quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sensata, a liminar do Min. Luiz Fux, no “pacote anticorrupção”. Havia o “perigo da demora”

Poucos dias atrás o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro impetrou, no STF, o mandado de segurança nº 34.530 pedindo que fosse anulada, na Câmara dos Deputados, a votação do “pacote anticorrupção”, de iniciativa popular, que nela tramitou.   O impetrante salientou que a alteração legislativa visava ampliar o combate à corrupção mas a Câmara incluiu e aprovou uma emenda que agia em sentido oposto, intimidando juízes e promotores. Principalmente aqueles encarregados das investigações relacionadas com a operação Lava Jato.

Essa deturpação da vontade popular representou um autêntico “tiro pela culatra”, no olho da vontade popular. Deturpação que, se não fosse interrompida pela liminar do Min. Luiz Fux, poderia ter se transformado em lei — direito positivo —, tornando arriscadíssimo, durante anos, o exercício normal das atribuições dos promotores e juízes.

O projeto anticorrupção, votado na Câmara, atendeu, em pequena parte, o solicitado por mais de dois milhões de eleitores — o “endurecimento” na luta contra a criminalidade — mas, ao mesmo tempo, contraditoriamente, introduziu, no “remédio” contra a impunidade, uma espécie de “veneno” que criminalizou, ou impossibilitou, a atividade normal de promotores e juízes.

Na tóxica emenda a Câmara “enxertou”, por exemplo, que juízes e promotores sejam processados por crime de responsabilidade caso atuem “de maneira temerária” ou de forma “político-partidária” numa investigação.

Como as investigações — nos casos de desvio de dinheiro público — envolvem, quase sempre, políticos e empresários ligados a eles, essa vagueza de acusação será uma excelente oportunidade para os suspeitos ou acusados ajuizarem — para tumultuar — infindáveis demandas contra juízes e promotores, obrigando-os a se defenderem o tempo todo contra dúbias acusações. Como o promotor e o juiz poderão trabalhar — em assuntos por si só bastante complexos —, se tudo o que fizerem poderá ser considerado “temerário”?

 A finalidade desses suspeitos “enxertos” legislativos — foram muitos, leiam, no projeto da Câmara, o rol dos “crimes de responsabilidade” inventados — foi deixar a acusação sob constante ameaça de processo, com possibilidade de perda do cargo, multas e outras consequências. Cada “queixa” contra os promotores possibilitaria nova paralisia no andamento das investigações, tendo em vista que lei alguma proíbe, no Brasil, que qualquer pessoa redija “n” petições contra alguém, seja ele quem for, até que ocorra a quase utópica “coisa julgada”. No Brasil é ficcional a frase “decisão judicial não se discute, cumpre-se”. É justamente o contrário: “Recorre-se”. Se nada ganha-se quanto ao pedido, em si, isso não importa. Ganha-se com algo não menos valioso: a inerente demora, benéfica a quem não tem razão e por isso não quer ser julgado.

A mídia salientou que a “inversão de objetivos”, na Câmara, ocorreu, “por coincidência”, na madrugada de uma terça-feira em que as atenções do país estavam voltadas para a morte trágica, na Colômbia, de um avião que transportava os jogadores de um time de futebol de brilhante futuro. Aprovado, na Câmara, o projeto foi enviado ao Senado. Nesse interregno foi requerido o Mandado de Segurança, com pedido de liminar, deferido pelo Min. Luiz Fux, tendo em vista o “periculum in mora”: a possibilidade de uma rápida aprovação do projeto no Senado. Havia motivo de sobra para o Min. Luiz Fux conceder a liminar, a menos que estivesse cego para o que estava ocorrendo com tanta pressa legislativa.

Se transformada em lei, com a óbvia futura aprovação do Senado, a deformada iniciativa popular só poderia ser anulada muitos anos depois. Seria uma sentença de morte, ou de “congelamento”, para sempre, das investigações. Se há, nos anais legislativos, um “tiro no pé”, igual a esse, em qualquer “iniciativa popular”, será preciso procurar muito.

A corajosa liminar do Min. Luiz Fux não foi uma ofensa à Câmara, considerando-se a pressa da aprovação da emenda — e do insignificante “resto” do desejo popular.

Houve, na concessão da liminar, apenas uma consideração emergencial, mostrando um desvirtuamento óbvio da intenção popular autorizada pela Constituição Federal. Se no projeto popular houve alguns excessos de severidade contra infratores ou supostos infratores, a Câmara poderia — como efetivamente fez —, cortar ou reduzir os exageros punitivos.

Se a Câmara, em outro projeto legislativo — de sua livre iniciativa —, quiser reprimir eventuais excessos repressores, que apresente projeto próprio, separado, às claras, fundamentando em detalhes o seu pedido. O que não pode é, perdoando a repetição, “tomar carona” em um projeto alheio — visando o combate à criminalidade — e, como “caronista”, alterar o destino do veículo, introduzindo uma longa emenda que transforma a iniciativa popular em seu oposto.

A liminar do Min. Fux nada tem de ofensiva à divisão dos poderes. A Constituição Federal, nos art.14, item III, e 61, §2º  — leiam, por favor — permite a iniciativa popular e estabelece as condições de procedimento, normas que não foram observadas. O próprio Regimento Interno da Câmara, nos arts.24, II, c, e 91,II, e 91,II, determinam rito diferente para discussão de projetos de iniciativa popular. A votação desta deveria ter ocorrido em sessão plenária, com oradores escolhidos pelos interessados na aprovação da iniciativa popular. E, segundo se deduz das informações da mídia, isso não ocorreu.

Quanto à liminar do Min. Luiz Fux — alguns jornalistas “acham” que o ministro “errou” porque uma liminar de tão grave significado deveria ser decidida pelo colegiado do STF.

Ocorre que havia a necessidade de pressa para a concessão, ou não, dessa liminar. A aprovação da Câmara, na já famosa madrugada, sugeria que algo parecia suspeito, na pressa para transformar em lei a ameaça contra juízes e promotores que trabalham na investigação da controvertida Lava Jato.

 Se o Min. Fux fosse aguardar uma decisão colegiada do STF, a iniciativa popular, enxertada, já estaria vigorando, agora, como lei. Haveria muita possibilidade de demora e discussão no STF, em tema carregado de subjetivismo político-filosófico, do qual raros magistrados podem se livrar, mesmo querendo. Talvez houvesse pedido de “vista” dos autos, por alguns ministros. Demoras de semanas certamente ocorreriam e nesse interregno a lei alterada em seu propósito entraria em vigor.

O Min. Gilmar Mendes rebelou-se, exaltado, contra a liminar de seu colega de Tribunal, dizendo que os eleitores que assinaram a iniciativa popular não a leram, ou se leram, não a compreenderam, tendo em vista a complexidade jurídica dos valores jurídicos em jogo. Por isso, no entender dele, o projeto popular contra a corrupção não merece crédito. Disse até que a redação da iniciativa popular é um “AI-5 do Judiciário”, uma ditadura pior que o AI-5 do tempo da ditadura.

Não tem razão o ilustre Ministro quando desmerece os mais de dois milhões de signatários. Claro que eles não leram ou não entenderam a íntegra dos fundamentos do projeto popular. Os detalhes técnicos, jurídicos, são sempre “complicados”. Tanto assim que mesmo entre juristas renomados ocorrem divergências interpretativas totalmente opostas. Mas uma coisa é inegável: quem assina “projetos de iniciativa popular” está ciente do propósito do documento. O eleitor pode não entender os detalhes e o alcance de cada proposta, mas sabe o que quer e pede providências. Mas não quer uma coisa e também o seu oposto. E o oposto, inserido pela Câmara, superou, em perigo, o que pretendia a iniciativa popular. Acusadores e juízes tornar-se-iam réus dos acusados e investigados.

Quem assina tais documentos sabe perfeitamente que suas propostas  passarão pelo crivo dos legisladores. Serão discutidas. Não presumem que o projeto popular será assinado ou rejeitado em bloco. E se o argumento da ignorância jurídica dos subscritores da iniciativa popular vale contra essa iniciativa, vale também o argumento de que o enxerto de acusações vagas contra juízes e promotores também não foi nem lido, nem compreendido pelos milhões de eleitores, signatários ou não da iniciativa em discussão.

Em suma, Luiz Fux agiu com coragem e discernimento, concedendo uma liminar que, se não tivesse sido concedida naquele momento, traria enorme dano ao desejo do país de sair do clima de desonestidade que estimula o crime organizado.

Compreendo os deputados que aprovaram, na fatídica madrugada, o “enxerto” que, aprovado, lhes permitiria um futuro sem o medo de prisão, ao ver deles injusta. Sei que seria dificílimo, quase impossível, um cidadão brasileiro, interessado em política — até mesmo idealista — eleger-se deputado federal sem recursos suficientes para gastar com propaganda eleitoral. Daí aceitarem ou pedirem doações do tipo “Caixa 2” para suas campanhas.

Pessoalmente, estou convencido de que a criminalização do “Caixa 2”, com efeito retroativo, não deveria prevalecer porque o poder legislativo não deve ser ocupado apenas por milionários que possam bancar as suas campanhas apenas com recursos próprios. Um legislativo composto apenas de milionários não seria representativo.

O Pe. Antônio Vieira, que além de padre e homem virtuoso era também invulgarmente inteligente, dizia que “Quem entra a introduzir uma lei nova não pode tirar de repente os abusos da velha”. (Dicionário de Pensamentos”, de Folco Masucci).

A se condenar todos os parlamentares que receberam doações do “Caixa 2”, nos últimos anos, só estarão livres da cadeia os candidatos passados que só não receberam tais doações porque eram tão insignificantes, politicamente, que era inútil ajudá-los em suas campanhas. Somente quando comprovada a participação do político donatário em algum esquema desonesto dos ricos doadores é que caberia a punição do candidato, porque ele fazia “parte do esquema”. Note-se que a prova provada das desonestidades das empreiteiras e da Petrobrás só surgiu com as descobertas recentes da Lava Jato.

O que acabei de dizer não contradiz minhas considerações sobre o que ocorreu na iniciativa popular desvirtuada — pelo medo de processo — de vários deputados. O que lhes cabe, data vênia, é insistir no efeito não retroativo da criminalização do “Caixa 2”. Há gente boa, capaz,  séria, entre os recebedores dessas doações, sem as quais não teriam chegado a participar da vida política do Brasil. Não cabe condenar todos os eleitos de cambulhada.

Discorde quem quiser do que escrevi nesta parte final deste despretensioso artigo. Quem discorda, o faz porque nunca foi candidato a coisa alguma. Ou, se o foi, não conseguiu se eleger, a menos que trabalhasse na televisão, aparecendo na tela com frequência. O grande problema é ser conhecido. A democracia pura, sem propaganda eleitoral, só funcionava bem na praça pública, na antiga Grécia de Platão, ou mais recentemente nos Cantões Suíços. No resto, Brasil inclusive, é a propaganda que permite ao candidato chegar ao conhecimento dos eleitores.

(22-12-2016)

Nenhum comentário:

Postar um comentário