sábado, 4 de maio de 2013

Leituras, aposentados e reflexões arriscadas


Leituras, aposentados e reflexões arriscadas

Para pessoas de regular instrução, quando curiosas — segundo psicólogos, sinal de inteligência —, a vantagem máxima da aposentadoria estaria no maior tempo disponível à leitura instrutiva e reflexiva. Além do prazer, em si, de conhecer o que se ignorava —, mesmo sabendo que o proveito será menor porque a morte ronda —, dessas leituras podem surgir novos enfoques, resultantes da conexão da experiência de vida com as velozes novidades do mundo atual. Uma indispensável “liga” do novo com o velho porque a civilização é o resultado de um encadeamento progressivo de ideias com raros “saltos qualitativos”, bruscos, revolucionários — não necessariamente políticos.

Lamentavelmente, não é isso que geralmente ocorre — o interesse pela leitura instrutiva —, apesar de existir um impressionante universo de conhecimentos ao alcance de todos, via imprensa e internet. E boa parte desse interessante material é fornecido gratuitamente.

Conversando com alguns idosos que conseguiram dominar o “pavor do computador” — inacreditavelmente, alguns, até bem inteligentes, temiam “não conseguir aprender”... —, constata-se que muitos deles empregam seu vasto tempo livre em joguinhos eletrônicos, leitura de fofocas políticas — se em poucas linhas... — e assuntos de baixo nível de dificuldade. Não querem mais “quebrar a cabeça”.

“Meu tempo já passou...”, dizem, erroneamente, porque até o momento da morte sempre pode-se extrair algo útil, e até mesmo poderoso, desse milagre biológico chamado cérebro humano.

Sempre me intrigou a imensa diferença entre a inteligência do homem e a dos mamíferos, mesmo os mais inteligentes dentre eles. Um misterioso “privilégio” já bem explorado pelas religiões que apontam essa diferença como sinal de nossa especial origem divina. Tão especial que chegam a dizer que fomos feitos “à imagem e semelhança de Deus”, descabelado autoelogio que o Criador, horrorizado, certamente considera como pura demagogia.

 No entanto, como justificar, cientificamente, que um bebê, nascido na selva mais profunda, sem qualquer ascendente alfabetizado possa — em tese —, quando transferido para um centro civilizado, se transformar eventualmente em um gênio capaz de explicar o que ninguém antes foi capaz de compreender? Como entender, sem um empurrão da Teologia, tanto desperdício de poder cerebral, dado de graça ao nascer de seres humanos de qualquer cor? Por que não existem dezenas de “elos perdidos” entre o homem e o chimpanzé? Realmente, ainda há muita coisa a ser esclarecida sobre a origem do “homo sapiens” (ou “metido a sapiens”).  

Voltando aos idosos, eles usualmente ocupam-se em buscar  netos nas escolas, viajar em grupo, aprender a dançar tango —, com esforçados trançados de pernas bambas —, de preferência com vigorosas jovens argentinas. Outros, mais decididos, engolem pílulas capazes de proporcionar provisório vigor amoroso, acoplado, por vezes, a uma profunda carência de romantismo: — “Um coicezinho final, físico e sentimental, antes de esticar as canelas”, dizem alguns, com olhos tristes, carregados de dúvidas ou remorsos. Outros, mais resolutos, esforçando-se para se convencer — e acabam mesmo se convencendo —, de que têm esse direito, “digam o que digam as leis, os religiosos, invejosos, juízes, delegados ou o diabo que os carreguem!”.

Nada a estranhar, sob o ângulo apenas psicológico, quanto ao desejo de usufruir, na velhice, aquilo que gostariam de ter feito, mas não fizeram quando moços, pressionados pela moral, pela lei, pelo medo do — quem sabe? —, castigo divino. Medo, principalmente, do fuxico da vizinhança, do rancor escandalizado dos filhos, das novas despesas com mulher bem mais jovem e assanhada; ou das doenças relacionadas com o amor pago por tarefa. Medo ainda, real, poderoso e algo contraditório, de magoar a antiga e honrada companheira que — ele reconhece —, bem que mereceria um marido cem por cento, o que não foi “humanamente” possível no seu caso, desculpe minha velha...”

O temido “comportamento ridículo” — como todos os juízos, sempre fáceis, sobre a conduta alheia —, pode ser encarado com alguma compreensão quando tal comportamento não implica — o que é raro —, em sofrimento de terceiros. Geralmente “terceiras”, as esposas, ou companheiras, angustiadas com a conclusão de que “Meu comportado marido endoidou! Que devo fazer? Temo a solidão mas minhas amigas exigem uma atitude!”

 Do lado do marido extraviado, sua mente ensaia técnicas de defesas, inclusive chicanas morais no tribunal da própria consciência: — “Para mim, não é nada ridículo. Sei o que digo! Contenho-me há anos! Até agora só vivi para os outros! Afinal, o impulso de preencher um vazio na área instintiva é fenômeno não só humano. É de todo o reino animal. Tenho também meu lado animal, confesso, infelizmente. Se há tanto empenho em proteger os “animais”, por que nenhuma ONG me protege? Só porque tenho duas pernas? O canguru também tem e é protegido. A “quota” de instintos, com que todos nascemos, está cobrando, agora. com atraso, “seus direitos de expressão”, que considera imprescritíveis — essa terminologia mental ocorre apenas nas mentes jurídicas —, não importa o branco dos meus cabelos nem a curvatura da minha coluna e de outras partes”.

Quanto à psicologia das mulheres, na mesma faixa etária, convém — quem não for mulher —, não arriscar conjeturas sobre o que se passa no cérebro delas. Imagino que é uma alvoroçada assembleia de damas revoltadas, gritando e argumentando. Não há dúvida, porém, de que elas, de modo geral — e por enquanto —, são mais resignadas com as frustações que lhes reservou o destino. Consideram injusto o trabalho dentro e fora do lar e a maior vigilância social sobre seu comportamento. Suportam mais as decepções da longa convivência marital. Enterraram, quase totalmente, os românticos “sonhos loucos” da mocidade. Pensam quase só nos filhos e netos. Tornaram-se zelosas guardiãs da família. Acostumaram-se com o peso da cruz .

Se sua “personal cruz” — barbuda, bigoduda ou escanhoada —, sofrer um enfarte fulminante, elas podem sentir alguma falta do falecido, companheiro, secretário, chofer, e zelador particular que fazia pequenos consertos na casa. Querem apenas morrer com a consciência em paz. Geralmente acreditam em outra vida, com, talvez — “quem me dera!” — alguma recompensa pelas suas renúncias silenciosas: — “Não é possível que eu não encontre justiça, nem mesmo depois de morta!”— é o grito silencioso delas.  

Como conciliar o desejo de satisfação de tais “quotas” instintivas e românticas, masculinas e femininas, com as regras legais e morais é o grande problema que só será resolvido daqui a muitas décadas, quando religiões, moral, ciência e lei chegarem a um acordo — realista — de cavalheiros.

Isso acontecerá, inevitavelmente, porque a humanidade sempre lutou contra a sensação de dor. Toda dor, física ou moral. A dor física, aguda, só pelo fato de ser insuportável, já foi dominada pela medicina. A dor moral da frustração, mais apaziguável, ainda não. E fujamos do perigoso assunto porque vejo no horizonte a formação de nuvens ameaçadoras tomando a forma de vultos femininos segurando formas cilíndricas que parecem rolos de macarrão. Esse inocente instrumento de cozinha foi, em passado não distante, poderoso amaciador de massas cerebrais masculinas, propensas às milenárias fraquezas e discutíveis filosofias que as justificassem.

Incidentemente, ocorreu-me a ideia — mera desconfiança, talvez maldosa — de que o Islamismo, permitindo a poligamia — em variados graus quanto número de esposas —, incentivará adesões masculinas, em todo o planeta, inclusive no mundo ocidental. A mera possibilidade de conciliar, sem o menor drama moral, a religião com a moral e com o instinto natural da poligamia, funcionará como um poderoso incentivo, para conversões de machos. Obviamente, nenhum candidato ao islamismo mencionará que esse “bônus”, a poligamia, pesou na decisão, mas se Freud fosse vivo, e consultado a respeito, certamente diria que o subconsciente deve ter feito o seu trabalhinho.

Por outro lado, havendo maior difusão da instrução e informação nos países islâmicos, não só árabes — via internet e imprensa livre — a ideia da monogamia ganhará progressivo espaço. À mulher moderna repugna dividir seu homem com quem quer que seja. O aumento da instrução nas mulheres será um golpe mortal na tentação da poligamia. Teremos, cada vez mais, mulheres nos parlamentos. Já que falamos antes em instinto e analogias, frise-se que as leoas, na savana africana, mordem as leoas estranhas que se aproximam do leão ainda em condições de lutar e procriar. Não admitem nem a troca de rugidos cerimoniosos.

Se vier a prevalecer  apenas a racionalidade, a monogamia legal, mais democrática, triunfará em todo o planeta,  com a mera consideração de que há um quase empate estatístico no nascimento de homens e mulheres. Como, entretanto, o homem tão cedo não mudará sua natureza, a poligamia continuará presente, embora residual, furtiva, como ocorre com crimes e contravenções. Gostaria de estar entre os vivos daqui a cem anos, para saber como a civilização — se ainda não incinerada ou “radioativada” — resolveu esse problema.

(14-4-2011)

Nota: O presente artigo, com a data acima, é uma adaptação de artigo que fará parte do "Verdades que melindram", vol. II, que dentro de poucos meses estará para leitura on-line.