segunda-feira, 23 de julho de 2012

Rússia e China estão corretas negando sanções à Síria


Essa corajosa negativa é um dos poucos casos em que o uso do veto mostrou-se virtuoso no Conselho de Segurança. 

 É afrontosa, data vênia, à inteligência a má-fé dos EUA, Israel, França e Inglaterra quando, no Conselho de Segurança da ONU, atendendo a interesses meramente estratégicos e políticos — principalmente de Israel —, distorcem, de modo até infantil, o que diz a Carta das Nações Unidas no seu Capítulo 7, artigos 41 e 42. 

Os representantes de tais países partem do pressuposto — para eles tranquilo — de que o planeta é composto de ignorantes e semianalfabetos que nunca se darão ao trabalho de ler o que diz, claramente a referida Carta. Ela está sendo mencionada, falsamente, como fundamento jurídico para tirar do poder o presidente da Síria, fiel aliado político do Irã. Derrubado o atual governo sírio, o Líbano poderá — quando isso parecer conveniente aos interesses dos “falcões” de Netanyahu —, ser ocupado por tropas israelenses, sem grandes receios de resistência do Hezbollah, hoje sustentado pelo governo sírio. 

Em suma, caindo Assad, sua queda será triplamente vantajosa para o atual governo de Israel porque assim eliminará três adversários: Hezbollah, Síria e, depois, o Irã, já em início de estrangulamento econômico. Com uma vantagem extra, a quarta: desviar a atenção do mundo para a necessidade da criação de um Estado Palestino. Na atual tensão de pré-guerra, relacionado com Síria e Irã, “não há clima para conversações a respeito de uma fronteira nítida separando Israel de um futuro Estado Palestino, não é verdade?” Assim justificará, a diplomacia de Netanyahu, sua “falta de tempo e timing” para as conversas com a Autoridade Palestina. 

Deposto Bashar Assad do poder, a confusão política que se seguirá no país, por meses ou anos — como vem ocorrendo no Egito e na Líbia —, o Irã ficará ainda mais isolado e enfraquecido na sua pretensão de conter a sede de predomínio regional de Israel, detentor de enorme poder militar, convencional e atômico. Sob a desculpa do medo de um ataque nuclear iraniano — praticamente impossível porque, além de remoto, nesse ataque morreriam também, pela proximidade física, milhares de árabes palestinos — o governo israelense espera tirar algum forte proveito da “Primavera árabe”, acreditando, com razão, que, “caçado” Bashar Assad, o governo sírio que o suceder será diferente do atual, pelo menos com respeito ao Irã. Se Israel apoiar firmemente os revoltosos exigirá depois alguma retribuição política por essa ajuda.  

O Capítulo 7 da Carta da ONU trata da “Ação Relativa a Ameaças à Paz, Ruptura da Paz e Atos de Agressão” — entre países, é evidente! —, não entre governo e revoltosos dentro de um mesmo país. Quando no artigo 40 fala em “partes interessadas” refere-se, obviamente a “países”, não a forças políticas internas, como é o caso da Síria e foi também o caso da Líbia. Quando aviões da OTAN deram apoio aéreo e assistência técnica, no solo, aos revoltosos líbios a Líbia não estava em guerra, ou ameaçando invadir país algum. No entanto, foi atacada, em parte obliquamente, com o pretexto de defesa de direitos humanos. Mesmo as aspirações mais nobres podem ser desvirtuadas pelos interesses políticos. 

É certo que Kadafi era um ditador, mas o fato de um país qualquer ser governado por um ditador não autoriza outros países a depô-lo. Mesmo porque não é impossível que a população local esteja até satisfeita com um governo forte, talvez temendo que quem o suceder, apoiado por outras potências, torne as coisas piores, mesmo sob a capa da democracia. Por acaso, pergunta-se, houve alguma pesquisa de opinião pública, na Síria — realizada por entidade internacional — para se saber qual o grau de aprovação ou desaprovação de Bashar Assad? Não houve. 

Vamos supor que mais da metade da população síria apoiasse — antes dos conflitos internos e consequentes combates — o governo de Assad. Qual a legitimidade de outras nações para congelar recursos financeiros sírios depositados em outros países? 

Imaginemos — apenas imaginemos —, que em Israel o governo se tornasse ditatorial, por tal ou qual motivo — inclusive por razões de segurança — e parte de sua população de rebelasse contra isso, em manifestações de rua, seguidas de repressão. Pergunta-se: caberia a outros países, sobretudo árabes, “estrangular” Israel impedindo seu comércio exterior e ameaçando sua existência com intervenções bélicas? Qualquer jurista israelense diria que essas intervenções, econômicas ou militares seriam uma violação de sua soberania. É isso o que vem acontecendo na Síria, com falsa leitura de artigos existentes na Carta das Nações Unidas. 

Houve uma revolta de parte — parte, apenas — da população síria contra um regime ditatorial que vinha desde o tempo do pai de Bashar Assad? Houve. Mas não seria censurável o governo reprimir violentamente tais manifestações? Seria, se essas manifestações fossem realmente pacíficas. Para saber isso seria preciso gravar o conteúdo da maioria dos discursos. Estourado o conflito físico entre revoltosos e governo, houve mortes de ambos os lados, às centenas.

Na Guerra de Secessão Americana, em que o Sul pretendia separar-se do Norte, houve uma grande carnificina, com cerca de 600.000 mortos. O conflito durou 5 anos, de 1861 a 1865 e o país ficou em ruínas. Não obstante, outros países não se intrometeram na carnificina, respeitando a soberania local. Pensaram: “Cabe aos americanos resolver se a Nação deve ser dividida em duas partes”. Esse respeito pela soberania está sendo violentado hoje quando se tenta esmagar os dois únicos países — Síria e Irã — que procuram conter o predomínio de uma potência atômica que decidiu manter o monopólio nuclear na região e infelizmente está sendo conduzida com arrogância pelo seu atual governo. Preciso mencionar nomes? 

Imagine-se, ainda, que quando da eleição de George W. Bush —, vista como tendenciosa a decisão da Justiça sobre a contagem de votos na Flórida —, Al Gore, candidato democrático, não aceitasse a derrota judicial, dizendo-a suspeita, e surgisse um confronto interno, beirando a guerra civil, com centenas de mortes, seria lícito — pergunta-se —, à China, com outros países, votar sanções e possíveis intervenções armadas contra a América, sob o fundamento de evitar uma guerra civil em solo americano? Qualquer americano diria que isso seria um tremendo absurdo. No entanto é o que se pretende fazer agora com a Síria. 

Em política internacional convém sempre desconfiar das palavras dos porta-vozes dos interessados em intervir em conflitos internos alheios. Os EUA, guardião da democracia, nunca se interessaram por restaurar a democracia no Chile, no Brasil, no Uruguai e na Argentina, nos chamados “anos de chumbo”. Por que? Porque não era do “interesse americano” que governos esquerdistas se propagassem na América do Sul, quando a União Soviética era poderosa e uma ameaça. Sabia perfeitamente da repressão violenta dos governos militares, até com torturas de dissidentes, mas não mexeram uma palha para derrubar tais governos. Tudo depende do interesse do momento, não do conceito de democracia. Esta é uma palavra de elástico significado, tanto assim que os países do leste europeu, sob domínio de Stálin, chamavam-se “Repúblicas Democráticas”. A Alemanha ocupada denominava-se “República Democrática Alemã”. 

Embora eu seja a favor de um futuro governo mundial, em que cada país ceda uma parcela de sua soberania à um governo mundial central — evitando a utilização da força para solucionar pendências entre estados — o fato inescondível é que hoje, na atual conformação jurídica do mundo, ainda vigora a soberania. Isto é, cabe a cada país decidir, ele mesmo, como deve ser sua estrutura de governo. Se, por mero exemplo, o Brasil decidisse restaurar a monarquia, ou se tornar socialista, ou de extrema direita, os demais países não poderiam impor sanções contra essa pretensão porque a soberania está no seu povo, não na opinião de outros povos, ou governos. Tudo isso que estou dizendo aqui é elementar. Mas é esse “elementar” que está sendo violado agora no Conselho de Segurança. 

O que mais espanta nessa deformação do que está escrito na Carta da ONU é que tais interpretações brotam da boca de diplomatas com longos anos de estudo (e sofismas). A atual representante americana no Conselho de Segurança, Susan Rice — não é parente de Condoleezza Rice — chegou a dizer que, votada, pelo Conselho de Segurança, a aplicação do art. 42 da Carta — que permite a intervenção militar na Síria —, essa intervenção não ocorreria. Seria mera ameaça, tornando “paranóico” — nas palavras da ilustre intérprete da Carta da ONU —, o argumento russo contra a aprovação de novas sanções. Pergunta-se: havendo autorização para a intervenção armada, por que supor que essa autorização não será usada, depois de tanto esforço diplomático para sua aprovação? 

Com ou sem legalidade internacional, tudo indica que Bashar Assad será deposto, talvez “caçado” à maneira sangrenta de Kadafi, se não fugir a tempo. Por inabilidade dele — um homem com pouco talento político, que deveria ter insistido, com o pai, no direito de seguir a profissão que escolhera, de médico oftalmologista —, a situação chegou a um ponto que não comporta mais solução diplomática. A impressão que ele dá é que tem a tendência de delegar tarefas desagradáveis, entre elas a de lidar com rebeldes. A delegação de responsabilidades, na chefia de governos, é inevitável mas pode ser fatal — se usada sem critério — porque os delegados podem abusar na violência, na convicção de que não serão eles, pessoalmente, que sofrerão as más-consequências de suas decisões. 

 A onda contra Bashar Assad avolumou-se demais e, em política, o que vale é a versão, não o fato. Inclusive na política internacional, esse paraíso, ou zoológico, de sofismas. Quando um navio começa a afundar, ratos e passageiros tratam de fugir. Se a queda é quase certa, vale a pena mudar de lado porque com isso sempre haverá um emprego ou posição garantida no grupo que sobe. Com ou sem razão jurídica é mais do que provável que Assad será destronado e a criação de um Estado Palestino adiada para um longínquo futura incerto. 

Para que o leitor tire suas próprias conclusões sobre os artigos pertinentes da Carta da ONU, relacionados com a verdadeira guerra civil que ocorre na Síria, transcrevo abaixo os artigos que elucidam a matéria. 

“AÇÃO RELATIVA A AMEAÇAS À PAZ, RUPTURA DA PAZ E ATOS DE AGRESSÃO.


“ARTIGO 39 - O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz,

ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser

tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança

internacionais.


“ARTIGO 40 - A fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes

de fazer as recomendações ou decidir a respeito das medidas previstas no Artigo 39, convidar as

partes interessadas a que aceitem as medidas provisórias que lhe pareçam necessárias ou

aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões , nem a

situação das partes interessadas. O Conselho de Segurança tomará devida nota do não

cumprimento dessas medidas. 

“ARTIGO 41 - O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o

emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá

convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a

interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação

ferroviários, marítimos, aéreos , postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie

e o rompimento das relações diplomáticas. 

“ARTIGO 42 - No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no

Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de

forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a

paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e

outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações

Unidas. 

“ARTIGO 43 - 1. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção

da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de

Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças

armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da

paz e da segurança internacionais.”


(23-7-2012)


terça-feira, 17 de julho de 2012

UFC, MMA e seus perigos


Em mês de férias é permissível tangenciar temas mais esportivos, mas nem por isso menos sérios. 

Para quem não sabe, UFC é a sigla do Ultimate Fight Championship — em tradução livre, “Supremo Campeonato de Lutas”. O MMA significa “Mixed Martial Arts” — “Artes Marciais Mistas”. Desconheço a formatação jurídica subjacente a essas duas siglas. Presumo que o UFC é o nome da empresa e a MMA descreve as lutas exibidas no UFC. Lutas que poderíamos, genericamente, denominar de “vale-tudo de verdade”. 

Seus praticantes trocam pontapés, socos, joelhadas, cotoveladas, estrangulamentos, chaves de braço, de perna e tudo o mais que não seja expressamente proibido pelas regras desse abrangente tipo de luta, criado, inicialmente, para se saber qual o melhor estilo de combate corpo a corpo. Verificou-se, no entanto, que nenhuma técnica de luta suplanta, isoladamente, as demais. Depende muito do lutador, de sua tenacidade, ambição, entusiasmo, capacidade de improvisação, cálculo no dosar o próprio esforço — para não se cansar antes do tempo — e intuição sobre o que o adversário pretende fazer. Qualidades morais e mentais geralmente associadas, equivocadamente, apenas a profissões intelectualizadas. Há lutadores fortíssimos mas totalmente previsíveis e outros, não tão musculosos mas verdadeiras caixas de surpresas. Anderson Silva parece se enquadrar às mil maravilhas nessa categoria. 

Há, entre seus praticantes, pessoas de todos os níveis de instrução, inclusive superior. Existe um peso pesado que foi professor de matemática — deve estar ganhando muito mais dando pancadas do que dando aulas. E, ao contrário do que se possa pensar vendo tanta violência, não há, na maioria das vezes, qualquer animosidade duradoura entre os lutadores. Tanto assim que, terminada a luta, os lutadores, ensanguentados, cara inchada, enxergando só com um olho, se abraçam sorrindo e passando a mão, bondosamente sobre a cabeça do outro. A chave do sucesso está no oportuno uso das variadas formas de luta e sua adequação momentânea às forças e fraquezas do oponente. Não é permitido morder, rasgar a boca — inserindo os dedos nas extremidades —, chutar deliberadamente as partes genitais, enfiar o dedo nos olhos, golpear a nuca, impedir a respiração do oponente e algumas outras restrições de ficaria monótono aqui mencionar. 

Tais regras procuram, pelo menos, diminuir, por razões morais, práticas e econômicas — para que serve um atleta morto ou aleijado? — a ocorrência de lesões permanentes nos atletas. Servem, também para abrandar, ligeiramente, a impressão de selvagem primitivismo que pessoas mais sensíveis, principalmente mulheres, sentem vendo, pela primeira vez, o sangue escorrer nos confrontos mais violentos ou se acumulando em inchaços que lembram bolas de pingue-pongue. 

Já que falamos em assistir pela primeira vez, é interessante saber — prova de que o ser humano acostuma-se com tudo — que em alguns campos de concentração nazistas havia paupérrimas “boates”, com esquálidas mulheres querendo faturar alguma coisa. Talvez o “luxo” de um pedaço maior de pão preto, feito com trigo e serragem de madeira —, um alívio temporário da fome antes da câmara de gás. No atual “vale tudo”, as jovens, inicialmente, só iam aos estádios para agradar o companheiro. Com o tempo, começaram a gostar da violência — uma tendência que não dorme, apenas cochila no fundo do ser humano — e passaram, muitas delas, a também lutar, com profissional e fria virulência na ânsia de não ficar “para trás” em tudo aquilo que os homens são capazes de fazer. Pobre do marido que sequer pensa em ser violento em casa. Se tal esporte se difundir demais entre as mulheres os maridos mais tímidos e débeis se movimentarão para a criação das “Delegacias do Homem”, onde encontrarão proteção contra a violência feminina. 

Enfim, não obstante tais empresas exibam lutas que se aproximam bastante dos confrontos físicos da vida real, sem combinação de resultado — daí o atrativo que vem despertando —, três perigos rondam esses torneios: 1) o involuntário incentivo da violência de rua, deseducador daqueles jovens que não frequentam as academias de luta — onde são doutrinados para não brigar — e passam a confiar apenas na violência para a solução dos problemas; 2) o afastamento, desiludido, de muitos espectadores de lutas, decepcionados com as cenas de castigo mais sanguinolentos e, 3) a possibilidade de surgirem, no futuro, árbitros menos escrupulosos que possam — subornados por grandes apostadores particulares de dinheiro —, ajudar um dos atletas a ganhar. Atividades onde se acumula muito dinheiro — e o MMA cresce rapidamente no número de adeptos — atraem a atenção de marginais interessados em grandes “investimentos” na forma de apostas. Isso certamente ainda não ocorreu, mas pode vir a ocorrer, se não houver vigilância dos atuais organizadores de lutas. O UFC certamente um dia estará em outras mãos. 

Como o crime organizado tentaria fazer isso? Interrompendo apressadamente a luta, mesmo quando o “espancado” do momento ainda poderia reagir e finalmente vencer. Principalmente quando o “round” está a poucos minutos de terminar. Pausa que possibilitaria ao atleta que está só apanhando se recuperar e até vencer finalmente a luta, como já ocorreu inúmeras vezes. Em uma luta que assisti, Brock Lesnar, um peso pesado que mais parece um gigante de pedra, de filme — dizem que fora dos ringue é pessoa de ótima educação —, sofreu um castigo quase inacreditável mas, salvo pelo gongo, acabou vencendo a luta. Fosse o árbitro menos tolerante ante o castigo sofrido por Lesnar, interrompendo a luta, Lesnar sairia derrotado do octógono. 

Assisto a tais confrontos, pela televisão, há pelo menos dez anos. Somente porque é violento? Não. Assisto porque é um esporte “duplamente solitário”, em que o ganhar ou perder depende apenas do próprio esforço, da autodisciplina — inclusive no sexo e na alimentação —, da capacidade de superar o eventual desânimo, oriundo da sensação de real inferioridade técnica ou muscular, frente a determinado adversário. Medo, nem tanto físico, de apanhar na cara mas de sair do ringue como um derrotado — o temido rótulo americano de “loser”—, humilhação que levará para casa. Medo não da luta em si, mas do seu resultado. Inclusive econômico, porque suponho que a maioria dos atletas não luta apenas por esporte. 

Embora uma das funções do árbitro de ringue seja a de preservar a integridade do atleta, há muita subjetividade envolvendo essa preocupação. E toda subjetividade fornece desculpas para alguma eventual desonestidade, mera simpatia ou antipatia. Conta-se que no boxe — pelo menos de antigamente, agora não sei — um árbitro tendencioso, ou desonesto, podia desfavorecer um lutador caído contando até dez de maneira mais rápida que qualquer cronômetro. Nessa mesma contagem, um árbitro menos veloz, realmente neutro, chegaria apenas ao sete ou oito segundos, o que permitiria, talvez, ao derrubado levantar-se a tempo e finalmente vencer. 

Há, também, um outro perigo rondando tais lutas profissionais: imprudentes declarações de atletas, antes das lutas, pondo em dúvida a isenção do juiz de ringue. Recentemente, um atleta brasileiro temido, fortíssimo e agressivo — inclusive com as palavras —, disse, em entrevista na TV, dias antes de luta importante, que em seu combate anterior com o mesmo oponente, não ganhara a luta porque o adversário teria sido ajudado pela arbitragem tendenciosa. Sendo ou não verdadeiro, o que disse, é o tipo de coisa que não conviria externar porque a suspeita explícita pode, em tese, acionar desfavoravelmente o inconsciente de qualquer árbitro — sempre um ser humano —, apressando o término de uma luta, mesmo que na luta anterior desse lutador fosse outro o árbitro. Ataques a uma categoria profissional é usualmente sentida também como ataque pessoal. 

Analogicamente, durante julgamentos judiciais, em todos os países civilizados, não se tolera que o réu insulte seus julgadores. Se o fizer, será logo retirado da sessão de julgamento. Seria isso apenas arrogância judicial, porque seus julgadores seriam invariavelmente “homens perfeitos”? Não. Essa prática, universal, existe porque sabe-se que qualquer magistrado, quando insultado, e por mais justo que pretenda ser, terá um enorme trabalho íntimo para “esquecer” o insulto, julgando o réu com isenção. Por isso, o UFC e o MMA devem proibir seus atletas de emitir, em público, julgamentos desfavoráveis aos árbitros. Ocorrendo tais ofensas, antes da disputa — mesmo como meras “desconfianças”—, nunca se saberá depois, com certeza, finda a luta por nocaute técnico, se a luta foi perdida pelo “desconfiado”, porque  ele estava mesmo sem condições de reagir, ou porque o árbitro quis favorecer, com a pressa, o atleta que socava seguidamente o “desconfiado”. Somente o árbitro que está no ringue é que terá condições de avaliar — por estar perto, vendo as feições e o olhar do que apanha —, se o lutador que recebe repetidos golpes está realmente incapaz de reagir. Qualquer crítica à arbitragem deverá que ser feita depois da luta, assim mesmo reservadamente, ouvindo-se também o árbitro. Este, mesmo honestíssimo, não poderá funcionar confortavelmente se não se sentir visto, pelo público e pelos lutadores, como um honesto profissional. 

Quanto ao fator “sangue em excesso”, escrevi, pouco tempo atrás — “Orelha versus cotovelo no “vale tudo” — no meu site e blog, que as cotoveladas no rosto e crânio deveriam ser proibidas, porque ressaltam demais o lado brutal de um esporte já, por si só, bem violento. Muito mais que o boxe, comparativamente, hoje, um esporte até “delicado”. Cotovelos rasgam a pele e já houve uma ocorrência, recente — apareceu no site do Terra — em que boa parte da orelha do adversário foi decepada por um cotovelo especialmente pontudo. A cena apareceu em filme. E penso que não é impossível que, atingindo diretamente um olho mais saliente possa cegar parcialmente o atleta.

Sangue demais, se, por um lado, satisfaz os fãs mais selvagens, por outro lado afasta pessoas de sensibilidade mediana, enjoadas de tanta brutalidade. Em uma luta, também recente, envolvendo um brasileiro de apelido “Pé grande” e Cain Velasquez — se não me engano —, a quantidade de sangue que brotou de um ferimento na testa do brasileiro — provocado pelo cotovelo de Cain — certamente ficou entre meio e um litro, atrapalhando até sua visão. A cena lembrava um matadouro. 

Se o inteligente empresário Dana White consultasse os fãs do UFC e do MMA se deveria, ou não, proibir cotoveladas na face e crânio dos lutadores, os torcedores mais sedentos de sangue diriam — o sangue não seria deles... — que “guerra é guerra” e que se os cotovelos existem, como os pés e as mãos, tais segmentos anatômicos podem ser utilizados, porque “luta quem quer”. No entanto, a ala mais civilizada dos fãs dessas lutas aplaudiria a proibição, porque há limites para tudo e outros golpes mais “sujos” também já foram proibidos, sem perda de adeptos desse esporte. Essa proibição, se adotada pelo UFC, não afastaria os mais fanáticos pela brutalidade, porque se procuram apenas a violência, nenhum outro esporte atual é mais violento que a “luta livre autêntica” do MMA. 

Houve uma época, não distante, comparativamente inocente, em que o futebol era considerado violento. Deixou de assim ser considerado, tanto que moças já o praticam, mesmo dando a impressão de que estão em atividade imprópria para sua anatomia. Peitões enlouquecidos, balançando nas corridas, lembram-nos que eles foram concebidos para a amamentação. Futuros bebês, se consultados, não aprovariam tanto desrespeito às suas futuras mamadeiras. 

Já que comparamos o futebol com o “vale tudo”, é intrigante constatar que nunca houve — pelo que sei — caso de torcedores fanáticos de tal ou qual lutador, vencido em uma luta, partirem para a vingança nas ruas, agredindo o vencedor ou os torcedores do outro lutador. Assistindo as lutas, gritam e até ficam de pé, mas, proclamado o resultado, o máximo que ocorre, vez por outra, é um discreta vaia. Não se formam, nas ruas, grupos armados de paus, pedras e canos, para “massacrar” os torcedores do outro atleta. Já com o futebol isso não ocorre. Os Holligans, corintianos, palmeirenses e torcedores dos demais clubes costumam se enfrentar nas ruas, após decisões de importantes campeonatos. Cabeças quebradas, espancamentos impiedosos e até homicídios ocorrem nesses encontros “de motivação esportiva”. 

Como se explica essa diferença? Certamente porque no MMA a responsabilidade pela vitória ou derrota está apenas no lutador, um indivíduo. No futebol, a responsabilidade é difusa, o que permite a cada torcedor fanático atribuir a tais ou quais jogadores, ao time inteiro, ou ao técnico, a culpa pela derrota. Paradoxalmente, o MMA, com toda sua violência, induz menos violência, fora do estádio, que o futebol, não violento nas partidas mas selvagem após terminada a partida, a ponto de incendiar carros, quebrar vitrinas e espancar pessoas aleatoriamente. 

Termino por aqui esta minha rara incursão no campo esportivo. Este artigo, vertido para o inglês — não por mim, que apenas confiro — estará na internet, daqui a alguns dias. Talvez assim chegue ao conhecimento de Dana White — um ex-pugilista de grande discernimento e coragem para negócios — que transformou o velho e medíocre “vale tudo” no esporte que mais cresce no mundo. Se ele decidir que convém estancar um pouco as hemorragias oriundas do cotovelo, muita gente agradecerá. 

(16-7-2012)











 








sábado, 7 de julho de 2012

“Só inéditos!”: equivocada política editorial

                Durante uns poucos e recentes anos decidi escrever e publicar no meu site — www.franciscopinheirorodrigues.com.br  — e em diversos sites jurídicos, bem como no único site de relações internacionais que conheço, www.MundoRI.com — , artigos variados. Na maior parte, ensaios sobre política internacional e temas atuais, polêmicos, da justiça, tanto nacional quanto internacional. Sempre em linguagem bastante acessível, buscando mais informar do que provocar admiração. Não era minha intenção, inicialmente, reunir tais artigos — hoje em torno de 180 — em forma de livro impresso, considerando que o mundo já cortou árvores demais e a informática avança vertiginosamente. Vez por outra, no entanto, me ocorria que seria confortador ver tais escritos reunidos em um “corpo físico” cuja leitura dispensasse o uso da eletricidade.

Poucos meses atrás, fui convencido, por um inteligente e bem sucedido advogado e amigo, Dr. Antônio de Arruda Sampaio — idoso impressionantemente lúcido e de invulgar cultura —, a reunir algumas dezenas de tais artigos em forma de livro impresso. Ele entendia, como passei a entender, que alto percentual de leitores ainda prefere “livros de verdade”, isto é, de papel, algo que se possa segurar e ler em qualquer parte, mesmo sem nada entender de informática.

De fato, segundo me informou um livreiro, por mais promissor que seja o futuro do livro online, no momento apenas cerca de 5% dos livros estão disponíveis para leitura no computador, tablets e assemelhados. Concluí que, para os “velhotes”— geralmente mais cultos que a jovem guarda — o livro impresso ainda não morreu, nem agoniza. Apenas exibe rugas e arrasta um pouco os pés. Somente quando o livro já estiver usando bengala, ou andador, é que os escritores pensarão em comunicar seus pensamentos e emoções somente em livros online. Aí já estaremos — se a arriscada política nuclear entre as nações assim permitir —, em outra civilização.

Decidido, como mencionei, a publicar, também em livro, algumas dezenas de meus artigos — todos já divulgados na internet — , solicitei a um competente editor de São Paulo, Ednei Procópio — que também já edita livros online — que fizesse uma edição restrita, em papel, de 200 exemplares, com 80 artigos. Expliquei a ele que essa pequena edição serviria apenas como “vitrine”, para distribuição gratuita entre amigos, jornalistas e “formadores (sic) de opinião”.

Dei a esse livro o título de “Verdades que melindram”, com o subtítulo de “Ensaios sobre política internacional e justiça”. Pedi também ao Ednei o especial favor de não mencionar, na capa, o nome de sua editora — Livrus — porque sendo ela uma editora de menor porte financeiro — não obstante sua ótima qualidade técnica —, ainda não teria meios para largos gastos com propaganda. E sem “tambores” e “reboar de sinos” nenhum livro hoje “vende”. A não ser que seus autores tenham adquirido notoriedade, em qualquer campo, mesmo que, eventualmente escrevam mal. Ou nem mesmo saibam escrever, apenas falem, porque para isso existem os “escritores fantasmas”. Um livro, por exemplo, com entrevistas de monarcas do futebol — “Rei Pelé”, “Imperador Adriano”, etc. — teriam compradores garantidos. Nada a opor quanto ao endeusamento dos músculos e pontaria nos chutes porque se o “mercado” anseia um produto, o mais sensato é deixar de filosofias e satisfazer esse anseio. Editoras precisam distribuir ideias mas, antes de tudo, precisam subsistir.

 Prosseguindo, impressos os 200 exemplares, como se fossem 200 originais de um livro, seria o momento de oferecer às editoras mais poderosas um exemplar para sua edição em escala comercial. No entanto, já impresso o “livro-amostra”, fiquei surpreso ao saber que várias casas editoriais exigem que os textos sejam inéditos, não publicados nem em jornais, revistas impressas nem na internet. Uma delas me explicou que, no seu caso, isso seria exigência de seu departamento jurídico, preocupado com o lado financeiro do direito autoral. Espero que essa visão mais restrita não seja unânime.

Essa política exclusivamente preocupada com o monopólio do direito do autor parece-nos equivocada, inclusive comercialmente. Primeiro, porque trabalha contra a difusão da cultura. Segundo, por desprezar uma potencial clientela que, não habituada com a utilização da informática — frequentemente nem sabendo usar um computador —, desconhece a existência de muitos textos excelentes. A “moçada” que passa horas em frente de um monitor não costuma — acabando de ler um artigo particularmente interessante —, comunicar ao pai, tio, ou avô, que ele precisa, urgente, ingressar no mundo virtual. Esse veto editorial ao artigo já publicado em tal ou qual site acaba prejudicando tanto a editora de livros quanto ao próprio autor, que se torna menos conhecido.

Mesmo pessoas habituadas ao uso do computador ainda preferem ler livro impresso, em vez de online, menos “portável”. E tendo lido, no computador ou em jornal, o texto de um autor interessante, muito frequentemente gostariam de comprar um livro que reúna esses textos. Leitor, que sou, por exemplo, de Arnaldo Jabor e de José Veríssimo, nas suas crônicas em jornal, sempre que topo, em livraria, com livros reunindo seus escritos, não hesito em comprá-los porque quero tê-los como que “encadernados” (não por mim) em forma de livro. Poucos leitores chegam ao ponto de recortar, em jornais, seus articulistas e cronistas prediletos. Se isso acontece com leitores de jornais, muito mais ocorre com pessoas que gastam grande tempo diário utilizando o computador como ferramenta de trabalho. Encontrando um artigo na internet, não vão se dar ao trabalho de imprimí-lo. E se roubarem o computador dele, ou o aparelho for danificado por um raio, adeus artigos.

O que tais preconceituosas editoras deveriam levar em conta seria verificar se o texto é ou não bom. Apenas isso. O ineditismo é secundário, principalmente quando saiu apenas na internet. E não se alegue que a recusa de publicar esses artigos em forma impressa é apenas uma forma delicada de rejeitar textos sem valor. A recusa é norma geral, com aviso prévio de que textos já publicados em qualquer forma não serão sequer avaliados.

Note-se, ainda, que artigos sobre acontecimentos recentes devem ser escritos e publicados quando o “caso” ainda está “quente”. Para isso, só mesmo a internet, ou o jornal impresso. Esses mesmos comentários, se forem enviados a editoras de livros — que levam muitos meses avaliando-os e talvez imprimindo-os — quando chegarem ao público terão sabor de “comida requentada”, talvez de interesse apenas histórico.

Não sei até que ponto os entendidos em marketing concordam com as restrições do departamento jurídico das editoras de livros, mas seria o caso de trocarem ideias, presentes também os autores. Presumo que todo autor quer também ganhar dinheiro mas, sobretudo, quer ser conhecido. Não só por vaidade mas porque, melhor conhecido hoje, amanhã encontrarão mais interessados em comprar seus textos, novos e antigos. Lucrativo investimento de longo prazo, acoplado com a vantagem cultural de estimular jovens criativos porém desanimados com a dificuldade de encontrar um editor de mente aberta.

 Seja qual for o talento literário de Paulo Coelho, de uma coisa, sem dúvida, ele entende: de marketing, porque trabalhou nisso por vários anos. Em consequência, está disponibilizando alguns livros, gratuitamente, na internet, semeando agora, para colher depois. Esse Coelho vê longe e sabe como velozmente alcançar suas cenouras.

(07-7-2012)