terça-feira, 9 de julho de 2013

As passeatas e os Códigos de Processo.

As passeatas e os Códigos de Processo.

(Explicação necessária: o artigo abaixo foi escrito — aos poucos, sem publicar, porque faltavam alguns retoques — entre os dias 4 e 6 de julho de 2013, antes de ler, minutos atrás, no jornal O Estado de S. Paulo, de 10 de julho, a incisiva entrevista do Dr. Jorge Hage, Ministro - Chefe da Controladoria-Geral da União. Por um lado fiquei felicíssimo por saber que uma relevante autoridade jurídica tinha a nítida percepção da causa principal da morosidade da nossa justiça e a resultante impunidade que tanto atormenta a sociedade. Por outro lado, fiquei ligeiramente frustrado por não ter sido o primeiro a explicar, ao grande público, que não será com leis materiais penais mais duras — como pretende o Governo —, que faremos cessar a impunidade. A solução está tanto em modificar a legislação processual penal quanto a processual civil, sem o que a impunidade continuará, revoltando a população ordeira e desmoralizando o poder judiciário. Dou a explicação acima também para não passar por plagiário. Quem me conhece e lê meu site, pouco difundido, sabe que, há anos, penso exatamente como o Dr. Jorge Hage, o que muito me conforta. Talvez o fato do Dr. Hage ter sido juiz por doze anos, segundo o jornal, tenha contribuído para diagnosticar corretamente a origem da disfuncionalidade de nossa justiça, não obstante o empenho pessoal da vasta maioria dos magistrados brasileiros)
Vamos, portanto, ao meu artigo.
Diz a mídia que em uma pesquisa CNT/Ibope, divulgada no dia 22-6-13, os políticos e a corrupção receberam, respectivamente, 47% e 32% das menções dos entrevistados, em 79 municípios, como principal razão para as violentas manifestações de dias atrás.
Não ficamos nada a dever, portanto, à “Primavera Árabe”, embora com diferentes reivindicações. Lá eles queriam, primordialmente, liberdade e democracia. Aqui, a luta é contra a corrupção e a impunidade, porque liberdade temos de sobra, como mostraram algumas cenas de vandalismo e saques que se seguiram às manifestações ordeiras. Vandalismo sem medo de proporcional repressão policial porque qualquer forma de energia da polícia é criticada pela mídia como “excesso”. Uma reação mais à altura, violenta, contra depredadores encapuzados, poderia gerar alguns cadáveres, sonho dourado dos pescadores de águas turvas.
De eleições também não carecemos, embora psicologicamente manipuladas por hábeis estrategistas e marqueteiros que sabem como tocar no ponto sensível da grade massa de eleitores pobres: o bolso, sempre vazio, e carências sociais de toda natureza. A pobreza humilha, cria filhos com deficiente escolaridade e consolida uma dependência quase total da mão que a socorre. No caso, a mão estatal, materializada no partido dominante.
Até agora não entendo como a oposição brasileira, em busca de um slogan eleitoral contundente, não rotulou — por convicção ou mesmo por oportunismo —, as variadas Bolsas Família como sendo “o mensalão dos pobres”: em vez de muito dinheiro público para uns poucos políticos e associados, uns trocados para milhões de necessitados.
Essa informal “compra de votos” — ou sincera preocupação com os pobres, conforme a real intenção — usando a “moeda-bolsa”, provou-se tão eficaz na luta pela manutenção do poder, eleição após eleição, que será de admirar se, no futuro, mudando o poder de mãos, outros partidos renunciem a essa utilíssima alavanca de reeleição. O governante da vez dirá: — “Por que não ajudar os pobres? A caridade é uma bela virtude cristã!”.  A diferença entre os dois “mensalões”, o do rico e o do pobre, é que no primeiro o dinheiro vai para quem dele não precisa para viver.
Não sou contra a ajuda aos pobres, pelo contrário, porque, atualmente, se o estado não ajudar, quem o fará? Os muito pobres não são tais por vontade própria. São vítimas, mesmo antes de nascerem, de uma imprevidente organização social e, principalmente, porque são muitos, milhões, nascidos sem qualquer planejamento familiar em um mundo em que máquinas e computadores expulsam, crescentemente, seres humanos dos campos, fábricas e escritórios. Assim, pensando-se nas múltiplas necessidades atuais — atuais, frise-se — da prole pobre e numerosa, é preciso que os governos ajudem quem realmente precisa. Se a criminalidade de rua, no Brasil, já é alta, imagine-se se as Bolsas tivessem sido canceladas. É preciso, porém, que as bolsas já concedidas venham com um lembrete implícito: seu caráter provisório.
Um assistencialismo exagerado, quase total (alimentação, gás, leite, ensino, transporte, auxílio-desemprego, computadores, remédios, viagra (um prefeito fez isso), casas, aposentadoria sem contribuição, auxílio-reclusão, etc.) induz o beneficiado a concluir que seu futuro não depende do esforço pessoal, porque tudo de que necessita é obrigação do Estado fornecer, de graça ou a preços subsidiados. Pessoas de baixa escolaridade, recebendo várias bolsas, são induzidas a pensar, com o passar dos anos, que quanto mais crescer a família — mesmo todos desempregados, ou até mesmo um deles na cadeia —, maior será a ajuda governamental, “mais dinheiro entra pra nós”. Esse estímulo à maternidade irresponsável tornará a carga fiscal — já pesada —, cada vez maior, porque não existe mágica para produzir riqueza, sem trabalho. A função do Estado é administrar a fatia, razoável!, de riqueza extraída da iniciativa privada. Se a “extração” chegar — e está quase chegando — a um ponto insuportável, o governo sentirá o peso de uma futura revolta muito mais séria do que a dos estudantes no mês de junho de 2013.
Os vinte centavos de aumento das tarifas de transporte — o estopim da mini-revolução — foi apenas a famosa gota d’água que fez transbordar, com inesperado estrondo, o copo de bile, vinagre e vômito reprimido. Este último jorrado no colo até de transeuntes que não tinham culpa nenhuma pelo que ocorre no país. Mesmo nossa esforçada presidente da república, que faz, aparentemente, o que pode para melhorar um país tão desigual — “ou mais para se reeleger”, segundo seus inimigos —, teve seus sapatos e meias respingados com a explosão “moral-estomacal” da jovem população. Afinal, não foi ela quem decidiu pelo aumento das passagens municipais e estaduais.
Quem arcará com os prejuízos por não se conseguir conter os vândalos travestidos de jovens idealistas? A Justiça considerará a explosão popular como um “ato de Deus’, um ciclone ou terremoto, que desobrigará qualquer governo de indenizar os danos? Se as prefeituras forem responsabilizadas em razão dos aumentos das tarifas de transporte urbano, alegarão que os poucos centavos a mais não foram a causa principal da revolta popular. Tanto assim que, cancelados os aumentos, os protestos continuam, vindos de todos os setores. Dirão que a raiz da revolta é mais profunda: a sensação de impunidade, principalmente de membros do Legislativo e também do Executivo Federal. Este, pela falta de juízo, ou de ética, no uso do dinheiro público, gastando demais com a Copa, esquecendo projetos anteriores de grande envergadura e muito mais úteis à população.
Proprietários de lojas, ônibus, automóveis incendiados, postos de gasolina — que por pouco não explodiram —, e cidadãos em geral impedidos, por longas horas, do direito de ir e vir, “pagaram o pato” por um clima de insatisfação reprimida que bem se assemelhava a um barril de pólvora mental à espera da fagulha. Além das deficiências governamentais, o “plus” de infindáveis  horas procurando um meio de voltar pra casa.
Essa “fagulha” tem ocorrido com alguma frequência ao longo da história universal. Como a rebelião jovem de 1968, na França, é bem conhecida no seu efeito — embora não na causa — evoco aqui, brevemente, o motim ocorrido no couraçado — ou “encouraçado” — russo Potenkin, em 1905. Lá, como cá, a indignação reprimida da tripulação um dia estourou, ajudando a apressar uma mudança de regime. Na Rússia, como já disse alguém, “tudo começou com um prato de sopa”, enquanto aqui, no Brasil, “ começou com alguns centavos no preço do transporte público”.  
Na Rússia de 1905, ao tempo do Czar Nicolau II, um oficial da marinha, especialmente tirânico, tratava sua tripulação, no Potemkin, com chibata e ameaças — por vezes cumpridas — de fuzilamento, então castigos legais previstos para “manter a tripulação na linha”. A tripulação engolia, rangendo os dentes, o tratamento invulgarmente severo e humilhante até que surgiu a fagulha intolerável —, no caso, estomacal, propriamente dita. Uma sopa, com carne estragada, moradia de vermes, que apressou o advento do mais impressionante experimento social dos tempos modernos: a criação, a ferro e fogo, de um vasto país socialista, que acabou não dando certo porque era um regime — embora carregado de inicial  idealismo —, não compatível com a natureza humana, essencialmente individualista, adepta da liberdade (principalmente a própria...) e inclinada à busca do lucro a qualquer preço. Lenine chegou a dizer que as revoltas de 1905, inclusive a do Potemkin, serviram como ensaio geral da Revolução de 1917.
Como um parêntese, esclareça-se que na apregoada “igualdade” há muita demagogia. As pessoas querem ser iguais aos superiores, não aos socialmente inferiores. As pessoas de maior status aceitam a “igualdade” apenas na abstrata e inócua redação legal, de que “todos são iguais perante a lei’. Na conhecida ironia de Anatole France, a lei, na sua majestade, proíbe tanto o mendigo quanto o banqueiro milionário de pedir esmola nas ruas, incomodando os transeuntes.
A igualdade perante a lei, na área penal, é ainda um sonho, uma meta, em razão de uma falha da legislação processual que permite infindáveis recursos do réu — sem perigo de piorar sua situação —, mesmo perdendo todos eles. Permanecendo livre, enquanto corre o processo, e sabendo-se culpado, o réu obviamente — isso é até “humano” — procura retardar ao máximo o quase utópico “trânsito em julgado”, jogando-o para um longínquo e incerto futuro.
 A única coisa em que o defensor do réu não pode falhar, seu único “ônus” , é não perder os prazos dos recursos. E para o caso do réu chegar a ser julgado pelo STF é preciso que ele contrate um criminalista competente e vigilante, que obviamente precisa ser remunerado à altura, porque estudou o lutou muito para conquistar uma reputação de bom profissional. O réu pobre não pode contar com uma defensoria gratuita, estatal, que se esforce, em Brasília, para eternizar seu processo. Nem seria bom que isso ocorresse, aumentando ainda mais a insegurança da população. A função da assistência judiciária é lutar para provar a inocência do assistido, não para “enrolar”, facilitando a vida de criminosos. A propósito, é socialmente útil que o advogado que defende “mafiosos” do dinheiro público cobre pesadamente pelo seu trabalho, como forma, possivelmente única, de  alguma punição (econômica), porque são raros os casos de prisão de réus do colarinho branco cumprindo pena em regime fechado. E não é raro que alguns  grandes advogados criminais, mais sentimentais, defendam, até de graça, pessoas de poucas posses que lhes pareçam vítimas de uma injustiça. Os criminalistas bem sucedidos não são seres amorais, são apenas profissionais que defendem seus clientes usando seus bons conhecimentos valendo-se do que a lei permite, embora ingenuamente (a lei, não o advogado, que nunca é ingênuo). E o atual momento, com a rebelião nas ruas, é bem propício para tapar tais “brechas” que alimentam a impunidade.
É fato conhecido que os “ricos” têm mais sorte que os “pobres” quando estão sob julgamento criminal. Mas não pode ser esquecido que os pobres — mais carentes em tudo, inclusive em informação e formação — existem em muito maior número que os ricos, sendo assim mais natural que lotem os presídios, ao contrário de infratores ricos que podem, sem risco, desfrutar de todas as vantagens e confortos  propiciados pelo dinheiro, não precisando infringir a lei. Quando a infringe é, quase sempre, por incontrolável ganância.
Ao mencionar essa desigualdade, na área penal, não quero dizer que os magistrados protegem os réus mais ricos. Eles decidem conforme a lei e a prova dos autos, mas como existem centenas de milhares de processo criminais em andamento, e os réus podem não só recorrer de tudo mas também impetrar “n” habeas corpus — e até mandados de segurança —, é quase tranquila a chance do processo do réu “rico” só chegar ao STF, após muitos anos de sucessivos julgamentos, embora todos eles reconhecendo a culpa do acusado.
Quanto maior a demora do longo processo, melhor para o réu, quando culpado e se em liberdade. Se estivesse preso preventivamente seria julgado muito mais depressa, o que ele não quer, de jeito nenhum. Respondendo, solto, ao processo, mesmo havendo uma decisão “final” no STF, o Regimento Interno dessa Alta Corte ainda permite mais delongas, com “embargos de declaração”, sem um limite quantitativo de renovações, e também eventuais “embargos de divergência’, como se constatou no julgamento do “mensalão”. Embargos esses que, por sua vez, podem provocar novos “embargos de declaração”. Um nunca acabar, o que explica a revolta da juventude, dos maduros e dos velhos contra a fácil impunidade.
                Penso, particularmente, que nas passeatas, os jovens, embora criticando a “impunidade”, não a vincularam expressamente ao Judiciário. Vi muitos cartazes, na TV, mas nenhum deles criticava a Justiça Brasileira. Provavelmente por causa da atuação franca, objetiva e severa do Min. Joaquim Barbosa, e considerando que o processo do mensalão ainda não terminou. Quando, porém terminar, e conforme o resultado, certamente presenciaremos novas manifestações, com cartazes atacando a justiça.
 Voltando ao nosso “Potemkinzinho” de vinte centavos, no caso paulista, podemos presumir que, não obstante pouco mencionada nos cartazes, a sensação geral de insegurança pública — com assaltos, sequestros, arrastões e homicídios (por mero capricho) — estava bem presente no espírito da classe média, principalmente. Isso porque os jovens mostram-se hoje temerosos de frequentar restaurante, ou bar, ou sair de uma agência bancária após um saque normal. Sem mencionar o perigo de um tiro no rosto, ou no crânio, ao parar o carro em um cruzamento. Se o motorista arranca com o veículo, tentando fugir, leva um tiro na cabeça. Se não reage ou, meio “sociólogo”, tenta, fora do carro, em um posto de gasolina, agradar o bandido, afirmando “compreender” sua juvenil marginalidade — enquanto lhe entrega dinheiro, celular e a chave do carro —, morre do mesmo jeito porque “o ‘tio’ tentou bancar o espertinho, superior, pensando me levar na conversa. Mandei chumbo no bacana!”.
A sensação de impunidade dos assaltantes é impressionante. Sexta- feira última, dia 5 de julho, em São Paulo, no centro da cidade, por volta das 13:30 horas, um rapaz de cerca de vinte anos, ao sair de uma entrevista para conseguir emprego — por isso estava bem vestido, para causar boa impressão — foi assaltado na calçada, em pleno centro da cidade, junto ao Edifício Itália.  Passando em frente de uma agência bancária, um bandido veio por trás e, encostando o cano do revólver em sua cabeça disse mais ou menos o seguinte: — “Olha aqui, seu playboyzinho idiota ( ou “de mer...), me dê todo o seu dinheiro. Se tiver menos de vinte reais, você está morto”. Enquanto dizia isso, um comparsa do bandido se aproximou com uma faca na mão, reforçando a ameaça. O assaltado, felizmente, tinha no bolso perto de cem reais, que imediatamente entregou a um dos bandidos. Este o obrigou a tirar os dois sapatos e pegou seu celular e cartão de crédito. Felizmente, não levou seus documentos. Agora, o que mais impressiona é a audácia de isso ocorrer naquela hora e em rua de muito movimento. Várias pessoas viram a cena mas desviaram os olhos com medo de um tiro ou facada. Até que foi um “final feliz”, sem morte nem ferimento, mas nova comprovação de que a justiça penal precisa — urgente —desestimular também o crime de rua, porque o medo da lei não existe mais. Sei desse fato porque foi relatado pela avó da vítima, que se congratula com o fato dela mesma ter aconselhado o neto a levar consigo algum dinheiro, além da condução. 
Contra a impunidade do criminoso do colarinho branco a Sra. Presidente prometeu providências políticas, penais e administrativas, de vasto espectro, inclusive a convocação de plebiscito. Ela pensou na Constituinte porque as “cláusulas pétreas” da Constituição não podem ser modificadas nem mesmo por emenda constitucional.
Embora eu seja um crítico do número excessivo de “cláusulas pétreas”, expressas e “implícitas”, de nossa Constituição — petrificação que sacrifica nossa geração e a próxima —, é de máxima urgência  combater primeiro, já!, a impunidade. Tanto a do colarinho branco quanto a do “azul”( o operário). Para isso  impõe-se alterar o Código de Processo Penal, a “ferramenta” da legislação penal. Sem adequada ferramenta, o binômio “crime e castigo” fica rompido, com muito crime e pouco ou nenhum castigo. E castigos prescrevem.
A ideia de rotular como hediondos determinados crimes contra a administração pública não livrará as ruas, e os suspeitos gabinetes, da variada fauna de criminosos. A efetividade dessa classificação — com maior tempo de reclusão — depende da existência de uma “condenação com trânsito em julgado”. E aí surge o enigma: que condenação? Onde está essa ave rara? Como qualquer prisão, em regime fechado, depende do “trânsito em julgado” para ser cumprida,  todo culpado — que se sabe culpado —, conseguirá evitar que isso aconteça, simplesmente interpondo um recurso atrás do outro. Não adianta “endurecer” o Código Penal, se não se endurecer também o Código de Processo Penal, a “ferramenta”, isto é, a prisão preventiva nos casos graves em que existem provas convincentes, embora provisórias, que mostrem a periculosidade do acusado e a aparente realidade de seu crime.
Se, por exemplo, câmeras de rua mostram um grupo de rapazes — logo depois identificados — matando, a pontapés, um homem caído; ou jogando álcool e depois incendiando um morador de rua; ou a polícia recebe denúncia anônima de que um senhor “respeitável”,  primário e com ganho próprio, matou três mulheres, depois delas se aproveitar sexualmente durante largos períodos, enterrando-as depois no quintal da casa dele, e esses fatos venham a ser logo comprovados com a exumação dos corpos, sendo também apreendida uma filmagem — feita pelo réu, das cenas de sexo e horror em que ele aparece como o artista principal —, não tem sentido o réu ser processado em liberdade só porque não houve flagrante. O réu, solto, apesar de tantas evidências, embora provisórias, é um insulto aos sentimentos normais da coletividade. E o juiz não pode viver nas nuvens. É claro que se, no decorrer da instrução, tudo parecer ser uma “armação” diabólica contra uma pessoa inocente, o juiz revogará a prisão preventiva, prosseguindo o processo até a decisão final.
O fato de uma denúncia rotular um crime como sendo hediondo não impede, atualmente, que o réu, condenado em várias instâncias, continue utilizando recursos, até no STF, para retardar o seu julgamento “finalíssimo”. A falha na segurança de rua e na preservação do dinheiro público não está no que ocorre depois que a condenação transita em julgado. A falha está no fato de lei permitir que o réu impeça que isso aconteça, bastando redigir um novo recurso.
Há limites para a ingênua “presunção de inocência”. Essa “presunção” cai, pelo menos em metade, com a condenação em primeira instância. Se confirmada, em apelação, a condenação, essa presunção fica reduzida a, digamos, dez por cento. Assim, por que não “segurar”, ou “reter”, o condenado — embora não sendo ainda tecnicamente “culpado” — enquanto ele tenta, nos Tribunais superiores convencer os julgadores que todas as decisões anteriores estão erradas? Um réu, normalmente esperto, já considerado culpado em decisões recorríveis, obviamente não vai esperar ser preso, quando acabar a longa espera da quase impossível “decisão final”. Avisado, pelo celular, de que foi, finalmente, ordenada sua prisão, ele saberá como fugir para local desconhecido, caso sua pena tenha que ser cumprida em regime fechado e seja longa.
 A prisão preventiva, quando a prova, embora provisória, é convincente, seria de utilíssima oportunidade — e até mesmo um “privilégio” para o réu — porque sendo ele inocente, como alega, terá a vantagem de poder se livrar mais rapidamente de uma situação de dúvida e constrangimento. Isso porque já consta de nossa legislação, que réus presos preventivamente têm prioridade de julgamento.
Será que a exigência do trânsito em julgado da condenação de réus de maior prestígio social — para que ele possa ser preso —, está nas péssimas condições carcerárias? Ele sofreria mais que os delinquentes “pés-de-chinelo”, com a diferença abismal de conforto?
Essa justificativa não encontra apoio no preceito constitucional de que todos são iguais perante a lei. Além do mais, a realidade carcerária mostra que condenados, ou meramente retidos por prisão preventiva, que sejam abonados, sempre conseguem um tratamento mais suave. Seu dinheiro pode comprar “proteção” de presos mais dominadores do presídio , ou mesmo algum privilégio por parte dos carcereiros, que ganham muito pouco em função tão perigosa. Se, porém, o legislador teme, um dia, eventualmente, figurar na posição de réu preso preventivamente — o mundo dá muitas rodas e a política é sempre traiçoeira — que escreva na lei que determinados tipos de réus possam aguardar seus julgamentos em prisões especiais ou quarteis. O que é essencial é que saia das ruas, por um tempo — até mesmo por uma espécie de pudor cívico —, enquanto aguarda a condenação irrecorrível. Ele será julgado muito mais depressa do que seria, estando solto. Essa forte restrição à sua liberdade desestimulará seu empenho de recorrer continuamente para ganhar tempo porque a ausência de total liberdade sempre implicará em desconforto.
Para encerrar, também a legislação processual civil precisa “endurecer” quando houver — se houver... — aprovação de um projeto que está no Senado punindo, apenas com multa, pessoas jurídicas por ato de corrupção contra a administração pública. A multa, dizem, poderá ser de até R$60 milhões. Se, porém, não for exigido, em  nova lei, que a empresa, condenada na primeira instância, deposite o valor da condenação para poder apelar — depósito mesmo, não mera “caução” simbólica — é óbvio que a multa só será paga daqui a dez anos, porque também na área cível, de cobrança, todo devedor consegue, querendo, quase eternizar a demora no pagamento de seu débito, desde que haja boas razões econômicas que compensem o gasto com as protelações.
Encerro, contrariado. A internet não é um espaço adequado para textos longos demais. Se o leitor não cochilou até aqui, merece parabéns pelo esforço. E mais uma vez parabenizo o objetivo e honrado Ministro Jorge Hage que, com seu merecido prestígio, pode influir para que a sociedade ordeira seja melhor protegida porque, atualmente, a desproteção é a norma, paradoxalmente legal.
(08-07-2013)