terça-feira, 26 de novembro de 2019

Erro ou dolo na interpretação do inciso LVII do art.5º da CF?


Lendo ou ouvindo, nas sessões do STF, os votos de  seis ministros afirmando que a Constituição Federal proíbe a prisão automática do réu após sua condenação em 2ª.instância, cheguei à conclusão de que a paixão política, tal qual um vírus, pode travar o funcionamento dos neurônios até de juristas de altas posições, com inteligência provavelmente acima da média ou, pelo menos, treinados na difícil função de julgar.

Existe, claro, a possibilidade de que esse fanatismo interpretativo —, espantosamente errado —, de um inciso constitucional tenha outra natureza, não orgânica, patológica, revelando apenas a veneração política e sentimental por um certo lider popular, Luís Inácio Lula da Silva, que, liberado erroneamente, está com ganas de beber o sangue de quem o condenou na primeira instância.

Vendo-se e ouvindo-se, na TV, dias atrás, as deputadas Maria do Rosário e Gleisi Hoffmann no Congresseo — a primeira fora de si, gritando e empurrando pessoas —,  não se pode dizer que essas vibrantes senhoras fingem seus sentimentos. Obviamente, suas interpretações errôneas sobre um claro inciso de artigo da Constituição têm origem apenas emocional, sem  qualquer relação com o mundo jurídico e suas realidades. Qualquer “coisa”, numa discussão, favorável a Lula, elas aprovam. Se for desfavorável, elas não aprovam, sofrendo como mães angustiadas, protegendo um filho querido ameaçado por feras. Trata-se de “hermenêutica emocional”, tão somente. Contra a opinião delas é inútil argumentar — mesmo porque elas nem ouvem, só gritam —, cabendo apenas votar em sentido contrário.

Quanto aos três ministros mais velhos do STF — mentalmente sadios, honrados, inteligentes, longamente experientes —, já fica dificil justificar juridicamente a forçada hermenêutica deles sobre um curto e claro inciso do artigo 5º da CF, no seus votos contra a prisão após a condenação na 2ª.instância. Invocam a Constituição, quando ela nada diz sobre em qual instância é permissível o início do cumprimento da pena de prisão, deixando a matéria para o legislador ordinário.

Diz, a Constituição, tão somente, que enquanto a condenação não transitar em julgado, o réu não poderá ser considerado culpado. Atentem bem que “considerar” não é o mesmo que “ser” culpado.

Peço aqui uma especial atenção, até mesmo patriótica, dos leitores desse miserável e decisivo debate interpretativo — miserável pela óbvia compreensão de poucas palavras; decisivo pelo perigo que esse debate representa para o país, caso os réus, já condenados na segunda instância, mas altamente endinheirados, possam, recorrendo, ou criando incidentes processuais, jogar o trânsito em julgado para um remoto futuro. Lembre-se que não serão apenas os criminosos do colarinho branco os beneficiados pela interpretação absurda do tal inciso LVII do art. 5º da CF. “Colarinhos” de qualquer cor de sujeira moral vão aproveitar o erro interpretativo para insistir nas suas velhas práticas.

 O que diz o inciso 57 da Constituição? Diz apenas que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

A CF, quanto ao momento inícial do cumprimento da pena, faz uma única exigência (constitucional), que aqui traduzo em redação rasteira, popular, ao alcance de qualquer inteligência de boa-fé. É como se a Constituição, dissesse: —“ Atenção, legislador infraconstitucional: você pode, por lei ordinária, flexível, mais facilmente mutável — conforme a demora ou rapidez da justiça do país —, estabelecer que o réu possa iniciar o cumprimento da pena de prisão no momento que vocês, legisladores “ordinários” — no sentido apenas legal — considerem mais adequado. Essa prisão, apenas processual, pode iniciar-se tanto após a condenação na 1ª instância quanto após a 2ª, 3ª ou 4ª instâncias, isto é, no STF.  Mas, atenção: O QUE VOCÊ NÃO PODE, em hipótese alguma, é considerá-lo CULPADO, isto é, “definitivamente rotulado, fichado, registrado, carimbado, catalogado como CULPADO”, enquanto sua condenação não transitar em julgado, isto é, enquanto houver possibilidade de um recurso. Enquanto houver recurso pendente, existe apenas um acusado, ou réu, mas não um culpado.

Os intérpretes do termo “culpado” nunca procuraram, nos dicionários, os sinônimos desse adjetivo? A CF foi até prudente deixando ao legislador infraconstitucional a opção sobre qual o momento mais oportuno, adequado — no país —, para iniciar o cumprimento da pena, embora permitindo ao réu continuar se defendendo, em instâncias superiores — com fundamentos abstratos, teóricos, legais,  à margem da matéria probatória.

Assim, resumindo e repetindo, após a condenação em 2ª.instância, havendo recurso para o STJ e/ou para o STF, não há, quanto ao réu, nem a presunção de que ele é culpado, nem que é inocente. Até, se possível uma comparação, a presunção de culpa é mais razoável do que a presunção de inocência, porque foi sentenciado depois de colhidas e discuidas as provas de acusação e de defesa.

Por que nos países do primeiro mundo o réu, começa a cumprir a pena após a condenação à segunda instância? Será porque lá os legisladores são sádicos e bárbaros? Não, porque seus governantes utilizam inteligência e bom senso. Eles sabem que a tendência de todo ser humano é a de permanecer em liberdade, mesmo que matem, roubem, estuprem, falsifiquem, o que for. Sabem, os países mais civilizados, que o condenado pela segunda instância, se não ficar preso terá a tentação de fugir, com ou sem passaporte, antes que seja tarde. De repente pode surgir uma prisão preventiva. Não querendo, porém, assumir os riscos de uma fuga, tendo que viver escondido em outro país, ele pensa que o melhor é contratar um grande e caro advogado, capaz de retardar ao máximo, legalmente, sua liberdade física porque se for, finalmente, julgado culpado, em novas, instâncias, estará velho o suficiente para gozar dos benefícios legais conferidos aos idosos: prazo de prescrição pela metade e prisão domiciliar, devido à fragilidade de saúde. Ou pode ainda ocorrer, a qualquer tempo, mudando o governo, surgir uma legislação mais bondosa, com efeito retroativo. Ou, ainda, brotar, do nada, uma interpretação judicial com efeito retroativo, como ocorreu recentemente, no caso Bendine, anulando boa parte do processo que o condenou. 

O homicida ou ladrão, ou qualquer condenado se justifica pensando assim: — “Aquele camarada — a vítima — bem que merecia morrer. Era um folgado, me ofendeu, o canalha, ou falou mal de mim, ou seduziu minha mulher”. — “Explodi, sim, aquele caixa eletrônico, porque os bancos só roubam e ficam cada vez mais ricos, dando lucro mesmo quando todo mundo está na pior. Bem disse o cara quando afirmou: ‘o que é assaltar um banco comparado com ter um banco?” — “Trafico, sim, cocaína, heroína, o diabo, porque apenas satisfaço o desejo da população. Por que não proíbem a bebida alcoólica, que destroi o bebum e sua família? Porque não prendem os fabricantes de cigarro, que causam câncer?” — “Desviei dinheiro público, como parlamentar, sim, mas quem não desvia, podendo, e se tiver coragem? Sem muito dinheiro você não se elege, sejamos realistas. Não tive a sorte de ter um pai milionário. Aí eu não roubaria” — “Estuprei, sim, com gosto, porque aquela garota me fez sair do sério. Não pude resistir, sou um ser humano, pô! Aquelas saias curtíssimas, ou calças jeans apertadíssimas, mostrando todo aquele material... Depois de muito amasso, no momento decisivo ela queria parar?! Nem morto! E depois a vagabunda ainda ameaçou ir a polícia?! Ela foi tão culpada quanto eu!” E por aí vai.

Quase todos, em qualquer prisão, se auto-absolvem. Apenas acham que tiveram azar, sendo pegos. Assim, coerentemente com seu privativo “tribunal” da consciência, tendo dinheiro procuram escapar da punição pela única maneira a seu alcance: contratando um bom advogado. De preferência bem relacionado. Este, por sua vez, gostando da área penal — que nunca foi tão lucrativa quanto nos últimos vinte ou trinta anos — não vai recusar um cliente de alto gabarito, sempre nas manchetes, que o prestigia com sua escolha e, nos contatos pessoais se revela agradável, inteligente, generoso, nem um pouco mesquinho na hora de contratar e pagar os honorários.

O criminalista não vai recusar um cliente desse naipe porque há inúmeros outros profissionais que gostariam de assumir tal defesa. Se o cliente é presidente de uma empreiteira de obras públicas ele se justifica — se necessário —, ao advogado, dizendo que pagou altas “comissões” ao agente público porque sem isso não conseguiria obras importantes. “Meu escritório ficaria às moscas. Quando em Roma, proceda como os romanos”. E se o cliente quer “esticar” a demanda, e a ética profissional manda o advogado defender o interesse do cliente —, não o interesse da verdade, ou da comunidade —, não há o que censurar, moralmente, pelo seu trabalho. Ou o advogado faz o que é possível, legalmente, para atender o desejo do cliente, ou perde-o para um concorrente. E aí? Como sustentar a família e garantir o futuro? Dando aulas? Elas servem apenas como vitrines, não para sustentar, de verdade, uma família da classe média que pode se tornar “alta”.

Encerrando, na questão do cumprimento da sentença na 2ª. Instância, o STF só teria apoio legal para insistir na necessidade do trânsito em julgado utilizando-se do artigo 283 do CPP- Códido de Processo Penal, que tem a seguinte redação:

 Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Esse artigo foi redigido em 2011, no governo de Dilma Rousseff, quando o advogado José Eduardo Cardozo, um petista fiel, era seu Ministro da Justiça. Cardozo sempre foi um homem de caráter e, talvez, em 2011, não estivesse bem a par dos “malfeitos” de Lula e Dilma, que só vieram plenamente à tona com o “Petrolão”. Lutou com bravura, defendendo Dilma, no impeachment, mas fazia o seu papel como um advogado leal e responsável, é preciso reconhecer.

Qual a redação anterior do referido artigo 283 do CPP? Era a seguinte: “A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”. Tema bem restrito.

Obviamente, essa tremenda alteração legislativa, com um único artigo de lei ordinária, no governo Dilma Rousseff, ocorreu obviamente por pressãp da então “presidenta”, preocupada com o vexame político do PT no “Mensalão — compra de voto de parlamentares no Congresso Nacional — entre os anos 2005 e 2006. Havia perigo à vista. Seria bom tomar cuidado caso muitos amigos fossem condenados.

Essa brutal alteração de conteúdo de um artigo de lei ficou meio escondidinha da mídia e das discussões nos tribunais. Como não foi alterada, ou revogada, até hoje, acabou tendo um efeito desproporcional, gigantesco — como mera lei ordinária— no sistema legal, suplantando “o sistema” presente  na Constituição que, como ficou demonstrado atrás, não diz, expressamente em que momento o réu deve ser preso: se na primeira, segunda, terceira ou “quarta” instância.

É claro —, e se não tão claro, é pelo menos recomendável — que o STF poderia interpretar que o artigo 283 do CPP foi implicitamente revogado pelo espírito da Constituição, que demonstra preocupação com a celeridade dos processos como forma de uma justiça mais efetiva. E também igualitária, porque os pobretões não têm chance de protelar suas prisões até um julgamento do STF, como se fosse possível 11 magistrados decidirem milhões de recursos, caso o Governo decidisse isentar de despesas judiciais todos os meliantes que pretendessem chegar, igualitariamente, ao Supremo.

Na atual dúvida congressual sobre o que modificar primeiro: se o art.283 do CPP, ou a Constituição — regulando a prisão na 2ª.instância — é muito mais racional que se dê prioridade à alteração do art. 283, que exige menor quórum para aprovação. Depois disso, partir pela modificação da Constituição, nesse assunto, porque só assim a luta contra a criminalidade elitizada pode ser impedida de retomar o poder.

Alterar a CF implica em longas discussões acadêmicas. Quem tem medo de uma justiça penal célere e eficaz — tipo Lava Jato —, obviamente tentará convencer o Congresso que a Constituição deve ser totalmente modificada, o que alegrará, durante anos, os que têm culpa no cartório. Os legisladores bem-intencionados, e a boa mídia devem desconfiar de quem argumenta que é preciso fazer uma Nova Constituição, com Assembleia Constituinte. Seria como reformar um automóvel por causa do defeito na buzina. Esse pessoal não é prático, ou quer apenas prolongar o status quo de impunidade, via protelação.

Lidando com os espertos é preciso ser esperto e meio.

                                                                                         Francisco Pinheiro Rodrigues (26/11/2019)   

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Logo testaremos o poder do hacker nas decisões judiciais


                                                                                                  Foto: Lula Marques 
O Supremo, em data próxima, decidirá se Sérgio Moro era suspeito para julgar o ex-presidente Lula da Silva.  “Consequentemente” — lógica de mera conveniência —, se Moro era suspeito, “segue-se”, falsamente, que todas as sentenças por ele proferidas contra Lula, oriundas da Lava Jato, deverão ser anuladas. Daí, “arredondar” essa leviana decisão para um

“anular tudo” que evoque a figura de Moro será um pulo, considerando que a atual composição do STF não pode ser aperfeiçoada de modo significativo, em curto prazo. Será a glória, vergonhosa, para centenas de réus, ou investigados com culpas graves no cartório.

Se isso ocorrer, essa anulação em massa será um ótimo argumento de que a Constituição deve ser brevemente alterada para permitir uma periódica avaliação e substituição de ministros, conforme seu desempenho.  A cada “n” anos — cinco, seis, dez? — verificar quem fica e quem sai do Supremo, para que ele volte a ter o merecido prestígio que teve antigamente. ‘

Só o tempo, com o mau estímulo dos julgamentos televisionados, revela o verdadeiro caráter de um julgador. Uma coisa ele era, ou aparentava ser, antes de ser ministro do Supremo. Entrevistado no Senado, o escolhido pelo presidente da república esforça-se para bem impressionar. Pode chegar às lágrimas, comprovando sua ânsia de fazer justiça.

Essa forma de escolha não tem sentido porque um dia o presidente da república pode se tornar réu e terá a seu favor o sentimento de gratidão do ministro nomeado. Este, no julgamento de quem o nomeou, deveria ser considerado impedido, ou dar-se por suspeito, mas isso não faz parte do mundo real. O que demonstra que a legislação, seguida à risca pode, às vezes, ser incoerente.

Não é que todo poder corrompe, ele apenas revela. E quanto mais seguro se sinta, mas revela.

 Outra realidade, bem diferente, pode ser constatada no dia-a-dia de sua atividade, quando o ministro sente-se seguro do seu poder e passa a funcionar com total liberdade, intocável, dizendo o que bem entenda, ofendendo colegas de julgamento, pressionando ministras mais tímidas, aparteando incessantemente, gritando, , fugindo do tema em debate, ausentando-se ostensivamente, nem mesmo fingindo, por educação, prestar atenção ao que dizem os demais colegas de julgamento.

 Aí é tarde para qualquer providência para tirá-lo de cena. A vitaliciedade o protege, a menos que mate alguém em plenário. E se matar, nada impede, “juridicamente”, que não seja preso porque não foi ainda condenado com trânsito em julgado. O flagrante será considerado inválido porque o ministro talvez não esteja, no momento, em seu juízo perfeito: ocorreu apenas um surto, de origem orgânica desconhecida. E caberá à acusação provar que seu homicídio foi doloso. E por aí vai, quando a decisão é de última instância, conforme o país.

Quando um ministro é nomeado já sexagenário, a vitaliciedade é menos arriscada, porque a aposentadoria compulsória o remove com base no calendário. Porém, se nomeado no apogeu de suas forças, o perigo do eventual abuso recomenda a existência de um mecanismo que dispense a necessidade de “provar” que tal magistrado julga mal quando seu interesse pessoal, e não jurídico, está em jogo. “Provar” que ele julga mal é dificílimo, porque o Direito tem isso de ruim: tudo se discute, infinitamente, nem que seja apenas para cansar ou ganhar tempo. Outras Ciências também permitem divergências, mas não com a mesma facilidade e amplitude da chamada “Ciência do Direito”, em que uma única palavra, mal escolhida, na lei, pode inverter ou anular o que se pretendia construir.

Voltando aos assuntos Moro, hackers e STF — que no fundo compõem um só tema —, alguns ministros, inimigos declarados da Lava Jato, procuram ignorar que essa força tarefa foi a única operação, de larga envergadura que, no Brasil, enfrentou — com imenso risco pessoal do ex-juiz Sérgio Moro —, o crime do colarinho branco, mas tudo indica que os dias da útil operação estão contados, haja ou não uma forte reação popular. 

A quem os réus da Lava Jato, já sentenciados ou em perigo de o ser, devem agradecer essa abrangente e criminosa escuta unilateral — só trechos contra Moro, escondendo o resto da gravação — será capaz de enfraquecer anos de luta minuciosa de luta contra o crime organizado?

Devem agradecer a um jornalista americano, aqui residente, Glenn Greenwald, que, aproveitou a criminalidade alheia — ou quem sabe também própria — as investigações continuam... —, de hackers que gravaram milhares de diálogos e mensagens de celulares de magistrados, promotores, empresários e políticos com problemas na justiça.

Acontece que nessas escutas ficaram gravados, mesmo “sem querer”, diálogos particulares entre os alvos das escutas e as pessoas que apenas conversavam com tais “alvos”, dizendo o que lhes dava na cabeça, sem reserva. Fofocas, ameaças, calúnias, estratégias jurídicas, indiscrições e até confissões de crimes e pecados que são ouvidos apenas por padres, psicanalistas e advogados, obrigados a guardar segredos profissionais.

 Essas particularidades da vida privada, de todo tipo e grau, transformaram-se em preocupações. Possibilitam chantagens. Inquietam-se, tais pessoas, ao saber que suas palavras estão em poder de meliantes capazes de tudo. Para apagá-las seria preciso a boa-vontade de Greenwald, mas os cortes não interessam ao americano porque eles poderiam comprovar, em eventual perícia, que Greenwald andou editando as acusações contra Moro e Dallagnol, caso o vasto material criminoso seja um dia periciado. Por isso, certamente, Greenwald não apresenta seu “material”, sempre alegando o não mais existente sigilo da fonte porque todo mundo já sabe os nomes das quatro “fontes”: três homens e uma mulher, presos, sem prejuízo de outras prisões, conforme o aprofundamento da investigação.

Agora vem a parte mais imprevisível do “hackeamento” em tela: o imenso poder inerente ao conhecimento de segredos ou intimidades gravados em larga escala. Esse conhecimento de conversas francas transformou Greenwald em um informal êmulo de John Edgar Hoover, que permaneceu como diretor do FBI durante 48 anos. Hoover “sobreviveu” a 8 presidentes dos EUA, porque mantinha o fichário de todos os segredos dos chefes da nação, inclusive da vida conjugal. Tinha as fichas amorosas dos irmãos Kennedy e sabia tudo sobre Marilyn Monroe, por exemplo.

Na política — como em tudo o mais, e ainda mais nela — quem não tem segredos? Todos os governos, pessoas jurídicas, têm segredos, e o mesmo acontece com as pessoas físicas dos governantes. Juízes, promotores, advogados, taxistas, catedráticos, jornalistas, etc., têm segredos. Todos os habitantes da Terra os têm. Greenwald também tem os seus, mas, sendo mais esperto, tecnicamente, que os demais, sabe como não se deixar grampear. E se eventualmente não grampeia os demais — porque é arriscado —, aproveita, sem risco pessoal e com glória jornalística —, o “trabalho” criminoso de outros. Em síntese: “lucra”, ganha prêmios e influência política com a criminalidade alheia. E a jurisprudência brasileira vai se ferrar com esse lucro contra ela.

Greenwald é hoje um homem poderoso. Um eventual ministro da área jurídica, na dúvida cruel se foi ou não grampeado em seu celular, não se atreve a contrariar o jornalista. O ministro vai dançar conforme a música tocada por ele, inclusive na questão, muito subjetiva, da “suspeição” de Sérgio Moro. Greenwald sabe que a imaginação faz o medo crescer nas situações perigosas. 

Eu já disse antes, no Twitter, e repito aqui, que vivemos, no Brasil, uma triste realidade: para vencer uma demanda difícil, complicada, é mais prático, vantajoso, contratar um bom hacker que um bom advogado. Este último argumentará com longos e complicados raciocínios, de difícil compreensão popular, enquanto o hacker profissional pinçará algumas curtas frases do “inimigo” que, só por serem muito curtas, são compreendidas e aceitas como verdade absoluta. Dessa forma fica fácil convencer os seguidores de Lula que o juiz era “suspeito: — “O Lula disse que não há prova do crime e eu acredito nele”. No caso em exame, dos julgamentos de Lula, a anulação tem um efeito imediato e amplo.

No vasto material em poder de Greenwald deve constar muita coisa em favor de Sérgio Moro e contra o ex-presidente Lula. É impossível presumir que entre centenas de frases, vindas de variadas bocas, nenhuma beneficie Sérgio Moro. Alguém já perguntou ao jornalista americano — não me lembro onde — porque ele não denunciava também outras pessoas que aparecem nas gravações cometendo ilegalidades. Ele, sempre esperto, respondeu que não fazia isso porque seu interesse era apenas de mostrar que Moro não era imparcial, não podendo ele, Greenwald, assumir o papel de polícia. Ele esquece que publicando apenas as frases “contra Moro”, ele desequilibrou a balança doida da “justiça da internet” que repercute na justiça legal e a distorce. Talvez nas gravações existam frases de ministros pró-Lula, de testemunhas e de advogados de defesa muito mais comprometedoras que aquelas escolhidas por Greenwald querendo prejudicar o juiz.

Paro por aqui, preocupado com o espaço. A manutenção do interesse pela leitura de artigos é inversamente proporcional à quantidade de parágrafos que ainda precisam ser lidos.

(19/11/2019)

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A ideia de Tóffoli, se aceita pelo STF, não teria diminuído a protelação.

                                                                                                             Foto: Divulgação Abril

A “alternativa Toffoli” — de suspensão do prazo de prescrição após condenação de 2ª instância —, em nada desestimularia o réu do colarinho branco na intenção de protelar, ao máximo, o trânsito em julgado da sua condenação. O efeito seria oposto. Sabendo-se culpado, após exame das provas, o réu, solto, exigiria de seu advogado que, após a condenação na 2ª.instância, usasse todos os recursos e manobras jurídicas concebíveis, porque quanto mais distante seu julgamento, no STF, melhor seria. Seguindo estatísticas, a probabilidade de ver reconhecida sua inocência somente na “quarta” instância é mínima, inferior a 1%, mosca branca. O que o réu quer, no seu caso, é permanecer livre pelo máximo tempo possível antes de morrer.

Para o réu que sabe ser culpado, conforme a prova dos autos, a única faceta “desagradável” do infindável processamento criminal está no elevado custo da extensa defesa realizada por criminalistas largamente experientes e bem relacionados. Mas para quem tanto lucrou com seu delito essa despesa com advogados caros — pesada demais para o cidadão comum —, é perfeitamente suportável para esse tipo de criminoso. Faz parte do componente risco/lucro de toda atividade ilegal mas altamente compensadora.

Essa minoria privilegiada, admitamos, é corajosa, porque, até poucos anos atrás havia algum risco, embora remotíssimo, de que poderia ser investigada e punida. Pessoas ricas, poderosas, com residência própria e sem antecedentes criminais — isto é, sem condenações transitadas em julgado — raramente eram presas preventivamente porque não apresentavam risco presumido de fuga. Políticos, banqueiros, bancários especialmente competentes, contadores, economistas, grandes empresários, etc., não tinham muito o que temer. As prisões não precisariam ser reformadas porque — pensavam —, nunca nelas entrariam a não ser por curiosidade, como visitantes.

Agora, do Mensalão para cá, surgiu uma dura realidade punitiva, a chamada Operação Lava Jato, que muito surpreendeu esse pessoal. Após condenados na 2ª. instância, graças principalmente às delações, lamentam-se: —“Como poderíamos prever que surgiria essa maldita e atrevida Lava Jato usando a ‘abusiva’ delação premiada para nos descobrir? Isso era impensável nos bons tempos da impunidade! Paciência, doravante seremos mais cautelosos. Agora, o jeito é aguentar o tranco e ficar o máximo tempo possível fora da cadeia, esperando, sem pressa, a vantajosa velhice. Ficar velho é péssimo, mas não na nossa particular situação”.

 Com a longa espera do julgamento do seu Recurso Extraordinário, a “quarta instância” — uma aberração só brasileira —, com ou sem interrupção da prescrição após a condenação em segundo grau, proposta por Tóffoli, o réu sabe que poderá morrer de morte natural antes do julgamento final do Recurso Extraordinário. Existe, ainda, mesmo após a condenação do réu no Supremo, a possibilidade de  apresentar seguidos Embargos de Declaração, sempre discordando da redação do último acórdão que manteve sua condenação. Isso porque o Regimento Interno do STF não estabelece limites quanto ao número de tais Embargos nas ações penais.

A única reprimenda, no Regimento Interno do STF, contra sucessivos Embargos, refere-se à matéria não penal, dizendo, no art.339 § 2°, que “Quando os embargos de declaração forem manifestamente protelatórios, assim declarados expressamente, será o embargante condenado a pagar, ao embargado, multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa”.

Como nas ações penais não há “valor da causa” não há como impedir, legalmente, que o réu — se atrevido, imaginoso e cara de pau — interponha inúmeros e sucessivos embargos de declaração, sempre discordando de algum detalhe do último acórdão publicado, mesmo que sejam embargos dos embargos dos embargos, etc. Se o STF pedir socorro à OAB, sugerindo uma punição do advogado que usa apenas um truque para evitar o término do processo, a entidade provavelmente dirá — se o réu for importantíssimo, com amigos na própria OAB e no STF — que o problema não é dela e que não pode forçar o advogado a abdicar de suas convicções.

Já houve, tempo atrás, uma anômala situação em que o Supremo — então respeitadíssimo — foi obrigado cometer uma ilegalidade para não continuar fazendo o papel de idiota: determinou à sua Secretaria que não recebesse novos embargos declaratórios do perdedor de um recurso extraordinário em que o recorrente nunca concordava com a última decisão. Se o STF não agisse assim, sua “decisão final” nunca transitaria em julgado.  

Voltando à intenção de protelar, pode ainda — pensa o réu, solto e esperançoso —, que talvez surja do nada, futuramente, alguma lei com efeito retroativo que o beneficie. Ou até mesmo uma interpretação judicial com efeito retroativo — uma “coisa” ilegal mas de infinitas possibilidades —, como foi o caso da anulação recente de um processo pelo fato de um delatado não ter falado por último — mas podendo falar à vontade contra o seu delator no seu recurso de apelação. Quando um magistrado decide por último, no STF, ele pode fazer praticamente o que lhe agradar, certo ou errado, porque “em direito tudo se discute”. Infelizmente, direito e sofisma conseguem conviver harmoniosamente. É lamentável que direito e moral possam ter vidas separadas.

Quanto à protelação — pelo réu que se sabe culpado, quando em liberdade após condenação em 2ª.instância —, ela pode ser exercida nem sempre com “recursos” formais visando apressar seu julgamento. O que a ele interessa é a demora, porque está solto e assim quer continuar. Se a acusação, por exemplo, tenta apressar, no Supremo, seu julgamento, pedindo que seu processo entre em pauta, ele discordará dessa “pressa suspeita que viola o estado democrático de direito”. Tentará criar um clima de confusão jurídica que forçará um ministro a pedir vista dos autos atrasando o julgamento por meses ou anos. Protelações não são sempre arquitetadas com os tradicionais “recursos’. Elas podem ser criadas com verdadeiros “nós” processuais, via mandados de segurança, reclamações, habeas corpus, alegações de suspeição ou impedimento. Como em direito tudo se discute...

Na pior das hipóteses, confirmada a condenação, após longa demora no julgamento do STF, o réu, já idoso, estará com as doenças inerentes à idade, com direito a benefícios legais que só existem para os velhos. Se estiver com câncer de próstata, por exemplo, poderá cumprir a pena em casa, o que não será um grande sacrifício. Frise-se que, segundo as últimas pesquisas médicas, todo homem com mais de 80 anos tem uma altíssima probabilidade de ter câncer de próstata. Mais de 90%, porque a evolução desse tipo de tumor é muito lenta. Dizem os especialistas mais atualizados que todo homem com cem anos tem 100% de chance de ter câncer de próstata: — “O paciente acaba morrendo por outra doença, não por causa do câncer”, dizem alguns urologistas, dispensando o desagradável exame de toque.

Talvez, uma outra vaga esperança do réu acabar impune, depois da longa espera em liberdade, é que um “bendito” hacker consiga inventar um hiper-vírus capaz de deletar os processos digitais, destruindo a prova que embasou a condenação de segunda instância. Essa esperança não é totalmente impossível com o avanço da informática.

Um argumento final, a demonstrar que a sugestão Tóffoli aumentaria a demora para o julgamento no STF: quando o recorrente está preso, seu recurso, pela lei, tem preferência de julgamento. Estando solto, não há essa preferência: justamente o que interessa ao réu condenado consciente de que a prova está contra ele, tanto assim que foi condenado nas três instâncias anteriores.

Encerrando e repetindo, este artigo visou apenas alertar o óbvio: a proposta de Dias Tóffoli, para diminuir os casos de prescrição, após a 2ª.instância realmente dificultaria a prescrição, mas por outro lado estimularia a técnica da protelação. 

Os brilhantes e sensatos votos dos ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin, no problema da prisão após a condenação da 2ª. instância, engrandeceram o STF pelo lado técnico e moral. Já os votos contrários... “Ave Maria, rogai por nós”, rezam hoje até os ateus, pensando no bem do Brasil.

(17/11/2019)

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

A sugestão Tóffoli não diminuirá a protelação. Pelo contrário.


                                                                                                                                                                                       " Foto: Nelson Jr./SCO/STF" 

Se o leitor discorda, leia e sairá convencido.

A “alternativa Toffoli” — de suspensão do prazo de prescrição após condenação de 2ª instância —, em nada desestimulará o réu do colarinho branco na intenção de protelar, ao máximo, o trânsito em julgado da sua condenação. O efeito será contrário. É que, sabendo-se culpado — na vasta maioria dos casos é isso mesmo porque ele foi condenado após exame das provas — o réu, solto, exigirá de seu advogado que, após a condenação na 2ª.instância, use todos os recursos e manobras jurídicas concebíveis, porque quanto mais distante seu julgamento, no STF, melhor. A probabilidade de ver reconhecida sua inocência somente na quarta instância é inferior a 1%, mosca branca. A sugestão de Toffoli, se convertida em lei, não apressará o trânsito em julgado. O que ele quer é permanecer livre pelo máximo tempo possível antes de morrer.

Para o réu que sabe ser culpado, com prova nos autos — embora nunca admita em público —, a única faceta “desagradável” do infindável processamento criminal está no elevado custo da extensa defesa realizada por criminalistas largamente experientes e bem relacionados. Mas para quem tanto lucrou com seu delito essa despesa com advogados — pesada demais para o cidadão comum —, é perfeitamente suportável para esse tipo de criminoso. Faz parte do componente risco/lucro de toda atividade ilegal mas altamente compensadora.

Essa minoria privilegiada, admitamos, é corajosa, porque — pelo menos em tese —, havia até poucos anos atrás um risco, embora remoto, de que poderia ser investigada e punida, apesar de ser “rico, com residência própria”, etc. e “bem orientada” por profissionais do complexo mundo das finanças: doleiros, bancários, banqueiros, contadores e assessores jurídicos dublês de técnicos de informática. Após condenados, esse pessoal infrator hoje se auto justifica: —“Como poderíamos prever que surgiria essa maldita e atrevida Lava Jato usando a ‘abusiva’ delação premiada para nos descobrir? Isso era impensável nos bons tempos da impunidade! Paciência, doravante seremos mais cautelosos. Agora, o jeito é aguentar o tranco e ficar o máximo tempo possível fora da cadeia, esperando, sem pressa, a vantajosa velhice. Ficar velho é ruim, mas não na nossa particular situação”.

 Com a longa espera do julgamento do seu Recurso Extraordinário”,  quatro instâncias,  uma aberração só brasileira —, com ou sem interrupção da prescrição após a condenação em segundo grau, proposta por Tóffoli —, o réu sabe que poderá morrer de morte natural antes do julgamento do Recurso Extraordinário. Existe, ainda, após a condenação do réu no Supremo —, a possibilidade de o réu apresentar um ou mais Embargos de Declaração, sempre discordando da redação do acórdão “final”, condenador. Isso porque o Regimento Interno do STF não estabelece limites quanto ao número de tais Embargos nas ações penais.

A única reprimenda, no Regimento Interno do STF, contra sucessivos Embargos, refere-se à matéria não penal, dizendo, no art.339 § 2°, que “Quando os embargos de declaração forem manifestamente protelatórios, assim declarados expressamente, será o embargante condenado a pagar, ao embargado, multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa”.

Como nas ações penais não há “valor da causa” não há como impedir, legalmente, que o réu — se atrevido, imaginoso e cara de pau — interponha inúmeros e sucessivos embargos de declaração, sempre discordando de algum detalhe do último acórdão publicado, mesmo que sejam embargos dos embargos dos embargos, etc. Se o STF pedir socorro à OAB, pedindo uma punição do advogado, a entidade provavelmente dirá — se o réu for importantíssimo, com amigos na própria OAB e no STF — que o problema não é dela e que talvez a melhor solução seja “anular tudo”. 

Pode ainda — pensa o réu, solto e esperançoso —, que surja do nada, futuramente, alguma lei com efeito retroativo que o beneficie. Ou até mesmo uma interpretação judicial com efeito retroativo, de infinitas possibilidades, como foi o caso da anulação recente de um processo pelo fato de um delatado não ter falado por último, nas razões finais, contra um co-réu que o delatou. Quando um magistrado decide por último ele pode fazer praticamente o que lhe dá na veneta, certo ou errado, moral ou imoral, porque “em direito tudo se discute”. Infelizmente, direito e sofisma conseguem conviver harmoniosamente. É lamentável que direito e moral possam ter vidas separadas.   

Na pior das hipóteses, com a longa demora para o julgamento do STF o réu, já idoso e finalmente condenado irrecorrivelmente, estará com as doenças inerentes à idade, com direito a benefícios legais que só existem para os velhos. Se estiver com câncer de próstata, por exemplo, poderá cumprir a pena em casa, o que não será um grande sacrifício. Frise-se que, segundo as últimas pesquisas médicas, todo homem com mais de 80 anos tem uma altíssima probabilidade de ter câncer de próstata. Mais de 90%, porque a evolução desse tipo de tumor é muito lenta. Dizem os especialistas mais atualizados que todo homem com cem anos tem 100% de chance de ter câncer de próstata: — “O paciente acaba morrendo por outra doença, não por causa do câncer”, dizem alguns urologistas, dispensando o desagradável exame de toque.

Talvez, uma outra vaga esperança do réu acabar impune, depois da longa espera em liberdade, é que um bendito racker consiga inventar um hiper-vírus capaz de deletar os processos digitais, destruindo a prova que embasou a condenação de segunda instância. Essa esperança não é totalmente impossível com o avanço da tecnologia. 

Encerrando e repetindo, este artigo visou apenas alertar o óbvio: a proposta de Dias Tóffoli, para diminuir os casos de prescrição, após a 2ª.instância realmente dificultará a prescrição, mas por outro lado estimulará a técnica da protelação para a grande maioria dos réus, já condenados com base na prova dos autos, na 2ª. instância. 

Os brilhantes e sensatos votos dos ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin, no problema da prisão após a condenação da 2ª. instância, engrandeceram o STF pelo lado técnico e moral. Já os votos contrários... “Ave Maria, rogai por nós”, rezam hoje até os ateus, pensando no bem do Brasil.

(30/10/2019)

It’s only logical. The oil spill was a criminal act


To date, there is no doubt that the spill of crude oil on the immense Brazilian coastline was a criminal act. In summary, this conclusion is based on the following lines of thought:

1. If a loaded oil tanker possibly sank, its owner would have already appeared in order to report the unfortunate accident and claim compensation on the part of the insurer of the vessel. Being an accident, there would be nothing to be ashamed of.

2. Even if the oil tanker were a “ghost ship”, with no insurance, its crew, prior to the vessel becoming totally wrecked, would have sent some kind of request for assistance to other ships by radio, but there is no news regarding such a plea for help. Human tragedies of this nature soon appear in the international media. According to information published, if I am not mistaken, in the “Estadão” newspaper, around 2,000 vessels pass through the region on a daily basis. Why would the crew of the hypothetical, illegal ghost ship prefer to die by drowning, in silence, in order to avoid harming the reputation of the vessel owner? It is strange that there is not a single shipwreck in this story. 

3. Considering the extent of the damage – there are nine affected states: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte and Sergipe – it is difficult to believe that this spill originated from a single stationary vessel, either on the surface or the bottom of the sea. If the oil came from a single tanker, it would have affected a very much smaller area, which suggests that it was discharged from more than one vessel. If this occurred from a single tanker (of monstrous size), the disastrous cargo was released little by little, in a calculated manner – a certain amount here, more further on – in order to harm Brazil’s beaches to the greatest possible extent, affecting tourism, fishing and the reputation of the country in terms of the inoperative nature of environmental control measures.

4. Finally, the most convincing argument: already accepted by investigations – technically demonstrating that the oil is Venezuelan, presumably loaded in Venezuela – why would the oil tanker be headed for the southern hemisphere and not the northern hemisphere, where there are many more countries interested in purchasing this oil? Would Brazil buy crude oil from Venezuela? It seems not. As a result, it only remains to discover whether the only two countries further south, namely Uruguay and Argentina, purchase this oil. If Uruguay and Argentina do buy it, it can be presumed that there would be no political interest on their part in hindering the investigation by their silence, as each country purchases what it needs where it is most convenient. Reader: look at the position of Venezuela in South America on a world map. Its oil is only of interest to countries in the northern hemisphere, its nearest clientele. For example, if the oil were destined for China, there would be no sense in navigating to a point near the South Pole and then continuing, via the Pacific Ocean to the distant second largest economy in the world which, one must agree, has no need to resort to dirty tricks in order to obtain what it needs. Rationally, Venezuelan oil could reach China taking a short-cut through the Panama Canal. Mere geography demonstrates that the passage, via the southern route, of the tanker carrying Venezuelan oil had the objective of causing damage to Brazil.

5. It is to be hoped that the Brazilian government gets in touch with the governments of Uruguay and Argentina, solely to ascertain whether or not these countries have recently purchased Venezuelan oil. If they have not made a purchase, the most likely explanation of this strange north-south route taken by tankers is retaliation on the part of a head of state with a sick and very stupid mentality, or terrorist organization taking revenge on the Brazilian policy of supporting Donald Trump. If this is the case, such action should be punished, but not by war. What our country, so unfortunate in recent times, with successive environmental catastrophes, least needs is a declaration of war. Internal wars, solely verbal, are already enough.

Once again, this terrible environmental accident shows that International Law, with unlimited sovereignty – tempered with unpunished madness – needs to be urgently perfected, including an international maritime “police force” that is able to impede the repetition of further outpourings of stupidity, or should I say, oil.

By Francisco Pinheiro Rodrigues (26/10/2019)

domingo, 27 de outubro de 2019

Basta a lógica. O derrame de petróleo foi criminoso


Até agora, não há dúvida de que o derrame de petróleo cru na imensa costa brasileira foi criminoso. Os fundamentos dessa conclusão são, resumidamente, os seguintes:

1. Se um navio petroleiro, carregado, eventualmente naufragou, seu dono já teria aparecido para relatar o infeliz acidente e pleitear a indenização da seguradora da embarcação. Sendo um acidente, não haveria do que se envergonhar.

2. Mesmo sendo, eventualmente, um “navio fantasma”, sem seguro, sua tripulação, antes do navio naufragar totalmente, teria enviado, por rádio, algum pedido de socorro, dirigido a outras embarcações, mas não há qualquer notícia a respeito. Tragédias humanas dessa natureza logo aparecem na mídia internacional. Segundo informação — salvo engano no jornal “Estadão” —, passam pela região, diariamente, cerca de 2.000 navios. Por que a tripulação do hipotético navio-fantasma, ilegal, preferiria morrer afogada, silenciosamente, para não prejudicar a reputação do dono da embarcação? Estranhável que não haja um único náufrago nessa história. 

3. Considerando a extensão do dano — são nove os estados afetados, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe — difícil acreditar que esse derramamento tenha origem em um único navio parado, seja na superfície ou no fundo do mar. Se o óleo derivasse de um único navio, esse óleo alcançaria área muitíssimo menor, o que sugere que o petróleo foi despejado por mais de uma embarcação. Se isso ocorreu com um único navio (monstruosamente grande) essa nefasta carga foi sendo liberada aos poucos, calculadamente — um tanto aqui, outro tanto mais adiante —, de modo a prejudicar o país na maior extensão possível de suas praias, afetando o turismo, a pesca e a reputação do país em termos de inoperância no controle ambiental.

4. Finalmente, o argumento mais convincente: já aceito, pelas investigações — comprovando tecnicamente que o petróleo é venezuelano, presumivelmente embarcado na Venezuela —, por que o petroleiro estaria rumando para o Hemisfério Sul, em vez de para o Hemisfério Norte, com muito mais países interessados na compra desse petróleo? O Brasil, por acaso, compra óleo cru da Venezuela? Parece que não. Assim, resta saber se os dois únicos países, mais ao sul, Uruguai e a Argentina compram. Se Uruguai e Argentina compram, presume-se que não haveria interesse político deles em prejudicar a investigação, com o silêncio, porque cada país compra o que precisa onde melhor lhe apraz. Leitor: olhe no mapa-múndi a posição da Venezuela na América do Sul. Seu petróleo só interessa aos países do Hemisfério Norte, sua clientela mais próxima. Se o petróleo fosse destinado à China, por exemplo, não teria sentido navegar até próximo do polo sul para depois seguir, no Pacífico até a longínqua segunda economia mundial que, convenhamos, não tem necessidade de pilantragens para conseguir o que precisa. O petróleo venezuelano poderia chegar, racionalmente, à China cortando caminho pelo Canal do Panamá. A mera geografia demonstra que o “passeio”, via sul, do petroleiro com óleo venezuelano tinha como meta causar um dano ao Brasil. 

5. Espera-se que o governo brasileiro entre em contato com os governos do Uruguai e da Argentina, só para saber se tais países compraram ou não, recentemente, petróleo venezuelano. Se não compraram, a explicação mais provável desse estranho roteiro Norte-Sul dos petroleiros é revide de algum governante com mentalidade doentia e muito burro, ou organização terrorista que se vinga da política brasileira de apoio a Donald Trump. Se assim for, que o fato seja punido, mas não com guerra. O que menos precisa nosso país — tão azarado nos últimos tempos, com sucessivas catástrofes ambientais, é de uma declaração de guerra. Já bastam as internas, só verbais.

Esse terrível acidente ambiental comprova, mais uma vez, que o Direito Internacional, com ilimitada soberania — temperada com loucura impune — precisa ser aperfeiçoado urgentemente, inclusive com uma “polícia” marítima internacional que impeça a repetição de novos derramamentos de cretinice, digo, de petróleo.

(26/10/2019) 

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A crítica e o jornalismo investigativo honestos precisam ser protegidos.


Uma curta lei corrigiria isso.

Em abril do corrente ano publiquei, sem qualquer propaganda, no www.500toques.com.br, e no meu blog “francepiro.blogspot.com”, um artigo “Proposta legislativa pró liberdade de expressão”.

Nele eu alertava que a nossa “total” liberdade de opinião, na imprensa e na internet, é fictícia — mesmo quando exercida sem abuso. Dizia que isso ocorre por causa de uma ameaçadora e provável ação de “indenização por dano moral”, movida por quem errou, sabe que errou, continua errando mas pretende silenciar seus críticos — mesmo quando mentalmente honestos —, “usando” a Justiça para seu astuto objetivo.

Como não utilizei, culpa minha, os eficazes mecanismos de difusão de ideias meus argumentos chegaram a pouquíssimos ouvidos. Ciente, hoje, de que certos assuntos só chegam aos interessados se forem difundidos por grandes empresas, tais como o Facebook — com sua impressionante técnica —, volto a publicar, com ligeiras modificações, o que publiquei em abril do corrente ano.

Transcrevo, abaixo, o referido artigo.

“Espero que as entidades encarregadas da defesa da liberdade de expressão leiam este despretensioso texto, redigido em estilo coloquial, concordando que com a atual legislação — em um país atolado em milhões de processos demorados —, o receio de uma arrasadora condenação por “dano moral” paralisa a busca da verdade ou a tornará imensamente arriscada.

Friso que este artigo não ataca o demandante bem intencionado que realmente foi caluniado, ou difamado. Visa apenas aqueles que utilizam o “medo financeiro” como forma de manter escondidos seus malfeitos.

Em toda ação judicial, deve estar presente a máxima genial de Voltaire que gosto de invocar: “A vantagem deve ser igual ao perigo”. Hoje, na ação por dano moral movida pelo poderoso contra o remediado — por exemplo um jornalista —, este pode perder todo o seu patrimônio, enquanto o risco patrimonial do poderoso é praticamente nenhum, “coisinhas”. Isso leva o poderoso a abusar de seu poder de intimidação econômica, forçando o jornalista a calar a boca porque, se não o fizer, poderá perder o pouco que tem.

O presente artigo sugere uma curta modificação legislativa, no processo civil, que funcionará como desestímulo para tais ações quando visam apenas intimidar o réu — jornal, jornalista, repórter, revista, rádio, televisão, blogueiros e opinião desfavorável de qualquer modo publicada. Ao mesmo tempo, essa lei, aqui sugerida, teria o bom efeito colateral de desestimular, na mídia, críticas desnecessariamente ácidas — até com obscenidades, dando uma péssima imagem do país, — com ofensas pessoais que aproveitam a oportunidade da crítica, talvez justa, para insultar e desmoralizar uma pessoa física ou jurídica. A tentação do abuso, tanto de um lado quanto do outro, é uma constante na história do Direito.

O sofrimento apenas moral varia muito, conforme  a sensibilidade de cada um. Tais ações podem demorar vários anos. Quanto mais, melhor para o autor, em certos casos, porque sua verdadeira intenção é calar o réu, que precisa ser silenciado “a qualquer custo!”. Um pequeno custo financeiro previsível para o autor da ação, mas imprevisível para o réu, pois não há uma tabela legal impondo limites máximos para indenizações por dano moral. A quantia em jogo é uma caixa misteriosa. E o mistério aguça e amplia o receio.

 Penso que a legislação poderia fixar o limite máximo da condenação do réu nessas ações, mas com um parágrafo, de exceção, permitindo condenação indenizatória superior ao teto, se confirmado, nos autos, que o autor agiu com indiscutível má-fé, na certeza de que poderia insultar à vontade porque o juiz estaria impossibilitado de lhe aplicar uma condenação alta, exemplar, acima da tabela. 

A propósito, diz a história, ou lenda, que na Roma antiga uma lei previa que um tapa da cara tinha como castigo uma pequena indenização de xis moedas de cobre, o sestércio. Apoiado nessa legislação, um ousado gaiato rico saía na rua, acompanhado de um escravo forte carregando um saco de moedas. Quando o excêntrico topava com alguma pessoa cuja cara não lhe agradava o maldoso a esbofeteava e seu escravo pagava, no ato, a multa prevista em lei, modesta. Daí a minha sugestão de que se houver uma eventual fixação de teto para indenização do dano moral que a lei preveja também a possibilidade uma indenização alta, caso bem comprovado o abuso do poder econômico e/ou político que quem propôs a ação. 

Em algumas ações de indenização por dano moral, paradoxalmente — porque nas ações judiciais, é o autor quem geralmente tem pressa no término da demanda —, quanto mais tempo ela demorar, melhor para o criticado, autor, porque sua verdadeira intenção não é obter o dinheiro da indenização mas incutir medo paralisante — na alma e/ou no “bolso” — de quem apontou suas falhas. O réu sabe que o tema “dano moral” é, por natureza subjetivo, “escorregadio”. Cada cabeça, uma sentença, e os juízes variam muito na quantificação da dor moral. A sorte do réu vai depender, em muito, da distribuição do processo, ou do recurso.

É por causa da desigualdade de forças financeiras entre autor e réu que muitas investigações importantes, iniciadas por órgão de imprensa, somem do noticiário. A investigação, a “busca da verdade” contra um poderoso pode significar um pesadelo capaz de arruinar uma vida ou uma empresa. Quando alguém se revolta contra uma decisão do STF, p. ex., ou especificamente, de determinado ministro, a regra é uma tremenda inibição na escolha das palavras, tal o medo de um processo nas costas movido por um poderoso ministro. Muitos que intimamente criticam não se atrevem sequer a discordar, estimulando, indiretamente, um eventual abusador a continuar agindo impunemente. 

Um “detalhezinho” jurídico-processual que facilita a intimidação de jornalistas e críticos em geral — mesmo quando mentalmente honestos — está na permissão de o Autor da ação dar à causa um valor mínimo, “simbólico”, como, por exemplo, R$1.000,00, frisando o Autor, na petição inicial, que deixa “a critério de Vossa Excelência” (o juiz cível) “fixar o valor da indenização”.  Esse “valor simbólico” representa uma enorme vantagem psicológica para o autor da ação, o criticado — quando mentalmente desonesto —, porque caso ele perca a demanda — algo bem previsível para ele —, sua condenação pela “sucumbência” (pagar honorários à parte contrária) será mínima, eis que a condenação dele não poderá exceder 20% do valor da causa. 20% de R$1.000,00 é R$200,00. Essa ridícula “condenação”, de duzentos reais em honorários, estimula sua prepotência, o uso “baratinho” da Justiça para silenciar, durante  muitos anos de demanda, quem revelou suas faltas.

Ocorre, no entanto, que como o valor da causa, dada pelo autor da ação, foi “simbólico”, esse baixo valor não proíbe o juiz — segundo a jurisprudência — de condenar o réu (o jornalista, p. ex.) a pagar uma altíssima indenização, sem valor previsível, caso entenda que a crítica ofendeu moralmente o autor. Enfim, o réu, mesmo ciente de que não fez nada errado, vê-se obrigado, por mera prudência, a sempre contestar a ação, mesmo com baixo “valor da causa”, contratando advogado e sofrendo um longo desgaste emocional. Nenhum jornalista previdente, p. ex., se absterá de contestar uma ação dessa natureza presumindo que, se condenado, a condenação será pequena. O juiz pode pensar diferente. Se o autor não contestar a ação será revel, “confesso”. Perde a ação por omissão.

É, portanto, de urgente necessidade moral e jurídica — tendo em vista que tais ações podem estender-se por muitos anos — que o legislador conceda ao réu — um jornalista, por exemplo — o direito de, quando citado em ação cobrando “danos morais’, apresentar “reconvenção”, pedindo contra o autor uma indenização, de igual ou maior valor ao pretendido pelo autor, também por dano moral, só pelo fato de estar sendo processado injustamente. Na sentença, o juiz decidirá, com base na prova, a boa e a má intenção do criticado e do crítico. Não tem cabimento, é injusto exigir que o jornalista seja obrigado a ser “fritado” vários anos, apenas se defendendo, aguardando o remoto trânsito em julgado de sua inocência para, só depois, poder processar quem o processou injustamente. Propõe-se aqui, em vez de duas ações, em sucessão, apenas uma, simultânea, ação e reconvenção.

Em ações envolvendo dinheiro é salutar que o autor não se sinta em total zona de segurança ameaçando o réu com uma ação que servirá mais como um “cale a boca senão vou arruiná-lo financeiramente!”.

Alguém poderá alegar que a lei agora proposta é desnecessária porque se o autor perder a ação poderá ser condenado por “litigância de má-fé. Ocorre que os que frequentam o fórum sabem que, nessas ações, a condenação por “litigância de má-fé” do autor é raríssimamente aplicada tendo em vista que a sensibilidade moral é muito variável na sua ocorrência e medição. Acresce que se o autor perder a ação na primeira instância — porque o jornalista apenas fazia seu papel de informar —, o autor poderá apelar e percorrer as instâncias superiores, para retardar ao máximo o pagamento da indenização devida ao jornalista. Enquanto não transitar em julgado a condenação o autor o réu, jornalista, não poderá pleitear indenização por dano moral. Daí a necessidade de unificar as duas pretensões de indenização: a do autor (criticado) e a do réu (crítico, mas com razão).

Se, com a atual legislação processual, um juiz admitir — por economia processual —, a utilização da reconvenção nessas ações de indenização por dano moral, essa decisão ensejará infindáveis e sutis discussões acadêmicas e judiciais, com o argumento de que a “mera” condição de Réu em ações desse tipo não representa um “sofrimento moral” já ocorrido, efetivo, passado. “Seria necessário” — dirão os críticos da ideia — “um prolongado tempo de sofrimento do jornalista, após sua citação, para justificar o pedido do Réu”. Este teria, como já dito — “tecnicamente” — que sofrer longamente para, só depois, muitos anos depois, transitada em julgado sua absolvição, ter o direito de pretender cobrar do Autor a mesma quantia pretendida pelo Autor que o intimidou financeiramente por longo período.

Ponha-se o leitor na pele de um jornalista que foi citado judicialmente para pagar, digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não comprovou uma falcatrua — ouvida de fonte confiável, em tese crível. Essa ameaça tira-lhe todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer que, devido a globalização, a ação por danos morais seja processada em país estrangeiro propenso a indenizações milionárias.

O jornalista Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi condenado, pela justiça americana, a pagar uma indenização de cem milhões de dólares por haver mencionado — em entrevista, divulgada também nos EUA —, que a diretoria de uma empresa estatal brasileira, a Petrobrás, teria desviado altas somas da empresa para contas particulares dos seus diretores em banco suíço. Como Francis não comprovou em juízo esse desvio — o sigilo bancário era inviolável —, o jornalista foi condenado a pagar os cem milhões. Ele justificava-se, quando processado, dizendo que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria investigar o fato, mas a investigação não ocorreu. Pelo que presumia a mídia, nos anos 1990, o enfarte do jornalista foi apressado com tal condenação.

 Não sei se Paulo Francis tinha, ou não, razão no que disse, mas de qualquer forma, é impossível escapar da insônia — do enfarte, ou talvez do câncer induzido por angústia — com tal espada sobre a nuca. Não tem cabimento impor tal sofrimento moral, por muitos anos, a qualquer réu que vive da escrita, para só depois de transitar em julgado sua absolvição ter ele, réu, o direito legal de requerer uma indenização por dano moral contra alguém que o processou sem razão, conforme reconhecida pela justiça. O dano moral, o sofrimento psíquico, começa a existir a partir do momento em que o jornalista é citado e prolonga-se enquanto o processo caminha lentamente, como uma máquina de moer neurônios — e entupir artérias —, no processo de milhões em que só sofre o réu.

Por que não, repita-se, decidir as culpas recíprocas no mesmo processo? Se ficar provado, no conjunto da prova, que o jornalista abusou, que pague pelo abuso. Se ficou provado que não abusou, que receba do “ofendido” a mesma quantia que este lhe cobra, ou outra diferente. Justo, não? “Quem ganhar, leva tudo”. Se ambos erraram e também acertaram, que a justiça fixe a divisão da quantia em disputa, na medida e proporção do abuso de cada um. E tem mais: se o conflito em exame exigir dois processos, um após o outro, pode acontecer que a prova apresentada no segundo processo seja diferente da prova produzida no primeiro processo, acarretando uma contradição da justiça, abalando a confiança da comunidade.  

Há mais a ser modificado com essa futura lei. Ela exigirá que em toda ação de indenização por dano moral — seja qual for o motivo — o Autor será obrigado a mencionar expressamente, na petição inicial, o valor que pretende receber do Réu, não podendo deixar isso “o critério do juiz”, na sentença. Nada mais racional que cada ofendido quantifique, ele mesmo, monetariamente, o grau de seu sofrimento psíquico. Só ele é quem melhor pode revelar o grau de seu sentimento. Que assuma sua responsabilidade, e o risco processual da sucumbência. 

A menção obrigatória desse “quantum” pelo autor teria a vantagem de permitir a qualquer réu, quando demandado, abster-se de contestar a ação, quando o valor mencionado for ínfimo, não justificando maiores gastos com sua defesa judicial. Como está hoje a legislação — ensejando ao Autor não quantificar o valor que pretende cobrar —, todo Réu sente-se forçado, por mera prudência, a contestar qualquer ação de danos morais, mesmo que a considere risível. Talvez preferisse pagar a indenização pedida, encerrando o assunto, do que contratar um advogado, gastando muito mais.

A lei a ser proposta também poderia ter a virtude “extra” de forçar maior urbanidade, ou compostura, nas críticas, impressas ou orais, antes e depois de proposta a ação, contra pessoas ou instituições. Isso porque, se os fatos criticados forem verdadeiros, mas o crítico aproveitou a oportunidade para enxovalhar, mesmo com algum “brilhantismo”, a reputação do criticado e de sua família — muito além da intenção de apenas criticar um ato —, ele verá reduzida sua indenização.  Não pela sua crítica — na essência verdadeira —, mas pela forma abusiva, insultuosa, ou obscena, de se expressar.

Essa possível lei teria também um “efeito colateral” civilizador, educador. O direito de livre crítica, reconhecido mundialmente, foi concebido “para o bem”. Não como maldosa oportunidade para ofensas, verbais ou escritas, que estimulam imitadores, do pior nível imaginável, transformando a mídia em um bordel vocal, com insultos de baixíssimo calão, que estimularão novas ações judiciais, ou vinganças à bala. Quem insultar desnecessariamente a parte contrária, mesmo com o direito de receber uma indenização, ficará sabendo que o seu montante indenizatório será diminuído, na decisão, na proporção do exagero no insulto desnecessário. Será útil, para a boa imagem do país no exterior, que políticos, economistas e “filósofos” de boca suja policiem seu linguajar, mesmo que façam isso só pensando no dinheiro, não por virtude.

Encerro, aqui, minha sugestão. Desnecessário dizer que não escrevo para juristas, mas para pessoas em geral. Daí meu estilo coloquial.  Vou encaminhar esta proposta às entidades de defesa da liberdade de imprensa, as maiores interessadas no direito de informar o que ocorre no município, no estado, no país e no planeta. 

Desnecessário, de minha parte, apresentar agora um esboço de projeto de lei a respeito, pois há advogados e juristas do mais alto nível que podem fazer isso melhor do que eu, afastado que estou, há anos, da atividade forense.

(25/10/2019)

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Teste da força do hacker na próxima decisão do STF


No coração da maioria dos brasileiros geme o pressentimento de que o STF, em data bem próxima, decidirá — entre outras coisas, por maioria de votos —, se Sérgio Moro era “suspeito” para julgar o ex-presidente Lula da Silva e, “consequentemente”, por “mera prudência”, todas as sentenças por ele proferidas nas ações oriundas da Lava Jato devem ser anuladas. Daí, “arredondar” a tragédia para “anular tudo” será um pulo, considerando que a atual composição do STF não pode ser aperfeiçoada de modo significativo em curto prazo. Gilmar, por exemplo, está longe da aposentadoria compulsória. A Lava Jato foi a única operação, de larga envergadura, que enfrentou, com risco e eficácia, o crime do colarinho branco, mas tudo indica que seus dias estão contados, haja ou não uma forte reação popular. 

A quem os réus da Lava Jato — já sentenciados ou em perigo de o ser — devem agradecer essa fraude interpretativa que foi capaz de rebaixar nossa jurisprudência, apesar de ser fruto do crime de escuta ilegal? Devem agradecer, principalmente, a um jornalista americano, aqui residente, Glenn Greenwald, que, aproveitou a criminalidade alheia — ou quem sabe também própria — as investigações continuam... —, de hackers que gravaram milhares de diálogos e mensagens de celulares de magistrados, promotores, empresários e políticos com problemas na justiça.

Acontece que nessas escutas ficaram gravados, “sem querer”, diálogos particulares entre os alvos das escutas e as pessoas que apenas conversavam com os alvos, dizendo o que lhes dava na cabeça, sem reserva. Fofocas, ameaças, calúnias, indiscrições e até confissões de crimes e pecados que são ouvidos apenas por padres, psicanalistas e advogados, obrigados a guardar segredos profissionais.

 Essas particularidades da vida privada, de todo tipo e grau, transformaram-se em preocupações. Possibilitam chantagens. Inquietam-se, tais pessoas, ao saber que suas palavras estão em poder de meliantes capazes de tudo. Para apagá-las seria preciso a boa-vontade de Greenwald, mas os cortes não interessam ao americano porque eles poderiam comprovar, em eventual perícia, que Greenwald andou editando as acusações contra Moro e Dallagnol, caso o vasto material criminoso seja um dia periciado. Por isso, certamente, Greenwald não apresenta seu “material”, sempre alegando o não mais existente sigilo da fonte porque todo mundo já sabe os nomes das quatro “fontes”: três homens e uma mulher, presos, sem prejuízo de outras prisões, conforme o aprofundamento da investigação.

Agora vem a parte mais imprevisível do “hackeamento” em tela: o imenso poder inerente ao conhecimento de segredos ou intimidades gravados em larga escala. Esse conhecimento de conversas francas transformou Greenwald em um informal êmulo de John Edgar Hoover, que permaneceu como diretor do FBI durante 48 anos. Hoover “sobreviveu” a 8 presidentes dos EUA, porque mantinha o fichário de todos os segredos dos chefes da nação, inclusive da vida conjugal. Tinha as fichas amorosas dos irmãos Kennedy e sabia tudo sobre Marilyn Monroe, por exemplo.

Na política — como em tudo o mais, e ainda mais nela — quem não tem segredos? Todos os governos, pessoas jurídicas, têm segredos, e o mesmo acontece com as pessoas físicas dos governantes. Juízes, promotores, advogados, taxistas, catedráticos, jornalistas, etc., têm segredos. Todos os habitantes da Terra os têm. Greenwald também tem os seus, mas, sendo mais esperto, tecnicamente, que os demais, sabe como não se deixar grampear. E se eventualmente não grampeia os demais — porque é arriscado —, aproveita, sem risco pessoal e com glória jornalística —, o “trabalho” criminoso de outros. Em síntese: “lucra”, ganha prêmios e influência política com a criminalidade alheia. E a jurisprudência brasileira vai se ferrar com esse lucro contra ela.

Greenwald é hoje um homem poderoso. Um eventual ministro da área jurídica, na dúvida cruel se foi ou não grampeado em seu celular, não se atreve a contrariar o jornalista. O ministro vai dançar conforme a música tocada por ele, inclusive na questão, muito subjetiva, da “suspeição” de Sérgio Moro. Greenwald sabe que a imaginação faz o medo crescer nas situações perigosas. 

Glenn Greenwald, é festejado por muitos políticos, advogados e empresários já condenados ou em vias de o ser. A técnica de ilegalmente grampear centenas ou milhares de celulares de magistrados, políticos e pessoas influentes provou ser muito mais eficaz que comprovar, nos autos do processo, juridicamente, a culpa de alguém, no caso, Moro.

Eu já disse antes, no Twitter, e repito aqui, que vivemos, no Brasil, uma triste realidade: para vencer uma demanda difícil, complicada, é mais prático, vantajoso, contratar um bom hacker que um bom advogado. Este último argumentará com longos e complicados raciocínios, de difícil compreensão popular, enquanto o hacker profissional pinçará algumas curtas frases do “inimigo” que, só por serem muito curtas, são compreendidas e aceitas como verdade absoluta. Dessa forma fica fácil convencer os seguidores de Lula que o juiz era “suspeito: — “O Lula disse que não há prova do crime e eu acredito nele”. No caso em exame, dos julgamentos de Lula, a anulação tem um efeito imediato e amplo.

No vasto material em poder de Greenwald deve constar muita coisa em favor de Sérgio Moro e contra o ex-presidente Lula. É impossível presumir que entre centenas de frases, vindas de variadas bocas, nenhuma beneficie Sérgio Moro. Alguém já perguntou ao jornalista americano — não me lembro onde — porque ele não denunciava também outras pessoas que aparecem nas gravações cometendo ilegalidades. Ele, sempre esperto, respondeu que não fazia isso porque seu interesse era apenas de mostrar que Moro não era imparcial, não podendo ele, Greenwald, assumir o papel de polícia. Ele esquece que publicando apenas as frases “contra Moro”, ele desequilibrou a balança doida da “justiça da internet” que repercute na justiça legal. Talvez nas gravações existam frases de ministros pró-Lula, de testemunhas e de advogados de defesa muito mais comprometedoras que aquelas escolhidas por Greenwald querendo prejudicar o juiz.

Paro por aqui, preocupado com o espaço. A manutenção do interesse pela leitura de artigos é inversamente proporcional à quantidade de parágrafos que ainda precisam ser lidos.


Se o leitor, ou leitora, quiser se informar mais sobre os temas conexos pode acessar meu blog — francepiro.blogspot.com.br — ou meu site www.500toques.com.br

Outros textos, conexos, têm os seguintes títulos:

“A 2ª. Turma do STF errou feio no processo contra Bendine”

“Um ‘bom’ hacker conseguirá anular a Lava Jato”?


“Cautela, STF: Lula, livre, poderá exigir indenização

“Sérgio Moro saiu-se bem no Senado”

“Sérgio Moro priorizou a verdade e não violou a lei”

Se a Lava Jato for desmoralizada, a corrupção voltará muito mais forte que antes. Segurem as carteiras e cuidado ao falar no telefone.

(09/10/2019).