terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

“Imposto único”, com redução da carga tributária.

Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Desembargador Aposentado

Dias atrás, publiquei um artigo no meu site — www.franciscopinheirorodrigues.com.br — concitando os grandes jornais e destinarem uma página inteira, diária, a exposições muito resumidas — e simplificadas na maneira de explicar —, de modo a permitir que pessoas inteligentes, e/ou curiosas, mas de menor escolaridade — ou bem instruídas mas com pouco tempo para ler jornais— possam ter uma ideia clara, embora provisória, dos temas mais importantes da atualidade. Temas que o jornal presuma estejam bem distantes da compreensão da maioria de seus leitores. Compreendendo “o miolo”, a ideia geral, ficará mais fácil, depois, ler artigos mais detalhistas.

No presente artigo, em estilo coloquial — aliás, o único de que disponho — abordo três assuntos que podem ser vinculados e resumidos em única indagação: como diminuir a burocracia tributária e a carga fiscal excessiva, com isso aumentando, paradoxalmente, a arrecadação e melhorando a justiça tributária? Essa boa intenção não seria utópica e até mesmo contraditória? Como conciliar a redução do número de impostos, seus percentuais e, não obstante, manter estável ou melhorar a arrecadação?

Não há nada de utópico nisso. Exigiria apenas bom senso, alguma “coragem eleitoral” e responsabilidade do Executivo e do Legislativo. Ambos os Poderes só se prestigiariam com esse novo método de extrair, do cidadão, aquela parte de sua riqueza destinada à manutenção do Estado. — E “dará voto, pessoal!”.

Não seria necessária nova Constituinte, penso eu. Bastaria, insista-se, um pouco de maturidade e resistência contra a imensa pressão que virá de setores que hoje se beneficiam do atual sistema tributário, detalhista e burocrático ao extremo. Quanto maior a quantidade de leis e outras normas de um país, maior a oportunidade de “truques” e “jeitinhos” que surgem na cabeça dos mais audaciosos. Estes sempre tranquilizam suas consciências com o argumento de que “Quem rouba ladrão — o Estado — tem cem anos de perdão”. Na verdade, o sonegador não rouba o Estado, rouba indiretamente os demais contribuintes, que pagam a sua parte e a parte que caberia ao sonegador.

Passemos a explicar o “remédio milagroso”, a ser descrito com tremenda simplificação. Pede-se, apenas, que o leitor tenha um mínimo de paciência, lendo este artigo até o fim. Cientes que benefícios futuros —duradouros —, geralmente têm um custo presente. Basta lembrar os planos de saúde, de aposentadoria, os sadios regimes alimentares, e os demorados estudos universitários para garantir um futuro melhor.

Refiro-me ao “Imposto Único”, um ideal que povoa, há décadas, mentes lúcidas e inconformadas com o gasto de tempo, energia e paciência preenchendo formulários e outros papéis. Se todo progresso humano vem acompanhado do desejo de praticidade, por que somente a tributação caminha em sentido contrário?

Todos sabem o que significa o ideal do Imposto Único: um só tributo que reúna todos os demais. O contribuinte pagaria um único tributo e o Governo Federal dividiria o “bolo” entre os estados, na medida de suas respectivas necessidades. Por sua vez, os estados fariam o mesmo com seus municípios. Em tese, um verdadeiro “paraíso” para o cidadão moderno e honesto que hoje sofre não apenas no bolso como também no sistema nervoso, preocupado com o cumprimento anual, mensal, semanal e até diário de “n” obrigações fiscais. Se esquecer alguma delas, paga multa. Além de saquear, os governos ainda atormentam os contribuintes.

Ocorre que será impossível, por décadas, criar um“imposto único” sem conhecer, de antemão, seus efeitos na arrecadação. Nenhum governo trocará o conhecido pelo desconhecido. Seria salto no escuro. A forma unificada de tributação arrecadaria o suficiente? É preciso, portanto, avançar com cautela, com “teste legislativo”, nessa ideia imensamente promissora. Lucrativa para o governo (de imediato e futuramente) e para o contribuinte (embora com um sacrifício inicial).

Como funcionaria, no Brasil, esse primeiro passo do Imposto Único? Da seguinte forma: Toda vez que houver um pagamento ou qualquer transferência de dinheiro, na forma de cheque, transferência eletrônica ou compra com cartão de crédito, um determinado percentual do valor sairá da conta corrente do pagador. A arrecadação seria imensa, tendo em vista o que foi arrecadada pela CPMF até o final de 2007. Imensa, entre outras coisas, porque alcançaria os contribuintes que não contribuem, adeptos da economia informal.

Já ouço a gritaria desesperada, utilizada quando da CPMF, destinada à Saúde: — “Mais um imposto!”. Porém, com ou sem gritaria — o grito é sempre um recurso de quem não tem razão — o fato é que uma imensa massa de pessoas ganha bem, ou muito, e pouco, ou nada paga, enquanto os assalariado e os contribuintes “certinhos” pagam demais. Se todos pagassem, o assalariado poderia, por exemplo, ver grandemente reduzido seu Imposto de Renda. Não tem cabimento um trabalhador ou funcionário público, ganhando cerca de cinco mil reais, pagar 27,5% para o Leão.

A CPMF arrecadou, no último ano de sua vigência, 2007, com a alíquota de 0,38%, a quantia de 36,5 bilhões de reais. Se a alíquota fosse de 1%, hoje —, com o país mais rico —, a arrecadação seria bem acima de 100 bilhões anuais. Imposto não desviado, porque arrecadado de imediato, protetor da honestidade de fiscais e outros seres humanos que ficariam livres da tentação. É um tributo insonegável e acompanha, concretamente a movimentação do dinheiro na vida real.

Não se alegue que com o desconto do imposto no cheque, no cartão de crédito e no pagamento via computador o sonegador passará a transportar nos bolsos, cuecas, pastas e malas, grandes volumes de dinheiro. Se ele assim agir, os primeiros a saberem disso serão os assaltantes, transformados, involuntariamente, em“fiscais” inibidores da sonegação. Após os primeiros tiros ou coronhadas dos meliantes, os “cofres ambulantes”, assustados, preferirão voltar às formas tradicionais de pagamento.

Detalhe importante: a lei, aqui sugerida diria, em um artigo ou parágrafo explícito — sem essa restrição, nada feito —, que 180 dias após sua vigência, o governo publicaria, no D. Oficial, quanto foi arrecadado, no período e por mês. Após o exame da arrecadação, governo, oposição e a opinião pública poderiam decidir pela extinção, continuação ou alteração da alíquota desse novo tributo. Se decidida sua extinção, os valores pagos pelos contribuintes serão considerados créditos tributários para pagamento de qualquer tributo em vigor. Se aprovado esse “ovo” do imposto único, o Governo Federal reduzirá, na mesma proporção da arrecadação, as alíquotas do Imposto de Renda e/ou outros tributos que pesam sobre os ombros da população brasileira.

Não teríamos apenas “mais um imposto”. Ele seria o passo inicial para a substituição gradativa de “n” tributos por uns poucos. Sua finalidade máxima estaria no combate à sonegação e na simplificação das obrigações tributárias. Hoje, quem paga Imposto de Renda são os assalariados e os contribuintes mais íntegros —prejudicados pelos concorrentes que pagam pouco, ou nada, e com isso podem vender seus produtos e serviços por preço mais baixo. A obediência fiscal torna-se uma desvantagem.

Diz a mídia que a carga tributária brasileira está acima de 33% do PIB. Uma das mais pesadas do mundo, e com baixa taxa de retorno social. Esse “retorno” já é outro departamento. A aritmética elementar garante apenas que se e todos os cidadãos pagarem, conforme a legislação — e não uns poucos, que não têm como se defender — essa carga será obviamente menor, porque amplamente distribuída.

Poucos dias atrás li, no jornal, que os brasileiros estão, em massa, comprando apartamentos na Flórida, pagando com dinheiro vivo,“cash”. Essa forma preferencial de pagamento não seria um indício de “Caixa 2”em grande escala?

Não sou, obviamente, um tributarista. Opino aqui como mero cidadão contribuinte, sempre surpreendido com a imensa complexidade fiscal. Não consigo entender como ainda existem contadores em condições de acompanhar, com total rigor, as abundantes e por vezes duvidosas obrigações fiscais. Quando leio sobre a infindável luta das nossas autoridades tentando inibir a evasão de divisas, e do Ministério Público tentando trazer de volta ao país o produto do Caixa 2 — ou façanhas mais sérias —,fico me perguntando se os crimes financeiros não ocorreriam em muito menor escala se a carga fiscal fosse mais reduzida, mais clara e mais justa, alcançando todos os contribuintes e não apenas, como disse, os “certinhos” por índole, ou “coagidos” pelo desconto no holerite.

Penso que o único inconveniente na presente proposta —aqui genérica e canhestramente sugerida —, reside no fato dela implicar em um aumento provisório de tributação, por alguns meses, visando um bem futuro, mas não “garantido”, diga o que diga a lei. O povo não confia nos governantes. A Presidente Dilma me parece muito confiável, até agora. A meu ver, cumpriria o que estaria na “lei do imposto único”, diminuindo a carga fiscal depois de constatado o sucesso na arrecadação. De minha parte, “voto” pelo grande teste.

Somente grandes estadistas ou invulgares parlamentares terão coragem de convencer os cidadãos de que a obsessão pelo imediatismo é própria das crianças e dos adultos de curta visão. Quanto aos espertos, que hoje desfrutam das falhas ou contorções legais, esses jamais aceitação a mudança do status quo: — “Qual a vantagem de pagar impostos?” Se o Fisco me pegar, recorro à Justiça, eternizando a execução fiscal com inúmeros recursos”.

De um ponto de vista não ético, eles estão certos. Atualmente, a soma dos créditos cobrados na Justiça Federal ultrapassa um trilhão de reais — “tri”, mesmo . Com a nova versão da “lei do cheque”, esse bloqueio de dinheiro, fruto da sonegação, não mais ocorrerá, porque a fatia da riqueza que pertence ao estado é cobrada na hora, automaticamente.

Vale a pena tentar modificar essa desigualdade, em que o punido é o contribuinte cumpridor da lei, não o que consegue viver à sua margem.
(12-02-2013)

domingo, 3 de fevereiro de 2013

"Quarto do pânico"


“Quarto do pânico”, terrorismo e criminalidade comum.

Na edição especial da revista “Época”, de 9-5-2011 — com ênfase no futuro do    terrorismo após a morte de Bin Laden —, que só li dias atrás, há uma interessante entrevista do cartunista dinamarquês, Kurt Westergaard, jurado de morte pelo Islã porque desenhou uma caricatura de Maomé com o turbante recheado de bombas.
Dois aspectos chamaram minha atenção nessa entrevista: o “quarto do pânico”, que o salvou da morte, em sua residência, e a convicção — que parece inalterável — do entrevistado de que “Precisamos aceitar que existem pessoas no mundo que não gostam de nossos valores nem os aceitam”. Evidentemente referia-se aos muçulmanos, quando fanáticos — porque há também seguidores de Maomé que são capazes de ouvir objeções sem recorrer à violência. E como toda ideia sugere outra, imaginei o uso do tal “quarto” também como defesa contra a criminalidade comum, que não para de crescer.
Presumo que quase todos já sabem o que significa um “quarto do pânico”. Em alguns filmes de ficção esses “bunkers” domésticos já apareceram na tela e, certamente, despertaram curiosidade. Pessoas abonadas, preocupadas com sua segurança, devem ter se perguntado: “São seria essa uma boa ideia para minha casa, ou apartamento? Não me sinto segura em parte alguma”.
Essencialmente, o que é um “quarto do pânico”? É um local, preferencialmente o banheiro — por razões óbvias, considerando que é impossível prever, com exatidão, por quanto tempo as pessoas da casa ficarão nele refugiadas.
Marginais usualmente não conseguem penetrar nos lares, defendidos por muros altos, fechaduras, grades e outras proteções. Todavia, quando os bandidos conseguem ultrapassar tais barreiras e já estão dentro do lar — sem ainda dominar os moradores—, onde se esconder e de lá pedir socorro à polícia?
Tais refúgios representam forte proteção ao morador —, isto é, quando houve tempo suficiente para correr e fechar a porta, geralmente de aço. Para arrombar essa porta, só com tremenda explosão que praticamente destruiria a casa inteira e não serviriam aos propósitos dos bandidos, que evitam chamar a atenção da vizinhança. Dentro do “quarto” existem celulares, telefones fixos, aparelhos de televisão, computadores, monitores ligados a câmeras internas que mostram o que acontece em outras partes da casa e mesmo do lado de fora. Além disso, lá ficam armazenados alimentos e bebidas para eventual longa espera de socorro policial. Enfim, todo o conforto necessário aos moradores, até mesmo por vários dias, deve estar presente no “cofre forte de humanos”, enquanto cresce, simultaneamente, a sensação de perigo para os invasores da residência, presumindo que o pessoal da casa já chamou a polícia. Obviamente, quanto maior a segurança e conforto do “bunker”, maior o seu custo.
Considerando-se que, em matéria de segurança pública, no Brasil, é mais previsível que as coisas piorem, em vez de melhorar — porque os governos  vivem travados pelo medo de parecerem “duros demais”  — é previsível que comecem a surgir, aqui e ali, firmas especializadas em instalar “quartos do pânico”, como aconteceu com a ideia dos carros blindados, cada vez mais procurados por pessoas convencidas da incapacidade das autoridades em garantir a segurança nas ruas.
A progressão da criminalidade generalizada, cada vez mais solta, é fácil de constatar. Nas pequenas cidades do interior, até poucas décadas atrás, muitos moradores nem trancavam a porta da rua durante a noite. Depois, houve necessidade de trancar bem portas e janelas, tanto de dia quanto de noite. Isso revelando-se insuficiente, foi necessário colocar grades, no portão, janelas e mesmo em algumas portas, transformando as grandes cidades em presídios excêntricos em que os moradores são os “reclusos”.
Isso não bastando, as firmas de segurança atenderam a uma exigência do mercado, instalando alarmes contra invasões de residências e empresas em geral. Isso, porém, ainda não bastou. Os automóveis passaram a ser roubados quando o motorista aguarda a abertura de sinal nos cruzamentos. O que fazer para evitar o perigo de ser de ser assaltado quando o sinal de tráfego está no vermelho?
Surgiu então a fase do carro blindado. Principalmente porque o perigo não está tanto na subtração do veículo, pois muitos deles estão no seguro. O maior perigo está na possibilidade do carro ser levado com as pessoas que estão em seu interior. Principalmente se forem mulheres e crianças. O medo do estupro ronda... E o assalto pode também se transformar em sequestro, com saques em caixas eletrônicos, além do cárcere privado com exigência de grandes somas.
Um grande amigo meu, hoje idoso, quando lhe perguntei se nunca houve tentativa de assalto visando roubar o belo “carrão” dele em que estávamos conversando, ele me respondeu que houve, sim, uma tentativa. Ele estava então no banco de trás e o motorista aguardava a abertura do sinal. O ladrão deu umas pancadinhas com o cano do revólver no vidro da janela do motorista, mandando que ele abaixasse o vidro. O motorista, imperturbável, disse simplesmente que não iria abrir. Aí o ladrão perguntou: —“Esse carro é blindado?”.  O motorista disse que sim e o bandido se afastou sem efetuar disparo. Certamente, pelo som das pancadinhas no vidro reforçado o meliante percebeu que o carro era realmente blindado. Se ele disparasse, a bala não penetraria no interior do veículo mas o choque contra o vidro — capaz de resistir a tiros de pistola de alto impacto — provocaria estilhaços que iriam ferir o próprio assaltante, certamente um conhecedor do assunto.
Falta, agora, “progredir” para “sala do pânico”, pelo menos para pessoas de grandes recursos financeiros. Não que a classe média não queira também “bunkers” domésticos. O problema está no gasto excessivo e na pouca probabilidade de que venha a precisar dele um dia.
Na entrevista referida na abertura deste artigo, o chargista dinamarquês conta que em razão da sentença de morte decretada pelos islamista, o governo dinamarquês instalou um posto policial em frente da sua residência, no subúrbio de Aarhus, na Dinamarca. Além disso, mantém dois guarda-costas que estão sempre próximos quando sai de casa. Isso, no entanto, não impediu que em um determinado dia um terrorista invadisse seu lar no momento exato em que o chargista deixava na sala uma neta de cinco anos e ia ao banheiro, transformado em “casa do pânico”. Mal entrou, ouviu o ruído de uma janela sendo quebrada. De imediato percebeu que era o matador que vinha executar a sentença de morte. O caricaturista fechou imediatamente a porta de aço mas logo depois preocupou-se com a sorte da neta. Aí lembrou-se de que a segurança dinamarquesa já o instruíra no sentido de que os “terroristas não fazem mal às pessoas que não são alvo”. Isso o tranquilizou e depois, tudo terminado, verificou que era verdade, porque o terrorista, com relação à criança, apenas gritou “Não tenha medo!”
O terrorista, frustrado, não conseguindo penetrar no “quarto do pânico”  — ou banheiro, no caso —, quebrou o computador, a televisão e os quadros da sala. Ao sair, a polícia o esperava, atirando nas mãos e joelhos. Certamente para poder depois interrogá-lo. Seria mais útil vivo do que morto.
Pelo conjunto da entrevista percebe-se que Kurt Westergaard é homem valente. Um artista de temperamento forte. Tanto assim que, segundo disse, pensou em lutar com o terrorista armado de machado e faca, só não o fazendo porque isso causaria um banho de sangue na presença da netinha. Além disso, sendo um homem de 75 anos, seria praticamente suicídio enfrentar um jovem naquelas condições e decidido a mata-lo, mesmo sendo morto em seguida. Essas missões são também suicidas, se necessário.
O único reparo que posso fazer contra o tenaz caricaturista — disposto a nunca ceder em suas convicções em favor da irrestrita liberdade de crítica —, é que ele não tem uma compreensão plena da força de uma educação religiosa e tendenciosa — impregnada de fanatismo —, inculcada desde a mais tenra idade nas crianças, como ocorre em alguns governos muçulmanos.
Se existisse um aparelho — semelhante àqueles com os quais é possível medir a pressão arterial —, capaz de medir o grau de convicção sincera, embora fanática, de uma pessoa, tenha a certeza, leitor, de que o tal aparelho diria, no mostrador, que o jovem que queria matar o chargista estava convicto que agia moralmente certo. Não fazia isso por dinheiro, sexo, ou qualquer outro interesse subalterno. Acreditava obedecer  ao desejo de seu deus, conforme escrito em um livro que, para ele é santo, o Alcorão. Assim como o cristão considera a Bíblica um livro santo. Enfim, era um homem profundamente religioso. Tanto assim que não causou o menor dano à neta do dinamarquês.
Westergaard, que confessa-se ateu na entrevista e foi contrário à invasão do Afeganistão e do Iraque, em nenhum momento mostra-se otimista quanto à mudança de mentalidade do mundo muçulmano, com sua conhecida intolerância. Pelo modo como ele se expressou na entrevista, não acredita que  essa intolerância — em um mundo com mais de um bilhão de muçulmanos — vá desaparecer. Nesse ponto parece-me estar redondamente equivocado. Pode e vai desaparecer se o Ocidente agir da maneira certa.
O fanatismo, a intolerância, é um fenômeno psicológico, estimulado por um grupo de pessoas muito influentes nos espaços geográficos que ocupam e dominam. Poucas religiões escaparam das garras do fanatismo induzido. O próprio Cristianismo já passou por isso, quando queimava hereges e bruxas na fogueira. À medida, porém, que os governos vão se transferindo, via eleições, para as mãos de leigos — com menor controle do pensamento —, a comunicação entre as pessoas, a troca de ideias, e a difusão das informações científicas vão fortalecendo o espírito crítico, comparador, questionador, que mina a permanência de ideias intolerantes e geralmente erradas. Dizem que os jesuítas garantiam que se pudessem doutrinar uma criança a partir de tenra idade, mantendo-a sob sua orientação religiosa até os sete ou oito anos, essa criança seria cristã pelo resto da vida. É o que acontece nos países islâmicos, o que explica a temeridade de muitos jovens que envolvem seus corpos com explosivos, dispostos a se sacrificarem por uma causa que consideram justa e até mesmo divina.
O que as potências ocidentais precisam fazer — e já fazem, mas muito lentamente — é adotar uma política que facilite, às populações muçulmanas, o acesso aos telefones celulares, tablets e outras formas assemelhadas de comunicação social, considerada a causa principal da “primavera árabe”. Se isso for feito durante uma geração desaparecerá a predominância do fanatismo. Se Westergaard cuidar da saúde e estiver vivo aos 95, certamente constatará que o simples decurso do tempo, mais o acesso fácil às tecnologias da informação e comunicação enfraquecerá o fanatismo, porque todo os povos, árabes inclusive, têm uma natureza humana assemelhada.
Não será com arrogância, ameaças, assassinatos e ocupações que se anulará a fatia intolerante do islamismo atual. Os jovens terroristas são uma espécie de vítimas de seus preceptores religiosos, que moldaram seus espíritos para uma obediência cega a comportamentos hoje absurdos. Lembre-se, por exemplo, que o apedrejamento, até a morte, de adúlteras era considerado um castigo perfeitamente correto no Velho Testamento, obedecido pelos judeus. Lembremo-nos da frase de Cristo com sua repreensão implícita de que “quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra...”.
Com a diáspora, os judeus, espalhados pelo mundo, sofreram perseguições e humilhações mas, tendo que se adaptar a novas duras realidades, novas línguas e costumes, esse involuntário “banho” de comparações foi aperfeiçoando sua visão do mundo, dando-lhes uma vantagem intelectual que não teriam se tivesse permanecido sempre na Palestina, plantando oliveiras e criando cabras.
A solução correta para o “choque de civilizações” está na difusão da informação, na separação entre religião e governo e na correção — já! — de algumas gritantes injustiças cometidas contra os palestinos.  Não será com ameaças e truculências que desaparecerá o terrorismo de origem religiosa. Pessoas, grupos de pessoas e mesmo nações inteiras, “tomam as dores” dos palestinos e o resultado final do processo pode ser um conflito generalizado no Oriente Médio, envolvendo Israel, que tanto poderá, depois, se expandir quanto encolher, ou quase desaparecer.
O grande “problema”, pouco mencionado, é que, se adotada, pelo Ocidente, uma política mais inteligente e tolerante da mentalidade muçulmana, a diminuição do risco de novos conflitos armados trará forte prejuízo à indústria armamentista, que subsiste e prospera à custa do medo e da desconfiança. Quanto mais paz no mundo, maior o risco de falências no setor, desemprego e queda na arrecadação de tributos. E existe algum chefe de governo, hoje, em país desenvolvido, querendo mais problemas na sua economia?
O planeta está moralmente doente, há séculos, e ainda não percebeu. Aliás, uns poucos perceberam, mas o remédio é amargo demais.
(3-2-2013)