’s too easy. Based on this, even I deserve a prize...”, more sensible people think. </span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Now a brief word about music. Of all the arts, I think that it is the less susceptible to deceit. Musical mediocrity cannot stay afloat for very long, as it can be assessed in a matter of minutes. It sinks because there is no financial advantage in keeping it afloat, when it pleases practically nobody. It is only necessary to listen to a new piece of music for one minute in order to decide whether it is worthwhile to continue listening. The scale of its production and the size of its public are such that it is not worth spending on advertising for music that nobody wants to hear, or even less buy in disc form. On the other hand, in the case of modern painting, there is a restricted market of rich buyers, the paintings functioning as a store of value, when the name of the painter is very well known. The painting is physical, palpable, concrete and exists, as if it were a negotiable instrument. On the other hand, music that nobody wants to hear is mere noise, of no interest to anyone; there is no way that it can be turned into a gemstone.</span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">There only lingers a doubt with respect to jazz. Most people do not like it, as there is no identifiable melody. In my opinion, jazz should only be used as a composing technique. The musicians would continue improvising without an end in sight, but when, by chance, the errant instrumentalists “stumble upon” a new melody, they would develop it, thus composing a “normal” piece of music.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Summing up, modern art has its use in the manufacture of decorative items, toys, furniture, book covers, etc. </span>Not as great painting or sculpture.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><i>This article was written in Portuguese and translated by John Upson (upson@translations.pro.br)</i></span><span style="font-size: 11pt; text-indent: 2cm;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 11pt; text-indent: 2cm;">******************************************************************</span></span></p><p class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="color: #ffa400; font-family: inherit;"><i><b><span lang="EN">To contact the author please use the following e-mail,<br />oripec@terra.com.br </span><o:p></o:p></b></i></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="color: #ffa400; font-family: inherit;"><i><b>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />retired judge<o:p></o:p></b></i></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="color: #ffa400; font-family: inherit;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+Cesar+Pinheiro+Rorigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=247DAE1DTD3O9&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rorigues%2Caps%2C186&ref=nb_sb_noss"><span style="font-family: inherit;"><i><b>Discover my books: click here - Amazon.com</b></i></span></a></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-38931682337966717302022-10-21T10:30:00.005-03:002022-10-21T10:35:44.042-03:00Poupança trágica<p> </p><p class="EndentaodoCorpodoTexto" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="text-indent: 36pt;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6L49DqPptg8Ef4-g4UZp0n53CA6IR7kEBZXgIv_Uq7TCTIdZ7LM9wGMsawQoSOevO9JT16OdxpfPEOEQdsJdKWIeOsEQ12Blm8cEpVitcecnudGNVE53K9hmyLpcZpW_0nPmFftkIv6zW_iumiraqpfjpyWLnnp0UvVmnOhTJ95TDdnK_cvwi0Mr-/s626/maos-de-homem-tratando-pecas-de-metal-de-hardware-em-uma-oficina-com-rebarbadora-metalurgico-masculino-polindo-e-finalizando-a-peca-da-armadura-medieval_145134-1164.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="417" data-original-width="626" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6L49DqPptg8Ef4-g4UZp0n53CA6IR7kEBZXgIv_Uq7TCTIdZ7LM9wGMsawQoSOevO9JT16OdxpfPEOEQdsJdKWIeOsEQ12Blm8cEpVitcecnudGNVE53K9hmyLpcZpW_0nPmFftkIv6zW_iumiraqpfjpyWLnnp0UvVmnOhTJ95TDdnK_cvwi0Mr-/w400-h266/maos-de-homem-tratando-pecas-de-metal-de-hardware-em-uma-oficina-com-rebarbadora-metalurgico-masculino-polindo-e-finalizando-a-peca-da-armadura-medieval_145134-1164.jpg" width="400" /></a></div><br /> <span style="font-size: x-small;">Foto divulgação </span><p></p>
<p class="EndentaodoCorpodoTexto" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span> </span>João, metalúrgico, parece reunir coragem, olhando a marmita
de alumínio que se encontra no colo, destampada. — “Hoje ou amanhã? —
questiona-se. Está com medo — e não é para menos —, mas sabe que terá coragem
de fazer o que considera necessário. Na verdade, necessário não é, mas quem
consegue enfiar juízo na cabeça de um homem, na sua situação? Hesita apenas
quanto ao momento de agir. Mas se deixar para amanhã, a tensão será a mesma ou
maior. Quanto mais depressa resolver o problema, melhor.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Neste exato momento, encontra-se sentado no chão da
fábrica, pernas estendidas, costa apoiada na parede. É hora do almoço e, à sua
volta, cerca de quinze colegas comem o almoço que trouxeram de casa. O operário
mais próximo, o “Canhoto” — que ele considerar um mau caráter — está saboreando,
com exibicionismo, uma sobrecoxa de frango grelhado. Dos presentes, é o que
sempre come melhor. Frequentemente se dá ao luxo de almoçar na lanchonete da
esquina, sem preocupação com o preço, às vezes até pagando a despesa de alguns
colegas. Tem prestígio dentro do sindicato. — “O que está acontecendo com ele?
Matou a tia rica solteira e recebeu a herança”?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
visão do frango grelhado aguça involuntariamente o apetite do João que passa a olhar
o ovo frito, montado no arroz, que trouxe de casa. A sobremesa será uma banana.
Não compreende como possa sentir fome num momento tão difícil quanto este. Pelo
jeito, corpo e alma, nele, vivem separados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Teme
vomitar se logo após o almoço fizer o que pretende. Mas, se agir antes
permanecerá com fome, pois não conseguirá comer em seguida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Enquanto
hesita, confere seu “extrato bancário”, que não está escrito em papel, mas em
carne, ossos e unhas: sua mão esquerda, um membro grande, moreno, ossudo. Mão de
homem alto. Difere anatomicamente da normalidade pela falta de duas falangetas.
E também difere em seu significado econômico porque ela é sua “caderneta de
poupança”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Explico:
nosso homem, quando em dificuldade financeira, esmaga “involuntariamente” na
prensa rápida da fábrica um pedaço de dedo, recebendo a indenização
acidentária.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">A
primeira “aplicação dedal”, lembra-se, foi uma falangeta que serviu para pagar
aluguéis atrasados, evitando o despejo. A segunda — pasmem, mas com cautela,
porque o consumismo inventa coisas do arco da velha — para comprar uma
televisão a cores, pressão das duas filhas, já mocinhas, que alegavam passar
muito tempo na rua porque não havia televisão “que prestasse” em casa. Elas
nunca souberam do sacrifício.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">A
ideia de obter recursos “aplicando” pequenas frações de sua anatomia surgira
por acaso, quando de um acidente — verdadeiro, involuntário — sofrido por um
colega. Este, no fim do horário de trabalho, distraído, não afastara a tempo a
mão. Apenas levara um susto quando a prensa baixara, com força e velocidade.
Retirando o membro de imediato, esse colega chegara a pensar: “Quase pegou
minha mão!”<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mal pensou viu dois dedos
bem amassadinhos na placa de aço. Aí, quase desmaiara. Não de dor, mas de
susto. A dor veio depois.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Por
se tratar de um típico acidente de trabalho, a indenização foi paga
imediatamente, sem burocracia ou contestação na justiça. Houve ainda, no caso
desse colega, um período de afastamento do trabalho, remunerado. Quando o
acidentado retornou ao trabalho, não parecia infeliz, porque, com o dinheiro da
indenização, comprara uma lambreta usada, o que lhe permitia passear e escapar
dos ônibus superlotados. Vendo-o partir motorizado nosso João, ficara
refletindo sobre a utilidade de certos “acidentes”. Um ano depois do acontecido
com o colega, na iminência do despejo do imóvel por falta de pagamento, João sacrificara
parte do dedo mínimo da mão esquerda. Foi um ato de desespero, certo, mas
precedido de alguns cálculos. Um ano depois, “perdeu” parte de outro dedo,
vizinho do primeiro. E de tanto calcular, tornara-se quase um especialista em
matéria de indenização por perda de membros. Uma espécie de gerente de banco,
que conhece, na palma da mão, digo, nos cotos dos dedos, o rendimento de seus
“papéis”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">O
homem que neste momento se domina para não almoçar — pretende perder algumas
falanges, mas não a vida, com uma congestão, esmagando um dedo estando com o
estômago cheio. Ganha mal, mas não tão mal assim. Recebe três salários-mínimos
brasileiros, o que lhe permite uma subsistência cautelosa, difícil, mas não
impossível. Razoável, portanto, que o leitor se pergunte qual a terrível necessidade
que o empurra para tão absurdo e doloroso “investimento”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">A
explicação é simples. Nosso homem sofre do “coração”. Se ele fosse mulher berbere,
no Marrocos — segundo um livro de curiosidades antigas —, e estivesse
apaixonada, diria que seu “fígado” tinha sido “roubado”. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Para esse povo marroquino, a sensação do amor nascia
no fígado, assim como hoje falamos em “coração”, embora sabendo que a “coisa” age
no cérebro. Enfim, ele está amando. Sabe-se apaixonado, escravizado por
sensações de adolescente de cem anos atrás. Mas a consciência desse ridículo
não o alivia nem um pouco. Está de tal modo caído por uma mocinha de nome Neusa,
que quando não a pode ver sente uma espécie de garra apertando o coração. A
todo momento, pensa nela, uma “durona”, porque até agora não se entregou a ele.
Por duas vezes, distraído, com dolorosa saudade, João quase perdeu a mão em
acidente verdadeiro na mesma “agência bancária”, a prensa. Está casado há
quinze anos, tem sido um marido noventa por cento fiel, mas ao contrário de
seus colegas de “fraqueza”, cada vez que “pula a cerca” se apaixona como um
adolescente romântico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Neusa
é uma mocinha bonita e decidida, que gosta de pôr “os pingos nos is”. Aliás,
ela usa e abusa dessa expressão. Desde que começou seu “flerte” com nosso
“investidor” — na opinião dela, um “coroa” bonitão — vem sofrendo uma terrível
guerra psicológica, auditiva e até mesmo braçal dentro de casa. Sua mãe mantém
uma vigilância constante e desagradável contra esse flerte ou namoro com um
homem casado. Aliás, com qualquer homem que não demonstre desejo de casar e
fazer tudo direitinho, no cartório e na igreja, com bom emprego e sem vícios. Ameaçou-a
de expulsão, caso não parasse com aquilo. Presume que sua filha ainda é virgem.
E se ela for expulsa, para onde irá?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Neusa
precisa urgentemente sair de casa. Mas morar onde? Na casa dele, juntamente com
sua mulher? Não chegaria viva até a cozinha. A esposa do João é uma senhora
vigorosa, até musculosa, trabalhadeira, moralista e corajosa. Certa vez, saíra
no tapa com um cobrador de ônibus que pretendia iludi-la no troco. É muito mais
enérgica do que o marido, um sonhador. Este sempre reconhecera o valor da sua
mulher, sendo-lhe grato por muitas coisas. E tem-lhe medo até mesmo físico,
devido à retidão e firmeza dela, não obstante seja um homem que não teme outros
homens. Mas a força da nova paixão supera qualquer outro sentimento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Com
o sacrifício que fará daí a instantes, poderá “montar casa” para a Neusa. Ela
deixara claro que gostava muito dele, não obstante a diferença de idades, mas
que não aguentava mais o ambiente de perseguição dentro de casa. Ameaçava fugir
para outra cidade, em outro Estado, sem deixar endereço. E bonitinha como ela
só, ele pensou, logo arranjaria outro homem. Assim, onde arranjar dinheiro
urgente, de modo a mantê-la na cidade?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Nosso
angustiado, vez por outra, lia em jornais, nos fins de semana, que um homem
matara a amante, ou esposa, e depois se suicidara. Nessas ocasiões, quando seus
colegas ou familiares censuravam, até com gracejos, tão louco sacrifício pelo
amor de uma mulher, nosso homem respondia apenas com o silêncio. Conhecia-se.
Sabia que, um dia, poderia chegar a tanto. Se teria coragem até para colocar sua
cabeça debaixo de uma prensa, por que não poderia deixar ali apenas alguns
dedos? Ouvindo, dias atrás, a expressão “Vão-se os anéis, fiquem os dedos”, ele
intimamente adaptara o conselho para “Vão-se os dedos, fique a Neusa!”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Não!
Não tinha mais dúvidas. Para reforçar a decisão, tomar coragem, era só lembrar
o rosto dela, sempre presente na sua alma. Mesmo que levasse um fora após um
ano, dar-se-ia por recompensado. Aquilo já não era um caso de amor, mas uma
doença, da qual só se livraria “comendo” a causa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">O
horário de descanso estava se esgotando. “Afinal, almoço agora ou não?” —, ele
se perguntou. Se comesse, o acidente planejado pareceria mais natural, pois
ninguém pode imaginar que uma pessoa vá almoçar prosaicamente, sabendo que logo
em seguida perderá os dedos, esmagados. Comeu rapidamente, procurando não
pensar e, quando se dispunha a ir até o bebedouro, a campainha da fábrica tocou,
anunciando o término do intervalo para o almoço. Tinha que ser agora! Desistiu
da água e aproximou-se da prensa onde trabalhava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Olhou
em volta e percebeu que “Canhoto” o observava. Desviou a vista, mas quando
olhou outra vez na direção do colega, este continuava fixando-o. — “O que quer
esse desgraçado?” — perguntou-se. Teria adivinhado sua intenção?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Lembrou-se,
então, que tendo sofrido já duas lesões na mesma mão, a esquerda, sendo destro,
não seria melhor sofrer o “acidente” na mão direita? — Não, não deformaria sua
mão direita, seu único ganha-pão. Melhor seria caprichar na “cena”, com a mão
esquerda, dando um “escorregão” bem convincente. Para isso, precisava de um
pouco de lubrificante nas solas dos sapatos. Pequenas manchas de óleo eram
comuns no chão, naquele local da empresa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Com
forçada naturalidade, deu alguns passos para pegar o recipiente de óleo, mas,
lembrando-se que a presença do recipiente, perto do “acidente”, poderia causar
estranheza, decidiu utilizar apenas um pouco da substância na palma da mão, o
suficiente para passar nas solas. Retornou para perto da prensa e fingindo
amarrar o sapato, agachou-se, saindo do campo de visão do “Canhoto”. Agachado,
besuntou as solas dos sapatos. Em seguida, limpou a mão em um pano sujo e pegou
uma peça que precisaria realmente ser amassada, colocando-a na posição
adequada. Preservaria o polegar, o indicador, e o dedo médio da mão esquerda. O
resto podia virar bife com osso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Para
que não houvesse dúvidas, depois, quanto ao “escorregão” que explicaria o
acidente, o operário posicionou suas mãos e pés — tal qual um meticuloso
diretor de filmes — para que a cena ficasse bem convincente. Para isso, fez um
“ensaio” de movimento antes de acionar a prensa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Algo
errado, porém, aconteceu no ensaio. Com o movimento rápido e deslizante de um
dos pés, ele perdeu o equilíbrio e, instintivamente, tentando não cair, sua mão
direita foi inteiramente esmagada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Não
houve dor imediata. Apenas um choque, seguido da sensação de horror, porque de
forma alguma João queria aquilo. Sentiu um calafrio quando viu o sangue saindo
do coto sangrento. Tentou correr, para pedir auxílio e estancar a hemorragia,
mas por causa do óleo na sola escorregou de novo e caiu, batendo a testa na
quina de uma caixa de metal. Permaneceu meio minuto desacordado. Socorrido por
dois funcionários que trabalham no escritório e raramente transitavam pela área
de produção, foi levado ao pronto socorro e dali para um hospital.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Alguns
dias depois, já fora de perigo, mas deprimido por perder a mão, sentindo ainda
a “dor fantasma” na mão ausente, encontrava-se em casa, fazendo contas, com a
mão esquerda, usando a maquininha de calcular — presente da esposa. Refazia os
cálculos porque a indenização agora seria muito maior. Provavelmente seria
aposentado por invalidez, porque era destro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Sua
esposa parecia-lhe um tanto indiferente, como se carregasse no íntimo algum
rancor. Mas poderia ser simples tristeza ou consciência pesada dele mesmo.
Afinal, fizera uma tremenda burrada. Sem a mão direita, precisaria se acostumar
com a outra e arranjar nova profissão em que utilizasse mais a mente que as
mãos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">A
empresa onde trabalhava estava demorando para se pronunciar sobre a
indenização. Alguma coisa não estaria bem?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Alguns
dias depois do acidente, alguém bateu palmas junto à sua porta. A mulher foi
atender. Era um advogado da empresa, simpático, delicado, com pouco mais de
cinquenta anos. O operário se animou, pensando: — “Oba! Ele veio trazer o
cheque pessoalmente”. Estranhou, porém, o fato de ser procurado, em casa. Em
vezes anteriores, não fora tão prestigiado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Após
os cumprimentos de praxe, o advogado pigarreou e perguntou à mulher do
acidentado se poderia falar a sós com seu marido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A mulher pareceu surpresa e
ofendida com a solicitação:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Não há necessidade, doutor. Aqui em casa não temos segredos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">O
advogado hesitou, constrangido, mas logo insistiu: — Minha senhora, não há o
que temer. Nesses assuntos — mentiu —, é exigência da firma que a conversa seja
apenas entre o empregado e o representante da firma. Evita discussões entre
familiares, com versões diferentes sobre o fato. Não leve a mal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">—
Por que não posso ouvir? — insistiu a mulher, com as mãos na cintura, erguendo
as sobrancelhas. Era de sua natureza brigar, discutir, nada entregar de modo
fácil. Seria uma grande líder em outro meio, se fosse interessada em política.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">—
Porque tem que ser assim! É a regra — mentiu o advogado, erguendo a voz, já
aborrecido com a insistência. — Se a senhora não aceita as normas da empresa,
muito bem! Eu volto agora mesmo para meu escritório e seu marido que vá tratar
de seus interesses no departamento do pessoal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Vendo
que a mulher ainda assim hesitava, fez menção de se levantar para sair.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">—
Está bem... — ela concordou, de má vontade. — Preciso mesmo ir à padaria...
Podem conversar à vontade... — E saiu da sala de cara feia, fechando a porta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">O
advogado voltou a sentar-se e encarou o operário como se o estudasse, em total
silêncio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">—
Então? — perguntou o maneta, inquieto.</span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;">O
advogado pigarreou. Procurando deixar o interlocutor à vontade, observou de
maneira simpática, com um meio sorriso nos olhos:</span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Está se sentindo melhor?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Ah, já... Mas ainda dói. A gente tem a impressão de que é a mão que está
doendo. O médico me explicou que é a “dor fantasma”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>De
repente sério, o advogado, fitando o operário bem nos olhos perguntou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Por que você fez isso?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
coração do operário imediatamente se acelerou. Cauteloso, respondeu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Isso o quê?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
advogado sorriu, compreensivo. Sentia uma certa simpatia pelo homem a sua
frente. — Vou ser franco com o senhor... Pessoalmente, se dependesse só de mim,
até apressaria o pagamento da sua indenização. Mas lamento dizer que há uma coisa
em jogo e que torna isso impossível.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
operário retesou-se, inquieto, no velho sofá, sentindo a ameaça no ar. Mas
precisava reagir:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Impossível?! O que é impossível?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
O pagamento da indenização.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Diabo! E por que não? Isso não vale nada? — perguntou, erguendo o toco, quase
encostando-o no nariz do advogado. — Que “maracutaia” é essa? Quem paga é o
INSS, não o patrão!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
advogado não se abalou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Você sabe muito bem porque não pode ser indenizado... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Não sei! — não ia ser agora, aleijado, que se entregaria facilmente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Olha... — o advogado procurava ser didático e sem tom de crítica. — Quando você
fazia toda aquela encenação, estava sendo filmado. A câmera registrou tudo:
você pegando o lubrificante, abaixando-se, escondendo-se para passá-la na sola
do sapato, ensaiando o acidente. Na verdade, você acabou escorregando de
verdade, não foi? Deu para perceber que você se feriu além do planejado.
Quantos dedos você queria perder?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
operário estava arrasado. Não era, no fundo, um homem de mau caráter. Sentia-se
esvaziado de energia, frio como uma lagartixa, mas sabia que deveria continuar
lutando, mesmo sem forças. Com voz apagada, perguntou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Não sei do que o senhor está falando... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Sabe, sim... Tenho pena do senhor... Pessoalmente, vejo a coisa com certa
simpatia, mas...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Por que estavam me filmando? Sou tão importante assim?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
A filmagem nada tinha a ver com a sua pessoa... Há tempos que suspeitávamos do
seu colega, aquele apelidado de “Canhoto”. Ele vinha furtando peças pequenas,
as mais caras, há vários meses, mas não tínhamos uma prova segura. Furtava e
ainda “fofocava”, a mando do sindicato, incentivando greves e falando mal da
empresa. Tem ambições políticas. Aí, o chefe da segurança sugeriu que a firma
instalasse, em segredo, uma filmadora escondida entre aquelas caixas da
prateleira mais alta, onde ninguém mexe. Assim, pegamos o “Canhoto” com a mão
na massa, e você por mero acaso. Quando você estava caído, desmaiado, o<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>malandro tratou de encher os bolsos extras
que tinha mandado costurar dentro das calças. Agora, a pergunta mais
importante: Por que você fez isso?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Responder
o quê, João pensou. Se me filmaram até passando o óleo na sola, não adianta
continuar mentindo, mas quem sabe esse advogado talvez invente uma saída que me
ajude:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
O senhor não vai acreditar... Precisava de dinheiro... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Isso não precisa dizer... Ninguém joga fora os dedos por diversão. Minha
pergunta é: para que você precisava do dinheiro?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Tenho dívidas. Estou para ser despejado... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
advogado se ergueu, impaciente:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Por favor, diga a verdade... Você inventou isso agora... Antes de procurá-lo,
examinamos a sua vida. Seu aluguel está em dia. E não consta que você é viciado
em drogas. Vamos ser francos: não seria alguma complicação amorosa? Você tem
sido visto com uma mocinha... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
“Mais essa, a Neusa!” — pensou o acidentado. Não adiantaria mentir. Quem sabe,
sendo sincero, comoveria aquele advogado tão compreensivo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Desculpe, vou ser franco... Fiz isso por amor... Estou apaixonado... Não posso
viver sem ela... Precisava alugar uma casa ou quarto e, sem dinheiro, o senhor
sabe que não dá... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
advogado já passara também por dois problemas assemelhados. Sentiu um impulso
de solidariedade. Pretendia ser também escritor, além de advogado. Neste caso
não agia apenas como advogado. Só mesmo uma paixão louca — e muita coragem —,
pensava, levaria um homem a esmagar partes de seu corpo, para não perder uma
mulher.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Por mim, como já disse, o senhor receberia a indenização, mesmo porque quem
paga é o INSS . Num país de tantas fraudes, seria uma coisinha de nada...
Afinal, você acabou perdendo a mão inteira. Ocorre que, sem esse filme, nós não
podemos “pegar” o “Canhoto”, que tem bons advogados no sindicato... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Não dá para cortar, no filme, a parte em que apareço?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Pensei nisso, mas não dá... Se eu cortasse, o advogado do “Canhoto” diria
depois que se trata de um filme editado, cortado. Não serviria como prova.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
O canalha! — exaltou-se o operário, pensando no colega de fábrica. — Sempre
tive nojo daquele cara! Era por isso, então, que ele me olhava, disfarçando... Era
o contrário! Que mal esse cara me fez... Mas o senhor não pode examinar de novo
e descobrir uma saída? Olhe como estou — e ergueu o toco, dispondo-se a tirar
as ataduras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Não, não preciso ver! Não adianta! O problema é que, se nós escondermos a sua
manobra, não informando o INSS — que estava sendo prejudicado com a tua fraude
, inclusive dando mal exemplo aos outros empregados —, posso entrar numa fria,
como advogado, porque quem se auto lesiona, comete crime de estelionato. Eu
seria um cúmplice, no que se refere ao prejuízo do INSS... O Canhoto precisa
ser demitido por cometer furtos contra a empresa, sem sair como herói e vítima
do patrão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Uma paixão desvairada, tenho que confessar... — explicou o operário, dramático,
erguendo a voz, aproveitando o inesperado bafejo de simpatia que lhe poderia
trazer alguma vantagem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nem
bem disse isso sua mulher abriu a porta com violência, entrando na sala como um
furacão, aos gritos:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Desvairada! Paixão desvairada! Sem vergonha! Maneta burro! Só não meto a mão na
tua cara porque não bato em aleijado!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Calma, você não entendeu!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Entendi tudo! Estava escutando atrás da porta, me dominando para não te meter a
mão! O “Romeu” burro então ia perder os dedinhos por causa de uma biscate sem
vergonha? Pois informo que perdeu a mão e a putinha! Nesses dias em que você
esteve no hospital, tive uma “conversinha” com ela. Uma vizinha já vinha me
buzinando no ouvido sobre esse “romance” escondido. Mas perca as esperanças,
bobão, porque depois da nossa conversa ela não terá coragem nem de olhar pra
tua cara. Está apavorada. Se eu mandar ela lamber meu sapato, ela lambe! Eu não
tinha te contado nada, até agora, porque você tinha perdido a mão. Pensei que
tinha sido um acidente. Fiquei até com pena, mas estou vendo que não devo ter
pena de um fraco, que aceita perder os dedos por uma biscate. Eu já vi que não
valho nada pra você... — E, dizendo isso, saiu da sala para não chorar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Silêncio
sepulcral na sala.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
advogado se ergueu, impressionado com aquela tragédia doméstica. Gostava de
teatro, mas aquilo suplantava qualquer peça. Ao sair, disse que iria reexaminar
o assunto e que esperasse alguns dias, não fazendo nenhuma “besteira”. Mas não
lhe garantiu coisa alguma.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Caminhando
até o carro, o advogado estabeleceu um plano de ação. Iria trocar ideias com um
dos diretores da firma, que já tinha tido alguns problemas domésticos
assemelhados. Um pouco de “precedentes amorosos” operaria maravilhas. Tinha
quase certeza que encontraria alguma saída para o maneta. Afinal, para que
existem os advogados?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Quando
o causídico se retirou, o operário foi para o quarto, deitou-se de costas,
cobriu os olhos úmidos com o antebraço dobrado e ficou quase tão imóvel quanto
um morto. Não tinha ânimo nem para respirar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Na
cozinha, a mulher, zonza, pressão arterial nas alturas, mexia mecanicamente nas
panelas e enxugava as lágrimas. Precisava fazer o almoço.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>FIM<br /><br /><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-size: 12pt;"><b>Este conto faz parte do livro “Tragédia
na Ilha Grega” que será lançado em breve</b><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><span style="font-size: 12pt;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><i><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+Cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=18N0AFQ72W1Z8&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C195&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><span style="font-size: 12pt;">Aproveite e conheça meus outros livros<br /></span> <span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;">www.amazon.com.br<span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;"> </span></span></a></span></i></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;"><i><span style="color: #ffa400;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+Cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=18N0AFQ72W1Z8&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C195&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><span style="font-size: 12pt;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /></span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;"> Desembargador aposentado<br /></span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;"> oripec@terra.com.br</span></a></span></i></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-83677207048902869322022-10-15T08:36:00.005-03:002022-10-15T08:44:01.606-03:00Modern art <p><span style="font-family: arial;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54pt;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7A_uTdwWyQ5ttT6uVMB9wLGe9ZczWwctwdCm5H5z4cu5aD4MlrVkPoiSuym3Vvz6J9TzhgAWtO6MCBGxEYVVaEx0OQ6iHhZ7BEghxT9vUjHzQjlPad3XpwUT59q880jtRzzMDBXlg0Sr0FocruM72p8ltX4Dr3eYqMt6wPsh4SfssQLZXtKwZH-Sb/s1035/Arte_moderna2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="582" data-original-width="1035" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7A_uTdwWyQ5ttT6uVMB9wLGe9ZczWwctwdCm5H5z4cu5aD4MlrVkPoiSuym3Vvz6J9TzhgAWtO6MCBGxEYVVaEx0OQ6iHhZ7BEghxT9vUjHzQjlPad3XpwUT59q880jtRzzMDBXlg0Sr0FocruM72p8ltX4Dr3eYqMt6wPsh4SfssQLZXtKwZH-Sb/w400-h225/Arte_moderna2.jpg" width="400" /></a></div><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span lang="EN-US" style="font-family: inherit; text-indent: 54pt;">On concluding my article of the
series “The age of mediocrity”, I classified Pablo Picasso more as a skillful
psychologist and expert<i> </i>in
marketing and advertising than a painter. I never envisaged him as a great
painter because - in my sinful ignorance - I believed, and still believe that a
necessary qualification of any painter is the ability to draw very well indeed.
I repeat: very well. A talent that is not widespread and perhaps inaccessible
solely through “muscular” obstinacy. Something like the “musical ear”, a gift.
In reality, it is not easy to reproduce a true likeness of a face, a galloping
horse, a human figure in a less than conventional position, the movement of
waves on the sea, a waterfall, etc.</span><span style="font-family: inherit; text-indent: 54pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">However, of all the items of a generic “age of
mediocrity”, that which gave me the most work in order to arrive at some kind
of conclusion - on my own account - was the definition of what art is; how to
interpret the reaction of the public when faced with a painting or sculpture;
the difficult “explanation” of the sensation of beauty and the vast
nomenclature that arose following classicism. Anyone who wants to understand
the meaning of Impressionism, Post-impressionism, Fauvism, Cubism,
Expressionism, Futurism, Dadaism, Surrealism, Concrete Art, Abstraction,
Primitivism, Pop Art, Minimalism, etc., will face great difficulty in
establishing boundaries between these various “schools”. And to further
complicate such a slippery subject, the “post-” variations should also be taken
into account, given that the artistic species is highly mercurial.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">There is, however, a common thread in all these
movements: the more modern the work, the less the need for the physical and
mental “sweat” of the artist. To put it another way: the more modern the painting,
the greater the degree - dispensing with effort - of abstraction, subjectivism,
valorization of quantity over quality, and absolute need of advertising for
sale of the “product”. Without advertising, nobody is a “genius”. Actual genius
is the brain behind the promotion of the painter.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">If, just for fun, someone who had never before
wielded a paintbrush - and even despised the art of painting - made some quick
marks on a canvas, with closed eyes, and asked Picasso to sign it, the painting
in question would be worth millions of dollars, thus proving that it is not the
picture that is important, but the “brand”. In this hypothetical experience,
so-called and perhaps naive “connoisseurs” of the style of the famous painter -
seeing the authenticity of the signature, by Picasso himself, a joker - would
say that, with this canvas, the “genius” once again showed the versatility of
his talent.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><span style="font-family: inherit;">Vincent Van Gogh only sold one painting in his
lifetime. Those few people who purchased his paintings, for next to nothing
soon after his death, had the maximum financial interest in exalting the genius
of the painter. The more highly they praised his work, the greater the value
paintings would have that were acquired after his passing. Without doubt, Van
Gogh was an extraordinary person, but it is strange to think that his pictures
only came to be so highly valued after his death. Further proof that “financial
psychology”, so to speak, has an immense influence on the valorization of works
of art. The question must be asked whether the genius of the Dutch painter,
when he was alive, was so non-apparent to connoisseurs of the time, that it was
necessary for his pictures to change hands in order to be worth a fortune? Do
“art dealers”, who are only familiar with the business of “dealing in art”,
have a better “eye for art” than real scholars of art?</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">I would feel more comforted if I knew that the
genius of Van Gogh had been recognized when he was still alive. He was a tragic
man who suffered greatly, which only inspires our sympathy. And with a detail:
he knew how to draw. His good character, sensitivity and personality deserve
the greatest respect, but his example is proof of the fact that money has
contaminated and dominates the world of the arts. Paintings and sculptures have
become more of a financial issue - just like the actions of corporations -,
than an issue of actual art. Here lies the explanation of why I have included
visual arts in my series of articles on mediocrity in general. Money has
introduced mediocrity into the arts.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Leonardo da Vinci took five years to paint the
“Mona Lisa”. He painted for just a few hours in a single day, continuing little
by little on others, striving to achieve perfection in details. In any case, a
considerable amount of time to paint a single picture. In counterpart, Picasso
even said, according to quotes on the internet, “Give me a museum and I'll fill
it”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">As any museum is always vast, only
a fast-working and roguishly “abstract” painter could fill it alone. With some
twenty or thirty paintings a day, Picasso would be able to deliver the goods in
a few months. Proof of the fact that it was quantity that interested him, and
the mere declaration, by the artist himself, of the existence of<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a deeply emotional “meaning” in those few
brush strokes. So profound that it was only felt by him. Believe it if you want
to. </span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Tom Stoppard, an observer of modern art, even
said that the only criterion for distinguishing a painting from a modern
sculpture would be the following: “if it hangs on a wall it's a painting, and
if you can walk around it it's a sculpture”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Richard Schmid, probably a connoisseur of the
subject - because he is mentioned on art sites - said that “I honestly believe
students of painting in the next century will laugh at the abstract art
movement. They will marvel at such a drawn-out regression in the plastic arts”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Al Capp, in his distinctive, more brutal and
direct style, said that “abstract art is produced by the <span style="mso-bidi-font-weight: bold;">talentless</span>, sold by the unscrupulous,
and bought by the utterly bewildered”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Another harsh critic of modern art even said
that “trying to understand <span style="mso-bidi-font-weight: bold;">modern art</span>
is like trying to follow the plot in a bowl of alphabet soup”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">And, finally, what did the prince
of painters, Leonardo da Vinci, say? He said that “where the spirit does not
work with the hand, there is no art”. Elitism? No, simple recognition of the
fact that the artist should add some emotion to the perfect technique of
drawing and painting.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">In other words: without the “hand”
of the true artist, the subjectivism of the painter is just not enough, however
much he sincerely feels excited - the great excuse for the modern painter who
only trusts in what he feels, not in that which may be sincerely felt by the
public.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">The bottom line is that the
essential function of art is to give rise to pleasure. Real pleasure, not the
false pleasure required by fashion. At a piano concert of classical music, a
pianist, even cold in feeling but endowed with an uncommon technique - so
uncommon that it overwhelms the audience - will be a better piano artist than a
key-hammerer, tremendously excited, sweating, groaning, eyes on
target, but by playing everything wrong, almost punching the keyboard.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">If, in the case of modern art, that
which matters is the emotion of the artist - and not the effect of the product
of his hands on others - it is possible to imagine that science has invented a
device capable of recording the degree of emotion and inspiration during
performance of a musical piece. A device, of proven effectiveness, similar to
that used today to measure blood pressure. Or similar to a current lie
detector. The difference is that the latter indicates the existence of lies,
whereas the other, more modern, would prove the real sensitivity of the artist.
Let us continue, giving an example.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">The arrival in London
of a new musical genius is announced with great fanfare; a foreign pianist - so
brilliant that few listeners would have the ability to “understand” the
profound nature of his art. His manager would say that the artist’s inspiration
cannot be feigned, given that the aforementioned infallible device would be
attached to his arm, showing evidence of the maximum degree of feeling that a
human being can endure. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">In the advertising that would
precede the inaugural concert of this newly discovered genius, there would be a
warning that individuals lacking an exceptional degree of musical sensitivity
should not even purchase tickets, as they would probably not be able to
“capture” the depth of the art hidden in simple appearances. The presence of
the great artist in the country would even be doing a favor to Brazilians. It
would show our own people an artistic wealth that they had not noticed in their
old folklore. Such a lack of interest in selling tickets to people without any
artistic sensitivity would even stimulate demand for such tickets. Everyone
buying tickets would be demonstrating how sensitive they are to artistic
beauty. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">On the announced day, with a packed
</span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Royal Festival Hall, a
“sincere emotions detector” would be attached to the
pianist’s arm. After an impressive silence, the artist would begin to play,
using only one finger: “Oh, can you wash a sailor's shirt, Oh, can you wash it
fine? Oh, can you wash a sailor's shirt and hang it on the line?”</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span lang="EN-US"><span style="font-family: inherit;">The audience, dumbfounded, wanting
to laugh but dreading being considered ignorant, would maintain a straight face
but continue to observe the immense electronic panel - connected to the
“sincerity detector” - in the hope of seeing an inadequate “sincerity” result
that would authorize the booing imprisoned in everyone’s throat. The device,
however, would confirm the maximum level of artistic emotion felt by a human
being. The extraordinary inspiration of the pianist would thus be duly
demonstrated. With this, those in the audience would only complaint silently to
themselves: “I really am extremely ignorant, but I would not confess this to
anyone. I will give a standing ovation”.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US"><o:p> </o:p></span><span style="text-indent: 54pt;">And if the artist suffers a stroke,
his heart unable to withstand so much emotion, and drops dead on completing the
special concert? There would be a long theoretical discussion on the brilliance
of pianist and the mysterious reasons that made the artist choose this
style and not another. Among others, the questions raised would include “Why
was it necessary to ask whether someone can wash a sailor’s shirt? What is the
symbolism involved?”, and so on.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">Of course, I am exaggerating in
this example; however, in substance, it is that which occurs with the excuse
that artists only have to think about what they feels in order to express their
art. Only think about themselves. They are not concerned whether or not the
public felt authentic pleasure. If there is pleasure on the part of the public,
it will be the pleasure of “being up-to-date, one of the crowd, a follower of
fashion”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">Going back to painting, everything
was going very well in Classicism, until a technical novelty arose, outside the
art world, which shook the pacific panorama that emphasized the art of drawing
things as they are seen by the eyes: photography. With a simple “flash”,
anything could be “drawn” with an accuracy of line and balance of proportions
that only a Leonardo da Vinci could achieve. The spread and improvement of
photography was the saving excuse of many artists who, despite their enthusiasm
for painting, could not draw.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">The path - or shortcut - was open
for the man who admired the arts, identified himself emotionally with them, and
would like to be part of that mysterious world, full of temptations. The women
of the time - the late 19th century and early 20th century - felt a special
attraction for artists, generally impetuous and free of restrictions in matters
related to other men’s wives. Today, they probably prefer the “artists of
finance” and mass sports; far more profitable, or should I say attractive to
them. Painters were, then, almost always men.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">The art world - when sincere and
authentic - really has an interesting facet. Its insights are frequently right.
Freud confessed that he rarely made some kind of discovery without<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>some poet having been there first. True art
is good in this respect: it attains “without deliberately wanting to”, by
intuition, areas not yet reached by science. It flies, although falling
frequently, whereas the scientist goes on foot.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">With the advent of photography,
there was also the emergence of “smart painters”, who only wanted a quick and
easy path to fame and its by-product: money. It was artistic “democracy” that
would allow any audacious artist, without any drawing talent, to bold facedly
“appear” and draw attention. “The order now is to scandalize!”. The more
shocking his work - in non-conformance with the normal appearance of objects -
the greater the “scandal” capable of attracting attention, with good business
consequences.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">With as view to confronting the
most distrustful or skeptical observers, who said that there was only audacity
in the work, not art, there were two clever excuses: 1) those who want the
exact reproduction of a landscape or object should take a photo; and 2) in the
arts, what really matters is the feeling of the artist, not the visible
physical product of this emotion.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">It was Pablo Picasso who, with
great frankness, raised the argument that, in painting and sculpture, what
really matters is the emotion of the artist, not what we know as “mere
reality”. In his opinion, the painter can even paint with his eyes closed,
provided that he is “inspired”. The general public should not be concerned with
appearances. It should only “feel” the same as that “felt by the artist”. He
stated this nonsense with such conviction - extraordinary psychologist that he
was - that some millionaires began to buying his paintings, thus giving
rise to immense valorization of any picture with the signature “Picasso”. He
afforded himself the luxury of saying that he was not sufficiently rich to have
a “Picasso” in his home.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US">There follow some of his quotes,
taken from the internet:</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“I paint objects as I think them, not as I see
them”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“Painting is a blind man's profession. He
paints not what he sees, but what he feels, what he tells himself about what he
has seen”. Remark: he was a joker</span><span lang="EN-US" style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">.</span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“The
people who make art their business are mostly imposters”.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“The world today doesn't make sense, so why
should I paint pictures that do?”</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“To draw you must close your eyes and sing”. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“Who sees the human face correctly: the
photographer, the mirror, or the painter?”</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">What explains, then, the permanence of modern
art and its high economic value, even though easy, brief, shocking and out of
touch with visible reality?</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">In my opinion, the explanation lies in the
personality of the artist. In audacity, firmness, bold faced effrontery,
“charisma” and “marked personality”, as was the case of Picasso, a great
psychologist. Or in integrity and compassion, as in the cases of Vincent Van
Gogh and his friend Paul Gauguin. It is impossible to read the biography of
these two without being touched by such sensitive souls. Did they know how to
draw? They knew enough; more than the average attained by people who are not
artists. However, they were people of immense integrity. </span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">The character of artists “contaminates” their
work positively or negatively. It has a great influence regarding their
acceptance by the public. Including their political leanings. Picasso himself
benefitted from this. He had interesting ideas and was frank in his opinions,
as we can see in the above quotes. If he had been a man of right-wing
sympathies or a Nazi, he would never have been considered a famous painter.
“Guernica” gave him a boost. The same occurs in other arts: the personality of
the artist “contaminates” his or her work, for better or worse.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Abstraction is more appropriate ground for
philosophy, not painting. I think that, at least for a long time, human
beings will still require some degree of virtuosity, difficulty and hard work
on the part of all painters. In sports competitions, the circus,
cinematographic performances and the writing of tales, novels, chronicles and
poems, it is expected that artists express themselves with an extraordinary
degree of skill. I cannot accept that a writer just “feels” refined emotions in
his mysterious head, only writing nonsense, or even things that are
incomprehensible to the writer himself. Hence the general well-founded
prejudice against modern art that is not pleasing to look at and can mean
anything: - “It’s too easy. Based on this, even I deserve a prize...”, more
sensible people think. </span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Now a brief word about music. Of all the arts,
I think that it is the less susceptible to deceit. Musical mediocrity cannot
stay afloat for very long, as it can be assessed in a matter of minutes. It
sinks because there is no financial advantage in keeping it afloat, when it
pleases practically nobody. It is only necessary to listen to a new piece of
music for one minute in order to decide whether it is worthwhile to continue
listening. The scale of its production and the size of its public are such that
it is not worth spending on advertising for music that nobody wants to hear, or
even less buy in disc form. On the other hand, in the case of modern painting,
there is a restricted market of rich buyers, the paintings functioning as a
store of value, when the name of the painter is very well known. The painting
is physical, palpable, concrete and exists, as if it were a negotiable
instrument. On the other hand, music that nobody wants to hear is mere noise,
of no interest to anyone; there is no way that it can be turned into a
gemstone.</span><span style="font-size: 10pt; text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">There only lingers a doubt with respect to
jazz. Most people do not like it, as there is no identifiable melody. In my
opinion, jazz should only be used as a composing technique. The musicians would
continue improvising without an end in sight, but when, by chance, the errant
instrumentalists “stumble upon” a new melody, they would develop it, thus
composing a “normal” piece of music.</span><span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Summing up, modern art has its use in the
manufacture of decorative items, toys, furniture, book covers, etc. </span>Not
as great painting or sculpture.<span style="text-indent: 54pt;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><i>This article was written in Portuguese and translated
by John Upson (upson@translations.pro.br)</i></span><span style="font-size: 11pt; text-indent: 2cm;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-indent: 54.0pt;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 11pt; text-indent: 2cm;">******************************************************************</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="color: #ffa400; font-family: inherit;"><i><b><span lang="EN">To contact the author please use the
following e-mail,<br />
oripec@terra.com.br </span><o:p></o:p></b></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: #ffa400; font-family: inherit;"><i><b>Francisco
Cesar Pinheiro Rodrigues<br />
retired judge<o:p></o:p></b></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="color: #ffa400; font-family: inherit;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+Cesar+Pinheiro+Rorigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=247DAE1DTD3O9&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rorigues%2Caps%2C186&ref=nb_sb_noss"><span style="font-family: inherit;"><i><b>Discover my books: click here - Amazon.com</b></i></span></a></span></p><p></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-19696554875397916372022-10-03T08:11:00.007-03:002022-10-04T09:29:54.865-03:00 SUICÍDIO<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1o5AjN4i8VQnvHf_gVFDS8XPV0r-c45HBwEn88_YR3ez3Qg-mtyWbMp3LXN6A0rDT9fpWgAM00nB_X_gXn1MYdMZCjOjTqwCq6DqPQV40fxwjrJLHv_Cj4EDRpKwZSF5X-S9wbX6O3oWRdENPCHccggrA1gDct3rQxKk5Z5QRjiOe7EV_hTPHdam2/s1200/Arma-de-Fogo.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="675" data-original-width="1200" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1o5AjN4i8VQnvHf_gVFDS8XPV0r-c45HBwEn88_YR3ez3Qg-mtyWbMp3LXN6A0rDT9fpWgAM00nB_X_gXn1MYdMZCjOjTqwCq6DqPQV40fxwjrJLHv_Cj4EDRpKwZSF5X-S9wbX6O3oWRdENPCHccggrA1gDct3rQxKk5Z5QRjiOe7EV_hTPHdam2/s320/Arma-de-Fogo.jpg" width="320" /></a></div><span style="font-size: x-small;"> Foto divulgação </span><p></p><p class="Estilo1" style="margin-right: 0cm; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="font-size: 12pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"> </span><span style="font-size: 12pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;">Foi
uma tristeza quando, lendo o jornal, ontem de manhã, soube do suicídio do
Nilsen, meu colega de faculdade de direito e atualmente Delegado de Polícia. Eu
o visitara uma semana antes, num ato de solidariedade. Estava afastado do
trabalho, sob acusação de “violência policial”.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Matou-se
com um tiro na boca, o que me fez cogitar se essa forma de autodestruição não é
influência do cinema. Algumas décadas atrás, os suicídios com arma de fogo
geralmente ocorriam com um disparo na têmpora ou no ouvido. Ou, mais raramente,
com um tiro no coração, mais discreto, possibilitando ao morto ser visto com
aparência digna no velório. Depois, à medida que os filmes americanos difundiam
imagens de policiais problemáticos, incompreendidos, colocando o cano do
revólver de modo a estourar o céu da boca — nem sempre chegando a disparar —, aumentou
significativamente a proporção daqueles que utilizam essa técnica mais impressionante.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
explicação não é difícil: qualquer policial sabe que o disparo com o cano encostado
no céu da boca, é uma garantia de resultado. O que nem sempre acontece quando a
bala é disparada, por amadores, com o cano perto do ouvido. Conheço um caso em
que o projétil seccionou o nervo óptico e saiu pela testa, acima do olho, poupando
a vida do desesperado. Ficou apenas cego desse olho. Nem mais nem menos inteligente,
o que nos faz pensar que podemos desperdiçar alguns milhões de neurônios porque
os bilhões “restantes” os substituem nas suas funções. Só isso explica porque
alcoólatras e drogados, após anos de severos abusos voltam à lucidez — pelo
menos aparentemente —, quando abandonam seus vícios e levam uma vida sadia,
preocupados com sua recuperação. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
financista — no geral um sujeito manualmente desajeitado —, não costumava enfiar
o cano na boca. Talvez porque, habituado com iguarias finas, sinta instintivo
nojo do ferro frio, com gosto de óleo mineral e pólvora. Em suma,
incompetência. Ele pode conhecer os segredos do dinheiro — na verdade pensa que
conhece, se considerarmos que acabou se matando por causa dele —, mas é o
policial que sente, na alma, os dramas da vida e da morte. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Isso
sem considerarmos que o financista, quando — esperto em tudo —, na iminência de
ser preso, pode estar fazendo um jogo de cena arriscado, disparando um tiro de
raspão na têmpora, de propósito, torcendo para que a bala não penetre, apenas
circule entre o osso e o couro cabeludo. Isso ocorrendo, muito sangue vai
aparecer na foto do jornal. Um homem que já foi rico, poderoso, agora
ensanguentado, comove um bom percentual de leitores de jornais. Prova de que se
arrependeu, está sofrendo e merece uma oportunidade. Quem sabe, com o
“tresloucado gesto” — bem difundido pela imprensa amiga — receberá pena mais leve.
Com tempo, talvez, de desfrutar um descanso bem remunerado. Não no frio
Paraíso, mas em algum ameno paraíso fiscal. Os tempos mudam e sua experiência
em finanças pode ser útil para quem tem dinheiro mas não tem a experiência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Pedindo
desculpa à alma do Dr. Nilsen por esta desnecessária divagação técnica, posso
afirmar que pela face da Terra passaram pouquíssimas pessoas com tão violenta —
esta é a palavra — integridade. Jamais encontrei pessoalmente um homem tão
radical e coerente no modo de encarar o mundo e os deveres de sua profissão. E,
paradoxalmente, isso o destruiu. Aliás, tinha mesmo que destruir, porque
vivemos num mundo — principalmente o jurídico-penal — de eruditos faz-de-conta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Em
verdade, na Faculdade não éramos amigos firmes. Apenas colegas. Ele era um
rapaz de convivência “difícil”, à falta de melhor adjetivo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Parecia
um fiscal da moral, censor severo, alma nascida velha de muitas décadas. Sério,
caladão, alto, aloirado, olhos cinzentos, magro, porém forte, com uma expressão
entre pensativa e amarga que já me sugeria tragédia. Quando a estudantada
irresponsável fazia algo errado ele só a encarava, melancólico e crítico, como
que tentando, só com o olhar, enfiar algum juízo nas alminhas irresponsáveis.
Era um olhar de avô em rapaz de vinte anos. Por isso era evitado, o que não lhe
fazia qualquer dano porque era um solitário por natureza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><a name="_Hlk93155935">O pai dele foi assassinado na sua presença, no Brasil,
quando Nilsen tinha oito anos, dentro de um banco, morto por haver reagido a um
assaltante. Era norueguês ou sueco, coisa assim. Nórdico, com toda a certeza. Viera
para o Brasil meio fugido, depois de absolvido no seu país num crime de
homicídio. Matara um pescador em legítima defesa, mas os irmãos da vítima não
concordavam com o veredicto do júri. Para não ter que matar a irmandade toda,
que o caçava soturnamente, o pai do Nilsen preferiu viver nos trópicos. A mãe
de Nilsen era uma pernambucana bonita, mas eu a conheci apenas de fotografia. Pouco
mais de um ano depois da morte do marido, ela se casou de novo, mas Nilsen não
se dava com o padrasto e vice-versa.<o:p></o:p></a></span></p>
<span style="mso-bookmark: _Hlk93155935;"></span>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Eu
costumava pensar, baseado em leituras cheias de lugares-comuns, que as brumas
nórdicas, grávidas de melancolia, impregnavam a alma dos descendentes de
vikings e adensaram-se no miolo compenetrado desse brasileiro de olhos tristes.
Estivemos na mesma classe os cinco anos do curso de direito, ambos com notas
boas. Mas ele estudava muito mais do que eu. Aliás, do que todo o mundo. Era
inteligente, mas com certa lentidão no se expressar, sempre preocupado com a
exatidão de cada palavra, até em coisas mínimas. Sua mente era metódica,
consequente, tenaz, pesada, sem nenhuma vivacidade latina. A contribuição
genética da mãe foi, nessa área, nula.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Compartilhamos
o mesmo quarto na pensão de estudantes, mas durante poucos meses. Percebendo
seu caráter reservado e por demais ordeiro, achei melhor mudar para outro
quarto. Inventei uma desculpa, que ele deve ter percebido, mas nada comentou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Sempre
fui desorganizado com minhas roupas, sem me sentir muito culpado por isso.
Contudo, com essa nórdica e ordeira companhia de quarto, quando eu deixava
qualquer roupa fora do lugar, logo me apressava em arrumar as coisas antes que
o Nilsen a visse, tal qual um menino travesso quando ouve os passos da mãe
severa se aproximando. E, para falar a verdade, muitas vezes eu tinha a
impressão de estar ao lado de uma bomba-relógio humana, de mecanismo muito
complicado para me atrever a desmontar. Embora contido, Nilsen era
nitroglicerina. E não acredito que seu modo de ser tivesse relação única com o
trauma provocado pela morte violenta do pai. Não sou psicólogo, mas meu palpite
é que Nilsen nasceu assim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nossos
temperamentos eram completamente diferentes. Sempre fui brincalhão,
comunicativo, amigo de anedotas e estórias engraçadas. E minhas pretensões de
espirituoso tinham com o Nilsen bilhete apenas de ida. O dito supostamente espirituoso
lá ia, batia nos ouvidos e olhos contemplativos e caía, sem nenhum retorno. Ou
havia um retorno tão sério que eu me sentia como um palhaço leviano. Para
piorar minha frustração, finda a anedota, ele me olhava gravemente, como que
aguardando uma explicação complementar. Não que ele não entendesse a graça,
pois era inteligente. É que aquele desfecho lhe parecia insatisfatório, faltando
algo que justificasse tanta alegria. Esse olhar desarmava qualquer um. Se fosse
possível alguma analogia entre espírito humano e motor de carro, diria que a
mente do Nilsen estava sempre engatada na primeira marcha do câmbio, com força
e lentidão. Só servia para subidas íngremes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Não
me lembro de ter visto o Nilsen dando uma gargalhada. Pensando bem, nem mesmo
me lembro de vê-lo com uma boa risada. Estranho que só agora tenha notado isso.
Espremendo a memória não encontro nenhum quadro nítido em que ele aparecesse
sorrindo, francamente alegre. De alguns raros meios sorrisos irônicos eu me lembro;
embora ele não aprovasse, no geral, a ironia. No seu entender a ironia era a
arma do medo, da fraqueza, do subterfúgio, do não-enfrentamento direto. E
Nilsen gostava de enfrentar. Acho que eram os fantasmas dos vikings,
fervilhando no seu sangue. Segundo a informação de um historiador inglês, os
vikings, em tempos remotos, cercavam castelos da Inglaterra medieval, exigindo
a entrega das mais belas e jovens mulheres, sob pena de morrer todo mundo,
flechado ou de fome, porque tais cercos tinham longa duração. Há quem atribua a
invulgar beleza das mulheres escandinavas a tais roubos sistemáticos dos mais
belos genes da beleza inglesa. Os vikings só aceitavam “doações” de moças
bonitas, mas para se “casarem” com seus guerreiros, não para serem estupradas.
Se isso era cumprido a risco, não sei.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nilsen
parecia encarar o mundo de maneira séria demais. Quando se sentava para
estudar, ficava horas imóvel, uma estátua de persistência. Três, quatro horas
se passavam e o Nilsen de olho vidrado no texto, parecendo nem respirar,
fizesse frio ou calor. Eu brincava dizendo-lhe que, a continuar assim, logo
seria um erudito hemorroidário. Mas, para compensar tanta imobilidade, ele,
todos os dias, sempre metódico, fazia uns vinte, trinta minutos de exercício,
com peso, antes do banho. Banho frio, verão ou inverno, coisa de louco. Durante
um bom tempo, treinou pugilismo, ao que parece levando a coisa com excesso de
rigor, pois com frequência aparecia machucado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nilsen
parecia não conhecer o medo. A impressão que me transmitia era de que não
apenas dominava o medo — o que basta para nos livrar a cara pois já é uma
façanha e tanto. Simplesmente não o sentia. E isso contribuiu muito para sua
perdição. Um pouco de medo é imprescindível, salutar, protege o corpo e o bolso
nesse medíocre e complicado mundo em que vivemos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Uma
das violentas ojerizas dele era contra o barulho. Odiava, especialmente, músicas
em alto volume. Àquela rapaziada alegre parecia impossível que os demais não
gostassem de ouvir música popular “para todo mundo ouvir”. Como ele estava constantemente
estudando, qualquer ruído era um estorvo para seus objetivos. E na busca de
seus objetivos era extremamente radical.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Um
dia, numa aula de Medicina Legal, ele deu uma amostrazinha do seu radicalismo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
caso foi assim: o professor explicava que todo bebê vem ao mundo coberto com
uma espécie de gordura — não me lembro exatamente da palavra técnica. E quando
não respira de imediato, médicos e parteiras costumavam — não sei se ainda
fazem assim — pegar o recém-nascido pelos pés e dar uns tapas na bundinha, ou,
balançar o bebê, forçando com isso a respiração e o choro. Relatava o professor,
na aula, que, num desses balanços o recém-nascido escapara das mãos do médico e
voara pela janela. Caindo do terceiro andar, morrera na hora. A menção da morte
não é desnecessária porque esses bebês são de lascar, havendo alguns casos de
sobrevivência em quedas de altura semelhante quando caíram sobre toldos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Algumas
alunas, escutando o que acontecera com o bebê, expressaram sua surpresa e dor —
o meigo instinto maternal —, com gritinhos aflitos. Uns poucos marmanjos
chegaram a sorrir discretamente porque o fato, não obstante trágico, comportava
um toque de humor negro. Numa comédia dos <i>Três Patetas</i>, por exemplo, a
cena provocaria risos; mesmo porque o bebê sairia ileso e ainda contando uma
anedota. Mas um determinado colega de classe, gozador, sentado duas carteiras
atrás, começou a rir abertamente. Parecia achar uma graça enorme na provável
cara espantada do azarado médico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Não
obstante o professor já houvesse mudado de assunto, o referido estudante
continuou, à meia voz, fazendo comentários engraçadinhos sobre o arremesso. A
cena lhe parecia um tema inesgotável. O próprio professor, um homem tímido,
paciente, já dava sinais de estar incomodado, mas sem se atrever a mandar o
estudante — um rapaz alto, agressivo, filho de um figurão —, calar a boca.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>As
piadinhas, mesmo ditas em voz baixa, já estavam beliscando as orelhas sensíveis
do Nilsen que virou-se ostensivamente para trás para ver se, só com o olhar,
convencia o colega a parar com aquilo. Era o barulho, certamente, que o
incomodava, não o tema em si.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
olhada melancólica de Nilsen não surtiu qualquer resultado. O gozador
prosseguiu nas observações intermitentes, provocando risinhos no colega ao
lado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
insistência do piadista levou Nilsen a novamente se voltar na carteira e
colocar o dedo indicador na vertical, junto aos próprios lábios, no clássico
gesto de quem pede silêncio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
estudante falador novamente não deu bola. Talvez tenha pensado que silenciar,
naquele momento, seria uma demonstração de medo. Estaria acatando ordem de um
simples colega. E para agravar a coisa, havia três ou quatro moças observando a
cena, detalhe que já provocou muita desgraça. Como todos sabem, o cheiro de
mulher — leitora amiga, falo metaforicamente —, alvoroça, do jeito errado, a
valentia de macho idiota. Assim, o engraçadinho continuou com as piadinhas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Meio
minuto depois, o Nilsen, em plena aula, levanta-se calmamente, pede licença
para o estudante que estava logo atrás, afasta-o para o lado e desfere violento
murro junto à orelha do falador, que caiu desacordado. Se não houve um nocaute
puro e simples, ocorreu pelo menos um nocaute técnico. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Foi
realmente uma pancada e tanto. Vendo que o outro não levantava para o revide —
não havia mínimas condições fisiológicas —, Nilsen pareceu hesitar se voltava
para sua carteira ou deixava a sala. Mas logo percebeu — o professor estava
bestificado — que não havia clima para o prosseguimento normal da aula e
retirou-se.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
agredido foi levado para ser medicado na diretoria e Nilsen só não foi expulso
da Faculdade porque a vítima tinha realmente passado dos limites. O professor depôs
em seu favor. E deve ter delirado de alegria, intimamente, sentindo-se
reconfortado com o punho vigoroso do anjo vingador. Nilsen pegou uma suspensão
de alguns dias, mas o “nocauteado” também, por atrapalhar a aula.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Pelo
que lembro, não houve vingança, ou porque o agredido compreendeu que havia se
excedido na falação ou, mais provavelmente, porque a potência da porrada,
conjugada à calma de seu autor, eram um indício seguro de que piores desgraças
aguardariam a vítima se convidasse Nilsen para um acerto de contas na esquina.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mas
esse não foi o único incidente de Nilsen na Faculdade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>É
de tradição — idiota, mas tradição — que os aprovados no vestibular de carreiras
universitárias recebam pequenos, médios ou grandes ultrajes — denominados
“trotes” — quando da matrícula no primeiro ano. Os veteranos mais sádicos,
geralmente os menos inteligentes — o sadismo exagerado funciona, no caso, como
uma forma de compensação —, não podem perder aquela chance única de “brilhar”,
impondo aos inseguros calouros pequenas humilhações, tais como lhes cortar o
cabelo, pintar o rosto e o corpo, despejar cerveja na cabeça, etc.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nilsen
não se incomodou com o fato de se tornar careca durante algumas semanas.
Definiu que essa imposição era “normal”, uma tradição “bobinha”, mas tolerável.
Assim, antes mesmo de se dirigir à secretaria da faculdade, raspou a cabeça
numa barbearia e foi se matricular.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ocorre
que aos veteranos não interessava o fato do calouro se tornar careca. O
importante era que a “tosquia” fosse feita por eles mesmos. Malfeita, deixando
a cabeça do noviço igual a um ninho de ratos. Foi um choque, uma tremenda
ofensa, portanto, a visão daquele calouro alto, já careca, limpinho, passando confiante
para se matricular. Cena que destoava naquele grupo de calouros assustados que
se deixavam tosquiar e pintar com resignação e até fingindo alegria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Ei! Aonde vai? — perguntou um veterano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Vou me matricular.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Quem te cortou o cabelo? — o veterano imaginou que esse calouro talvez já fora devidamente
“troteado”, tomara banho e depois voltara para a matrícula. Tanta segurança não
teria outra explicação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Ninguém. Achei melhor eu mesmo cortar. Serviço mais bem feito, não acha?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Se
havia tom de provocação nisso, ninguém informou depois. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Você mesmo cortou?!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Eu não. O barbeiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
veterano não acreditava nos próprios ouvidos. Tendo ao lado dois outros
veteranos, sentiu-se confiante para algo mais concreto que o simples espanto.
Teria apoio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
... Bicho, se você cortou no barbeiro, gastou dinheiro à-toa, porque vamos
cortar outra vez.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>—
Impossível. Não há mais o que cortar... — se sorriu, nesse momento, também não
sei, porque esse diálogo me foi contado por um colega.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
veterano não acreditava em tanta segurança. Mas não podia se desmoralizar.
Ocorre que realmente não havia mais cabelos ao alcance da velha tesoura
enferrujada, utilizada por sua mãe nos cuidados do jardim. Assim, pensou em
derivar a poda capilar para o trote de pintar o rosto e o corpo do Nilsen.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mal
o veterano iniciou os atos concretos para essa forma de humilhação acadêmica,
Nilsen o agarrou pela camisa, com a mão esquerda, pondo-o contra parede, ao
mesmo tempo em que, com a direita, desferia potentes socos no rosto e abdômen
do veterano. Suponho que foi tal a massagem nas tripas, que o dono delas não
veio jamais a sofrer de prisão de ventre nos vinte anos seguintes. E se pensou
em reagir, pensou tarde, ou melhor, sonhou, pois já repousava nos braços de
Morfeu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>E
o que fizeram os outros veteranos? — deve estar se perguntando o leitor. Eu
também me pergunto. Segundo relatos, um deles esboçou um soco, sem muita
convicção — todo veterano sente, no fundo, no fundo, que está sendo injusto — mas
recebeu a sua dose, também cavalar, do “xarope porrada”, irregistrável no
Ministério da Saúde. Com a pancada, cambaleou, estuporado. Nilsen largara o
primeiro veterano, que simplesmente escorregou docemente pela parede, em câmera
lenta, como se vê nos desenhos animados, passarinhos cantando e voando em
círculo sobre sua cabeça. Enquanto isso, outros veteranos, sem compreender bem
o fenômeno que ocorria, simplesmente olhavam, não se atrevendo a modificar
aquela excêntrica realidade. É sabido que uma excessiva — mas tem que ser
autêntica —, autoconfiança produz esse efeito inibitório nos circunstantes. E
Nilsen afastou-se, sem pressa, apenas ligeiramente alerta, para fazer a
matrícula.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nós
dois, já bacharéis, eu fui trabalhar com um advogado da área cível e mantive
alguns contatos com o Nilsen, que se tornara Delegado de Polícia e odiava,
pessoalmente, a criminalidade de rua. Tivemos, nesses encontros, longas
conversas. Ele se casara logo depois de entrar na polícia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>De
vez em quando, comíamos uma pizza, juntamente com outros ex-colegas da
Faculdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Dois
anos depois de formado, numa tarde de pouco trabalho, ocorreu-me a ideia de
assistir aos exames orais de candidatos que prestavam o Concurso de Ingresso à
Magistratura. E não fiquei surpreso ao encontrar, entre os candidatos, o Nilsen
que, então, ainda era delegado de polícia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Boa
decisão, a dele, pensei então. Seu cérebro era, em todas as suas dobras, o de
um juiz severo. Se havia perigo em seus punhos, a toga era uma quase garantia
de sua não-utilização porque ninguém, hoje em dia, no seu juízo perfeito,
desafia o juiz para acertar, no braço, a decisão da causa. Isso só acontecia na
Idade Média, nas “Ordálias de Deus”. Explico: um Deus todo-poderoso “não
permitiria que, em duelo, vencesse quem não tinha razão”, segundo a ingênua
teologia da época. Porém, com a<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>evolução
da prática, o próprio juiz da ordália poderia ser pessoalmente desafiado, pelo
perdedor, para novo duelo — seria uma “segunda instância” de julgamento. O que,
certamente, aconselharia os árbitros de duelos a frequentar cursos de
equitação, uso da lança, espada, maça e machado. Presumo que as ordálias
desapareceram por causa do risco profissional.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Voltando
ao Nilsen, logo depois de minha chegada ao local onde se realizava o exame oral
dos candidatos, ele foi chamado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Pelo
que depreendi, Nilsen saiu-se muito bem na inquirição dos examinadores.
Respondia com precisão e sem pressa, com altivez, muito assertivo. Não se desculpava
por falar com tanta segurança. Nunca dizia “a meu modesto ver”, ou “estou
inclinado a pensar que...” e frases assemelhadas, respondendo a desembargadores
— como é comum nesses concursos em que o candidato se preocupa também em
agradar . Mas com um deles ocorreu um certo alvoroço. O magistrado,
antipatizando com o tom professoral do candidato — que parecia pretender saber
tanto ou mais que ele, sobre o tema em discussão — disse, encerrando sua
inquirição, que Nilsen “demostrava estudo” mas estava totalmente “equivocado”.
E disse isso com um sorriso condescendente, acrescentando a observação de que o
candidato, lendo com mais atenção um autor citado por Nilsen, mudaria de
opinião. Disse, finalmente, que não tinha mais perguntas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Antes que outro examinador se
manifestasse, Nilsen perguntou ao presidente da banca se poderia fazer uma
observação. O presidente, pensando que o candidato iria dizer algo agradável,
submisso, preocupado em ser aprovado na prova oral, concedeu-lhe a palavra. Se
conhecesse melhor o Nilsen não teria feito isso. O viking guerreiro embutido no
candidato a juiz veio à tona e, sem nervosismo, com argumentação lenta e pesada,
frisando detalhes, procurou demonstrar, por a+b que estava certo e que o seu
oponente, o examinador, é que estava “equivocado”. Inclusive porque o jurista
apoiado pelo desembargador já escrevera um artigo, mais recente, dizendo que
estava enganado na sua opinião anterior. Seguiu-se um quase bate-boca entre
ambos, mas a “plateia” parecia ser favorável ao candidato.<span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nilsen,
eu soube dias depois, foi reprovado. A meu ver, pelo que ouvi, injustamente,
ainda que não possa garantir essa opinião, como disse, por falta de meu
conhecimento específico do detalhe causador da discórdia. Outros que assistiram
ao “duelo” verbal também se surpreenderam com a reprovação. Pelo menos em razão
da firmeza das respostas, sem entrar no seu mérito. Mas dias depois correu a
notícia de que sua não-aprovação resultou do exame psicotécnico: — “Componente
de agressividade muito elevado”. — Outros ainda asseguraram que foram seus
antecedentes, como policial, a causa da não-aprovação. Tais antecedentes
mostravam um temperamento “incompatível” com o tipo de personalidade serena,
aconselhável para um magistrado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Talvez o fato que relatarei a seguir tenha
pesado contra sua pretensão de ser juiz. Em uma cidade do interior — onde
Nilsen era delegado — um valentão disse, em um bar, na presença de várias
pessoas, que se encontrasse, por sorte, na calçada, o “temido” delegado Nilso”
— não sabia direito o nome dele —, “ eu lhe daria uns bons tapas na cara para
deixar de ser besta”. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Essa promessa
repercutiu na pequena cidade. Acontece que um mês depois o valentão foi preso
em flagrante por ter agredido alguém e por isso conduzido à delegacia. Ao
chegar, um policial contou ao Nilson que o conduzido era aquele sujeito que, em
público, prometera lhe dar uma surra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Mal ouviu isso, o Nilsen disse-lhe
em tom falsamente alegre: “Hoje é seu dia de sorte, me encontrou!”. Assim
dizendo, tirou o paletó e ordenou que o valentão fosse conduzido a uma sala quase
vazia da delegacia. Entrou junto com ele e ordenou aos demais policiais que não
interviessem, em hipótese alguma. Trancou-se com o detido e logo ficou bem
evidente que depois de algumas trocas de palavras, os ruídos eram de uma luta
corporal bem violenta, com urros e pequenos gemidos. Do lado de fora, os
policiais, preocupados, grudavam o ouvido na porta, prontos para arrobá-la caso
os gemidos fossem identificados como sendo do delegado. Aberta a porta, vários
minutos depois, constataram que os gemidos não eram, certamente, do delegado
porque estava apenas com a camisa rasgada, com alguns sinais de que o valentão
não apanhara sem reagir. Talvez esse incidente tenha chegado aos ouvidos de
seus superiores.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Poderia
continuar resumindo a filosofia de vida do falecido delegado. Daria um livro.
Suponho, no entanto, que o leitor não está interessado em conjeturas. O que
realmente o interessa é saber por que, afinal, Nilsen se matou.<span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Lamentavelmente,
não tenho essa informação. Poderia conjeturar alguns motivos prováveis, que
tomariam um enorme espaço neste “conto” já longo demais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Depois de conhecer, na internet, as
motivações dos suicidas, constatei que nem sempre era falta de dinheiro, de amor
ou de saúde. Se o leitor se interessa pelo tema, acesse a Wikipédia, clicando
“Lista de suicídios” e ficará abismado com a quantidade enorme de pessoas
famosas — ou conhecidas do público —, que, por tédio, ou filosofia, preferiram
“soberanamente” escolher o momento de deixar esta vida. Entre os suicidas
mencionados existem milionários, grandes escritores, cineastas, políticos,
atletas, atores, cantores, cientistas e até Prêmio Nobel de Literatura.
Confiram.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Podemos facilmente entender a motivação de Hitler
e outros ditadores especialmente odiados que se mataram quando perderam todo o
poder e sabiam que<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>sofreriam anos e anos
pelos seus crimes. “Crimes” que o ditador rotularia não como crimes, mas como “indispensáveis
e corajosas medidas saneadoras”. Mao Tsé-Tung, Lenine e Stálin jamais sentiram
remorso por eliminar milhões de “desobedientes”. Orgulhavam-se da própria
“firmeza”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Melhor um tiro na própria cabeça, praticamente
sem dor, pela rapidez, do que a certeza da humilhação pública insuportável,
após anos no auge do prestígio. Que tal prever que será exibido em jaula, como
fosse um macaco louco. Mas como explicar o suicídio de uma pessoa “que tem de
tudo para ser feliz”? Esse suposto paradoxo demonstra que a “felicidade’ é algo
muito pessoal e relativo. Demonstra que apenas o que nos falta é valorizado,
“mesmo tendo tudo” — isto é, o “tudo” na opinião dos outros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Há qualidades, como a coragem, que
no fundo são defeitos, se não acompanhadas de outra qualidade: a prudência calma,
pensante. A pessoa que hesita, segurando o revolver ou o veneno na mão, se
decidisse adiar seu movimento fatal — com o dedo no gatilho ou com o copo na
mão — para uma semana depois talvez mudasse de ideia. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A explicação de Nilsen para seu ato
extremo, guardou-a para sempre. Para mim, o mundo perdeu um desconhecido grande
homem que não teve tempo suficiente para mostrar todo seu potencial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Nilsen deveria ter sido militar. De
preferência em tempo de guerra. Chegaria a marechal. Nenhum “jogo de cintura”,
como se diz. Justamente por isso, reconheço aqui, por escrito, sua integridade.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Num
mundo povoado de trêfegos rebolantes, sempre atentos à direção dos ventos, é um
conforto encontrar uma forte personalidade. Nilsen acreditava em enfrentar o
mal. Se exagerou, cabe a cada leitor avaliar, pela amostra aqui lida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Pelo
jeito, morreu frustrado. Ou vitimado por uma inata inquietação interior. Mas se
existe uma sobrevida — pouco provável, mas altamente desejável — exigência de
justiça —, espero que nosso guerreiro, lá de cima, sinta algum conforto lendo
estas páginas que o colocam na minha galeria de heróis anônimos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p> </o:p></span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;">Este conto faz parte do livro "Tragédia na Ilha Grega" que será lançado em breve.</span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+Cesar+Pinheiro+Rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=2A69H9S1XS2SA&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C180&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Conheça meus outros livros -<span> Amazon.com.br </span></a><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; mso-font-width: 109%;"><span style="letter-spacing: -0.3pt;"></span></span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /><span> </span><span> </span><span> oripec@terra.com.br</span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">FIM<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-68132213899592392032022-09-26T08:47:00.004-03:002022-09-26T09:46:50.044-03:00AUTÓPSIA<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhugSzJtCRXS3IA8wl_pv2KqK7cluOJEDMGcw-mcx3My2k5_KK9PyCoVOjxshGZLL1KlOvdpgJ-KvQppMir2RssDYRozV2xNCwzVVOZeWrMxyWGpsrj1VTjqIY53VxP2BPPO7uXDcwxHBlz_1SYg4if0VMt4a5wGkWnC5KKxJkwQuF3keI0oWr36-ha/s665/autopsia_coronav%C3%ADrus.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="443" data-original-width="665" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhugSzJtCRXS3IA8wl_pv2KqK7cluOJEDMGcw-mcx3My2k5_KK9PyCoVOjxshGZLL1KlOvdpgJ-KvQppMir2RssDYRozV2xNCwzVVOZeWrMxyWGpsrj1VTjqIY53VxP2BPPO7uXDcwxHBlz_1SYg4if0VMt4a5wGkWnC5KKxJkwQuF3keI0oWr36-ha/w400-h266/autopsia_coronav%C3%ADrus.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-size: x-small;">Foto divulgação </span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;">O despertador de Roland, criminalista dublê de escritor,
tocou às cinco e quinze da manhã. A</span><span style="font-size: 12pt; text-indent: 36pt;">cendeu a luz do abajur de leitura e
olhou para sua mulher, que está acordada mas continua de olhos fechados. Não
pretendia se <span style="letter-spacing: -0.1pt;">levantar tão cedo mas
lembrando-se vagamente do motivo do marido estar acordado perguntou: — </span><span style="letter-spacing: -0.25pt;">Por que, mesmo, você vai sair?</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.2pt; mso-font-width: 116%;">— Quero presenciar uma autópsia.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Tem que ser hoje, já está combinado. Como sou
um escritor da escola realista quero ver a coisa pessoalmente</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 116%;">. Não basta
imaginar. Preciso dela para meu próximo capítulo.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 116%;">— Você já sabe quem vão autopsiar?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 116%;">— Não. Pretendo ver duas dissecações. Uma de homem <span style="letter-spacing: -0.1pt;">e outra de mulher. Ainda não sei bem se na minha
estória vou esquartejar macho ou fêmea. — Roland, às </span><span style="letter-spacing: -0.3pt;">vezes, brincando, abusa no humor negro,
conversando com a mulher, </span><span style="letter-spacing: -0.35pt;">justamente
porque ela não aprecia seu </span>estilo literário e é bastante franca a
respeito. Entende que ele não precisa “apelar”, para encontrar leitores.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Você <span style="letter-spacing: 0.6pt;">tem</span> certeza
de que o público aprecia essas barbaridades?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 108%;">O público masculino em geral gosta, mas é preciso, para
compensar, caprichar no estilo, injetando no açougue literário um pouco de
filosofia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.3pt; mso-font-width: 108%;">—<i> </i>Não seria um desequilíbrio
emocional desses </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.2pt; mso-font-width: 108%;">leitores?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 108%;">— Todo mundo é mais ou menos desequilibrado, querida. Não
existe gente mais adoidada que certos psiquiatras, por <span style="letter-spacing: -0.35pt;">exemplo. O perigo, neles, é que qualquer pessoa, bastando ser capaz de
falar, pode ser enquadrada numa anormalidade. Se, por outro lado, é equilibrado
e reservado demais, “aí tem coisa...”. Um camarada “certinho em extremo”
revelaria, só por isso, algum problema, a ser investigado.</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 108%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Uma hora depois
Roland está entrando no necrotério. P</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 115%;">ergunta a um funcionário <span style="letter-spacing: -0.3pt;">onde fica sala do Dr. Moraes, seu amigo e
ex-cliente.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Sem sua autorização, não
poderia assistir aos exames. Essa autorização já fora concedida. Minutos depois
aparece o médico. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.45pt; mso-font-width: 115%;">— Ora viva! O nosso Zola brasileiro. .
. — disse Dr. Moraes, </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.3pt; mso-font-width: 115%;">bem-humorado, rosto redondo, corpo
atarracado, óculos </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 115%;">de metal branco. — De olho na Academia,
hein? </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 115%;">Já comprou o fardão?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.25pt; mso-font-width: 115%;">— O fardão me prejudicaria, tiraria
minha liberdade. Eu, para impressionar os acadêmicos, teria que retocar demais
o que escrevo — respondeu Roland apertando-lhe </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.1pt; mso-font-width: 115%;">a mão. —
Como é? Estou pronto para o massacre.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 115%;">— Que tipo de necropsia quer assistir?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.1pt; mso-font-width: 115%;">— Que tipo como? Há diferenças?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.1pt; mso-font-width: 115%;">— Claro, depende da finalidade. Bom, se
não há </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.25pt; mso-font-width: 115%;">especificação, eu escolho. Você vai ver necropsia de
duas </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 115%;">pessoas
que morreram sem assistência médica. Geral<span style="letter-spacing: -0.25pt;">mente
gente sem recursos. Para enterrar é preciso </span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">verificar a
"causa mortis". Se a morte foi violenta, ou suicídio, também é
preciso uma necropsia.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">— Pra mim qualquer morte serve. Uma pessoa inteira, claro. Preciso
dos detalhes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">— As necropsias são feitas em outro setor, aqui perto.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">— Você não diz autópsia. Diz necropsia. Dizer “autópsia”
está errado?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 111%;">— Acho mais apropriado dizer necropsia.
“Autópsia”, do grego, rigorosamente seria um</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;"> autoexame. Necropsia seria o exame de
corpo alheio, mas isso de nomes não impor<span style="letter-spacing: -0.25pt;">ta.
Vamos?</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">Caminhando depressa, para acompanhar o médico, Roland
sentiu cheiro de formol e outros odores que não podia identificar. Ouviu alguns
ganidos.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 111%;">— Parece que estou ouvindo ganidos de
cães. É </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.6pt; mso-font-width: 111%;">isso?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 111%;">— É. São os estudantes de medicina
fazendo expe</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.3pt; mso-font-width: 111%;">riências.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">— Dolorosas? — indagou Roland.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 111%;">— Às vezes. Procuram anestesiar antes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">Pararam frente a uma porta de vidro. — Quer dizer que nunca
assistiu a uma necropsia? Não vai sentir-se mal, desmaiar?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">— Penso que não. Para isso sou algo frio. Se sentir
qualquer coisa anormal, saio um pouco.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">— Um aviso: não se encoste em nada, lá dentro. Os cadáveres
podem estar com alguma doença contagiosa e você levaria os agentes patogênicos
consigo. Convém enfiar as mãos nos bolsos.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.1pt; mso-font-width: 111%;">Roland acatou a sugestão e ambos
entraram no recinto</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.75pt;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Junto à entrada, no lado esquerdo, havia uma mesa <span style="letter-spacing: -0.05pt;">com três pequenos cadáveres. Crianças bem novas.
Duas </span>escura e a terceira branquinha. Apresentavam imenso rasgo do
pescoço ao púbis, mas o rasgo já fora costurado. Mesmo que estivessem vestidas
e deitadas numa cama, não pareceriam crianças dormindo. A morte deixara a marca
nos olhos, ainda que fechados. As perninhas são bem arqueadas, sinal de
raquitismo. Despertam um sentimento triste e desagradável.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Ao lado direito da porta vê-se uma fileira de mesas com
pequenas rodas nos pés. Em cima de cada mesa, um cadáver. Alguns, com o rosto
coberto. O mais próximo de Roland, com a face descoberta, é um rapaz de seus
vinte e <span style="letter-spacing: 0.3pt;">cinco</span> <span style="letter-spacing: -0.25pt;">anos, barbudo, rosto estreito, corpo magro, assim percebido apesar de
coberto com um lençol até o pescoço.</span><span style="letter-spacing: -0.05pt;">
Seu rosto lembra a representação usual de um Cristo europeu de pele clara.
Alto, </span>seus pés magros e amarelos saem muito além do lençol que o cobre,
cortado para pessoas de estatura mediana. Roland fica observando o moço e,
conforme a posição de quem observa, o cadáver lembra uma conhecida imagem de
Tiradentes, o herói da nossa independência. Roland, lembrando-se que ele foi
enforcado e esquartejado, pensou: “aqui ele está no lugar certo”.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">A mesa vizinha está ocupada pelo cadáver de um homem
corpulento, de seus 40 anos. T<span style="letter-spacing: -0.05pt;">em o rosto </span><span style="letter-spacing: 0.95pt;">inchado</span> e expressão hostil.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Com licença — pediu um enfermeiro, interpondo-se <span style="letter-spacing: 0.7pt;">entre</span> Roland e o corpo do homem de feições
duras. O funcionário empurrou a mesa com rodas <span style="letter-spacing: 0.6pt;">até</span> que ela ficasse bem paralela à mesa das autópsias, que tem o
comprimento de três metros, <span style="letter-spacing: 0.95pt;">mais</span> <span style="letter-spacing: -0.2pt;">ou menos. Do lado onde ficam os pés dos autopsia</span>dos
existe uma pia de aço inoxidável embutida na pró<span style="letter-spacing: 1.05pt;">pria</span> mesa. Nessa pia os órgãos são lavados, cortados e fatiados <span style="letter-spacing: -0.4pt;">para exame.</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 110%;">O cadáver é transferido com alguma brutalidade — prática,
rotineira —, da mesa móvel para a mesa <span style="letter-spacing: 1.25pt;">fixa,</span>
sem a menor “deferência” a um ser humano, embora morto, como se lidassem com um
<span style="letter-spacing: 1.05pt;">grande</span> saco de batatas<span style="letter-spacing: 1.25pt;">.</span> Como o homem é bem pesado, os dois
enfermeiros tive<span style="letter-spacing: 0.9pt;">ram</span> <span style="letter-spacing: 1.05pt;">que</span> <span style="letter-spacing: 1.1pt;">fazer</span>
<span style="letter-spacing: 1.05pt;">muita</span> <span style="letter-spacing: -0.25pt;">força, coordenada — “Vamos juntos: um, dois, três, já!” —, para
transferi-lo de mesa, um segurando nos pés e o outro, mais forte,
encarregando-se do tronco.</span> Por causa do esforço da remoção, o cadáver
foi <span style="letter-spacing: 0.95pt;">praticamente</span> <span style="letter-spacing: -0.35pt;">rolado em cima da mesa de autópsias, </span><span style="letter-spacing: 0.95pt;">quase</span> <span style="letter-spacing: 1pt;">caindo</span>
<span style="letter-spacing: -0.1pt;">do outro lado.</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.1pt; mso-font-width: 111%;">Os braços do morto estavam rígidos e
dobrados, junto ao tronco, </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">como em posição de defesa numa luta de boxe.<span style="letter-spacing: -0.05pt;"> Nessa posição impossibilitaria</span> o trabalho
do enfermeiro que se ocuparia do <span style="letter-spacing: -0.05pt;">tórax e da
cabeça. Era, portanto, necessário esticar os braços do combativo defunto
maduro. Roland, sempre imaginativo, involuntariamente pensou: — “Nosso Mike
Tyson branco não vai concordar...”</span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">Dito e feito. Foi duro, de fato, conseguir baixar a guarda
do falecido, devido à rigidez cadavérica. Um dos enfermeiros, o mais franzino,
tentou esticar o braço direito, dando uma puxada. Nada conse<span style="letter-spacing: -0.1pt;">guindo tentou de novo, fazendo mais força, sua<i> </i>mão
direita </span>segurando a mão direita do morto. Pareciam, para Roland, d<span style="letter-spacing: -0.05pt;">isputar uma "queda de braço". O
primeiro </span>resultado foi um empate honroso para o defunto que, certamente,
fora um homem fortíssimo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">Não desejando passar vexame frente ao visitante, o
enfermeiro franzino, como que adivinhando a imaginação de Roland, deu uma
rápida olhada para o escritor e usou as duas mãos para esticar o braço
enrijecido. Roland, viciado ficcionista, logo <span style="letter-spacing: -0.2pt;">imaginou
o protesto do morto: "Com as duas mãos não vale! Vou morde a orelha desse
desgraçado”! </span>Valendo ou não, o vivo, usando o peso do seu corpo, quase
pendurado, venceu a parada, esticando completamente o braço do falecido,
enquanto o outro enfermeiro segurava do outro <span style="letter-spacing: -0.55pt;">lado,
impedindo que saísse da posição correta.</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">Esticados os braços, o enfermeiro que cuidava da cabeça
enfiou um bloco de madeira, à guisa de calço, por baixo das costas do cadáver,
que ficou com o peito <span style="letter-spacing: -0.05pt;">bem erguido e a
cabeça caída para trás. A seguir, pegou </span>uma faca de cozinha, das
grandes, e afiou a lâmina em um amolador comprido e cilíndrico. Colocou o
amolador de lado e começou a cortar o couro <span style="letter-spacing: -0.2pt;">cabeludo,
iniciando a operação por trás de uma das orelhas.</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">Fez um talho bem retilíneo, cortando fundo, com pequenos
movimentos de vai e vem da faca, para que o fio da lâmina chegasse até os ossos
do crâneo. E assim foi trabalhando, usando luvas cirúrgicas, até chegar atrás
da outra orelha. Largou a faca e fincou as unhas <span style="letter-spacing: -0.05pt;">no corte. Agarrou com força uma das bordas e começou </span>a puxar o
couro cabeludo na direção da testa.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">O couro cabeludo estava bem aderente ao osso, não
desgrudava facilmente. Estalava com seguidos “tac-tac”. Quando a resistência
era maior, o enfermeiro ajudava a separação com a faca, cortando os liames
ainda existentes por baixo. Assim fez, até que o couro cabeludo, já pelo
avesso, chegou à boca do defunto.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 111%;">Com isso o cadáver ficou horrendo. C</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">omo o cabelo
não era curto, parecia que o cadáver era barbudo — não o era antes —, e tinha
parte do rosto coberto por uma máscara de carne viva cobrindo os olhos.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 109%;">Até esse momento Roland conseguira
aguentar.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;"> Vinha engolindo em seco. Seu pomo de adão subia e descia. Mas foi
preciso mobilizar totalmente sua resistência quando o enfermeiro pegou um
serrote de arco e começou a serrar a <span style="letter-spacing: 0.55pt;">testa</span>,
horizontalmente, criando uma tampa de osso. Aquela testa parcialmente nua e
ensanguentada, serrada com a maior sem-cerimônia, foi um espetáculo que só não
provocou vômito porque Roland sempre teve dificuldade para vomitar.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">O enfermeiro serrou completamente o crânio, criando a larga
calota óssea. Ao que parece o cérebro deveria ser preservado anatomicamente,
para se constatar se fora danificado por alguma pancada na cabeça ou AVC.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Terminada a utilização da serra fina, o enfermeiro tentou
separar a calota com o mero emprego da mão enluvada. Fincou as unhas na fenda
dos ossos, como fizera antes com o couro cabeludo mas não conseguiu seu
intento. Talvez por não conseguir espaço suficiente para introdução das unhas.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Tudo era rotina para o enfermeiro. Pegou uma talhadeira e
um pequeno martelo. Colocou a lâmina da talhadeira na fenda da testa e com o
martelo deu algumas pancadinhas na outra extremidade, forçando facilmente a
separação das bordas. Pôs de lado a talhadeira e, com as unhas bem apoiadas na
borda do osso separou a calota, que veio, talvez, com boa porção do cérebro
nela grudada. Na posição em que estava, Roland não pôde ver esse detalhe.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Usando as duas mãos, o enfermeiro retirou com cuidado o
encéfalo viscoso, que fazia "cloft, cloft", ao se desgrudar do
crânio.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Nessa altura, o outro enfermeiro já havia aberto a barriga,
do externo ao púbis. Roland nem o vira fazer o grande corte longitudinal do
abdómen, tanto se impressionara com o que ocorria na cabeça do cadáver. Quando
afastou os olhos da cabeça sem tampa, o tórax já estava aberto. O segundo
enfermeiro, munido de uma tesoura <span style="letter-spacing: 0.55pt;">especial,</span>
de lâminas curtas e recurvadas, dedicava-se a <span style="letter-spacing: 1.3pt;">cortar
os ossos protetores do tórax</span> para poder extrair e exa</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: 1.05pt;">minar</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"> o coração e outros órgãos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 107%;">O mesmo enfermeiro — ou seria o outro? Roland já estava
meio grogue na carnificina — revolveu os intestinos esverdeados e arrancou o
fígado, <span style="letter-spacing: 1.15pt;">que</span> foi colocado perto da
pia, após o que foi lavado e fatiado. O enfermeiro cortava e examinava a cor
das fatias, trocando algumas <span style="letter-spacing: -0.1pt;">palavras com o
médico, que fazia anotações. </span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Em seguida, pegou o cérebro que seu
colega lhe dera e passou a cortá-lo, também em fatias.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Enquanto esse enfermeiro examinava as fatias dos órgãos, o
outro pegou um bocado de serragem, que estava num saco aberto, ao lado da mesa,
e preencheu o vazio <span style="letter-spacing: -0.05pt;">do crânio. Recolocou a
tampa de osso na cabeça e puxou </span>de volta o couro cabeludo. A calota
óssea ficou nova<span style="letter-spacing: -0.1pt;">mente coberta, mais
apresentável.</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Agora ele ficou desmiolado — brincou o médico, entre
brincalhão e sério, pensativo. Sempre que cortava o cérebro dos autopsiados sentia
algo diferente, principalmente quando o falecido era uma pessoa
intelectualizada. Não era o mesmo que cortar um fígado, um rim. Imaginava estar
cortando também milhões de ideias e sentimentos. Algo assim como queimar
algumas dezenas de livros.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 109%;">Roland, vendo a boca meio aberta do
morto, es</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.35pt; mso-font-width: 109%;">tranhou:</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— A língua dele está muito escura, não acha? A morte
escurece a língua?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.05pt; mso-font-width: 109%;">— Onde? — perguntou o enfermeiro,
curioso. </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Forçou o maxilar para baixo, abrindo bem a boca do <span style="letter-spacing: -0.05pt;">defunto. Não satisfeito, querendo melhor
examinar, </span>agarrou com força a língua e puxou-a o máximo que <span style="letter-spacing: -0.65pt;">pôde.</span></span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Não há nada — concluiu, dando uma examinada. — É assim
mesmo — disse, olhando a língua enorme, que se assemelhava a uma língua de
vaca, só que bem menor. Satisfeito com a inspeção, empurrou a língua de volta,
fechando a boca do falecido. Em seguida, passou a costurar o couro cabeludo,
utilizando uma espécie de agulha de sapateiro. Nesse trabalho, manipulava com
brusquidão a cabeça do defunto, pouco ligando para a expressão indignada do
homem que, no céu, ou no purgatório — Roland pensou — deveria estar fervendo de
raiva com o desrespeito. Em certos momentos, por necessidade do serviço, o
enfermeiro empurrava <span style="mso-bidi-font-style: italic;">a<i> </i></span>boche<span style="letter-spacing: -0.25pt;">cha de um </span><span style="letter-spacing: 0.45pt;">lado</span> <span style="letter-spacing: -0.25pt;">para o outro. Com isso a
</span>expressão do morto parecia ainda mais zangada com os insultos, quase
tabefes com a mão espalmada.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Os enfermeiros, com a longa prática, estavam bem
sincronizados na tarefa. Enquanto o da cabeça costurava grotescamente o couro
cabeludo, o outro rapidamente tirava umas conchas de material da cavidade
abdominal e jogava os órgãos de volta — fígado, tripas, pâncreas, etc. O
cérebro também foi jogado dentro do ventre. Roland não pôde deixar de imaginar
o trabalho que daria aquele cidadão, havendo um <span style="letter-spacing: 0.8pt;">juízo</span> final, com os mortos saindo dos túmulos. Para ler a sua
alma seria preciso examinar a pança. Como muita gente que conhecia.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">A barriga também foi costurada depressa, com um pouco de
serragem dentro para absorver o sangue que ainda restara.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">Roland, depois daquela cena de violência macabra, achou
necessário descansar um pouco. Pediu para sair. No corredor, respirou fundo e
depois sentiu necessidade de fumar. Deu uma tragada e concluiu que pouco sabia
da vida, em seu sentido mais profundo, apesar de <span style="letter-spacing: 0.55pt;">seus</span> quarenta anos.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Como é? Pensei que o senhor fosse desmaiar — disse o
médico. — Não seria fato incomum, para quem assiste pela primeira vez.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Quantas autópsias vocês fazem por dia?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Umas quarentas, em média.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Estranhei que o cadáver não fedia. Pelo menos não tanto
quanto eu esperava.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— É que saiu do congelador. Mas o senhor precisa ver quando
falta energia durante um dia ou dois. Já aconteceu. Cinquenta cadáveres se
decompondo não há cristão que aguente.</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Nesses casos, como os senhores fazem?</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Com mau cheiro e tudo!</span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— Vendo uma autópsia, constatamos que o homem não é nada.
Um pedaço de carne precária, sempre prestes a se decompor. Uma lição de
humildade, o espetáculo horrendo que acabei de presenciar. Você tem religião,
Dr. Moraes?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;">— <span style="letter-spacing: -0.2pt;">Sou católico... Então,
vamos continuar? </span>Às nove e<i> </i>meia preciso comparecer a uma <span style="letter-spacing: -0.3pt;">reunião.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Este conto faz parte do livro "Tragédia na Ilha Grega" que será lançado em breve.</span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+Cesar+Pinheiro+Rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=2A69H9S1XS2SA&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C180&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Conheça meus outros livros -<span> Amazon.com.br </span></a><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; mso-font-width: 109%;"><span style="letter-spacing: -0.3pt;"></span></span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /><span> </span><span> </span><span> oripec@terra.com.br</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; mso-font-width: 109%;"><span style="letter-spacing: -0.3pt;"><br /></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.3pt; mso-font-width: 109%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal; letter-spacing: -0.3pt; mso-font-width: 109%;"><o:p> </o:p></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-67458863431823841392022-09-14T18:56:00.002-03:002022-09-15T09:26:14.892-03:00LIVRO DOS RECORDES<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfhX8pP1_tSeXEaepeGpPpp3Uj3dQrGENgUzgYqaMlNj3BS_QXVAoB5suQ7KCK2yBounPUQe67eQTBydRrWWgut9ZSzyyDY1sDcdyICZc5hkKUmWbZPec2kUM7KlOgEZeTqOxsfJf8nZgpqbcv4UyaiO_1Kl-MBalhP7Mz0ap6FIz9F0mk6ZLUGg9G/s1147/R.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="590" data-original-width="1147" height="206" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfhX8pP1_tSeXEaepeGpPpp3Uj3dQrGENgUzgYqaMlNj3BS_QXVAoB5suQ7KCK2yBounPUQe67eQTBydRrWWgut9ZSzyyDY1sDcdyICZc5hkKUmWbZPec2kUM7KlOgEZeTqOxsfJf8nZgpqbcv4UyaiO_1Kl-MBalhP7Mz0ap6FIz9F0mk6ZLUGg9G/w400-h206/R.jpg" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Foto divulgação </span></div><br /><p></p><p class="Estilo1" style="margin-right: 0cm; tab-stops: 22.7pt; text-indent: 36pt;"><span style="font-size: 12pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;">Por volta das oito horas da manhã de sábado, Paulo, um advogado
brasileiro, acordou sentindo o aroma do café. Lavou o rosto, escovou os dentes
e desceu à cozinha para sua refeição.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Quando dava a primeira mordida na torrada, a campainha da casa tocou. Olhando
pela janela percebeu que quem tocava era o Rui, um jardineiro que comparece mensalmente
para cuidar do jardim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Esse jardineiro é um ser humano
bem original — o leitor vai concordar com essa opinião —, com idade entre
quarenta e cinco e cinquenta anos, altura mediana, ligeiramente acima do peso,
calmo, lacônico e uma autoridade informal, no bairro, no conhecimento prático das
flores. O que ele sabe não sabe através de leituras, é por contato direto,
pessoal. Trata-se de um jardineiro muito requisitado porque mostra-se mais
interessado nas suas “queridinhas” coloridas do que no dinheiro que ganha com
elas. Além disso é homem de palavra e incrivelmente persistente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Convém logo esclarecer que o fato do Rui amar as flores não significa
que seja algo afeminado. É hetero, sem a menor dúvida, embora respeitoso ao
extremo no contato com mulheres. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">O Rui faz o serviço que lhe pedem sem pressionar o freguês — ou melhor,
a mulher do freguês —, porque os homens, “bichos insensíveis”, na opinião dele,
quase sempre não se interessam por esses delicados e coloridos produtos da
natureza. Talvez por não saberem que as flores, tão bonitinhas, ou bonitonas, nada
mais são do que órgãos bissexuais explícitos, sem pudor, que só pensam “naquilo”:
propagar a espécie. Algumas têm útero. Não podendo sair de casa, adornam-se com
pétalas coloridas, com isso despertando a atenção de insetos que, após nelas
pousarem levam com eles, nas pernas e no corpo, o pólen que fecundará flores
distantes. O Rui sabe disso — mas sem nomes científicos —, e as “perdoa”
pelo “assanhamento” porque sabe que elas, não podendo voar inteiras, precisam
se reproduzir “pelo correio”. E sem reprodução, seu trabalho de jardinagem
ficaria prejudicado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Prosseguindo, se a dona da casa
quer plantar isso ou aquilo o Rui não faz objeção, mesmo quando a freguesa
revela mau gosto. No máximo fica desapontado, porém disfarça. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Por ser cordato, caprichoso e respeitoso — nunca diz um palavrão —, as
donas da casa o admiram também porque não temem que ele possa tomar “certas
liberdades” sondando eventuais carências sexuais da dona da casa quando elas
são brincalhonas e comunicativas demais. Quanto ao preço cobrado para “florir”
um jardim isso é tratado diretamente com a esposa do jardineiro, mulher esperta,
um tanto ríspida e de tino comercial. Seu santo marido não gosta de discutir
preços, orçamento e formas de pagamento. É um artista nota 10 e comerciante nota
1. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Rui, como já disse, não é um profissional comum da jardinagem. Com sua fisionomia
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>distinta e discrição todos pensam que
ele poderia ser, socialmente, muito mais considerado. Parece mais um contador, ou
gerente. Exerce a profissão como se fosse uma espécie de ourives do mundo
vegetal. Sua mulher é de instrução superior à sua, mesmo porque a instrução
formal do jardineiro é quase nenhuma, em matéria impressa. O que ele sabe, sabe
bem, mas pouco, e apenas por via oral. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">No primeiro sábado de cada mês, o Rui aparece na casa do advogado, geralmente
com um ajudante, levando três ou quatro horas cuidando das flores como se elas
fossem preciosidades. Nesse sábado, está sozinho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Para o leitor entender melhor o que vai ler é necessário conhecer um
pouco da inusitada circunstância do nascimento desse silencioso profissional
por ser ele a figura central desta narrativa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Rui teve um começo de biografia invulgarmente original. Seu parto foi o
mais demorado em toda a crônica de partos do atrasado vilarejo em que viu a luz
do dia. Sua mãe, mulher alta e corpulenta, estava grávida de gêmeos, mas,
acredite-se ou não, desconhecia o fato. Médico naquelas paragens e tempo era
raridade. Só o volume da barriga é que forneceria algum indício de que o
herdeiro viria ao mundo acompanhado de um sócio do peito. Ocorre que o volume
do ventre da mãe do Rui, em proporção ao tamanho global da grávida, não era de
chamar a atenção. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O nascimento dos gêmeos foi tumultuado.
Deu-se assim: em plena madrugada, sua mãe sentiu “as dores” — ou seriam cólicas
intestinais? Como a parteira local, uma curiosa, garantira que faltava ainda um
mês para o parto, a grávida deu como certo que era apenas vontade de “ir ao
banheiro”. E ela foi, sozinha, segurando uma vela, à “casinha” rudimentar,
escura e fedorenta, que ficava uns poucos metros distante da pequena habitação
em que habitava e estava concertando. Nessa noite o marido não estava em casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Segundo relatos — sempre imprecisos e certamente com exageros —, a mãe
do Rui<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>fez força pela via errada. Nisso,
o primeiro bebê “mergulhou” entre as duas tábuas de madeira paralelas que
serviam de assento, ou melhor, de agachamento na privada rudimentar. O ensanguentado
e rosado fruto do amor caiu, de uma altura de meio metro na fossa escura, cuja
composição físico-química, e principalmente aromática, o leitor bem pode
imaginar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Não entendo de resistências e utilidades de cordões umbilicais, após o
parto, mas, à míngua de maiores informações, parece que a presença do dito
cordão não foi compreendido pela parturiente de primeira viagem. O fato
concreto é que o sôfrego pimpolho mergulhou na sopa de excrementos em plena
noite tenebrosa. Isso porque, na confusão que se seguiu ao sensacional
mergulho, a vela se apagou, ficando a parturiente em desespero, aos gritos,
desconhecendo que um segundo rebento, o Rui — “Esqueceram-se de mim!” —
aguardava, no útero, a sua vez de ingressar naquele ambiente tão hostil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Desesperada, a parturiente quase se jogou dentro da fossa atrás do bebê,
que pensava ser único. Continuando a gritar, seu desespero acordou uma família
que morava próxima da “casinha” e logo acorreu para pescar aquilo que, pelo
normal das coisas, já seria um anjinho fedorento. Mas, para espanto geral, o
bebê ainda estava vivo, praticamente assoviando, boiando de costas na piscina
marrom, sem dar a mínima para o malcheiroso batismo. Pescado, não tinha um
único arranhão. Bastou, dizem, um banho caprichado para ficar em ordem.
Felizmente — foi a explicação dos “entendidos” locais —, flutuara de costas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Mas o Rui, seu irmão, não teve a mesma “sorte”. Ou, por causa do susto
da mãe, ou porque talvez todo parto duplo traz, em si, algum risco, o fato
comentado é que seu nascimento foi o mais longo e penoso na história do
povoado. Ele nasceu algumas noites depois — Rui não sabe direito —,
praticamente estrangulado, rostinho colorido entre o azul e o roxo; algo até
pitoresco, tecnicolor. Dizem que uma longa diminuição de oxigênio, durante o
parto, traz ao bebê danos cerebrais irreversíveis. De fato, o Rui deve ter
perdido alguns bilhões de neurônios nessas horas sufocantes que se seguiram ao salto
ornamental do coleguinha de origem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Este mundo é cheio de paradoxos. O irmão do Rui, que nasceu, com perdão
da palavra, na merda — mais literalmente seria impossível — teve uma vida limpa
de dificuldades. Isso porque aprendia com rapidez, era enérgico, articulado,
imaginoso, se bem que egoísta e meio pilantrinha — conjunção de qualidades
intelectuais e morais infelizmente bastante comuns e injustas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Injustas porque os maus são geralmente mais espertos que os bons. No
entanto, o Rui, que nasceu em lençóis pobres, mas limpos, teve que desistir de
estudar depois de reprovado algumas vezes no primeiro ano da escolinha. Ler,
para ele, era uma tarefa dolorosa, quase impossível. Apenas ficou alfabetizado.
Talvez fosse um problema de dislexia, numa época e lugar em que sequer se
imaginava a existência desse distúrbio de aprendizado. Mas, em compensação, se
há alguma área do cérebro com a função específica de gerir o caráter, essa área
não foi afetada pelo longo sufoco. Talvez tenha sido até fortificada, por
alguma forma natural de compensação, pois dificilmente se encontrará alguém
mais responsável, correto e persistente do que o aludido retardatário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A esposa do advogado —
chama-se Helena —, orgulha-se do seu grande jardim, intensamente florido. Seu
tamanho ultrapassa, proporcionalmente, o tamanho normalmente reservado para
jardins. Isso porque a casa, em si, não é muito grande. É mais bonita do que
grande. O terreno tem mais frente do que fundos. Haveria nele espaço para
estacionamento de vários automóveis, mas, como o casal proprietário não usava
mais que dois, Helena insistiu em transformar o espaço extra em algo especial que
chamasse a atenção pela beleza, porque também gostava muito de flores, apesar
de ser uma mulher essencialmente prática, objetiva, descendente de alemães por
parte de pai e mãe. Seu marido, quando aborrecido com sua frieza verbal costumava
chamá-la de “alemã”, ou “nazista”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Para aproveitar essa ampla área, ela desenhou vários canteiros,
carinhosamente cuidados, dando a quem chega — na primavera — uma visão
surpreendente, intensamente florida, quase encantada. Algo inusitado numa
cidade grande, tal a quantidade de rosas, cravos, dálias, azáleas, rododendros,
primaveras, e outras flores que, para serem aqui mencionadas, exigiriam o
conhecimento especializado de um botânico, não de um narrador qualquer. Os
amigos mais velhos do casal costumam dizer que o jardim, na primavera, faz
lembrar o filme <i>O Mágico de Oz</i> na sua versão colorida. E quem cuida tão
bem dessa paulistana edição florida do Éden? O Rui, sempre tenaz, ordeiro,
respeitoso, cumprindo à risca — raramente inovando — todas as ordens da dona da
casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Fechado o parêntese biográfico do jardineiro, voltemos à casa do
advogado na manhã de sábado em que Rui tocou a campainha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Para não deixar o jardineiro esperando na porta, Dr. Paulo largou a
torrada em um pires e desceu para abrir o portão do jardim. Trocaram os
cumprimentos usuais e o jardineiro entrou para fazer seu trabalho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Conforme o hábito, Rui utilizou o corredor lateral para chegar ao
quintal da residência onde existe um quarto de empregada no qual costuma trocar
de roupa. Nesta vez isso não foi necessário porque compareceu já com roupa de
trabalho. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Apenas sentou-se à mesa existente
no fundo da residência — uma varanda, vizinha à cozinha, usada para lavar e
passar a roupa — e aguardou seu lanche matinal porque a dona da casa “fazia
questão”, gentilmente, que ele comesse algo e tomasse café antes de começar seu
trabalho. Sendo Rui um homem silencioso e cordato, sua presença ali, perto da
cozinha — separado desta por uma parede com vitrô — não foi notada pelos donos
da casa, imaginando que o jardineiro ainda estava distante, trocando de roupa
no quarto de empregada, que não trabalhava nos sábados. Rui era, em tudo, um
perfeccionista, jamais um velocista.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Retornando à cozinha, para o <i>breakfast, </i>o advogado, ao passar pela
sala de visitas viu, em cima de uma poltrona, um livro que lera durante e noite
e que o impressionara. Era o <i>Guinness Book</i>, edição de 1974. Apanhou-o e
chegando à cozinha comentou, rindo alto, os recordes mais absurdos que lera na
noite anterior. Ao fazer isso não sabia que, por mera coincidência, o jardineiro
está ouvindo tudo, sem querer, através do vitrô. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— O que esse pessoal
não faz para ficar famoso! — exclamou o advogado para sua mulher, após ler
pequenos trechos. — Atividades perigosíssimas! Veja, por exemplo, o recorde de
mergulho, do italiano Enzio Maiorca. Em onze de agosto de 1971, em Siracusa, na
Sicília, ele mergulhou a uma profundidade de setenta e seis metros. Não sei
como o sangue não espumou quando ele voltou à superfície! Quem sabe até morreu,
pouco depois... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Grande tolice... —
foi o comentário frio da mulher, quase sempre encarando as coisas pelo lado
prático. — Risco de vida inútil... Se você não tivesse lido isso agora, eu
teria morrido sem saber.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Veja esta — ele prosseguiu,
folheando o livro: <i>— “</i>A mais longa corrida foi a prova Transcontinental
de 1929 (5.898 km), a pé, partindo da cidade de Nova Iorque, EUA, até Los
Angeles, Estado da Califórnia. O vencedor foi Johny Salo, de origem finlandesa,
falecido em 6 de outubro de 1931”. Levou nisso 79 dias.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Quando foi a
corrida? — ela indagou, franzindo o cenho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Em 1929.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— E ele morreu em
1931?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Exato — respondeu,
conferindo o texto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Então foi a corrida
que o matou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bom, quem sabe
morreu de qualquer outra causa. Voltando aos recordes, não vejo nada de mau
neles, desde que se evitem aquelas competições degradantes, como foi o caso do
campeonato de bofetadas, em Kiev, Rússia, em 1931. Está aqui... — apontou com o
dedo um trecho do livro. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Bofetadas? Virgem Maria!
Conte isso! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Houve um empate entre
“Vasilly Bezbordny e Goniuch” — ele leu os nomes com dificuldade — após trinta
horas de contínuos tapas na cara. Você já imaginou o estado das bochechas deles
logo após a competição? Se ficassem sentados, descansando, com os olhos fechados,
junto a uma janela que dá para a rua — os transeuntes só podendo ver o rosto
deles — é provável que ririam. Ou chamassem a polícia, pensando que os dois os
insultavam exibindo suas nádegas vermelhas e inchadas. Os olhos devem ter
ficado miudinhos... Isso, se não houve marmelada... Não, não... Se o torneio
foi em público era necessário a evidência sonora, a “sinfonia”, tocada a quatro
mãos e duas bochechas. Eram bofetadas reais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Entre dois amigos,
provavelmente — adiantou a mulher. — Houvesse algum tipo de inimizade, mesmo
disfarçada, teriam se matado na base da bolacha. As mãos também devem ter
inchado... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Por falar em mãos,
veja essa aqui — ele prosseguiu: — “O recorde mundial de aperto de mão foi
estabelecido pelo presidente dos EUA, Theodore Roosevelt. Ele apertou a mão de
8.513 pessoas no dia do Ano Novo, numa recepção da Casa Branca, em 1º de
janeiro de 1907”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bom, aí não tem nada
de errado... Nem de interessante, também... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado não gostou
muito do comentário mas prosseguiu: — Desta você vai gostara: — “O maior
recorde de distância, masculino, para arremesso de estrume de vaca seco — seco!
ainda bem... —, uma competição rural, foi de 50,62m alcançado por Harold Huler
Smith”. E há o recorde feminino desse arremesso, de 30,81m alcançado por Patti
Bruce, recordes obtidos no Campeonato Mundial de Beaver, em Oklahoma, em 21 de
abril de 1973.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Esses dois bem que
se mereciam... Deviam se casar... Imaginou uma briga doméstica? O que você acha
que voaria de um lado pra outro? — ela comentou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mulher tem muito
espaço neste livro. — Leu: — “... recorde feminino de falar ininterruptamente
foi estabelecido pela senhora Alton Clapp, de Greenville, na Carolina do Norte,
EUA, em agosto de 1958. Ela falou durante 96 horas, 54 minutos e 11 segundos.
Nos Estados Unidos, estes específicos torneios são chamados de “Festas da
Tagarelice”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Fichinha, comparada
com algumas amigas minhas no telefone, sempre ocupado. Eu acabo desistindo... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Há também os
recordes gastronômicos, que, agora, talvez, já não são mais aceitos pelo <i>Guinness
</i><span style="mso-bidi-font-style: italic;">porque fazem muito mal à saúde.</span>
Consta aqui que foram “reivindicados” certos recordes. Um tal de David Man
comeu 130 ameixas frescas em 1 minuto e 45 segundos, em Eastbourne, Inglaterra,
em 16 de junho de 1971... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— E nunca mais sofreu
de prisão de ventre... — ela complementou, séria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Tem aqui que um
cara, na Bélgica, que usando apenas os dentes, puxou, nos trilhos, dois vagões
pesando 36 toneladas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não acredito. Se eu
fosse da comissão julgadora, examinaria bem a inclinação do terreno... Queria
ver ele puxar numa subidinha... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Você quer é matar o
pessoal... <o:p></o:p></span></p>
<p class="EndentaodoCorpodoTexto" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
tudo isso, o Rui, sentado do outro lado do vitrô prestava atenção. Após o
relato dos recordes mundiais, o casal silenciou e a dona da casa levou ao
jardineiro o lanche em uma bandeja, sem sabe que o jardineiro ouvira a conversa.
<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Terminado o café, Rui chegou até a
porta da cozinha para devolver bandeja, pedindo “uma palavrinha” com o dono da
casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Pois não... — o
advogado o atendeu, pensando que era alguma consulta jurídica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Acanhado<span style="color: red;">,</span> o jardineiro, constatando que a dona da casa já não
estava mais na cozinha, iniciou: — Desculpe... Sem querer, escutei a conversa
do senhor sobre esses recordes, essas coisas aí que deixaram algumas pessoas
famosas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bem, em alguns casos
é uma fama meio besta... Ouviu a disputa das bofetadas?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ouvi... Errado...
Muito bruto... Já ouvi falar desse livro... Bom, vou contar um segredo: sempre
tive vontade de fazer uma coisa melhor que os outros... Alguma coisa diferente,
que ficasse depois de eu esticar as canelas. Cuidando de jardins, nunca vou
aparecer em livro, por melhor que trabalhe.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mas você faz isso
muito bem!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Eu capricho ao
máximo, mas gostaria de poder mostrar um recorde mundial qualquer pra minha
mãe, que tá velhinha e já sofreu muito. Gostaria que ela se orgulhasse de mim. Perto
de meu irmão, um homem rico, sou um nada. Sinto no peito uma angústia esquisita
por não poder fazer algo grandioso, comentado no mundo inteiro. Nunca vou ser
um escritor, um cientista, um político. Meu problema é que para fazer qualquer
coisa grande é preciso estudo; ou muito dinheiro e, como o senhor sabe, tenho
um problema com esse negócio de leitura. Parece uma doença... Não dá, por mais
que eu me esforce. E também não consigo ficar rico porque sou honesto demais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bom, se você bater
um recorde, seu nome vai para o tal livro. Chama-se <i>Guinness Book</i> e é
publicado em várias línguas pelo mundo todo. Mas que tipo de recorde você
pretende? O problema está aí... Uma demonstração de força? De agilidade?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bom, força eu tenho,
mas nada especial. E sou lento... Na escola meu apelido era “Tartaruga”, mas um
dia perdi a paciência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado pensou mas
estava difícil sugerir qualquer coisa. E não queria responsabilizar-se por
algum acidente. Nem mesmo mencionou, para evitar uma cópia fatal, a louca
ambição daquele cidadão que tentou “morder”, isto é, segurar com os dentes —
revestidos de uma placa de aço — a bala de revólver disparada contra a própria
boca. Morreu, claro, de tiro na boca. Aliás, da mesma forma que morrera seu
pai, ambos profissionais de circo. Esperava-se que o neto, se existente,
herdasse mais juízo e menos persistência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Doutor... — sugeriu
o jardineiro, enquanto o advogado pensava — quem sabe alguma coisa de comer?
Nisso posso usar minha paciência. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Parece que o <i>Guinness
</i>já não vê com bons olhos tais façanhas. Deixe-me dar uma espiada...
Enquanto isso, que tal ir trabalhando? — sugeriu sorrindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O jardineiro concordou
e foi pegar suas ferramentas. O dono da casa voltou a sentar-se para folhear
novamente o <i>Guinness</i>. Procurava novas informações.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Passados uns quarenta
minutos, o advogado saiu da sala e aproximou-se do jardineiro que, de joelhos,
arrancava ervas daninhas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Olha, Rui, está
difícil... Quase tudo exige muita força, ou rapidez, ou uma habilidade toda
especial. Afinal, são recordes. Você sabe dançar ou sapatear? — perguntou,
sorrindo, imaginando aquele pesado Fred Astaire sapateando e rodopiando com
cartola e fraque, enlaçando Ginger Rogers pela cintura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Sou muito pesado pra
isso, doutor... — admitiu sorrindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Há no livro também
menção de um campeonato de cuspe à distância, ou arremesso — com a boca, claro
— de semente de melão. Só que nos Estados Unidos. Não dá pra você ir lá, é
muito longe... Aqui no Brasil ninguém organiza essas besteiras. Há ainda um
recorde de banho contínuo de chuveiro. Durou 174 horas, em Indiana, no ano de
1972... Essa parece uma boa! Só depende de persistência, água e energia
elétrica. Que tal?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Vou pensar... —
respondeu, pouco interessado. — O que mais o senhor viu?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bom, se você ainda
fumasse — o jardineiro largara o vício há mais de três anos, sem recaídas,
porque tinha muita força de vontade — poderia tentar vencer o recorde de um tal
de Robert Reynard, da Inglaterra, em 1971. Com uma única tragada ele fez 86
anéis de fumaça!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não dá! Minha mulher
me mata, tanto ela insistiu para que eu não fumasse mais. Além disso, penso que
não conseguiria fazer mais de cinco ou seis anéis de cada vez... Desculpe dar
tanto trabalho... O que mais o senhor viu?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Um tal de Herbert T.
Waldren, aqui diz a cidade, mas não informa se foi na Inglaterra ou Estados
Unidos, ganhou oito vezes a disputa nacional intercidades de “gritadores”. Taí
outra coisa ao seu alcance! Isto é, não exige força muscular nem agilidade. Que
tal gritar horas e horas?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Essa até dá pra
pensar, mas não gosto de gritos. Nunca gritei, o senhor já deve ter visto. Então,
o que sobrou mesmo? Ah! O banho durante muitas horas<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Melhor dizer dias! —
corrigiu o advogado. — Mas vamos parar por aqui... Desse jeito, você não
termina o meu jardim. No próximo sábado, você me diz o que decidiu, tá bem?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Obrigado, doutor. No
próximo sábado a gente conversa de novo. Cobro hoje só a metade pelo trabalho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Nada disso. E mãos à
obra!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Desculpe, insisto!
Hoje eu trabalhei menos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado não quis
discutir mas pretendia pagar direitinho à esposa do Rui que obviamente exigiria
o pagamento total. Voltou ao quarto para trocar de roupa, meio chateado com a
quebra de sua rotina matinal de sábado, causada pela inusitada pesquisa. Entrando
no quarto, a mulher lhe perguntou: — Sobre o que tanto conversavam?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ele sorriu: — Você nem
imagina... Ele quer entrar no <i>Guinness Book</i>... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Você está brincando!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— No duro!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Fazendo o quê?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ainda não decidiu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Espero que não faça
alguma asneira... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ele tem, de fato,
uma grande qualidade, aliás a única necessária numa competição que só exija uma
tremenda persistência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ele é bom, educado, gosto
muito dele, mas é burro. Nunca imaginei que quisesse fama.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Burro? Ele cuida bem
do nosso jardim... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Também pudera! Sou
eu quem dou todas as dicas, quando é preciso modificar alguma coisa. É incapaz
de improvisações rápidas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Se ele tomasse
qualquer iniciativa no seu jardim, não sairia vivo daqui... Nisso ele é
inteligente... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não venha com
indiretas... Patrão tem que mandar e empregado tem que obedecer. Você tem
preconceito contra descendentes de alemão... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não acho que tenha.
Apenas acho que alguns de sangue germânico exageram nesse negócio de
disciplina... Por outro lado... Não, deixa pra lá!... Não vamos brigar, senão
você faz greve de sexo. E hoje à noite estou propenso aos atos introdutórios à
perpetuação da espécie. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No meio da tarde o
jardineiro se despediu. Mas não sem antes perguntar ao advogado se alguém tinha
batido algum recorde de comer ovos cozidos, dos quais gostava muito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Espera aí, acho que
sim, vou ver; lembro-me mais ou menos da página. — E, em poucos segundos, o
advogado localizou o parágrafo: — Aqui está: um belga, Georges Grogniet, comeu
44 ovos duros, sem pausas. Isso aconteceu em maio de l956... Mas vê lá, Rui!
Pode fazer mal ao fígado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não se preocupe... —
foi a resposta reticente do jardineiro, saindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Dois dias depois, na
segunda feira, por volta das oito horas da noite, a esposa do jardineiro, uma
mulher magra, alta, não feia, gestos decididos, veio sozinha até a casa do
advogado, pedindo para lhe falar. Ele acabara de jantar e assistia à televisão.
A visitante estava nervosa, até mesmo algo hostil. Era ela, já expliquei, quem
“gerenciava” a atividade do marido, fixando preços e organizando os dias de
atendimento da freguesia. Apesar da pouca escolaridade, era bem informada,
assistia aos noticiários e debates pela televisão e lia jornais. Todo o
dinheiro que ele ganhava ia para as mãos dela, que era econômica e sagaz no seu
uso. Mal se sentou, perguntou em tom de repreensão:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Doutor, gostaria de
saber o que o senhor sugeriu pro meu marido!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Eu?! Não sugeri
nada... — um leve temor se insinuou no seu espírito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Hoje de manhã, ele
nem foi trabalhar... Estava mal, muito mal! Cor de cera, quase desmaiando.
Dizia que a cabeça não parava de doer. Pensei até que ele estava envenenado
porque também vomitou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ele explicou porque
estava assim?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ele não dizia nada.
Acho que estava meio envergonhado. Desconfiada, achei, na lata de lixo, uma grande
quantidade de cascas de ovo. Dei um aperto e ele me contou que comeu mais de vinte
ovos cozidos! De uma enfiada só! Foi talvez mais de vinte porque depois dos
vinte, ele admitiu, se atrapalhou na conta e começou a ficar mal. Fez isso
quando eu estava na casa de minha mãe, senão eu não deixava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ele já melhorou?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Esteve no Pronto
Socorro. Deram uma injeção nele... Agora está em casa, deitado, branco e com um
mau hálito! Ele não acusou o senhor, mas falou que soube dos tais recordes pelo
senhor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— ... Bom, minha
senhora... Eu não tenho culpa ... O que aconteceu foi que ele ouviu uma
conversa que eu mantinha com minha mulher, na cozinha, isso no sábado. Ficou
impressionado, fazendo uma série de perguntas. Mas eu o desaconselhei a se
meter nessa estória.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Acontece que meu
marido, quando enfia uma coisa na cabeça... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mas o que eu podia
fazer? Não sou obrigado a conversar escondido dentro de minha própria casa.
Além disso, seu marido não é criança... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Em algumas coisas,
ele ainda é uma criança... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bem, podia ser
pior... Certamente houve apenas uma forte indigestão. E como é que eu podia
adivinhar que ele ia querer imitar aqueles malucos que aparecem no <i>Guinness</i>?
Por uma famazinha boba. Para saírem nos jornais, ou no tal livro, fazem coisas
incríveis!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ouvindo as palavras
“famazinha” e “jornais” os olhos delas, já grandes, pareceram crescer. Erguendo
as sobrancelhas, indagou: — Nesses recordes o prêmio é... em dinheiro?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Pelo que sei, não —
“Ah! a cobiça”— ele pensou, e prosseguiu — “mas, indiretamente, pode haver
algum proveito econômico, se contratado o vencedor para fazer comerciais na
televisão. Mas não aconselho ninguém a... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Televisão? — ela o
interrompeu novamente, os olhos ainda maiores. — Ele pode aparecer na
televisão?!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Calma, digo isso
como uma hipótese. Não é o que tem acontecido com frequência. Mas quem pode
impedir, por exemplo, que um laboratório fabricante de cápsulas de, digamos,
alcachofra, ou boldo do chile, ou algum antiácido, se lembre de fazer um
comercial em que o glutão, por hipótese, fale na tela como logo ficou aliviado,
tomando o remédio após comer demais?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Em suma, pode aparecer
algum dinheiro na jogada — ela insistiu... — Nesse momento um exame de fundo de
olho mostraria nela inúmeros vasos sanguíneos com formato de cifrão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Pelo que sei, ninguém
tenta bater recordes pensando diretamente no dinheiro... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mas o senhor, pouco
antes, disse que, “indiretamente” — frisou a palavra —, pode trazer dinheiro,
não é mesmo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ele fez uma pausa,
enquanto Helena, uns três metros distantes, fingindo mexer em alguns vasos, os ouvia
com expressão meio marota, olhos semicerrados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado suspirou,
espantado com a reviravolta nas preocupações da visitante: — O que a senhora
está pensando fazer? Seu marido pode até morrer numa tentativa dessas!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Bom, eu estava brava
porque não conhecia esse lado... mas, ué, se ele quer tentar, e se não for uma
coisa perigosa, por que não?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não é possível!
Agora, é a senhora que vai querer que ele se encha de ovos cozidos? O fígado
dele vai virar uma maionese!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— A decisão será dele,
apenas dele! E quem falou em ovos cozidos? Além do mais, duvido que desista,
porque ele nunca desiste, se não estiver fazendo alguma coisa ilegal. Meu
marido é um homem honesto. Mas se ele bater um recorde, nós vamos faturar! Ah,
vamos! Eu cuido da parte comercial! Vamos comprar uma casa melhor! Meu cunhado,
o irmão dele, são gêmeos, um espertinho vaidoso, vai parar de se exibir, todo
riquinho. Compraremos um carro decente! O senhor já viu o estado de nosso
fusca? Já nem anda sem empurrar! E ninguém quer comprar a carcaça. Para voltar
a andar seria preciso gastar um dinheirão! Eu também já disse ao Rui que se ele
ganhar dinheiro com um recorde ele poderá ajudar uns parentes dele que ganham uma
micharia. Isso reforçou a ideia dele de continuar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Levantou-se, excitada,
andando de lá pra cá, como uma tigresa enjaulada. Parando bruscamente em frente
do dono da casa, perguntou: — O senhor poderia me emprestar o tal livro, só por
uns dias? Já que o Rui é uma mula de teimoso, não custa nada fazer a coisa pelo
jeito certo. Se ele cismar — ele, não eu, veja bem! — sou eu quem vai escolher
o tipo de recorde! Alguma coisa que ninguém pensou mas que não o mate! Afinal,
não quero ficar viúva. Amo o meu marido. Tenho certeza que nunca me traiu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não posso emprestar.
Esse livro não é meu — mentiu. — Fiquei de devolvê-lo amanhã.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Que pena... Mas não
faz mal. Agradeço muito, doutor. Foi uma ideia e tanto do senhor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Espere aí! Eu não
dei ideia nenhuma. Está claro?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela nem pareceu ouvir.
Despediu-se rapidamente acenando aos donos da casa e se retirou com passadas
enérgicas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No dia seguinte, terça-feira,
um feriado, o jardineiro e sua mulher apareceram por volta das dez horas da
manhã. Pela janela, o causídico viu o casal e logo concluiu, aborrecido, que o
resto da manhã estava perdido. Era óbvia a finalidade da visita. Mas o que
fazer? Fingir que não estava em casa? Ele, quando advogado, em casos criminais,
zelando pelo interesse do cliente, mentia mais que o diabo mas, fora dos autos
era um homem amigo da verdade. Resignado, amarrou os sapatos, desceu a escada e
foi receber a futura celebridade e sua empresária. Convidou-os a entrar e
sentar da sala de visitas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Descobri! — foi a
primeira coisa que ela disse, entusiasmada, enquanto se sentava. — O Rui já
resolveu o que fazer. Só que precisamos da colaboração do senhor. Em troca, não
precisa mais pagar o serviço do jardim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Lá vem foguete! — ele
pensou, inquieto. Daquela mulher ambiciosa só poderia vir algum perigo.
Cauteloso, indagou: — Que tipo de colaboração?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Pensei, aliás
pensamos, em algo que ninguém pensou! É coisa de comer... Ou melhor, é coisa de
não se comer, mas agora vai ser comida. Adivinhe... Não, não dá pra adivinhar!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Olha, não me metam
nisso, por favor... Eu lhe peço... — Estava começando a achar graça nas duas
figuras mas levemente curioso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mas não tem nada que
possa prejudicar o senhor!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Então, por que
precisam de mim?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Como testemunha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Testemunha do quê?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Estávamos lá em
casa, pensando, pensando sem ideia, mas olhando casualmente para o fusca velho,
tive um “estalo”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Até agora, pelo que
sei, o único “estalo” que deu certo foi o do Padre Vieira —, brincou o advogado
tentando diminuir a tensão do diálogo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não conheço esse
padre... É da nossa paróquia? — ela perguntou, esforçando-se para ser educada,
mas nem um pouco interessada em doenças de velhos sacerdotes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Esqueça o estalo...
O que que tem o velho fusquinha?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— O Rui vai comê-lo! —
ela sorriu, triunfante, soltando a bomba e dando uma olhada rápida para o
marido, que parecia meio alheio ao diálogo, talvez ainda com o excesso de gema no
cérebro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Comer como? — pensou
não ter ouvido direito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Comer! Comer! Com a
boca!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mas como é que o Rui
vai comer o metal, o plástico? Não há dentes que resistam! Pense bem, as molas,
os para-choques!... Ou será que isso estará fora do cardápio? — ele insistiu em
brincar, amável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não, ele vai comer
tudinho: portas, trincos, direção, buzina — não, buzina não, porque já não tem
—, bancos, embreagem, breques, pneus, com câmara ou sem câmara, tanque de
gasolina, etc. Até as chaves, para impressionar, como se fosse um cafezinho...
Ah! — lembrou —, só não comerá os vidros porque pode cortar os intestinos dele.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— “Devo estar
sonhando...” — o causídico pensou, meio zonzo. Já se defrontara com muitas
situações estranhas, mas agora sentia-se como na presença de dois alienígenas.
Quem era o louco ali? Afinal, eram dois contra um. Estava em minoria. E nesse
momento Rui, o sensato, sorria amarelo parecendo compreender e aprovar tudo o
que sua mulher dizia — o que dava mais credibilidade ao projeto inacreditável.
Rui abriu a boca para dizer alguma coisa, mas a sua mulher não lhe deu tempo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ninguém pensou
antes! Cada pedacinho do carro, seja de ferro, plástico, borracha ou madeira,
será reduzido a pó. O Rui come uma porção cada dia e depois de algum tempo terá
comido todo o fusca. É ou não é? Comeu, não foi? Quando alguém diz que comeu um
frango inteiro, não quer dizer que o frango desceu pela goela do jeito que saiu
do forno.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Realmente... —
vacilou o advogado, vencido pela imaginação e lógica infernal da ambiciosa
incansável. Mas era inevitável uma objeção: — Mas como vocês vão reduzir tudo a
um pozinho diário?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Isso já está
resolvido! Um primo do Rui trabalha numa metalúrgica perto da nossa casa. Na fábrica
e na casa desse primo há o maquinário que preciso. Com serra elétrica e outros
aparelhos tudo será reduzido a pó. Eu até pensei em colocar o pó dentro de
cápsulas, para engolir mais fácil, mas aí já não teria aquele “tchã”! Além
disso, as pessoas iam desconfiar que estavam sendo enganadas com cápsulas de
farinha de trigo. Todo fim de dia, dez minutos depois de parar a fábrica, um
operário corta um pedaço do fusca, como se fosse um bifinho, e depois o
tritura; após o que o Rui engole, com água; ou leite, que é mais sadio. O que
acha do plano?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado, tomado de
súbita melancolia, não sabia o que achar. Aí, lembrou-se do início da conversa:
— Em que eu entro nisso tudo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Como as testemunhas,
na metalúrgica, são apenas operários, gente simples, pensamos em arranjar uma
testemunha instruída. O senhor, pelo que sei, dá aulas numa Faculdade. Além
disso, saberá como lidar com a papelada, registrar num cartório o começo da
demonstração, a primeira engolida. Aparecer em fotos, apoiando, sorrindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— “Continuo
sonhando...”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— O senhor também
merece aparecer. Afinal, deu a ideia. Pensei, digo, pensamos, em convidar um
juiz de direito, o Dr. Salvador — o Rui cuida do jardim da casa dele —, mas o “importantão”,
orgulhoso, cheio de vento, nem bem acabei de falar, já deu a bronca. Ficou todo
assustado, pedindo pra não envolver o nome dele “nessa loucura”. Parecia até
que eu estava convidando ele pra roubar um banco. Sujeito grosso! Quando eu
insisti, tentando convencê-lo, quase nos expulsou da casa dele. Acho que o Rui
perdeu o freguês.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Dr. Paulo sabia que
tinha de protestar mas faltava-lhe ânimo. Nascera, infelizmente, com doses
exageradas de bondade, curiosidade e paciência — quantos réus defendera sem
nada cobrar? — e não queria ofender aquela toupeira de saia, que pensava em
nomeá-lo chefe do departamento jurídico e de marketing do grotesco projeto.
Principalmente não queria desanimar o já desanimado Rui, que o observava com
humilde ansiedade. Tinha pena dele. Como fechar àquele bondoso frustrado o
acesso a um sonho de fazer algo nunca feito antes?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Com muito cuidado, o
advogado explicou a eles que o máximo que poderia fazer era redigir uma
declaração, assinada pelos dois e mais uma lista de testemunhas — sem pôr o
nome dele, advogado, de jeito nenhum! — mencionando o objetivo específico da
façanha, levando depois tal declaração a um cartório, para registro. E,
terminada a façanha digestiva ele poderia declarar o que sabia a respeito da
sua veracidade. Mas frisou que de forma alguma queria ver na imprensa o seu
nome associado a esse tipo de coisa. Insistiu que, se soubesse que seu nome
estava sendo ligado a tal “empreendimento”, não daria declaração alguma a
respeito. E cortariam relações.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela concordou, um tanto
surpresa com essa reação. Esperava mais entusiasmo da parte dele. Em seguida, o
casal se retirou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nem bem haviam
transposto o portão o advogado já estava arrependido, sentado na sala de visita.
Quase correu atrás para tomar alguma providência. Mas parou a tempo. Cedera,
mais uma vez, à sua “fraqueza”, na definição da esposa. Ela costumava
censurá-lo por manter a sua palavra em promessas bobas que ninguém, nem mesmo
remotamente, se sentia obrigado a respeitar. Nesse item de compromisso com a
palavra dada ele sentia uma certa solidariedade, ou identidade com o bondoso
jardineiro. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Quando sua mulher
chegou, pouco depois, ele lhe fez um resumo da conversa que acabara de ter com
os dois.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Que loucura! Um
avestruz sem asa! — foi o comentário entre abismada e divertida, talvez ainda
não inteiramente convencida da realidade daquela intenção. Perguntou brincando:
— Ele vai engolir a seco? Nenhum vinhozinho para empurrar?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Ela diz que o Rui
vai engolir com leite, por ser mais sadio... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Muito sadio!
Claro!... Olha, se você for preso por homicídio, não vou nem te visitar na
cadeia! Você tinha é que proibir! Proibir! As pessoas não podem ter liberdade
demais! Não vê que esse cara é meio retardado?! A mulher dele não passa de uma
assassina ambiciosa!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mas como é que eu
poderia impedir?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Dizendo que é
proibido! Mentindo, ameaçando avisar a polícia! E o nobre estudioso do Direito
ainda ficou de redigir uma “declaração!” — ela revirou os olhos e fez um gesto,
girando o dedo indicador em torno da orelha, como que dizendo que a inteligência
do marido não ia muito além da do jardineiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Aí o advogado se
encheu. Mandou ela deixar de ser besta, presunçosa, e outras “cositas más”. Pôs
em dúvida sua competência como professora, dizendo que em lugar de ela estudar
mais para ensinar melhor — era um contra-ataque às críticas dela de que ele lia
demais — finge <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ensinar, organizando
seminários em que os “jumentinhos” — eram os alunos — zurravam opiniões
superficiais ou escoiceavam as máquinas de escrever, enquanto a “ignorantona” —
a alemã era alta, parecendo ainda maior quando nua — ficava sentada ali do
lado, na maciota, as pernas grossas cruzadas, postura de sábia, satisfeita com
a própria ignorância. A discussão foi pesada. Mas para evitar que ele se
casasse de novo, estando ela ainda viva, a mulher resolveu não tocar mais nesse
assunto. Reconheceu que a falha do marido era ser bom demais, algo raro no
mundo, hoje e sempre. Conteve a língua, pediu desculpa e uma hora depois já
estavam de bem. Até mesmo em excesso, sem roupa, embolados na cama, maravilha
doméstica concebida pela humanidade para o sono e a reconciliação dois casais. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Na véspera da “grande
largada”, ou “Big Engolida” — conforme escrito na faixa estendida — o Rui veio
até a residência do advogado, pedindo-lhe encarecidamente que não faltasse e
não esquecesse de escrever, no mesmo dia, a tal declaração, uma espécie de ata
dos trabalhos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado compareceu ao
evento sem nenhum entusiasmo. Era um sábado, assim escolhido porque a fábrica
não funcionava nesse dia. O irmão gêmeo do Rui, aquele precipitado bebê
mergulhador, também estava presente, sem a esposa, exibindo o carro novo,
sorrindo de forma condescendente, discretamente dando a entender que seu irmão
era um pobre diabo, precisando de um apoio moral. Ele fora convidado contra a
vontade da mulher do Rui. Havia entre os dois uma velha rivalidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A notícia da “largada”
causara certa sensação na redondeza. A mulher do herói só não cobrou ingressos
porque o advogado disse que isso seria ridículo e diminuiria muito o número de
testemunhas, dificultando depois a comprovação do recorde. Ela concordou, mas
revoltada com esse desperdício de dinheiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Dirão que exagero, mas
a mulher do engolidor queria corneta e fanfarra. Foi o próprio Rui quem, num
surto de bom senso, se opôs. A modéstia estava entranhada na sua natureza.
Queria aparecer no tal livro, claro, ser famoso, mas discretamente, como convém
a um grande homem. Apenas o seu nome, não sua cara, sua pessoa, algo como mulher
barbada de circo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A esposa do jardineiro
leu em voz alta um breve discurso escrito por um mau estudante de jornalismo —
o advogado ficou aliviado por não ter sido solicitado a escrever as bobagens — frisando
que seu marido pretendia entrar para o <i>Livro dos Recordes</i>, realizando “uma
façanha jamais tentada”. Ressaltou que, com esse feito, o Brasil iria aparecer
um pouco mais “no concerto das nações” e que esperavam terminar o
“empreendimento” em determinado mês, calculando-se a ingestão de trezentas
gramas de fusca por dia. Admitiu que o feito comportaria algum risco, claro, mas
que “o valoroso espírito humano” suplantava todas as dificuldades. Nessa hora o
irmão do jardineiro controlou a boca para não rir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Terminado o discurso,
um operário, com solenidade, cônscio de sua alta responsabilidade, velho amigo
do casal, cortou com uma serra elétrica um pedaço do para-lama traseiro, a
“mordida inaugural”. Em seguida, moeu o “bifinho” numa máquina ruidosa, situada
poucos metros distantes do fusca. Para onde se movimentava o “cirurgião”, todo
mundo ia grudado atrás, curioso ou rindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O carro a ser digerido
estava bem lavado. A incansável empresária que, preparando suas saladas
habituais, lavava meticulosamente o tomate e o alface, não poderia agora agir
diferentemente, permitindo que o maridinho comesse metal ou plástico não
escrupulosamente limpos. O fusca só não estava encerado, ela explicou, porque a
graxa, oleosa, poderia atacar o fígado do campeão, sensível a gorduras desde
sua experiência com os ovos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Encerrada a trituração,
o Rui engoliu a primeira colherada. A farofa metálica foi empurrada, goela
abaixo, com um copo de leite. Aí, ele ficou piscando, expressão assustada, temendo
que pudesse ocorrer alguma reação formidável. Mas nada aconteceu de imediato, e
a pequena assistência, umas trinta pessoas, vendo que ele não caia duro, bateu
palmas e soltou vivas. Exceto o advogado, que reconhecia tardiamente o acerto
da própria esposa nas suas críticas quanto à sua conduta omissa naquele
festival de asneiras. Ele poderia ter abortado a coisa no seu início, até mesmo
mentindo, se necessário. Agora era tarde. O “trator” estava em movimento.
Aliás, os dois tratores de duas pernas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Três dias depois, o
advogado teve uma súbita reviravolta na sua vida profissional. Um grande amigo
dos tempos de Faculdade, de família riquíssima, presidia, após o falecimento do
pai, o conjunto das empresas da família, em outro estado, bem distante.
Precisando reorganizar o departamento jurídico das empresas, com diretores
investigados por crimes financeiros — chefiado até então por um advogado que,
ultimamente, sentia mais prazer no convívio com as garrafas do que com os
códigos e autos do processo — esse amigo pediu ao Dr. Paulo que se incumbisse
dessa reestruturação, que demoraria algumas semanas. Como a remuneração era bem
convidativa, o advogado aceitou o convite, mudando-se provisoriamente para
outra cidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Com essa mudança o
advogado perdeu contato com o jardineiro. Até mesmo se esqueceu do assunto,
pensando, certamente, que logo, logo, o jardineiro, tão sensato — e,
felizmente, de fígado sensível, pelo menos a ovos — desistiria do absurdo
projeto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Ocorre que sua tenaz empresária aparentemente não nascera para desistir
de coisa alguma; principalmente considerando que o estômago posto à prova não
era o seu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Segundo relatos posteriores, o jardineiro, alguns dias depois da
largada, começara a emagrecer, adquirindo uma cor meio esverdeada. Quis desistir,
após deglutir o para-choque traseiro — o carro seria comido de trás para a
frente, como se fosse roído. Depois seriam a carcaça, chassis e motor. Mas a
mulher não permitiu. A parte mais indigesta da competição, parece, tinha sido o
pneu. Não obstante fosse a borracha uma “comida” muito menos dura que o motor —
pela lógica, em termos de rigidez, equivaleria a um pudim preto — algo havia,
em sua composição química, que agredia as tripas e demais órgãos digestivos do
esforçado Pantagruel.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Depois de um mês e
meio sem contato com o jardineiro, o advogado voltou à sua cidade,
discretamente, preferindo nem saber do andamento da grande façanha digestiva,
mas três dias depois recebeu, à noite, a visita da mulher do jardineiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela estava bem murcha:
— Deu zebra! — foi a primeira frase dela. — Ele não pode continuar... Agora,
sou eu que não quero que continue... Houve um momento em que ele quis parar,
mas eu não deixei. Afinal, depois de tanto esforço! Agora é o contrário. Ele
quer ir até o fim, mas já vi que não aguenta. Perdeu uns vinte quilos e tem uma
caganeira atrás da outra. Tudo de repente, depois que comeu o primeiro pneu.
Não entendo! Um veneno, esses <i>Firestones</i>! Deviam ser proibidos! O Rui
sente dores do lado esquerdo e do lado direito. No começo, só sentia azia, mas
agora queixa-se de “nós” que o fazem retorcer-se na cama, gemendo como um
torturado. Não quer ir ao médico porque pensa que o cara vai mandar ele parar
com tudo... Depois de tanta luta?... Penso que foram os malditos pneus que
fizeram mal. Para o senhor ver: justamente a parte mais molinha, o filé <i>mignon</i>
do fusca. O senhor não poderia visitar ele? Quem sabe ele ouve o senhor... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Minha senhora, é
preciso que pare tudo imediatamente! E se ele morrer?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— É o que eu digo pra
ele! Pelo menos uma pausa de um mês, para descansar o estômago e as tripas! Mas
não quer parar... Diz que falta pouco, só um pneu dianteiro e os bancos. Mentira
dele, falta muito mais! O motor ainda está lá, vi ontem! Mas quem sabe ele ouve
o senhor. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado resolveu
fazer a visita imediatamente. Avisou a sua mulher que ia sair e partiu no seu
carro, acompanhado da mulher do Rui.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A casa do jardineiro
era própria, modesta e pequena, mas limpinha e bem cuidada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Quando entraram, o Rui
estava meio deitado num sofá, de frente para a televisão, tendo a seu lado
vários frascos e caixinhas de remédio, a maior parte antiácidos e remédios para
o fígado. Havia também remédios contra excesso de gases e mezinhas
“digestivas”, feitas de ervas. Perdera muitos quilos e sua cor era terrosa. Até
o cabelo dele estava desaparecendo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado procurou
disfarçar a sua péssima impressão. Fingiu otimismo e despreocupação.
Conversaram vários minutos, isto é, o Rui quase só ouvindo, falando, com ar
cansado, tanto sobre o motivo da ausência do advogado quanto sobre os rumos da
“competição” solitária.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Então, Rui, acho que
você precisa parar. Já realizou um feito notável... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Mas faltam dois
pneus e o para-choques... — ele o interrompeu, fraco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Você está um pouco
abatido... Não precisa exagerar... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nesse momento, a
empresária se intrometeu para dizer que, com exceção de um determinado operário
da metalúrgica, muito mesquinho, invejoso, que fiscalizava com certa frequência
a proeza — torcendo para que ela fracassasse —, poucos conferiam o andamento da
coisa. Assim, não teria importância se, nos dias em que o tal “fiscal” não
estivesse presente, fosse mencionado, falsamente, que o Rui tinha comido um
tanto a mais do pneu, sem que isso fosse verdade. Afinal, ela argumentou,
comparando com o total do fusca, dois pneus era uma “mixaria”. E essa variação
no tamanho do restinho do fusca já não seria percebida pelos agora raros observadores.
Em razão das crises gástricas do Rui — o que emprestava um tom dramático à
façanha — este já não mantinha um ritmo regular de deglutição, como ocorrera no
início da prova. Em suma, ela não via “nada demais” em fazer uma
“malandragenzinha”, perfeitamente justificável, tendo em vista o tamanho do
fusca e o estado de saúde do marido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não concordo! —
guinchou alto o Rui, tentando ficar de pé, cambaleando. O visitante jamais o
vira tão feroz contra sua mulher. No geral, o jardineiro era um banana, dominado
pela esposa. — Ou eu faço tudo certo, ou desisto! Não vou mentir! Quando eu
quis parar, você não me deixou! Agora, vou até o fim!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A mulher ainda tentou
argumentar, mas o marido, irreconhecível na sua indignação, varreu com o braço
os frascos e caixinhas de remédio sobre a mesinha. Com o movimento quase caiu.
O advogado o segurou, dizendo que ele tinha razão e que tudo seria feito
direitinho. Em voz baixa, aconselhou a mulher a não falar mais. Ela se retirou
de cabeça baixa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Não desisto! Não desisto!
E não vou enganar ninguém! — ele gritou, desesperado, para que a mulher também o
ouvisse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado esperou que
se acalmasse e sugeriu que apenas suspendesse a prova por alguns dias, só para
um exame de saúde. Explicou que, mesmo havendo uma pausa, o fusca seria comido
inteiro, realizando-se a façanha. Nunca fora prometido que não haveria qualquer
pausa. E ele redigiria o relatório ou carta para o <i>Guinness</i>, explicando
que tudo fora feito certinho, sem fraudes. Esse argumento de que haveria apenas
uma “pausa para descanso”, não uma desistência, pareceu convencer o Rui.
Aceitou um exame médico — que até acrescentaria credibilidade e dramaticidade
ao feito. E o andamento da prova foi suspenso oficialmente por quinze dias.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No dia seguinte o
advogado conversou com um médico gastroenterologista, seu amigo e com muita
seriedade explicou o que ocorria. O médico ouviu o relato, de início com ar de
troça— como se ouvisse uma longa piada — mas ficando mais sério à medida que
era informado da péssima aparência do competidor. Solicitou uma endoscopia e vários
exames, tudo pago pelo advogado. Poucos dias depois, com os resultados em mãos,
chamou-o para lhe dizer, pesaroso, que não havia qualquer dúvida quanto ao fato
de o jardineiro estar em péssimas condições, com risco de morte. Mencionou
câncer e outros problemas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— Tudo causado pela
ingestão do fusca? — perguntou o advogado, com remorso por não ter impedido a
loucura logo no início.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O médico ergueu os
ombros: — Só pode ser! Na literatura médica não encontrei estudos — nem sérios
nem mesmo “brincalhões” — sobre alguém “comer um automóvel”, uma louca
excentricidade. Poderia continuar procurando, mas não espero encontrar estudos médicos
sobre uma besteira dessas. A humanidade usa, mas não come automóveis. Tenho
muitos pacientes que só comiam do bom e do melhor e morreram de câncer. Mas
seria temerário dizer que essa extravagância do teu jardineiro não contribuiu
em nada para tal desfecho. Não faz parte do comportamento normal do ser humano deglutir
automóveis. Nenhum cientista vai perder seu tempo estudando e escrevendo sobre
o efeito do metal, do plástico, da borracha, etc. Para fazer um estudo sério
seria preciso arranjar cobaias, ratinhos que jamais comeriam metal, plásticos. Quanto
às cobaias humanas, quem concordaria com tais experimentos? Sabe se ele comeu
também a bateria? Aquilo é puro ácido...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Não sei, penso que sim,
mas só o metal. O ácido não faz parte do carro, nem o combustível. O que lhe
pergunto é: o que pode agora ser feito? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— De efetivo, nada. Há
vários focos espalhados: pâncreas, intestino grosso... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— E a quimioterapia?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>— ... Só para retardar
o desfecho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Depois disso o
advogado foi para sua casa. Sentia-se moralmente culpado, como que responsável
pela doença de um deficiente mental. Não culpava mais ninguém, além dele mesmo.
Nem mesmo a mulher do jardineiro. Afinal, era uma mulher ignorante. De fato,
nesse caso, como dizia a “alemã”, a liberdade fora um mal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>À noite, conversando
com Helena, esta, com o senso prático habitual, mudou completamente o enfoque
anterior. Disse ao marido que não havia porque sentir-se responsável, pois não
tomara nenhuma iniciativa. Até desestimulara a façanha. Mas, embora sob um
ponto de vista estritamente lógico ele pudesse provar claramente a si mesmo que
não era o responsável, persistia a sensação ruim. Poderia, por exemplo, ter
dito que o <i>Guinness</i> já não aceitava mais tais recordes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O problema agora era
dizer ao Rui que ele estava condenado a morrer brevemente. Ou melhor, esconder
o fato. <span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Pouco menos de um mês
depois, o advogado fez nova visita ao teimoso casal. O jardineiro estava ainda
pior, mas, deitado, contou com orgulho que completara a prova. “Acelerara” os
trabalhos, comendo “o restante”. A placa foi o último prato, simbolicamente.
Terminara a tarefa no dia anterior, com uma festinha regada a refrigerantes e
salgadinhos. O próprio Rui comera alguma coisa, vomitando pouco depois no
banheiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O advogado nada
revelou ao doente sobre a conversa com o médico — disse que ele ainda estudava
os exames — e explicou que no dia seguinte iria preencher a “proposta de
homologação de recorde”, que encaminharia à direção da editora competente. Em
casa, logo depois, além de preencher o formulário, redigiu uma longa carta,
salientando o feito e até mesmo explorando o sacrifício pessoal do jardineiro.
Terminada a carta, pensou se não seria melhor tentar antes um contato pessoal
com algum advogado que cuidasse dos interesses da editora do Livro dos Recordes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Depois de uma série de
telefonemas ficou sabendo que a empresa não tinha mais interesse em divulgar
tais extravagâncias, muito lesivas à saúde. E mesmo que não prevalecesse essa
política, a façanha do Rui não era a única nem a maior. Já haviam comido um
avião “Cessna”, uma televisão, alguns carrinhos de supermercado, uma bicicleta,
uma máquina de escrever e outros bens móveis.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Rui agora definhava a
olhos vistos, na reta final, mas sempre ansioso de uma resposta. Queria saber,
afinal, quando ia aparecer no <i>Livro dos Recordes</i>. Quando das visitas do
advogado, recebia-o com olhos vítreos, já convivendo com a morte. Quando seu
nome estaria na imortalidade das coisas impressas?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A pressão daqueles
olhos levou o Dr. Paulo a transigir com a ética e o Código Penal. O homem tinha
que morrer feliz! Assim, forjou uma carta do <i>Guinness</i> dirigida ao Rui,
dizendo que ele conseguira o recorde a que se propusera. O título seria <i>O
Homem do Estômago de Aço</i>. Nome e façanha estariam na edição do ano
seguinte. Até lá, a simpática carcaça do jardineiro estaria enterrada há muito
tempo. Era uma falsidade ideológica sem nenhum dolo. Mas, assim mesmo, seu
autor cuidou de obter a concordância prévia, por escrito, da mulher do
jardineiro. Se não o fizesse, não tinha certeza de que futuramente não seria
réu numa ação de indenização, movida pela ambiciosa “empresária”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A mulher do jardineiro
leu a carta para o marido, em voz alta, com acentos solenes. Imóvel, o Rui
apertava os dois braços da poltrona, dir-se-ia com medo de flutuar, tamanha a
felicidade por figurar no livro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Dois dias depois o
jardineiro faleceu. O advogado chorou ao ser avisado, coisa que não fazia há
anos. Sua esposa, a “alemã”, sempre fria, objetiva, apenas engasgou, com os
olhos vermelhos. Além do choro, Dr. Paulo teve, nessa noite, um sonho bastante
nítido: “via” a alma esfumaçada do infeliz jardineiro subindo ao céu sendo ali recepcionada
por um velhinho barbudo e sorridente — devia ser São Pedro —, que segurando amavelmente
sua mão o perdoava pelo pecadilho da vaidade. Tão acolhedor se mostrava o santo
porteiro que até mesmo brincava, fingindo esconder, atrás das costas, com a
outra mão, a chave de bronze da porta do céu, preservando-a do apetite de um
santo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;">Este conto faz parte do livro "Tragédia na Ilha Grega" que será lançado em breve.</span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; font-weight: normal;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+Cesar+Pinheiro+Rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=2A69H9S1XS2SA&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C180&ref=nb_sb_noss" target="_blank">Conheça meus outros livros <br /><span> </span><span> </span><span> Amazon.com.br </span></a><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="tab-stops: 22.7pt; text-align: justify; text-indent: 36pt; text-justify: inter-ideograph;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /><span> </span><span> </span><span> oripec@terra.com.br</span><br /></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-5116260362740140552022-09-07T07:41:00.003-03:002022-09-07T07:41:22.540-03:00A ridícula perseguição contra Sérgio Moro<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYFSNrLvmpkNGa03pJXDJHWWIlQTnt7XPWd9-PZuEVxx0EOMP-LqWXqEb1pE6Gs-7TYzp6BTrpAxO-lFMj03U1dLoi49P0k5BK0EmYDDl-Nw8r3huwAUAymJcMmE_YEPpQGFUeiK6jw9YL5CSBIUFK57biZJ-rWhHYS5SqEA5DHJwT4AV6GvcE_1_7/s1500/R.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1500" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYFSNrLvmpkNGa03pJXDJHWWIlQTnt7XPWd9-PZuEVxx0EOMP-LqWXqEb1pE6Gs-7TYzp6BTrpAxO-lFMj03U1dLoi49P0k5BK0EmYDDl-Nw8r3huwAUAymJcMmE_YEPpQGFUeiK6jw9YL5CSBIUFK57biZJ-rWhHYS5SqEA5DHJwT4AV6GvcE_1_7/s320/R.jpg" width="320" /></a></div><p class="MsoNormal" style="margin-right: 42.5pt; text-align: center;"><span style="font-size: x-small;"> Foto divulgação</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">A
pedido do PT, PCdo B e PV a justiça eleitoral do Paraná fez, no dia (03/09/2022),
em Curitiba, uma busca e apreensão no apartamento de Sérgio Moro, buscando
“material de campanha irregular”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">O
ex-juiz, no momento tenazmente hostilizado por seu combate à corrupção — a que
ponto chegamos... — mas que mereceria liderar a chamada “terceira via” na
eleição presidencial — acabou figurando, modestamente, como candidato a senador
pelo seu Estado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Provavelmente
sem recursos para alugar um imóvel, mobiliá-lo e contratar funcionários, para
curto espaço de tempo — ele não é um político profissional —, Moro declarou seu
apartamento residencial como sendo seu “comitê eleitoral”. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Diz
o jornal Estadão de hoje, 04, que as equipes da justiça eleitoral “não
encontraram ‘grande’ volume de material, além de “santinhos” (folhetos com o
rosto e nome do candidato e de seus suplentes). Segundo a autoridade eleitoral
que determinou a busca, “o material apreendido está em desacordo com a
legislação por não mostrar o nome dos suplentes na proporção exigida pela
legislação eleitoral”. Inacreditável: só porque o nome de Sérgio Moro foi
impresso com fonte (letras) maiores que aquelas usadas nos nomes de seus
suplentes, um advogado e um empresário. A notícia não explica se os dois
suplentes julgaram-se prejudicados com essa diferença de tamanho, muito usual
na propaganda eleitoral. Anote-se que eleitores de deputados e senadores
geralmente pouco se interessam em saber os nomes dos suplentes. E, no caso,
havia os nomes deles, embora em menor tamanho, detalhe muito comum na
propaganda eleitoral.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Segundo
Moro, a diferença gráfica no tamanho das letras seria, talvez, no máximo, uma
irregularidade. Nada justificaria a invasão de seu apartamento. Diz que a
apreensão foi um ato de intimidação, sensacionalista, lembrando “uma investigação
criminal”, para quem lê apenas as manchetes. No momento da busca e apreensão
dos “santinhos” estava presente, por acaso, apenas a filha do ex-juiz. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">A
que ponto de distorção chegamos com a politização da justiça eleitoral...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Sérgio
Moro foi um herói da magistratura. Competente, inovador e corajoso, no combate à
corrupção. Utilizou, com habilidade, uma legislação desatualizada, impotente
contra os sofisticados crimes do colarinho branco. Percebeu que sem a “delação
premiada” jamais poderia reprimir os crimes financeiros em que o dinheiro da
corrupção muda de bancos, de “laranjas” e e de países com a maior facilidade. Pensa,
como muitos magistrados de valor, que o juiz não pode ser um bobo passivo,
mecânico, desinteressado da verdade real que lateja, querendo aparecer. Não é
raro, na justiça, que culpado compre pessoa para assumir crime que não cometeu.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Se a acusação ou a defesa se mostra deficiente,
ou intimidada, o juiz tem o direito e a obrigação moral de solicitar
informações, determinar diligências, reinquirições para que sua decisão coincida,
o máximo possível, com a verdade. Os inimigos “garantistas” de Moro —
preocupados apenas com o interesse de seus generosos clientes — raciocinam da
seguinte forma: “Se Moro, na fase de investigação, não tivesse, ‘abusivamente’ prolongado
por semanas a prisão temporária, prorrogável, ou preventiva, dos delatados
talvez nenhum investigado teria sido condenado — ou nem mesmo denunciado <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>na justiça — porque nem o MP nem Moro teriam
como saber detalhes jurídicos essenciais para uma condenação criminal: os nomes
completos dos comparsas, os valores mencionados pelos delatados, as datas de
pagamento — em espécie ou por transferência eletrônica —, nomes dos bancos, no
Brasil e no exterior, conta-correntes de quem pagou e quem recebeu, os nomes
dos “laranjas”, etc. A tecnologia bancária e informática evoluiu muito mais
rápida que a justiça criminal. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Sem
acesso a esses “detalhes”, nenhum investigado seria condenado, apenas porque
alguém “disse” que Fulano é corrupto. Ressalte-se que feita a delação pelo
cúmplice, sua denúncia é investigada, “preto no branco”, e também com
depoimentos elucidativos. Nenhum desembargador manteria a condenação do juiz
Moro com base apenas no que “fulano disse”. Somente depois de conferida a
veracidade da delação é que o delator recebe, em troca alguma vantagem
judicial: um abrandamento da sua pena. Por causa das delações, várias dezenas
de bilhões de reais já foram devolvidos. E outros bilhões, futuros, constantes
nos acordos de leniência, terão que ser pagos, nos prazos convencionados no
acordo, a menos que o judiciário decida, vergonhosamente, que, com a decisão de
que as ações penais deveriam ter sido julgadas em outro foro, as delações e
confissões, não mais valem. Com a vergonhosa decisão suprema que “anulou tudo”,
os crimes confessos prescreveram. Se os réus delatados confessaram e devolveram
os milhões recebidos como alegar inocência? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Um
grande azar aconteceu no Brasil com a discórdia entre Jair Bolsonaro e Sérgio
Moro. Ambos agiram com precipitação, mas o mais prejudicado foi Moro. Os
detalhes sobre a divergência ocupariam um enorme espaço neste texto. Espero
apenas que ambos seja eleitos na próxima eleição, porque são honestos, sinceros
e corajosos. Como a desonestidade e a criminalidade neste país é, às vezes, até
vista com certo respeito, pela impunidade conseguidak, é preciso um perito, Sérgio
Moro, no Senado, explicando como atualizar as melhores técnicas jurídicas de
combate aos crimes. Ele entende disso como poucos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Francisco
Cesar Pinheiro Rodrigues<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;">Desembargador
aposentado<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;"><a href="mailto:oripec@terra.com.br">oripec@terra.com.br</a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=36UKBC87FOZKQ&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C181&ref=nb_sb_noss">Conheça
meus livros, basta clicar aqui</a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>(05/09/2022)<o:p></o:p></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-39561795446673934462022-08-29T17:55:00.002-03:002022-08-29T17:55:26.476-03:00 AUTÓPSIA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjN4L0MG2YSHLr3K5vY2zSVOxgH-MZs4iYKuJ3zHcfkWnvFbmiDtmN2NFpP9dwnghfV8kRJZZh7pFWEdNqDGayNgFz4xgP2nan-Kz8isRELfubwcOWerhNqUniQ8itzFeESJYjlCUJC1d_K8nzr5pWioogZlMBSOonvAl1TsHU9DpbZ-v6yLlnQvwkd/s1200/aut%C3%B3psia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-size: x-small;"><img border="0" data-original-height="509" data-original-width="1200" height="170" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjN4L0MG2YSHLr3K5vY2zSVOxgH-MZs4iYKuJ3zHcfkWnvFbmiDtmN2NFpP9dwnghfV8kRJZZh7pFWEdNqDGayNgFz4xgP2nan-Kz8isRELfubwcOWerhNqUniQ8itzFeESJYjlCUJC1d_K8nzr5pWioogZlMBSOonvAl1TsHU9DpbZ-v6yLlnQvwkd/w400-h170/aut%C3%B3psia.jpg" width="400" /></span></a></div><span style="font-size: x-small;"> Foto divulgação </span><span style="font-size: 12pt; text-align: justify; text-indent: 36pt;"> </span><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">O despertador de Roland, criminalista dublê de escritor,
tocou às cinco e quinze da manhã. A</span><span style="font-size: 12pt;">cendeu a luz do abajur de leitura e
olhou para sua mulher, que está acordada mas permanece imóvel, olhos fechados. Tem
sofrido de insônia e geralmente dorme tarde. Não pretendia se <span style="letter-spacing: -.1pt;">levantar tão cedo mas lembrando-se vagamente do
motivo do marido estar acordado pergunta: — </span><span style="letter-spacing: -.25pt;">Por que, mesmo, você vai sair?</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.2pt;">— Quero presenciar uma autópsia. Tem que ser hoje, já está combinado. Como sou
um escritor da escola realista quero ver a coisa pessoalmente</span><span style="font-size: 12pt;">. Não basta
imaginar. Preciso dos detalhes, para meu próximo capítulo.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Você já sabe quem vão autopsiar?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Não. Pretendo ver duas dissecações. Uma de homem <span style="letter-spacing: -.1pt;">e outra de mulher. Ainda não sei bem se na minha
estória vou esquartejar macho ou fêmea. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.1pt;">Roland, às </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.3pt;">vezes, abusa no humor negro, conversando com a mulher, </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.35pt;">justamente porque ela não aprecia seu </span><span style="font-size: 12pt;">estilo literário e é bastante
franca. Pensa que ele não precisa “apelar”, para encontrar leitores.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Você <span style="letter-spacing: .6pt;">tem</span> certeza
de que o público aprecia essas barbaridades?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— </span><span style="font-size: 12pt;">O público masculino em geral gosta, mas é preciso, para
compensar, caprichar no estilo, injetando no açougue literário um pouco de
filosofia. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.3pt;">—<i> </i>Não seria um desequilíbrio
emocional desses </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.2pt;">leitores?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Todo mundo é mais ou menos desequilibrado, querida. Não
existe gente mais adoidada que certos psiquiatras, por <span style="letter-spacing: -.35pt;">exemplo. O perigo, neles, é que qualquer pessoa, bastando ser capaz de
falar, pode ser enquadrada numa anormalidade. Se, por outro lado, é reservado
demais, “aí tem coisa...”. Um camarada “certinho em extremo” revelaria, só por
isso, “algum problema”, a ser investigado.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;"> Uma hora depois
Roland está entrando no necrotério. P</span><span style="font-size: 12pt;">ergunta a um funcionário <span style="letter-spacing: -.3pt;">onde fica sala do Dr. Moraes, seu amigo e
ex-cliente. Sem sua autorização, não
poderia assistir aos exames. Essa autorização já fora concedida. Minutos depois
aparece o médico. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.45pt;">— Ora viva! O nosso Zola brasileiro. . .
— disse o Dr. Moraes, </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.3pt;">bem-humorado, rosto redondo, corpo
atarracado, óculos </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">de metal cinza. — De olho na Academia,
hein? </span><span style="font-size: 12pt;">Já comprou o fardão?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.25pt;">— O fardão me prejudicaria, tiraria
minha liberdade. Para impressionar os acadêmicos, teria que retocar demais o
que escrevo — respondeu Roland apertando-lhe </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.1pt;">a mão. —
Como é? Estou pronto para o massacre.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Que tipo de necropsia quer ver?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.1pt;">— Que tipo como? Há diferenças?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.1pt;">— Claro, depende da finalidade. Bom, se
não há </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.25pt;">especificação, eu escolho. Você vai assistir à necropsia
de duas </span><span style="font-size: 12pt;">pessoas que morreram sem assistência médica. Geral<span style="letter-spacing: -.25pt;">mente gente sem recursos. Para enterrar é preciso
</span></span><span style="font-size: 12pt;">verificar a "causa mortis". Se a morte foi violenta, ou suicídio, é
preciso uma necropsia.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Pra mim qualquer morte serve. Uma pessoa inteira, claro.
Preciso dos detalhes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— As necropsias são feitas em outro setor, aqui perto.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Você não diz autópsia. Diz necropsia. Dizer “autópsia”
está errado?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">— Acho mais apropriado dizer necropsia.
“Autópsia”, do grego, rigorosamente seria um</span><span style="font-size: 12pt;"> autoexame. Necropsia seria o exame de
corpo alheio, mas isso de nomes não impor<span style="letter-spacing: -.25pt;">ta.
Vamos lá.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Caminhando depressa, para acompanhar o médico, Roland
sentiu cheiro de formol e outros odores que não podia identificar. Ouviu alguns
ganidos.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">— Parece que estou ouvindo ganidos de
cães. É </span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.6pt;">isso?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">— É. São os estudantes de medicina
fazendo expe</span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.3pt;">riências.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Dolorosas? — indagou Roland.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">— Às vezes. Procuram anestesiar antes. </span><span style="font-size: 12pt;">Pararam em
frente a uma porta de vidro.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Quer dizer que nunca assistiu a uma necropsia? Não vai
sentir-se mal, desmaiar?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Penso que não. Para isso sou algo frio. Se sentir
qualquer sensação esquisita, saio um pouco.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Um aviso: não se encoste em nada lá dentro. Os cadáveres
podem estar com alguma doença contagiosa e você levaria os agentes patogênicos
consigo. Convém enfiar as mãos nos bolsos.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.1pt;">Roland acatou a sugestão e ambos
entraram no recinto</span><span style="font-size: 12pt;">.</span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.75pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Junto à entrada, no lado esquerdo, havia uma mesa <span style="letter-spacing: -.05pt;">com três pequenos cadáveres. Crianças bem novas.
Duas </span>escura e a terceira branquinha. Apresentavam imenso rasgo do
pescoço ao púbis, mas o rasgo já fora costurado. Mesmo que estivessem vestidas
e deitadas numa cama, não pareceriam crianças dormindo. A morte deixara a marca
nos olhos, ainda que fechados. As perninhas são bem arqueadas, sinal de
raquitismo. Despertam um sentimento triste e desagradável.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Ao lado direito da porta vê-se uma fileira de mesas com
pequenas rodas nos pés. Em cima de cada mesa, um cadáver. Alguns, com o rosto
coberto. O mais próximo de Roland, de face descoberta, é um rapaz de seus
vinte e <span style="letter-spacing: .3pt;">cinco</span> <span style="letter-spacing: -.25pt;">anos, barbudo, rosto estreito, corpo magro, assim percebido apesar de
coberto com um lençol até o pescoço.</span><span style="letter-spacing: -.05pt;">
Seu rosto lembra a representação tradicional de um Cristo europeu de pele
clara. Alto, </span>seus pés magros e amarelos saem muito além do lençol que o
cobre, cortado para pessoas de estatura mediana. Roland fica observando o moço
e, conforme a posição de quem vê, o cadáver lembra também uma conhecida imagem
de Tiradentes, o herói da nossa independência. Roland, recordando-se
rapidamente que ele foi enforcado e esquartejado, pensou: “ele, aqui, está no
lugar certo”.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">A mesa vizinha está ocupada pelo cadáver de um homem
corpulento, de seus 40 anos. T<span style="letter-spacing: -.05pt;">em o rosto </span><span style="letter-spacing: .95pt;">inchado</span> e expressão de homem bravo.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Com licença — pediu um enfermeiro, interpondo-se <span style="letter-spacing: .7pt;">entre</span> Roland e o cadáver do homem de feições
duras. O funcionário empurrou a mesa com rodas <span style="letter-spacing: .6pt;">até</span> que ela ficasse bem paralela à mesa das autópsias, que tem o
comprimento de três metros, <span style="letter-spacing: .95pt;">mais</span> <span style="letter-spacing: -.2pt;">ou menos. Do lado onde ficam os pés dos autopsia</span>dos
existe uma pia de aço inoxidável embutida na pró<span style="letter-spacing: 1.05pt;">pria</span> mesa. Nessa pia os órgãos são lavados, cortados e fatiados <span style="letter-spacing: -.4pt;">para exame.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">O cadáver é transferido com alguma brutalidade — nada
pessoal, apenas rotina —, da mesa móvel para a mesa <span style="letter-spacing: 1.25pt;">fixa,</span> sem a menor “deferência” a um ser humano, mesmo morto,
como se lidassem com um <span style="letter-spacing: 1.05pt;">grande</span> saco
de batatas<span style="letter-spacing: 1.25pt;">.</span> Como o homem é bem
pesado, os dois enfermeiros tive<span style="letter-spacing: .9pt;">ram</span> <span style="letter-spacing: 1.05pt;">que</span> <span style="letter-spacing: 1.1pt;">fazer</span>
<span style="letter-spacing: 1.05pt;">muita</span> <span style="letter-spacing: -.25pt;">força, coordenada — “Vamos juntos: um, dois, três, já!” —, para
transferi-lo de mesa, um segurando nos pés e o outro, mais forte,
encarregando-se do tronco.</span> Por causa do esforço da remoção, o cadáver
foi <span style="letter-spacing: .95pt;">praticamente</span> <span style="letter-spacing: -.35pt;">rolado em cima da mesa de autópsias, </span><span style="letter-spacing: .95pt;">quase</span> <span style="letter-spacing: 1.0pt;">caindo</span>
<span style="letter-spacing: -.1pt;">do outro lado.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.1pt;">Os braços do morto estavam rígidos e
dobrados, </span><span style="font-size: 12pt;">como em posição de defesa, numa luta de boxe.<span style="letter-spacing: -.05pt;"> Nessa posição impossibilitaria</span> o trabalho do enfermeiro que se
ocuparia do <span style="letter-spacing: -.05pt;">tórax e da cabeça. Era,
portanto, necessário esticar os braços do combativo defunto maduro. Rolando,
sempre imaginativo, involuntariamente pensou: — “Nosso Mike Tyson branco não
vai concordar...”</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Dito e feito. Foi duro, de fato, conseguir baixar a guarda
do falecido, devido à rigidez cadavérica. Um dos enfermeiros, o mais franzino,
tentou esticar o braço direito, dando uma puxada. Nada conse<span style="letter-spacing: -.1pt;">guindo tentou de novo, fazendo mais força, sua<i> </i>mão
direita </span>segurando a mão direita do morto. Pareciam, para Roland, d<span style="letter-spacing: -.05pt;">isputar uma "queda de braço". O
primeiro </span>resultado foi um “empate honroso” para o defunto que,
certamente, fora um homem fortíssimo. Mesmo morto, quase derrotou um vivo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Não desejando passar vexame frente ao visitante, o
enfermeiro franzino, como que adivinhando a imaginação de Roland, deu uma
rápida olhada para o escritor e usou as duas mãos para esticar o braço
enrijecido. Roland, viciado ficcionista, logo <span style="letter-spacing: -.2pt;">imaginou
o protesto do morto: "Assim não vale! Vou morde a orelha desse
desgraçado”! </span>Valendo ou não, o vivo, usando o peso do seu corpo, quase
pendurado, venceu a parada, esticando completamente o braço do falecido,
enquanto o outro enfermeiro segurava do outro <span style="letter-spacing: -.55pt;">lado,
impedindo que saísse da posição certa.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Esticados os braços, o enfermeiro que cuidava da cabeça
enfiou um bloco de madeira, à guisa de calço, por baixo das costas do cadáver,
que ficou com o peito <span style="letter-spacing: -.05pt;">bem erguido e a
cabeça caída para trás. A seguir, pegou </span>uma faca de cozinha, das
grandes, e afiou a lâmina em um amolador cilíndrico. Colocou o amolador de
lado e começou a cortar o couro <span style="letter-spacing: -.2pt;">cabeludo,
iniciando a operação por trás de uma das orelhas.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Fez um talho bem retilíneo, cortando fundo, com pequenos
movimentos de vai e vem da faca, para que o fio da lâmina chegasse até o osso
do crâneo. E assim foi trabalhando, com luvas cirúrgicas, até chegar atrás da
outra orelha. Largou a faca e fincou as unhas <span style="letter-spacing: -.05pt;">no
corte. Agarrou com força uma das bordas e começou </span>a puxar o couro
cabeludo na direção da testa.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">O couro cabeludo estava bem aderente ao osso, não
desgrudava facilmente. Estalava com seguidos “tac-tac”. Quando a resistência
era maior, o enfermeiro ajudava a separação com a faca, cortando os liames
ainda existentes por baixo. Assim fez, até que o couro cabeludo, já pelo
avesso, chegou à boca do defunto.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Com isso o cadáver ficou horrendo. C</span><span style="font-size: 12pt;">omo o cabelo
não era curto, parecia que o cadáver era barbudo — não o era antes —, e tinha
parte do rosto coberto por uma máscara de carne viva cobrindo os olhos.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">Até esse momento Roland conseguira
aguentar.</span><span style="font-size: 12pt;"> Vinha engolindo em seco. Seu pomo de adão subia e descia. Mas foi
preciso mobilizar totalmente sua resistência quando o enfermeiro pegou um
serrote de arco e começou a serrar a <span style="letter-spacing: .55pt;">testa</span>,
horizontalmente, criando uma tampa de osso de toda a cabeça. Aquela meia testa
pelo meio, serrada com a maior sem-cerimônia, foi um espetáculo que só não
provocou vômito porque Roland sempre teve dificuldade para vomitar. Com isso,
claro, cortou também os miolos que estavam próximos ou grudados ao crânio.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Terminada a utilização da serra fina, o enfermeiro tentou
separar a calota com o mero emprego da mão. Fincou as unhas na fenda dos ossos,
como fizera antes com o couro cabeludo mas não conseguiu logo seu intento,
talvez por causa da luva de plástico que usava.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Tudo, porém, era rotina para o enfermeiro. Pegou uma
talhadeira e um pequeno martelo. Colocou a lâmina da talhadeira na fenda da
testa e com o martelo deu algumas pancadinhas na outra extremidade, forçando
facilmente a separação das bordas. Pôs de lado a talhadeira e, com as unhas
bem apoiadas na borda do osso separou a calota, que veio com boa porção do
cérebro nela grudada.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Usando as duas mãos, o enfermeiro retirou com cuidado o encéfalo
viscoso, que fazia "cloft, cloft", ao se desgrudar do crânio.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Nessa altura, o outro enfermeiro já havia aberto a barriga,
do externo ao púbis. Roland nem o vira fazer o grande corte longitudinal do
abdómen, tanto se impressionara com o que ocorria na cabeça do cadáver. Quando
afastou os olhos da cabeça sem tampa, o tórax já estava aberto. O segundo
enfermeiro, munido de uma tesoura <span style="letter-spacing: .55pt;">especial,</span>
de lâminas curtas e recurvadas, dedicava-se a <span style="letter-spacing: 1.3pt;">cortar
os ossos protetores do tórax</span> para poder extrair e exa</span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: 1.05pt;">minar</span><span style="font-size: 12pt;"> o coração e outros órgãos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">O mesmo enfermeiro — ou seria o outro? Roland já estava
meio grogue na carnificina — revolveu os intestinos esverdeados e arrancou o
fígado, <span style="letter-spacing: 1.15pt;">que</span> foi colocado perto da
pia, após o que foi lavado e fatiado. O enfermeiro cortava e examinava a cor
das fatias, trocando algumas <span style="letter-spacing: -.1pt;">palavras com o
médico, que fazia anotações.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Em seguida, pegou o cérebro que seu colega lhe dera e
passou a cortá-lo, também em fatias.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Enquanto esse enfermeiro examinava as fatias dos órgãos, o
outro pegou um bocado de serragem, que estava num saco aberto, ao lado da mesa,
e preencheu o vazio <span style="letter-spacing: -.05pt;">do crânio. Recolocou a
tampa de osso na cabeça e puxou </span>de volta o couro cabeludo. A calota
óssea ficou nova<span style="letter-spacing: -.1pt;">mente coberta, mais apresentável.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Agora ele ficou desmiolado — murmurou o médico, entre
brincando e filosofando.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">Roland, vendo a boca meio aberta do
morto, es</span><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.35pt;">tranhou:</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— A língua dele está muito escura, não acha? A morte
escurece a língua?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt; letter-spacing: -0.05pt;">— Onde? — perguntou o enfermeiro, curioso.
</span><span style="font-size: 12pt;">Forçou
o maxilar para baixo, abrindo bem a boca do <span style="letter-spacing: -.05pt;">defunto.
Não satisfeito, querendo melhor examinar, </span>agarrou com força a língua e
puxou-a o máximo que <span style="letter-spacing: -.65pt;">pôde.</span></span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Não há nada — concluiu, dando uma examinada. — É assim
mesmo — disse, olhando a língua enorme, que se assemelhava a uma língua de
vaca, só que bem menor. Satisfeito com a inspeção, empurrou a língua de volta,
fechando a boca do falecido. Em seguida, passou a costurar o couro cabeludo,
utilizando uma espécie de agulha de sapateiro. Nesse trabalho, manipulava com
brusquidão a cabeça do defunto, pouco ligando para a cara indignada do homem
que, no céu, ou no purgatório — Roland pensou —, deveria estar fervendo de
raiva com o desrespeito. Em certos momentos, por necessidade do serviço, o
enfermeiro empurrava a<i> </i>boche<span style="letter-spacing: -.25pt;">cha de um </span><span style="letter-spacing: .45pt;">lado</span> <span style="letter-spacing: -.25pt;">para o outro. Com isso a
</span>expressão do morto parecia ainda mais zangada com os insultos, quase
tabefes com a mão espalmada.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Os enfermeiros, com a longa prática, estavam bem
sincronizados na tarefa. Enquanto o da cabeça costurava grotescamente o couro
cabeludo, o outro rapidamente tirava umas conchas de sangue ou vísceras da
cavidade abdominal e depois devolvia ao corpo— fígado, intestinos, pâncreas,
etc. O cérebro também foi jogado dentro do ventre. Roland não pôde deixar de
imaginar o trabalho que daria aquele cidadão, havendo um <span style="letter-spacing: .8pt;">juízo</span> final, com os mortos saindo dos túmulos.
Para ler a sua alma seria preciso examinar a pança. Como muita gente que
conhecia.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">A barriga também foi costurada depressa, com um pouco de
serragem dentro para absorver o sangue que ainda restara.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">Roland, depois daquela cena de violência macabra, achou
necessário descansar um pouco. Pediu para sair. No corredor, respirou fundo e
depois sentiu necessidade de fumar. Deu uma tragada e concluiu que pouco sabia
da vida, em seu sentido mais profundo, apesar de <span style="letter-spacing: .55pt;">seus</span> quarenta anos.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Como é? Pensei que o senhor fosse desmaiar — disse o
médico. — Não seria fato incomum, para quem assiste pela primeira vez.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Quantas autópsias vocês fazem por dia?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Umas quarentas, em média.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Estranhei que o cadáver não fedia. Pelo menos não tanto
quanto eu esperava.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— É que saiu do congelador. Mas o senhor precisa ver quando
falta energia durante um dia ou dois. Já aconteceu. Cinquenta cadáveres se
decompondo não há cristão que aguente.</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Nesses casos, como os senhores fazem?</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Com mau cheiro e tudo!</span><span style="font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— Vendo uma autópsia, constatamos que o homem não é nada.
Um pedaço de carne precária, sempre prestes a se decompor. Uma lição de
humildade, o espetáculo horrendo que acabei de presenciar. Você tem religião,
Dr. Moraes?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-size: 12pt;">— <span style="letter-spacing: -.2pt;">Sou católico... Então,
vamos continuar? </span>Às nove e<i> </i>meia preciso comparecer a uma <span style="letter-spacing: -.3pt;">reunião.<o:p></o:p></span></span></p><p>
</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><p></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-78809898634938470742022-08-01T10:33:00.002-03:002022-08-01T10:37:38.679-03:00Elon Musk, his Project Mars and the reversible human freezing, in the conquest of space <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4AKTl7O5gGyVWDk9zY_-RvtitxY3BxTd2nWr7SdsLRl3XXADMoUyve88IX6Q_DYXdD3LMMzWi-YJgKg6aUyuS6QMQFEYS1hpQjMDZsRueEPU1eRs9mXEIcvqrR3nlUBq0K8Cgh7BgOrQywe9t1XjwYwHLu8FMROonOoajmV7MgkjLcorb0HPaRdtI/s1797/elon-musk-tesla.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1797" height="223" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4AKTl7O5gGyVWDk9zY_-RvtitxY3BxTd2nWr7SdsLRl3XXADMoUyve88IX6Q_DYXdD3LMMzWi-YJgKg6aUyuS6QMQFEYS1hpQjMDZsRueEPU1eRs9mXEIcvqrR3nlUBq0K8Cgh7BgOrQywe9t1XjwYwHLu8FMROonOoajmV7MgkjLcorb0HPaRdtI/w400-h223/elon-musk-tesla.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-size: x-small;"><i>Foto divulgação </i></span><p></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">I state my conviction that Musk will achieve the
aforementioned statement if he applies a thousandth of his wealth and a
fraction of his determination, already proven in the manufacture and sales of
the electric car (TESLA); in reusable space rockets (Space X); in the
colonization of Mars and everything else Musk is involved in, as on his
biography, written by Ashlee Vance, demonstrates: — “ Elon Musk: How the
billionaire CEO of Space X and Tesla is shaping our …”. Please read, in the
present text, my justification for this prediction.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 0cm;"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">To praise a
billionaire is always suspect. I am not exempt from this suspicion, because I
have a personal interest in Cryonics. For those unfamiliar, Cryogenics is the
branch of science that studies the effect of intense cold on matter, either
live or dead. Cryonics is specific. It means the use of Cryogenics on human
beings suffering from an incurable disease - or very attached to life – and would
like to freeze indefinitely until the medicine of the future can find a cure their
disease, or increase their longevity and mental capacity. This is because it is
impossible to predict the advancements in the fields of science and technology
in forthcoming years. Even more impossible is to imagine what the Earth will be
like two hundred years from now, a tic in the history of humanity. Stem cells
will certainly rebuild important organs, refraining from transplants and its
inherent rejection issues.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">I wrote a novel, “ Cryonics ” in 2005, without
advertising and distribution of the printed book — I was in a hurry, kind of
old<span style="color: black; mso-themecolor: text1;"> </span>— emphasizing that
humanity would take a huge leap into the future if it could achieve the
technical feat of freezing a person, practically “ killing her”, to “wake her
up” years later.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ki<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">When I was writing that book, I thought only of
people with incurable diseases who after being thawed would be cured by the
medicine of the future. Freezing is easy. Unfreezing — alive and well — is the
problem. Cancer was my main concern. I have not thought about the colonization
of Mars because back in 2005 this hypothesis seemed unthinkable. Only
marginally did I consider the use of freezing for very remote space travel.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Few, I imagine approved of the “dismal” main theme
of my novel, invoking religious reasons: — “It's ridiculous! So the soul is
also frozen and then returns to the body!? How to freeze something
immaterial?!” — or worried about overpopulation. There was, as there still is,
a kind of taboo in the mere hypothesis, apparently impossible and grotesque. In
addition, there was the fact that until now it had not been possible to thaw
alive, a human being — or any dead mammal—after days, let alone after months or
years. I recently read news that some frogs and insects in arctic regions come
back to life in spring. Check it out, because there is a lot of difference
between a man and an insect.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">The idea of Cryogenics applied to humans — still
dormant, discouraged, but not completely forgotten, because some great
scientist , or “visionary” entrepreneur, with imagination, stubbornness,
courage — and enough money — has not yet emerged capable of unfreezing, alive,
a human being.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">I have never accepted the doctor's passivity when
he realizes that the patient's heart has stopped beating. It is true that some
years ago, there has been a modest micro “resuscitator” similar to an iron —,
which, at times, manages by means of a violent shock, to bring back to life a
person who has just died. There was — pardon the black humor — a temporary
“death” of seconds. But if the defibrillator had not been there, his death
would have been final.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Reading, in e-book, the aforementioned biography of
Elon Musk, I was excited about the possibility of Rusk getting involved in
Cryonics because extraplanetary travel, even limited to the solar system —
Mars, Venus, Moon and, who knows, other celestial bodies — , depend on the
normal lifespan of astronauts, human beings, of limited physical and
psychological resistance for long confinements. “Sleeping” frozen, they would
be able to mentally endure a waiting span of months and perhaps years in long
space travels, driven by solar or atomic energy.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">One will object that Elon Musk has so far only been
interested in other subjects: physics, mechanics, robotics, the internet, cars,
rockets, finance ( PayPal ), astronomy, administrative innovations and business
challenges, there is no reason to expect him to get involved in a subject so
different, biological, “medical”, as is the case with Cryonics .<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">It turns out that Musk, fortunately — for all of us
— likes to try the very thing that has not been tried yet. He was born that
way, as his biographer shows. If he fails, once, twice, or more, in some
experiments his obstinacy increases even further. His first Falcon rockets
failed. Instead of giving up, as would be deemed “normal”, he redoubled his
efforts. Suffice to mention here — proving the success of his persistence —
that his Big Falcon Rocket is 68.3 meters high and weighs hundreds of tons,
according to the book. How can one manage to build a maneuverable rocket with
such weight? Airplanes have wings, which support themselves in the air. Rockets
do not have wings, they only rely on their own explosions. And how to design
them to land in the right place? After the space flight, the rocket returns to
Earth and lands vertically on a floating platform; at sea, or on the original
launch pad. In the final part of the book, already mentioned, there is a photo
of one of its rockets that show the technological gigantism of this “Hawk” that
weighs “almost 500 tons”, in the author's words.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Who supervises, personally and in detail, a work of
this magnitude? Musk himself. This fellow is, of course, a “visionary”, and <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>mankind advances faster because of visionaries
who, when also courageous, accept tremendous personal risks with trial, error
and success. Being “visionary” just imagining or writing books is easy. It is
very different to actually create artifacts, companies and systems that can
take the visionary to prison, death, bankruptcy or misery. If it were not for
Johannes Gutenberg, who designed and built the first printing press to
incorporate movable type and mechanized inking — considered the most important
invention of the second millennium — books would still be hand-made, one by
one. Civilization owes him a lot.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">If Elon Musk manages to unfreeze someone, to its
previous form, he will also enter the history of human progress. There is
nothing more innovative, “revolutionary” than that. It will affect,
unintentionally, even religions since the “resurrected” will be able to tell
what he “saw” the other side. A much more remarkable feat than making
super-powerful and controllable rockets in their flight and landing. Rockets
existed before him, but much inferior. Robert Goddard, American who died in
1945, was the father of rockets. And let's not forget Werner von Braun a
German, whose unique talent was used by Nazis and Americans. They were mere
flying bombs.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">In addition to the aforementioned accomplishments,
Musk is the founder and CEO of Neuralink, which studies the human brain.
Ultimately, it is the brain the main problem in Cryonics. An unfrozen brain, or
inadequately thawed, becomes useless in a few minutes, hence the option of some
eccentrics to just freeze their own head because it is cheaper. Nothing for
Musk is uninteresting if it has any practical use, now or in the future. When a
difficulty arises, he becomes obsessed, brooding over the problem until he
finds a solution.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Precocious geniuses but the one that impressed me
the most was that of Elon Musk, because his curiosity is boundless and requires
knowledge of subjects that didn't even exist decades ago, available to previous
geniuses. His biography is similar to that of Thomas Edison, a autodidact
genius who did not just invent the electric light bulb. He registered more than
a thousand patents and had as his motto not to give up. This is also the
philosophy of Musk, who never gave up despite almost going bankrupt several
times.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">If the reader feels I am exaggerating, please read
his biography, mentioned in the beginning of this article. His biographer has
spent a couple of years researching Musk's life and he does</span><span lang="EN-GB" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-ansi-language: EN-GB; mso-fareast-language: PT-BR;"> not seem to be</span><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;"> a billionaire's kiss-ass and not always in agreement with his subject's
line of thinking. The book, for the average reader — who knows little about
engines — could be less detailed about mechanical and financial problems, but
it may be of interest to mechanical engineers and young entrepreneurs of
startups, electric vehicles and rockets. And when I say rockets, I remember
that they carry spy, communication and weather satellites.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Of course, as of this date — July 2022 — the
possibility of the total extinction of the human species is very remote. Even
in the event of a dreadful nuclear conflict, perhaps <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>triggered by an accidentally fired missile —
the “immediate strike” — involving the US, Russia, Ukraine, the European Union,
China, and the remaining countries, it is clear that the human species will not
disappear instantly. It will only go back to an almost savage condition, perhaps
gradually disappearing from a widespread radiation.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Danger of sudden death could occur if Earth is
struck by a huge meteor, or asteroid, if not destroyed before it reaches our
planet. Or in case of malfunction of the sun itself. With no time to prepare an
escape of a few hundred humans to Mars, the human species could in fact
disappear. This is a cause of concern to the controversial inventor, summarized
here. However, if he gathers and heads some twenty or thirty brilliant minds on
the planet – physicists, chemists, doctors of various specialties – with
exclusive dedication, I am sure they will be able, without much delay, to
freeze and thaw, in the right way, any human being. Surely this feat will be
less complicated and expensive than colonizing Mars. It will also be necessary,
of course, to change the legislation in the definition of “death” and the
freedom of the person to decide what to do with his own body and life.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">To reiterate, Elon Musk is a gifted visionary, with
a peculiar tendency to accomplish what to everyone seems impossible, or too far
away. Reading his biography I was reminded of Thomas A. Edison, who attended
public school for only three months, but being very naughty, was frowned upon
by the teacher. He preferred to drop out and was educated by his mother. He
became famous for having invented the electric light bulb and, according to him
to have carried out 1,200 experiments to discover a filament, a conductor of electricity,
which would not burn easily with a resistance to the passage of electricity,
emitting light. He registered 1,033 patents. As a boy, he kept inventing
incessantly.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">The same phenomenon of precocity occurred with Elon
Rusk , who, seeing something “stuck”, malfunctioning, immediately began to
imagine a solution to give it speed and functionality. Knowing that the
gasoline-powered car is polluting, he decided to manufacture the electric car
intending over time to democratize its use. For this one, it needed special
batteries and distribution across the country. He invented and continued to
improve them. One invention led to another and as he mastered physics and the
internet, finance and sales techniques, he managed to create Tesla, the largest
electric car manufacturer in the world.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">I will not proceed with its accomplishments. Read
his biography and if you are still interested in freezing people, read my
novel, in e-book: “ Cryonics ”, subtitled “the first Brazilian novel about
human freezing”. It is available on Amazon.com<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Please do not mix Cryonics with any religion,
thinking that this technique — if successful — will defy “divine designs”. On
the contrary. I imagine that God wants human beings to live happy and healthy
lives, not to die “before time”. That is why there are the Holy Houses of
Mercy. Believers, seriously ill, or injured, or their families, pray — with the
support of priests — even asking for miracles. Is penicillin a bad thing, an invention
of the devil? If the Pope were sick, on the verge of death, would it be an
offense against God to pray for his healing? If that were the case, all
Medicine would be cursed, for pretending to “compete” with the power of God.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">There is no reason to reject Cryonics , if it gets
too far advanced, allowing eccentric millionaires — with successive freezing
and using stem cells — to live 120, 150, or more years, forming a dictatorial
“elite” dominating enraged masses with so much inequality. Even if the medicine
of the future manages to manipulate stem cells creating new neurons, youthful
skin, and other restorations, it is presumable that future scientists and
governments will have enough sense not to use Cryonics as a Frankenstein
factory. It will just be a new therapy, not the pursuit of physical
immortality—a bad idea for an already overcrowded planet.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Today, it is not just cancer that frightens
humanity. The increase in longevity is no longer so rewarding. Alzheimer's
disease sours the joy of living long. What is the point of reaching 90 or 100
years if the person is half-blind, deaf, amnesiac, unable to handle a cell
phone or recognize family members?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">A few special innovative talents could add two or
three decades of lucidity. They would hasten the advance of civilization. Men
like Einstein, Edison, and several others scientists would deserve this
privilege, not for the enjoyment of idleness, but for the sake of productivity
and the good of humanity.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Trees that bear beautiful fruit for a longer period
deserve better care from the farmer. I do not know what is Elon Musk’s though
on this.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><b><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 14pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Attention</span></b><span lang="EN" style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">: I
wrote this article in Portuguese and then tried to translate it with the help
of Google Translate, because my knowledge of English is limited. The translation
was instantaneous and practically perfect, like "guessing" what's in
my head. I don't know how a "machine" can translate so quickly and
intelligently. I only changed the version in those details where my style was
really a bit confusing. Congratulations, therefore, to Google.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="EN" style="color: #ffa400; font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;">To contact the author please use the following
e-mail,<br />oripec@terra.com.br </span></p><p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400;"><span style="font-family: Times New Roman, serif;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /></span><span style="font-family: "Times New Roman", serif;">retired judge</span></span></p><p class="MsoNormal"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+Cesar+Pinheiro+Rorigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=247DAE1DTD3O9&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rorigues%2Caps%2C186&ref=nb_sb_noss" style="font-family: "Times New Roman", serif;"><span style="color: #ffa400;">Discover my books: click here - Amazon.com</span></a></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-89491548503962435162022-07-22T20:29:00.005-03:002022-07-27T17:25:56.743-03:00Elon Musk, seu Projeto Marte e o congelamento humano reversível, na conquista espacial<p> </p><p><span style="font-family: "Times New Roman", serif;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; font-size: 12pt; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMx7H6GmADgm3ncpY3GNptRdL4Zx5_YYIjDbsRHAsqU-pKZnvp_IWe7sRx6dOkIOzUbyr4WHHBBuq1WPs8MrXCvtasIdKOPhVdffA0AZGe5w_i_kORV4o3hrCQJXEphdmAOWM477bfzygWDCnZ1mJsxRKf0i2StdvOQJsAa47wLevyJCfVuqhX1hXa/s1797/elon-musk-tesla.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1797" height="223" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMx7H6GmADgm3ncpY3GNptRdL4Zx5_YYIjDbsRHAsqU-pKZnvp_IWe7sRx6dOkIOzUbyr4WHHBBuq1WPs8MrXCvtasIdKOPhVdffA0AZGe5w_i_kORV4o3hrCQJXEphdmAOWM477bfzygWDCnZ1mJsxRKf0i2StdvOQJsAa47wLevyJCfVuqhX1hXa/w400-h223/elon-musk-tesla.jpg" width="400" /></a></div><br /><span style="font-size: x-small;"><i>Foto divulgação</i></span><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Adianto minha convicção de que Musk conseguirá isso
se aplicar um milésimo de sua riqueza e alguma fração da sua determinação, já
comprovada na fabricação e difusão do carro elétrico (TESLA); nos foguetes
espaciais reaproveitáveis (Space X); na colonização de Marte e tudo o mais em
que Musk se envolve, como demonstra sua biografia, escrita por Ashlee Vance: — “Elon
Musk: Como o CEO bilionário da Space X e da Tesla está moldando o noss...”.
Leiam, no presente texto, minha justificação para esta previsão. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Elogiar um bilionário é sempre suspeito. Não estou
isento dessa suspeição, porque tenho interesse pessoal pela Criônica. Para quem
não sabe, Criogenia é o ramo da ciência que estuda o efeito do frio intenso na
matéria, seja ela viva ou morta. Criônica é mais específica. Significa a
utilização da Criogenia em seres humanos que, com doença incurável — ou muito
apegados à vida — gostariam de se congelar por tempo indeterminado até que a
medicina do futuro possa curar sua doença, ou melhorar sua longevidade ou
capacidade física e mental. Isso porque é impossível prever o quanto a ciência
e a técnica podem nos beneficiar nos próximos anos. Mais impossível ainda é
imaginar como estará a Terra daqui a duzentos anos, um tico na história da
humanidade. Células-tronco reconstruirão, certamente, órgãos importantes, dispensando
transplantes, que provocam rejeição.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Escrevi um romance, “Criônica”, em 2005, sem
propaganda e distribuição do livro impresso — eu estava com pressa, meio velho
—enfatizando que a humanidade daria um imenso salto para o futuro se
conseguisse a façanha técnica de congelar uma pessoa, praticamente “matando-a”,
para “acordá-la” anos depois.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Eu pensava, quando redigia esse livro, somente nas
pessoas com doenças incuráveis que, após serem descongeladas seriam sanadas
pela medicina do futuro. Congelar é fácil. Descongelar — vivo e bem —, é que é
o problema. O câncer era minha principal preocupação. Não pensava na colonização
de Marte porque em 2005 essa hipótese parecia impensável. Apenas marginalmente eu
levava em consideração a utilização do congelamento para remotíssimas viagens
espaciais.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Poucos, imagino, aprovaram o “lúgubre” tema central
do meu romance, invocando razões religiosas: — “É ridículo! Então a alma fica
também congelada e depois retorna ao corpo!? Como congelar algo imaterial?!” —,
ou preocupados com o excesso populacional. Havia, como ainda há, uma espécie de
tabu na mera hipótese, aparentemente impossível e grotesca. Além disso, havia o
fato concreto de que até agora não foi possível descongelar, vivo, um ser
humano — ou qualquer mamífero morto —, depois de dias, quanto mais após meses ou
anos. Recentemente li notícias de que alguns sapos e insetos, em regiões árticas,
retornam à vida com a primavera. A conferir, porque há muita diferença entre um
homem e um inseto. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">A ideia da Criogenia aplicada em humanos — ainda
dormita, desanimada, mas não totalmente esquecida, porque não surgiu ainda um
grande cientista, ou empresário “visionário”, com imaginação, teimosia, coragem
— e dinheiro suficiente —, capaz de descongelar, vivo, um ser humano.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Sempre me impressionou mal, em filmes, a passividade
resignada dos médicos quando constatam que o coração do seu paciente, fisicamente
inteiro, talvez ainda moço, deitado à sua frente no hospital — rodeado de
tecnologias —, parou de bater. É certo que de uns anos para cá já existe um modesto
micro “ressuscitador” parecido com um
ferro de passar roupa —, que consegue, às vezes, com violento choque, trazer de
volta à vida um cidadão que acabou de morrer. Houve — com perdão pelo humor
negro —, uma “mortinha” provisória de segundos. Mas, não houvesse ali o
desfibrilador, sua morte teria sido definitiva. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Lendo, em e-book, a já mencionada biografia de Elon
Musk fiquei entusiasmado com a possibilidade do biografado se interessar pela
Criônica porque as viagens extraplanetárias, mesmo limitadas ao sistema solar —
Marte, Vênus, Lua e, quem sabe, outros corpos celestes —, dependem do tempo de
vida normal dos astronautas, seres humanos, de limitada resistência física e
psicológica para longos confinamentos. “Dormindo”, congelados, poderão suportar
mentalmente esperas de meses e talvez de anos em longas viagens espaciais,
impulsionadas pela energia solar ou atômica.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Alguém objetará que Elon Musk até agora só se
interessou por outros assuntos: física, mecânica, robótica, internet, carros, foguetes,
finanças (PayPal) astronomia, inovações administrativas e desafios
empresariais, não havendo por que esperar que ele se envolva em um assunto tão
diferente, biológico, “médico”, como é o caso da Criônica.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Ocorre que Musk, felizmente — para todos nós —, gosta
de tentar justamente o que não foi ainda tentado. Nasceu assim, como mostra seu
biógrafo. Se falha, uma, duas ou mais vezes, em algumas experiências, isso só
aumenta sua obstinação. Seus primeiros foguetes Falcon fracassaram. Em vez de
desistir, como seria o “normal”, redobrou o esforço. Basta mencionar aqui —
comprovando o sucesso de sua persistência —, que seu Big Falcon Rocket tem 68,3
metros de altura e pesa centenas de toneladas, segundo informa o livro
mencionado. Como conseguiu construir um foguete manobrável com tamanho peso? Aviões
têm asas, que se apoiam no ar. Foguetes não têm asas, apoiam-se apenas nas
próprias explosões. E como projetá-los para aterrissar lugar certo? Após o voo espacial o foguete volta à Terra e
pousa, verticalmente, numa plataforma flutuante; no mar, ou na plataforma de
lançamento original. Na parte final do livro, já mencionado, há foto de um dos seus
foguetes que mostram o gigantismo tecnológico desse “Falcão” que pesa “quase
500 toneladas”, nas palavras do autor. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Quem supervisiona, pessoal e detalhadamente, obra
desse porte? O próprio Musk. Esse camarada é, claro, um “visionário”, mas a
humanidade avança, mais depressa por causa dos visionários que, quando também corajosos,
aceitam tremendos riscos pessoais com tentativas, erros e acertos. Ser “visionário”
apenas imaginando, discursando ou escrevendo livros é fácil. Muito diferente é
criar concretamente artefatos, empresas e sistemas que podem levar o visionário
à prisão, à morte, à falência ou à miséria. Não fosse Joannes Gutenberg,
criando a impressão com tipos móveis — invenção considerada a mais importante
do segundo milênio —, os livros continuariam fabricados à mão, um por um. A
civilização deve muito a ele.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Se Elon Musk conseguir descongelar alguém, do jeito
que estava antes, também ingressará na história do progresso humano. Não há
nada mais inovador, “revolucionário”, do que isso. Afetará, sem querer, até as
religiões porque o “ressuscitado” poderá contar o que “viu” do outro lado. Feito
mais notável que fabricar foguetes superpoderosos e controláveis no seu voo e
pouso. Foguetes já existiam antes dele, mas muito inferiores. Robert Goddard, americano,
falecido em 1945, foi o pai dos foguetes. E não nos esqueçamos de Werner von
Braun, alemão, cujo talento ímpar foi utilizado por nazistas e americanos. Eram
meras bombas voadoras.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Além dos feitos acima mencionados Musk é o fundador
e CEO da Neuralink, que estuda o cérebro humano. Em última análise, é o cérebro
o principal problema da Criônica. Um cérebro não congelado, ou descongelado inadequadamente,
inutiliza-se em poucos minutos, daí a opção de alguns excêntricos de só
congelar a própria cabeça por ser mais barato. Nada, para Musk, é
desinteressante se tiver alguma utilidade prática, agora ou futuramente. Quando
surge uma dificuldade ele fica como que obcecado, remoendo o problema até
encontrar uma solução. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Já li algumas biografias de gênios precoces mas a
que mais me impressionou foi a de Elon Musk, porque é sem limites a sua
curiosidade e exige conhecimentos de assuntos que nem sequer existiam décadas
atrás, disponíveis para gênios anteriores. Sua biografia tem semelhança com a
de Thomas Edison, gênio autodidata que não inventou apenas a lâmpada elétrica.
Registrou mais de mil patentes e tinha como lema não desistir. Essa é também a
filosofia de Musk, que nunca se deu por vencido apesar de quase falir várias
vezes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Se o leitor está pensando que exagero, leia, por
favor a biografia dele, mencionada no início deste artigo. Seu biógrafo gastou
alguns anos pesquisando a vida de Musk e não parece ser um puxa-saco do bilionário.
Nem sempre concorda com o pensamento de seu biografado. O livro, para o leitor
comum — que pouco sabe de motores —, poderia ser menos detalhado sobre
problemas mecânicos e financeiros mas podem interessar a engenheiros-mecânicos
e jovens criadores de startups, veículos elétricos e foguetes. E quando digo
foguetes lembro que eles transportam satélites espiões, de comunicação e
meteorológicos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">É claro que, neste momento — julho de 2022 — a
possibilidade de total extinção da espécie humana, é remotíssima. Mesmo que
ocorra um pavoroso conflito nuclear, talvez iniciado com um míssil disparado
acidentalmente — o “revide imediato” —, envolvendo EUA, Rússia, Ucrânia, União
Europeia, China, e o resto, é claro que a espécie humana não desaparecerá instantaneamente.
Apenas retrocederá a um estado quase selvagem, talvez desaparecendo aos poucos,
vítima da radiação generalizada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Perigo de súbito morticínio poderá ocorrer se a
Terra for atingida por um enorme meteoro, ou asteroide, incapaz de ser fragmentado
antes atingir nosso planeta. Ou no caso de uma anomalia no funcionamento do
sol. Sem tempo para preparar uma fuga de algumas centenas de humanos para Marte,
a espécie humana poderia, de fato, desaparecer. E isso preocupa o polêmico
inventor, aqui resumido. Mas se ele reunir e chefiar umas vinte ou trinta
melhores cabeças do planeta — físicos, químicos, médicos de várias
especialidades —, com dedicação exclusiva, tenho a certeza de que conseguirão, sem
grande demora, congelar e descongelar, do jeito certo, qualquer ser humano. Certamente
essa façanha será menos complicada e cara que colonizar Marte. Será preciso, também, alterar a legislação
sobre a definição de “morte” e a liberdade da pessoa para decidir o que fazer
com a própria vida. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Reiterando, Elon Musk é um visionário superdotado,
com a peculiar tendência de realizar o que a todos parece impossível, ou
distante demais. Lendo a sua biografia lembrei-me de Thomas A. Edison, que
frequentou a escola pública apenas durante três meses, mas sendo muito
impertinente, era malvisto pelo professor. Preferiu sair e foi educado pela
mãe. Ficou famoso por inventar a lâmpada elétrica e, segundo disse, fez 1.200
experiências para descobrir um filamento, condutor da eletricidade, que não se
queimasse facilmente resistindo à passagem da eletricidade, emitindo luz. Ele
registrou 1.033 patentes. Ainda menino, já inventava incessantemente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">O mesmo fenômeno de precocidade ocorreu com Elon
Rusk que, vendo qualquer coisa “emperrada”, funcionando mal, logo se punha a
imaginar uma solução para lhe dar rapidez e funcionalidade. Sabendo que o carro
movido a gasolina é poluidor, resolveu fabricar o carro elétrico, pretendendo,
com o tempo, democratizar sua utilização. Para esta, precisava de baterias
especiais e sua distribuição pelo país. Inventava-as e continuava
aperfeiçoando-as. Uma invenção puxava outra e como conhecia tanto a Física
quanto a internet, as finanças e técnicas de venda, conseguiu criar a Tesla, a maior
fabricante de automóveis elétricos do mundo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Não vou, aqui, prosseguir com suas realizações.
Leiam a biografia mencionada e, se ainda interessados no congelamento de
pessoas, leiam meu romance, em e-book, “Criônica”, com o subtítulo “o primeiro
romance brasileiro sobre o congelamento humano”. Está disponível na Amazon,
também em inglês, “Cryonics”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Por favor, não misturem a Criônica com qualquer
religião, pensando que essa técnica — se bem-sucedida —, afrontará “desígnios
divinos”. Pelo contrário, imagino que Deus quer que os seres humanos vivam
felizes e sadios, não morrendo “antes do tempo”. Por isso existem as Santas
Casas de Misericórdia. Crentes, gravemente doentes, ou acidentados, ou seus
familiares, rezam — com apoio de sacerdotes — pedindo até milagres. A
penicilina será, por acaso, algo mau, uma invenção do diabo? Se o Papa estiver enfermo,
à beira da morte, será ofensa à Deus rezar pela sua cura? Se assim fosse toda a
Medicina seria maldita, por pretender “concorrer” com o poder de Deus.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Não há por que rejeitar a Criônica, se ela ficar muito
adiantada, possibilitando que milionários excêntricos —, com sucessivos congelamentos
e utilização de células-tronco —, vivam 120, 150, ou mais anos, formando uma “elite”
ditatorial dominando massas enraivecidas com tanta desigualdade. Mesmo que a
medicina do futuro consiga manipular as células-tronco criando novos neurônios,
pele de jovem, e outras restaurações, é de se presumir que futuros cientistas e
governos tenham juízo suficiente para não utilizar a Criônica como uma fábrica
de Frankenstein. Ela será apenas uma nova terapia, não a busca da imortalidade
física — uma péssima ideia para um planeta já com excesso de gente. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Atualmente, não é só o câncer que amedronta a
humanidade. O aumento da longevidade já não é tão compensador. O Mal de
Alzheimer azeda a alegria de viver muito. Além da decadência física, a mental. O
que adianta chegar aos 90 ou 100 anos se a pessoa está meio cega, surda,
amnésica, incapaz de lidar com um celular ou reconhecer os familiares? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Alguns talentos especiais, porém, inovadores, poderiam
aumentar duas ou três décadas de lucidez. Apressariam o avanço da civilização. Tipos
como Einstein, Edison, e vários outros, mereceriam esse privilégio, não para
gozo da ociosidade, mas pela produtividade e bem da humanidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-language: PT-BR;">Arvores que dão belos frutos, por mais tempo,
merecem melhor cuidado do agricultor. Não sei qual a opinião de Elon Musk a
respeito.<o:p></o:p></span></p><p>
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">Para um contato com o autor, prefiro o e-mail</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="color: #ffa400;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />Desembargador aposentado<br />oripec@terra.com.br</span></span></p><p class="MsoNormal"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=Francisco+Cesar+Pinheiro+Rorigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=247DAE1DTD3O9&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rorigues%2Caps%2C186&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><span style="color: #ffa400;">Conheça meus livros: click aqui - Amazon.com </span></a></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="color: #ffa400;">(22/07/22) <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-78773592860506840172022-06-20T10:29:00.002-03:002022-06-20T10:29:19.391-03:00Bolsonaro, fazendo isso, poderá ser reeleito.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLoaW88oeDox1eYKKwnWZ3SzJNxi_k4qjq1xsTo-POi8aVIUvM7pzn7Ozsr0LqLPa6eO5pBtYEQ1_kEafI0uSPgRooge23_nL93PeelrOpXYRKwICZ2m0aJoecdVWoDukfYLTogL28k4EV1X7Qj6ut5NbglMCYTgbX4_-qvVycYQnHoEzSRrnv1lNm/s1237/dinheiro2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="673" data-original-width="1237" height="217" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLoaW88oeDox1eYKKwnWZ3SzJNxi_k4qjq1xsTo-POi8aVIUvM7pzn7Ozsr0LqLPa6eO5pBtYEQ1_kEafI0uSPgRooge23_nL93PeelrOpXYRKwICZ2m0aJoecdVWoDukfYLTogL28k4EV1X7Qj6ut5NbglMCYTgbX4_-qvVycYQnHoEzSRrnv1lNm/w400-h217/dinheiro2.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-size: x-small;"> Foto divulgação</span><p> <span style="font-family: "Times New Roman", serif;">— “Isso o quê? Perguntarão.</span><span style="font-family: "Times New Roman", serif;"> </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; mso-spacerun: yes;"> </span><span style="font-family: "Times New Roman", serif;">Digo: permitir — pelas vias legais —, que as pessoas que recebem Bolsa Família e/ou Auxílio Brasil, possam continuar recebendo tais benefícios mesmo que consigam trabalho com carteira assinada.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">A atual sistemática legal tem muitos inconvenientes: desestimula o necessitado a procurar um emprego porque, conseguindo-o, perde um ganho certo, governamental. Prudentemente, não trocará o certo pelo duvidoso. Seu patrão também vive rodeado de incertezas. Milhares de empresas fecharam suas portas por causa da pandemia, e a situação mundial ainda é vacilante.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Novamente desempregado, o trabalhador teria que pleitear novamente a ajuda governamental, sem a certeza da sua concessão com urgência. Há em tudo uma burocracia. Um incentivo à ociosidade. Para não morrer de fome, terá que ou mendigar, ou ingressar na criminalidade ou na prostituição.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">Outro inconveniente, agora político, da atual legislação: o pobre, vivendo somente com as modestas quantias das “bolsas” torna-se completamente dependente do governo de plantão. para poder viver, juntamente com sua família. Torna-se eleitor forçado, porque sem dinheiro ninguém vive. Quem sabe — pensa o infeliz —, mudando o governo na próxima eleição, o sucessor não manterá o auxílio, ou diminuirá a quantia mensal.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">Acredito que a maioria das pessoas que recebem o Auxílio Brasil gostariam de poder melhorar de vida, trabalhando de fronte erguida, sem medo, como se fosse um infrator, um criminoso “proibido de trabalhar”. Somando os dois ganhos — o auxílio e o salário — poderiam ingressar mais depressa na classe média. Estudando e trabalhando sem medo, na legalidade. Em troca, o governo federal, a cada dois anos, revisaria a necessidade, ou não, de manter, diminuir ou aumentar o valor do auxílio, conforme a situação econômica do país. O leitor pode confiar que a soma do trabalho honesto mais o auxílio governamental não vai enriquecer ninguém. São quantias insignificantes, mesmo somadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">Espero que esta sugestão chegue aos ouvidos do atual governo federal.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br />Desembargador aposentado<br />oripec@terra.com.br</span></p><p class="MsoNormal"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=3NXW8J6XTKIYW&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C185&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><span style="color: #ffa400;">Conheça meus livros: Click aqui - Amazon.com</span></a></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-5672305703389850582022-06-17T13:08:00.011-03:002022-06-17T13:20:10.009-03:00Duas médicas que merecem retratação<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn3bhhAGM8g5mVGoDvehezNtIakyGA4mAbjgHTipNk7X9oL5Bkp2WfCkibVirpJYS33fR_yP2OZ8B5gu7KR_OMKEDVmaffupGTSBLQ3MhCR2Ho_YkJzSScl2vqAkQ32U_k8eC6ten-Vcx6M5jfh39Pfsb4eB50W0-K6givygBy6E17apzF6-UyJVlk/s960/vacina.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="512" data-original-width="960" height="171" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn3bhhAGM8g5mVGoDvehezNtIakyGA4mAbjgHTipNk7X9oL5Bkp2WfCkibVirpJYS33fR_yP2OZ8B5gu7KR_OMKEDVmaffupGTSBLQ3MhCR2Ho_YkJzSScl2vqAkQ32U_k8eC6ten-Vcx6M5jfh39Pfsb4eB50W0-K6givygBy6E17apzF6-UyJVlk/s320/vacina.jpg" width="320" /></a></div><span style="font-size: xx-small;"> Foto divulgação</span> <p class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;"><b>Está no Twitter:</b> <br /></span></p><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><i>“O brasileiro odeia
arrogância e grosseria contra mulher. Na CPI da Covid-19 as médicas Mayra
Pinheiro e N. Yamaguchi foram hostilizadas por três senadores. <br />
O povo não os perdoará no voto. <a name="_Hlk106207226">Se Cristo não tivesse
sido crucificado, talvez inexistisse o Cristianismo. Seria grande filósofo”</a></i></span></div><span style="font-family: arial;"><o:p></o:p></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 0cm;"></p><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><span style="text-indent: 0cm;">Explico o significado de minha resumidíssima e inusual “tuitada” — falando até
em Jesus Cristo —, sobre a grosseria na CPI da Covide-19 e sua provável consequência
político-eleitoral para três torturadores e duas vítimas. Cerca de um ano
depois da opressiva Comissão Parlamentar de Inquérito parece-me comprovado que
a brutalidade — mesmo quando apenas verbal —, não é esquecida pelo povo,
milhões, que assistiam, na televisão, às agressivas e desrespeitosas
inquirições contra duas médicas, Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi. Elas que não
tinham como revidar às ofensas e ameaças porque poderiam ser presas no ato se
insistissem no mero direito de dar explicações completas sobre o que lhes era
perguntado.</span></div><o:p></o:p></span><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;"> O senador
relator, pouco interessado em saber a verdade, cortava a fala das depoentes
quando o que ouvia poderia atrapalhar sua única intenção: prejudicar o
presidente da república. Para isso, tratava as médicas como se fossem
criminosas e mentirosas. E isso certamente não saiu da lembrança de milhões de
ouvintes eleitores.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;">Em assuntos políticos os espectadores decidem
mais com o sentimento, com impulsos — simpatia ou aversão — do que com análises
complicadas sobre economia, legislação, etc., e, insisto, não esquecem na hora
de votar, meses ou anos depois. Em consequência, se as duas referidas médicas
quiserem se candidatar, como deputadas ou senadoras, terão mais chances de se
elegerem do que os seus “carrascos” verbais, de se reelegerem. Aguardemos a
próxima eleição para conferir. Será necessário, porém, que o eleitorado saiba
que as médicas são candidatas. Se forem republicados os momentos de humilhação
é previsível que serão eleitas por suas
biografias, com ajuda involuntária e trapalhona de três senadores funcionando
como cabos eleitorais das médicas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;"> Agora, em junho de 2022, constatamos — lendo
as pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial de outubro deste
ano — que o comportamento agressivo e/ou arrogante na pandemia pode ter sido um
tiro pela culatra. Dou dois exemplos: João Dória e Simone Tebet, ambos
inteligentes, enérgicos e sem acusações de desonestidade. No entanto, uma certa
arrogância natural — ou desprezo ostensivo — parece tê-los prejudicado no gosto
popular, porque nas recentes pesquisas de intenção de voto a cotação dos dois políticos
era baixíssima, um ou dois por certo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;">Dois meses atrás previ — e disse a algumas
pessoas —, que Dória seria o futuro presidente da república por causa de sua
luta incansável e agressiva em favor da vacinação em massa durante a pandemia.
Não porque eu pretendesse votar nele, apenas constatava um fato. Almoçando e
assistindo diariamente, na televisão, à Band News, a partir do meio-dia, era
impossível não perceber a orgulhosa autoconfiança, energia e belicosidade de um
Dória ambicioso, tenaz e inteligente. Eu não votaria nele porque minha opinião
era a de que sua política de “todos trancados” estava errada no médio e longo
prazo. Achava que os mais moços, trabalhando normalmente, desenvolveriam
imunidade natural e continuariam produzindo, criando uma riqueza que agora nos
falta após longo tempo de inércia forçada por um governador. Quanto aos idosos poderiam
ficar isolados se assim concordassem. Eu acreditava que a imunidade natural é
superior à vacinal porque esta última “enfrenta” adversários biológicos já
muito enfraquecidos ou mesmo artificiais, “produtos” de laboratório. Bolsonaro,
por exemplo, que nunca tomou vacina contra o coronavírus — bem mais velho que
Dória e ainda sofrendo consequência das facadas — , não está em situação física
pior do que o ex-governador que recebeu inúmeras vacinas e voltou a ser
infectado. Cito aqui Bolsonaro não como proselitismo político, mas ressaltando
um exemplo concreto bem conhecido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;">Pergunto: o que explica a baixíssima percentagem
de Dória na intenção de voto após seu inegável sucesso na antecipação da
vacinação, que salvou muitas vidas? Penso que a explicação da ingratidão
popular está no seu estilo de falar e governar. Autoconfiante demais, “ditatorial”,
“antipático”. Um “detalhe” aparentemente insignificante mas que explica a
ingratidão do povão brasileiro afirmando que não votaria nele. E Simone Tebet,
na CPI da Covid-19, também foi muito hostil — não tanto quanto o trio condutor
da Comissão — quando fazia algumas perguntas no final das inquirições das duas
médicas já mencionadas. Tebet deixava claro que considerava ambas eram
mentirosas. Penso — talvez erradamente, não sei —, que a má posição da senadora
na corrida eleitoral não é apenas fruto do pouco conhecimento de sua pessoa
pelo eleitorado. Ela já é bem conhecida pela população. É bem articulada,
respeitada e honesta mas imagino que seu pouco apoio popular tem ligação com
seu estilo de desprezo no massacre das duas médicas na CPI. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;">Finalmente, explico por disse, no meu
twitter, que “Se Cristo não tivesse sido crucificado, talvez inexistisse o
Cristianismo. Seria grande filósofo”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;">Jesus Cristo, fundador do Cristianismo,
foi, inegavelmente, um profundo e bondoso filósofo — ou o deus-vivo, encarnação
divina — conforme a particular convicção de cada um. Depois de uma curta vida —
morreu com 33 anos — pregando a bondade, a tolerância, o perdão, o amor, a retidão
de vida, foi traído, torpemente julgado, injustamente condenado, coroado com espinhos,
chicoteado e pregado numa cruz. Para
“complementar” a maldade contra o fundador do Cristianismo, seus seguidores
sofreram horrores, atirados às feras, no Coliseu, sofrendo perseguições e
suplícios indescritíveis que ficaram registrados no decorrer da história. Leiam
algum livro sobre os mártires do cristianismo para saberem a força de uma
convicção.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;">Parece-me inegável que o sofrimento físico
e moral da crucificação de Jesus Cristo, tocou o coração da humanidade,
predispondo-a a aceitar, sem reserva, uma nova religião no planeta. Hoje ela corresponde a cerca de 31,5 % da população mundial, compreendendo
católicos, protestantes e ortodoxos. Pergunto: se Jesus tivesse sido apenas um arguto
pensador e pregador, com uma vida tranquila, prestigiado, conferencista — uma
espécie de Sócrates, ou Platão, ou Aristóteles —, teria Cristo força para
mobilizar o coração de bilhões de pessoas, como foi o caso do cristianismo? Não teria, com toda certeza. Lendo, por
exemplo, Buda e os grandes filósofos antes de Cristo, seus pensamentos e
conselhos tinham muita afinidade com a posterior pregação de Jesus. Ocorre que
Buda e os filósofos não foram torturados por horas e horas. Sócrates bebeu
cicuta, mas seu sofrimento foi minúsculo, se comparado com a longa agonia de
Cristo. E todo sofrimento injusto é vingado, de uma forma ou de outra,
inclusive na versão eleitoral.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial;">Espero que as duas médicas mencionadas se
candidatem, para ver se minha profecia estará correta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="color: #ffa400; font-family: times;"><span style="text-indent: 0cm;">Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues<br /></span><a href="mailto:oripec@terra.com.br" style="text-indent: 0cm;">oripec@terra.com.br</a></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0cm;"><a href="https://www.amazon.com.br/s?k=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=3JC3R0XA2QAE9&sprefix=francisco+cesar+pinheiro+rodrigues%2Caps%2C186&ref=nb_sb_noss" target="_blank"><span style="color: #ffa400; font-family: times;"><span style="text-indent: 0cm;">Conheça meus livros: <br /></span><span style="text-indent: 0cm;">Amazon.com.br</span></span></a></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-80873288196892098242022-06-13T10:28:00.005-03:002022-06-13T10:40:48.737-03:00Gotas de Sabedoria<p></p><p class="MsoNormal"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://mobile.twitter.com/Francepiro" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;" target="_blank"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1800" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlAnHyLRTl_WXgx0sWBTMkktfuxbWNs1-bziaEpnsjW-uj30Z8N3d37_PoJm8WF0zoQQyvaCuCPXTn0bN4tTv_QJiP31nNurDUBZd-_52M4_-C19WqHzE3DjSBSWQO-QgkcC5RthGA5FRah4NvON17H6rBx9gokmB3WkWM7-uQ90w8YG4hFq8-iYxR/s320/gotas_de%20sabedoria.jpg" width="320" /></a></div><span style="background-color: white;"><br /></span><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="background-color: white;"><br /></span></div><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">O brasileiro Olavo de Carvalho, recém-falecido, foi um
gênio erudito e pensador, odiado e difamado pelas esquerdas. Autodidata,
corajoso e desaforado, sua obra precisa ser lida em várias línguas. Não pode
ser lido apenas no Brasil. Confiram o que digo, lendo-o</span>.<br /><b><i>
06.06.2022</i></b></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;">*************<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"> </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Na disputa entre jornais e a rede social esta última é
pouco elegante, mas revela mais sinceramente a opinião do país. O jornalista
nem sempre pensa como o dono do jornal. Cumpre ordens. O cidadão comum, na rede
social, tem mais chance de ser sincero</span>.<br /><b><i>
01.06.2022<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"> </span></i></b></p><p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><span style="text-align: center;"> *************</span><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt; text-align: center;"> </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Há diferentes tipos de ditadura. O mais raro é o da
magistratura, porque exercido pela sua cúpula, que talvez nem perceba que age
ditatorialmente. A abstração do Direito, sem contrariedade, incentiva o
autoengano. Daí a necessidade de oposição firme, preferencialmente educada</span>.<br /><b><i>
30.05.2022</i></b><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"> </span><span style="text-align: center;">*************</span></p><p class="MsoNormal">
</p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Ótima a notícia de que Elon Musk pretende comprar o
Twitter. A liberdade popular de expressão atualmente vem sendo sufocada nas
redes sociais porque seus atuais donos temem ser processados judicialmente.
Isso descamba em ditaduras. Musk demonstra independência e coragem.</span><br /><b><i>
29.05.2022 </i></b><o:p></o:p></p><p></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-851726894019232542022-05-30T09:33:00.006-03:002022-05-31T10:22:23.705-03:00A legalidade constitucional da graça concedida a parlamentares<p> <span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt; text-indent: 0cm;">Há muita gente opinando, apaixonadamente,
pró e contra, a concessão presidencial da graça (Constituição Federal, art.84,
inciso XII) a um deputado federal, Daniel Silveira, que, indignado com algumas
decisões da última instância brasileira, excedeu-se verbalmente na sua
indignação, insultando e ameaçando os ministros que o condenaram a uma pena
ilegal – na opinião de muitos juristas –, ignorando a inviolabilidade da expressão
parlamentar, prevista na Constituição Federal, artigo 53.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 0cm;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Em brevíssimo lembrete, o deputado
indultado foi condenado a cumprir oito anos e nove meses de prisão, pelas
ofensas e ameaças, em regime fechado, e outras penas, acessórias, financeiras.
Tais acessórios, em torno de meio milhão de reais, relacionam-se, salvo melhor classificação,
com omissões ou recusas relacionadas com o funcionamento das tornozeleiras e
desobediência. Esteve preso durante cinco meses, depois foi solto, mas em
prisão domiciliar, com tornozeleira. Multado, foi proibido de se manifestar nas
redes sociais, teve sua conta bancária bloqueada e provavelmente ficará
impedido de disputar sua reeleição, em 2 de outubro de 2022 porque um ministro
da Corte – individualmente ofendido pelo parlamentar —, conduzirá o Tribunal Eleitoral
a partir de agosto de 2022.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 0cm;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O Presidente
da República, simpatizante da posição política do referido deputado, ao saber
da decisão do STF imediatamente lhe concedeu a graça – também chamada de
indulto individual –, prevista no artigo 84, inciso XII, da Constituição
Federal. Note-se que a graça existe no ordenamento jurídico do Brasil desde a
constituição de 1824.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 0cm;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Tal
concessão recebeu violentas críticas e apoios, com opiniões extraídas mais do
“fígado” do que do significado jurídico e filosófico desse tipo de extinção de
punibilidade mencionada na Constituição Federal Brasileira. A graça existe
também em 29 países, conforme impressionante e trabalhoso texto do Dr. Rodrigo
de Oliveira Ribeiro – “O INDULTO PRESIDENCIAL: ORIGENS, EVOLUÇÃO E
PERSPECTIVAS”, publicado <u>em 2015</u> na Revista Brasileira de Ciências
Criminais 2015 RBCCRIM VOL. 117. Bem antes da graça aqui discutida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Referido pesquisador salienta que “Em países
como Canadá, Estados Unidos e Suécia, o perdão pode ocorrer antes do trânsito
em julgado, ou mesmo antes da denúncia, sendo possível antes de qualquer
investigação. Um caso histórico de clemência foi o do presidente Gerald Ford
que perdoou Richard Nixon, antes de qualquer acusação ter sido apresentada”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Não
deixe, leitor, de ler, na parte final deste artigo, a relação dos 29 países – a
maior parte do primeiro mundo –, comprovando que essa unanimidade planetária da
graça é uma espécie de “remédio heroico”, algo análogo ao <i>habeas corpus</i>,
hoje anulando, no Brasil – com argumentos inconvincentes –, detalhadas condenações
em duas ou três instâncias, jogando fora um gigantesco trabalho judicial
conhecido como operação Lava Jato.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Como
tarimbados magistrados – de qualquer país – podem, em circunstâncias especiais,
indignados com palavras duras demais, extrapolar juridicamente no “revide
solidário” contra o “ofensor”, violar a tradicional separação dos três poderes.
Isso ocorrendo, somente um <u>poder externo</u> — no caso brasileiro, as Forças
Armadas”, no Reino Unido o Rei —, poderia solucionar o impasse entre Poderes,
de igual hierarquia e independentes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Nesse
impasse, um Tribunal Máximo, condenando um político ofensor, mas o Presidente
da Republica cancelando a condenação — pode surgir até uma guerra civil, o caos,
porque a Constituição Brasileira prevê as Forças Armadas como a "garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa destes, da lei e da ordem".</span><span style="font-family: "Times New Roman", serif; font-size: 12pt;"> Isso sem mencionar o perigo extra de políticos
estimularem a discórdia entre os próprios militares. Daí a imensa utilidade da
graça ou indulto individual. Com ela, que dispensa explicações do presidente — em
matéria de Direito tudo se discute —, o impasse é resolvido sem a necessidade do
uso da força, tiros e sangue derramado. Se houver ressentimento de um dos
lados, com a concessão da graça, esse rancor seguirá apenas na forma verbal. E
não se argumente que um Presidente da República , em qualquer país, vai ficar
por aí, distribuindo graças como se fossem folhetos de propaganda. Agindo assim,
seria logo interditado e suas mil graças canceladas porque o presidente estaria
louco.</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Um
engano jurídico bárbaro, que já assisti na televisão<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>– e até em jornal, por pessoas formadas em
direito —, consiste em dizer que a graça concedida ao deputado brasileiro “não vale”
porque foi outorgada quando ainda estava pendente o prazo do recurso chamado
“embargos de declaração”, ou “embargos declaratórios”, previstos na legislação
processual civil e penal para correções de erros evidentes e contradições em
sentenças e acórdãos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">O
engano óbvio é que os “embargos de declaração” só se referem a <u>processos
judiciais</u>, e a graça em discussão não faz parte de nenhum processo que
correu na justiça, seja ele cível, pena, trabalhista, etc., que presumem
extensa discussão sobre fatos e provas em um processo com autor e réu. Não há
nem autor nem réu no indulto individual. É uma decisão de natureza
Constitucional e a constituição brasileira dispensa a menção do “porquê” do
presidente emitir seu perdão. Cada um pense o que quiser. A única restrição que
se faz à graça é que o indultado não tenha cometido crime hediondo, tráfico de
drogas ou tortura. Consulte, o leitor, a legislação e os dicionários jurídicos
e constatará que todos eles se referem a pedidos de esclarecimentos em <u>processos
judiciais</u>, o que não é o caso da graça.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Como
este texto já está ficando longo demais, transcrevo, abaixo, a meritória
pesquisa do Dr. Dr. Rodrigo de Oliveira Ribeiro, em que menciona os países que
preveem a graça, e o artigo da sua Constituição então vigente em 2015. Lendo o
seu artigo, em respeitada revista jurídica, dispensei-me de uma longa tarefa <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>procurando confirmação de cada referência, até
2015, de um jurista que desconheço pessoalmente mas de impressionante
persistência. Ele tem aqui minha homenagem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Lista
dos países que preveem a graça:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Afeganistão
(art. 75); Alemanha (art. 60, 2,3); Argentina (art. 99,5); Bélgica (art. 110);
Chile (art. 32, 16); Colômbia (art. 150, 17); Coréia do Sul (art. 78); Cuba
(art. 88); 18 Dinamarca (§24); Egito (parte III); Espanha (art. 62, i); Estados
Unidos (art. II, 2); Geórgia (art. 73); Holanda (art. 122); Hungria (art. XXXI,
1, 2, j, e 8,3,j); Índia (art. 72); Luxemburgo (art. 38); França (art. 17);
México (art. 89, XIV); Noruega (art. 20); Nova Guiné (art. 151); Paraguai (art.
238); Peru (art. 118,21); Portugal (art. 134, f); República Tcheca (art. 62);
Suécia (art. 13), Suíça (art. 173), Uruguai (art. 85); Uzbequistão (art. 93,
200).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Revista
Brasileira de Ciências Criminais 2015 RBCCRIM VOL. 117 (NOVEMBRO-DEZEMBRO 2015)
HISTÓRIA DO DIREITO PENAL 3. O INDULTO PRESIDENCIAL: ORIGENS, EVOLUÇÃO E
PERSPECTIVAS. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Encerro
este artigo agradecendo a tolerância dos leitores, interessados em questões
vitais de natureza política e jurídica. Como o texto foi escrito pensando em
ser lido na internet, permiti-me sublinhar algumas palavras mais importantes,
prática pouco elegante quando se escreve em processos judiciais, dos quais
estou afastado inúmeros anos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">Obrigado
a todos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt;">(29/05/2022)</span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2299807324130662194.post-26032202255524357262022-03-30T19:22:00.001-03:002022-06-20T10:24:43.770-03:00Bolsonaro, fazendo isso, poderá ser reeleito.<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb4BDoqTQC6PwcqQTHfSTttEzV2UaoT-Uc_bp_pZ3ewhZsrcvpSRZVJEYQJn4b72rS1Dn03oz87S6I-LuoDhTi7VNLqmszBnvQgLR8pieRPnZHbnISXYzjilblYJF5kiuI6Ba0ia2MbwqK6nvxlEByRL1Im_z-3Sbt-xhWnCo_t3l9UjWaHONxOu9K/s1237/dinheiro2.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="673" data-original-width="1237" height="217" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb4BDoqTQC6PwcqQTHfSTttEzV2UaoT-Uc_bp_pZ3ewhZsrcvpSRZVJEYQJn4b72rS1Dn03oz87S6I-LuoDhTi7VNLqmszBnvQgLR8pieRPnZHbnISXYzjilblYJF5kiuI6Ba0ia2MbwqK6nvxlEByRL1Im_z-3Sbt-xhWnCo_t3l9UjWaHONxOu9K/w400-h217/dinheiro2.jpg" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Foto divulgação .</span></div>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">— “Isso o
quê? Perguntarão. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Digo: permitir — pelas
vias legais —, que as pessoas que recebem Bolsa Família e/ou Auxílio Brasil,
possam continuar recebendo tais benefícios mesmo que consigam trabalho com
carteira assinada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">A atual
sistemática legal tem muitos inconvenientes: desestimula o necessitado a
procurar um emprego porque, conseguindo-o, perde um ganho certo, governamental.
Prudentemente, não trocará o certo pelo duvidoso. Seu patrão também vive rodeado
de incertezas. Milhares de empresas fecharam suas portas por causa da pandemia,
e a situação mundial ainda é vacilante.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Novamente desempregado, o trabalhador teria que pleitear novamente a
ajuda governamental, sem a certeza da sua concessão com urgência. Há em tudo
uma burocracia. Um incentivo à ociosidade. Para não morrer de fome, terá que ou
mendigar, ou ingressar na criminalidade ou na prostituição. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">Outro
inconveniente, agora político, da atual legislação: o pobre, vivendo somente
com as modestas quantias das “bolsas” torna-se completamente dependente do
governo de plantão. para poder viver, juntamente com sua família. Torna-se
eleitor forçado, porque sem dinheiro ninguém vive. Quem sabe — pensa o infeliz
—, mudando o governo na próxima eleição, o sucessor não manterá o auxílio, ou
diminuirá a quantia mensal. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">Acredito
que a maioria das pessoas que recebem o Auxílio Brasil gostariam de poder
melhorar de vida, trabalhando de fronte erguida, sem medo, como se fosse um
infrator, um criminoso “proibido de trabalhar”. Somando os dois ganhos — o
auxílio e o salário — poderiam ingressar mais depressa na classe média.
Estudando e trabalhando sem medo, na legalidade. Em troca, o governo federal, a
cada dois anos, revisaria a necessidade, ou não, de manter, diminuir ou
aumentar o valor do auxílio, conforme a situação econômica do país. O leitor
pode confiar que a soma do trabalho honesto mais o auxílio governamental não vai
enriquecer ninguém. São quantias insignificantes, mesmo somadas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">Espero que
esta sugestão chegue aos ouvidos do atual governo federal.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;">(30/03/2022)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Times New Roman",serif;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>Francisco Cesar Pinheiro Rodrigueshttp://www.blogger.com/profile/08835457857171969512noreply@blogger.com0