terça-feira, 27 de outubro de 2015

Economia, Lula, Roosevelt, recessão e CPMF.

Uma pequena tragédia dos tempos modernos, para quem escreve, é a necessidade da mídia só tolerar artigos curtos porque, do contrário, não serão lidos. Quando curtos — dolorosamente simplificados —, os mais exigentes o criticam por serem “elementares”. A solução seria, dizem, colocar explicações mais elaboradas em livros. Mas quem lê os alentados livros de Economia? Só uns poucos economistas, como que conversando entre eles e quase sempre discordando, tanto no diagnóstico da “doença” quanto nos remédios.

Segundo George Bernard Shaw “se todos os economistas fossem postos lado a lado, nunca chegariam a uma conclusão”. Dir-se-á que ele era apenas um literato, mas J. K. Galbraith, economista mundialmente famoso, beirou o insulto ao dizer que “em economia a maioria está sempre errada”, e que “a economia é extremamente útil como uma forma de emprego”. Certamente estava irritado com os colegas.

Resultado: o “povão”, que só está interessado no que afeta diretamente seu bolso, individualmente, acaba definindo, com sua maior massa de votos — há mais eleitores “pobres” do que “ricos” —, como será, no futuro, a economia do país inteiro, comprometendo todas as classes sociais. Isso, claro, é teoricamente democrático — um homem, um voto, “a maioria tem sempre razão” —, mas nem sempre é a solução mais inteligente para um futuro seguro, porque essa maioria, ganhando a eleição, pode ter sido enganada, vítima da demagogia bem articulada e propagandeada. Além disso, discussões sobre economia, mesmo entre os mais competentes, frequentemente chegam a conclusões opostas.

 Até hoje esquerda e direita, no mundo inteiro, falando pelas bocas mais sábias, divergem sobre o que fazer. Dificilmente transigem. Afinal, perguntamos: a Economia é uma ciência — embora “social’ —, ou uma liga de filosofia com literatura? Digo isso porque um certo talento literário contribui demais para que os leitores se inclinem mais para a esquerda ou para a direita, nos temas econômicos, fenômeno que amesquinha o suposto caráter frio e “científico” da Economia.

Quando Lula, um homem inegavelmente esperto, ou inteligente, ou malandro — escolham — soube, apenas de ouvido, que o presidente americano Franklin D. Roosevelt havia salvo a economia de seu país — e com isso, do mundo inteiro — usando uma receita de “emprego e trabalho a qualquer custo”, o líder petista não quis escutar mais nada: — “É com este que eu vou! Farei igual!”

Fez e deu certo, pelo menos por um longo período. Apostou no amparo do trabalhador e dos mais pobres. Nisso agiu com justiça. Estimulou o consumo interno e a maior produção para satisfazer esse consumo. Insistiu na internacionalização do Brasil, agindo como um “Tio Patinha”, ou Papai Noel, ajudando governos mais afinados com sua filosofia de governo e nisso exagerou. Em suma, acreditou na “economia otimista”, não na “pessimista”. Não sou um acompanhante, nem mesmo razoável, da evolução detalhada da nossa economia, mas presumo que a maioria dos economistas — no Brasil e no mundo —, pensava diferentemente de Lula no início, meio e final de seu governo.

A “receita” acadêmica tradicional à época, para as situações de crise, era apenas “disciplina” e “contenção”. Ele, porém, evitou jogar na “retranca”, conforme o linguajar futebolístico, tão de seu agrado. Fez o Brasil aparecer mais, na área internacional, e até foi elogiado festivamente, por Barack Obama, como sendo “o cara”.

Em suma, “o cara” agiu como um inovador, embora copiando a política do grande presidente americano — que também foi um inovador no seu tempo, com o “New Deal”. Roosevelt, segundo seus biógrafos, não confiava totalmente nas ortodoxias econômicas. Fazia “experimentos”, “testes”. Se não davam certo, mudava de táticas. E seu plano final mostrou-se correto porque quando um país qualquer está imobilizado, desmotivado, fechando fábricas e jogando milhões no desemprego, não será apenas com medidas de austeridade que ele voltará a crescer. Mendigo austero não deixa de ser mendigo. Punam-se os ladrões do dinheiro público — algumas poucas centenas de pessoas físicas — mas estimulem o trabalho dos milhões que não são ladrões e querem apenas emprego, alguma segurança e o suficiente pagarem suas despesas.

 Tal imobilidade “desempregadora” só resultará em agitação, privação, desespero, e descrença na democracia. Foi o que aconteceu na década de 1920 e início da década seguinte, na Alemanha, , parindo um orador furibundo, Hitler, que provocou a 2ª Guerra Mundial, causando a  morte de cerca de 50 milhões de pessoas. Hitler pôs os desempregados a trabalhar, principalmente na fabricação de armas. Era um modo de ocupar suas mãos e mentes. O problema surgiu bem depois, quando Hitler precisou decidir o que fazer com tanto armamento. Deixá-los enferrujar?

Realmente, a imobilidade de pessoas desempregadas não produz riqueza alguma.  E o Brasil, agora — mais que nunca —, precisa crescer, enriquecer, inclusive para pagar suas dívidas, previstas na complexa legislação, desobedecida pelo próprio governo de base petista. Os desempregados estão comprando — quando ainda podem — o mínimo necessário para apenas continuarem vivas. E, mesmo estando ainda empregadas, as pessoas temem tanto o desemprego que só compram com extrema parcimônia. O resultado lógico — embora humanamente compreensível —, desse medo é o fechamento progressivo de fábricas e demais empresas. Com isso a arrecadação de tributos entra em queda. Mesmo os funcionários públicos — que pensavam estar plenamente protegidos pela legislação — constatam, assustados, que dinheiro, apesar de público, não cai do céu. Se o governo não arrecada, não há como continuar pagando o funcionalismo. E atrasos geram greves prolongadas, afetando a educação, a saúde pública e a segurança pública.

Em suma: tudo deve ser feito, no Brasil atual, para que o país volte a crescer, ainda que em ritmo lento. A tal bicicleta que não pode parar. Refiro-me à “pedalada” esperançosa, não à “pedalada fiscal”.

A brilhante intuição de F. D. Roosevelt  — ele foi eleito presidente quatro vezes seguidas, morrendo pouco depois da última eleição — pode ser resumida na seguinte forma: — “Vou contratar esses milhões de desempregados para construir obras públicas úteis: estradas, aeroportos, portos, e tudo o mais que, por si só, será benéfico ao país. Recebendo um salário, eles farão compras, que serão tributadas normalmente, gerando receita. Essas obras  — estradas, portos, aeroportos, etc. —, se não forem utilizadas de imediato, ajudarão meu país, futuramente”. E tais reflexões, ou assemelhadas, salvaram a “locomotiva” americana, bem como os inúmeros “vagões” europeus, por ela puxados.

O ex-Presidente Lula, ouvindo de seu assessor, no início de seu primeiro mandato, a história vencedora de Roosevelt, ficou tão entusiasmado que não teve paciência para escutar, ou entender,  a “ideia inteira” do sensato americano:  — “ Vou dar oportunidade de emprego para os desempregados, mas deles exigirei trabalho”.

Foi essa parte que Lula ou não ouviu. Ou ouviu mas achou muito complicado executá-la. Ou escutou mas decidiu ignorá-la porque, as variadas “bolsas”, enquanto existentes, significariam voto garantido para “meu bonito e longo projeto de governo” .

Em vez de contratar, ou estimular a contratação privada da mão de obra ociosa — pelo menos a masculina — Lula criou o hábito da dependência econômica. Essa dependência “não pode”, por necessidade eleitoral, ser interrompida, haja ou não dinheiro disponível no tesouro. Não havendo, surgem as “pedaladas fiscais”, infringindo a legislação, ensejando a atual batalha do impeachment.

Existem coisas, na política, que poucos sabem e que parecem inacreditáveis. Conversando casualmente com um taxista nordestino — sempre aprendo algo com taxistas — sobre essa ideia de o governo ajudar quem precisa mas, ao mesmo tempo, exigindo dele algum trabalho em troca, eu citei, como mero exemplo, que Lula poderia ter utilizado os nordestinos, desempregados, para trabalhar na abertura de milhares de poços, inclusive artesianos, e fabricando caçambas, ou algo equivalente, considerando o secular problema da seca. Ao que me consta, no nordeste brasileiro a terra é fértil, desde que irrigada. Seria um trabalho que não exige mão de obra especializada.

O taxista então me explicou algo estarrecedor: alguns políticos, não municipais, tiveram essa boa ideia mas os prefeitos das regiões secas — portanto a grande maioria —, boicotaram insistentemente a ideia de construir poços. Isso porque havendo falta d’água — nos sítios, fazendas e povoados —, os agricultores precisam dos “caminhões-pipas” das prefeituras. Recebendo água dos prefeitos, os “sedentos” ficam lhes devendo um favor. Favor que pagam com o voto na próxima eleição. Não recebendo os ditos caminhões, os sertanejos sentir-se-iam livres para votar conforme lhes parecesse melhor.

A não proliferação — deliberada — de poços e outras formas de armazenar água da chuva, perpetuando a sistemática do fornecimento da água com caminhões da prefeitura impediu que o sertanejo tivesse mais água para sua lavoura e gado.  Com isso continuou a migração da população nordestina para o sudeste, aumentando o tamanho das favelas, com seus conhecidos problemas de tráfico e violência.

Como se vê, o mau-caratismo político, em todos os níveis, é um infindável problema, mas caberia ao Lula, quando no pico de seu prestígio, ter lutado contra isso, em vez de tirar proveito eleitoral — deliberado ou meramente oportunista —, desse sentimento até bonito chamado gratidão. Refiro-me à gratidão dos sertanejos que pediam e recebiam água dos prefeitos. Os pobres são muito mais gratos que os ricos, talvez porque são muito mais dependentes que os ricos.

O fato deste artigo mencionar a necessidade de conciliar a punição de erros governamentais passados com a necessidade de crescimento do país não implica em sugerir a dispensa do ministro da fazenda, Joaquim Levy. Pelo contrário, ele é um economista competente e íntegro. Gente assim, algo rara, não se dispensa jamais.

 Embora a teoria econômica mais em voga — sempre há outras... — diga que crescimento e simultâneo controle da inflação são incompatíveis, sempre há espaço para variantes, como fez J. Delano Roosevelt. Joaquim Levy e o ministro do planejamento, Barbosa podem, talvez, encontrar uma saída combinada para a crise. Lembre-se que quando um país cresce na produção, se isso propicia uma inflação essa será provisória, porque o PIB também cresceu. O equilíbrio entre o meio circulante e a quantidade de bens existente ficará mantido, não havendo portanto inflação. Esta seria provisória, como certamente deve ter sido quando Roosevelt deu o impulso do seu país na busca da produtividade. Quanto à técnica da fixação dos juros, não opino, porque o assunto é mais complicado, mas uma coisa é certa: um país mais rico sempre se defende melhor das suas agruras econômicas.

Finalmente, umas poucas palavras sobre a CPMF, tão caluniada porque mal utilizada na versão anterior. Como já disse em artigos anteriores, esse é o imposto do futuro, que pretende ser o mais próximo possível do Imposto Único. Insonegável, tributa toda a população, por igual, quando faz pagamentos via cheque, transferência eletrônica e cartões  de crédito e débito. “Se todos pagam, todos pagam menos” é um mantra elogiável.

Por que a população odeia tanto a ideia da nova CPMF? Porque lhe parece que será apenas “mais um imposto”, em momento de crise.

Querem, os políticos, tornar palatável a CPMF? Digam que ela terá a alíquota de 1%, ou 1,2 % , e que terá a duração de um ano, ou dois, mas no próprio texto da sua exigência ficará expresso que o Imposto de Renda da pessoa física e/ou o ICMS  — ou outra solução técnica melhor  — terá uma redução de x%, a partir da vigência da CPMS.

Se a população tiver a certeza de que sua carga tributária pessoal terá uma imediata e palpável redução — e o restante da arrecadação do “imposto do cheque” saneará as contas públicas —,  encarará a CPMF com menos aversão. Quem hoje paga impostos conforme a lei deve se confortar com a ideia de que milhares  — ou milhões? — de “contribuintes” que não contribuem passaram a contribuir, forçados, e que essa dinheirama toda vai direto para o tesouro, porque não há como sonegar.

Se a CPMF propiciar uma arrecadação próxima de um trilhão de reais, algum ou alguns tributos poderão ser extintos ou reduzidos em suas alíquotas. O que é prioritário é lutar pelo saneamento das contas públicas.

Em época de crises — as graves, porque com as pequenas já estamos habituados — é preciso algum sacrifício. Um por cento, em cada pagamento, por exemplo, não é um pagamento tão grande para sair do atual temporal que pode se tornar um furacão. Em restaurantes, a gorjeta obrigatória é de 10%. Na Revolução de 1932, em São Paulo, as pessoas davam suas joias, principalmente alianças, na luta contra Getúlio Vargas. Preferiam perder os anéis em lugar dos dedos. Tinham motivação. É preciso motivar, agora, os contribuintes, para que aceitem esse imposto que tenderá a se universalizar.

O que importa, no momento, é tirar o pé da lama, digo, da crise. Essa luta ficaria mais fácil se não fosse conduzida pela batuta do PT, cuja liderança hoje não inspira confiança. Mas, se não houver impeachment, nem renúncia, que Joaquim Levy dê uma espiada nas medidas utilizadas por Roosevelt, com adaptações para a economia brasileira.

E não me venham, os economistas, com objeções técnicas e estatísticas sob tal ou qual erro ou detalhe da minha exposiçãozinha despretensiosa. O que me interessa, aqui, é enfatizar que produzir, gerar riqueza, presente ou futura, é mais útil que ficar se lamentando. A orgulhosa Economia também erra, por vezes.

(26/10/2015)








quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Nobre missão para a ministra Carmem Lúcia, do STF.


A ANJ – Associação Nacional de Jornais — em 16/10/2015, na sede do jornal “O Estado de S. Paulo”, entregou à ministra Cármen Lúcia, do STF, o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa.

A premiação, mais do que justa, foi motivada principalmente pela atuação da ministra como relatora em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Com essa decisão foi abolida a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias. Frisou, o acórdão, que a Constituição Federal proíbe “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. S. Exa., realista, admitiu que a liberdade de expressão implica riscos de abuso mas que a vida é uma “experiência de risco” e que havendo abuso caberá ao prejudicado pleitear a indenização.

Figuras públicas, assim como ficam envaidecidas com os elogios devem também tolerar críticas e exposições dos fatos mais negativos de suas vidas. A menos que, frente a um espelho, enxerguem sempre um anjo. Devem se consolar com a consideração de que, mesmo com as habituais fraquezas humanas, suas vidas superaram a mediania, tanto assim que se tornaram famosos. É o que basta como consolo. Se, porém, a biografia publicada pretende apenas caluniar e difamar, o biografado terá sempre o direito de acionar a justiça. O STF apenas garante a publicação sem autorização, não a impunidade.

 Se o livro, publicado, já nas primeiras páginas —  e assim prosseguindo nas demais —, revela a intenção, não de biografar, mas de insultar, seria ingenuidade o juiz permitir a destruição injusta de uma reputação. Ele, juiz, se tornaria, por omissão, quase coautor de um crime contra a honra. Honra que dificilmente seria recuperada, conforme a velha comparação com as penas espalhadas pelo vento.

 Em uma hipótese obviamente extrema, quase impossível, se um demandante, inconformado com a decisão final de um tribunal, escrevesse, distribuísse e propagandeasse um livro ou livreto dizendo que julgadores de seu caso venderam seus votos, estavam embriagados na sessão de julgamento, gritavam palavrões e rasgavam petições em lugar de indeferi-las, dificilmente os magistrados acusados deixariam de — com máxima urgência — requerer a busca e apreensão liminar da edição louca. Isso porque tal omissão desmoralizaria um poder — o judiciário — que depende, mais do que os demais, da confiança da sociedade.

 Em suma, os livros e artigos podem ser publicados sem autorização prévia, mas os abusos podem ser cerceados antes que se propaguem . Tarefa difícil, em alguns casos? Sim. O juiz teria que ler boa parte do livro para concluir se havia apenas a intenção de desmoralizar. Felizmente, mesmo os caluniadores por vocação sabem que uma obra mentirosa resultará em desmoralização do autor, gastos inúteis e talvez algum tempo na cadeia.

Entro, agora, na “nobre missão” da ministra Cármen Lúcia, conforme título deste artigo. Alguém já disse — se não disse, digo eu — que se for necessário um ato revolucionário, espetacular, mas de breve duração, convoque-se um homem. Se necessário, porém, uma ideia prática e sensata, convoque-se uma mulher. As guerras, por exemplo, teriam sido em muito menor número se os países fossem governados por mulheres. Nada contra os homens, meus irmãos de gênero, mas as mulheres, quando determinadas, são mais persistentes e organizadas.

Reproduzo, abaixo, com ligeiras alterações, o que já publiquei, pouco tempo atrás, no meu blog e site. Proponho uma lei — ou, pelo menos, uma aprovação doutrinária, ou jurisprudencial, no STF —, que diminua a intimidação econômica contra jornalistas e jornais que gostariam de publicar o que sabem ser verdade mas temem figurar como réus em demoradas ações de indenização por dano moral. Prevendo grandes prejuízos e “demandas eternas” — mesmo narrando a presumível verdade, obtida de fontes confiáveis —, optam por silenciar. E isso é mau para o país, que não fica conhecendo a sujeira embaixo do tapete.

Vejamos a fundamentação da proposta, expressa em forma coloquial, compreensível por pessoas sem formação jurídica especializada. As repetições podem ser, talvez, desculpadas pela boa intenção de melhor convencer. A concisão técnica é recomendável para leitores igualmente técnicos, mas não para o público em geral. No artigo eu dizia que:

“Não obstante nossa “total” liberdade de opinião, na mídia em geral, essa liberdade é fictícia, parcial e preocupante — mesmo quando exercida sem abuso — devido a uma possível e cômoda ação de “indenização por dano moral”. Ação movida por quem errou, sabe que errou, continua errando, mas pretende silenciar um jornal, revista ou outra forma de comunicação, utilizando uma ameaça econômica de resultado impossível de prever.

“O presente artigo sugere uma modificação legislativa que funcionaria como desestímulo para tais ações indenizatórias quando elas visam apenas intimidar o réu. Ao mesmo tempo, essa lei, aqui acenada, teria o bom efeito colateral de desestimular, na mídia, críticas desnecessariamente ácidas, com ofensas pessoais que aproveitam a oportunidade da crítica — mesmo veraz — para insultar e desmoralizar a pessoa ou entidade criticada. A tentação do o abuso é uma constante na história do Direito.

“Atualmente, no Brasil, uma notícia ou opinião desfavorável contra uma pessoa “importante”, física ou jurídica, pode resultar em pesadelo para o jornalista ou o jornal. O criticado alega, na ação, ter sofrido dano moral. Ação que pode demorar vários anos, principalmente quando o criticado sabe que o crítico tem razão mas “precisa ser silenciado a qualquer custo”. Nesses casos, quanto mais tempo demorar a demanda, melhor para o Autor, o criticado, porque sua verdadeira intenção é tirar o assunto do noticiário. A técnica da protelação nem sempre é utilizada pelo réu em uma demanda. Há protelações em que o autor é o interessado. Sua intenção oculta é de travar a atividade lícita do réu.

Um detalhe técnico, jurídico-processual, que facilita a intimidação de jornalistas, e estimula o abuso da pessoa criticada pelo jornal, está na permissão de o Autor da ação dar à causa um valor mínimo, “simbólico”, como, por exemplo, R$1.000,00, deixando, astutamente, “a critério de Vossa Excelência (o juiz cível) fixar o valor da indenização”.

Esse “valor simbólico” representa uma enorme vantagem psicológica para o criticado, Autor da ação, porque caso ele perca a demanda — como ele mesmo prevê —, sua condenação pela “sucumbência” será mínima, ridícula. Pela legislação em vigor a condenação em honorários varia de 1% a 20% do valor da causa. No caso, mil reais. Mesmo que o juiz desconsidere o “valor simbólico”, quando decide que o jornal não cometeu abuso, o valor da “sucumbência” será muito baixa e esse dinheiro pertencerá apenas ao advogado do jornalista, não ao jornalista.

Mesmo quando a sentença reconhece a má-fé do Autor, a eventual multa imposta a ele é risível. No novo CPC, a entrar em vigor em 2016, a multa máxima contra a má fé é de dez vezes o salário mínimo. Uma bagatela que estimula o abuso de quem errou, sabe disso  mas não quer perder dinheiro significativo quando a justiça finalmente decidir que o jornalista ou articulista apenas cumpriu sua missão de informar.

Todos os que frequentam o fórum sabem que a condenação por “litigância de má-fé” é pouco utilizada nessas ações, considerando que a sensibilidade moral é muito variável e subjetiva. As pessoas sentem as críticas em graus diferentes e, na dúvida, o juiz não condena como “litigante de má-fé” quem procura a justiça dizendo-se ofendida com um artigo de jornal ou revista. E se o juiz aplicar essa condenação contra o Autor que foi “sensível demais” essa sanção torna-se uma oportunidade ideal para o Autor recorrer indefinidamente alegando que não agiu de má-fé. Dirá, nos recursos protelatórios, que apenas exerceu o seu direito de discutir judicialmente uma ofensa à sua particular sensibilidade moral.

Enquanto o processo se arrasta, por anos e anos, prolonga-se o desconforto psicológico do jornalista que agiu corretamente, sem direito, no entanto, de pedir qualquer indenização pela sua angústia porque o processo em que foi réu ainda não transitou em julgado. Só depois desse trânsito em julgado é que o réu, jornalista, poderia tentar receber uma indenização do autor da ação, a pessoa criticada. Provavelmente o jornalista já estará morto quando surgir essa oportunidade.

É, portanto, de máxima conveniência e praticidade, que o legislador — ou pelo menos a jurisprudência do STF — conceda ao Réu, jornalista, nas ações de indenização por dano moral pela imprensa, o direito de, citado, apresentar “reconvenção”. Esse instituto jurídico, a “reconvenção”, já existe, há décadas no direito brasileiro, permitindo que o Réu, quando demandado, possa defender-se e simultaneamente atacar quem o está processando, dentro do mesmo processo, por economia processual, desde que a reconvenção tenha relação com o pedido de indenização.

Com essa alteração aqui proposta, o réu, jornalista, no caso de indenização por dano moral, teria o direito de cobrar do Autor, via reconvenção, igual indenização, ou outra que considerar mais pertinente — também por dano moral —, só pelo fato dele, jornalista, ser processado sem motivo honesto. Sem a necessidade — conforme sugere a legislação atual — do jornalista aguardar o distante “trânsito em julgado” da ação movida pela Autor e julgada improcedente, para só então ingressar com sua cobrança de danos morais contra o Autor.

Impossível negar que é constrangedor figurar como réu numa ação de indenização por danos morais. Principalmente quando não se sabe qual a quantia que virá à cabeça do magistrado ao impor uma condenação pecuniária.

“Ponha-se, o leitor, na pele de um jornalista que foi citado, judicialmente, para pagar, digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não comprovou uma falcatrua — ouvida de fonte confiável mas também temerosa de processo. Essa ameaça tira-lhe todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer que, devido a globalização, a ação por danos morais seja processada em país estrangeiro propensa a indenizações bilionárias nesses casos.

“O jornalista Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi condenado, pela justiça americana, a pagar uma indenização de cem milhões de dólares (?!) por ter mencionado — em entrevista, ou artigo —, que a diretoria da Petrobrás, teria desviado altas somas da empresa para contas particulares, em banco suíço. Como ele não comprovou em juízo esse desvio — o sigilo bancário era então inviolável —, foi condenado a pagar os cem milhões de dólares. Ele justificava-se, no decorrer da demanda, dizendo que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria investigar o fato, como seria esperável, mas isso não ocorreu. O processo correu nos EUA porque a entrevista dele, na televisão, foi exibida e produziu consequências naquele país.

 “Não digo aqui se Paulo Francis tinha, ou não, fundamento no que disse contra a diretoria de então, mas de qualquer forma, é impossível escapar da insônia com uma espada desse porte pendente sobre o pescoço de qualquer jornalista ou dono de jornal. Não é necessário sofrer vários anos de angústia para, só depois, ter o direito legal de requerer uma indenização por dano moral de alguém que o processou sem razão, quando essa sem-razão foi finalmente reconhecida pela justiça. Como não provou o desvio do dinheiro, Paulo Francis foi condenado. Não sei como tudo terminou. Talvez isso tenha apressado a sua morte, por enfarto. Seus amigos diziam que ele ficou realmente abalado.       

Em toda demanda judicial deve estar presente a sábia recomendação de Voltaire: “A vantagem (ou lucro) deve ser igual ao perigo”. Em outras palavras: “Vou colocar esse jornalista na fogueira, mas não posso abusar porque poderei ser eu o queimado vivo”.

Hoje, repita-se, esse equilíbrio de forças — ou angústias — não existe. O escritor ou jornalista que só apontou fatos, a seu ver verdadeiros — sendo isso reconhecido na sentença — nada ganhará, judicialmente, como compensação pelo sofrimento moral durante o processo em que sofreu injustamente.

“Há mais a ser modificado com essa futura lei. Ela exigirá que em toda ação de indenização por dano moral o Autor será obrigado a mencionar, na petição inicial, o valor que pretende receber do Réu, não podendo deixar isso “a critério do juiz”, na sentença. Essa atual vagueza em definir sua “dor moral” estimula ações levianas, porque, no caso de insucesso, a sucumbência em honorários será, como já disse, mínima. Já que toda dor moral é subjetiva, ninguém melhor que o próprio sofredor para mencionar o “quanto” sente, assumindo o risco correspondente no que se refere à sucumbência.

Essa desejável e futura obrigatoriedade legal de o autor  fixar, já na inicial, o valor da indenização que pretende a título de dano moral, força-o a agir com responsabilidade no combate judicial. A menção obrigatória desse “quantum” indenizatório, teria também a vantagem de permitir a qualquer Réu, quando demandado, abster-se de contestar a ação, quando o valor mencionado for mínimo, não justificando maiores gastos com sua defesa. Como está hoje a legislação — ensejando ao Autor não quantificar o valor que pretende cobrar —, todo Réu sente-se forçado, por mera prudência, a contestar qualquer ação de danos morais, mesmo que a considere risível. Contesta porque se não o fizer, a ação será julgada procedente, face à revelia. Se procedente a ação, na sentença, é imprevisível o valor da indenização que o juiz mencionará na sua decisão. A indenização pode ser altíssima, por motivos ideológicos do juiz, talvez inconsciente. Isso é pouco provável, mas pode ocorrer. Em todo ser humano, sem exclusão de magistrados, motivações inconscientes influem nos julgamentos. Todos sabem que há magistrados mais e menos humanos, mais e menos de “direita” ou de “esquerda”, mesmo sendo ambos íntegros.

“A lei a ser proposta terá a virtude “extra” de forçar maior urbanidade, ou  compostura, nas críticas, impressas ou orais, contra pessoas ou instituições. Isso porque, se os fatos criticados forem verdadeiros, mas o crítico aproveitou a oportunidade para enxovalhar o criticado, buscando admiração pela agressividade, ele será condenado a pagar uma indenização a ser fixada pelo juiz. Não pela crítica — na essência verdadeira —, mas pela forma abusiva de se expressar, ofendendo desnecessariamente quem eventualmente errou. Enfim, essa lei terá também algum um “efeito colateral” civilizador. O direito de livre crítica, reconhecido mundialmente, foi concebido “para o bem”, não como oportunidade para, impunemente, ofender e desmoralizar.  

“Finalmente, uma última sugestão, para a mesma desejada lei. Nas “reconvenções”, genericamente falando, diz a doutrina que, se o Autor da ação, depois de citado na reconvenção, resolve desistir da sua ação, o Réu, reconvinte, poderá prosseguir na sua ação contra o Autor. É o caso de alguém que está sendo cobrado como devedor de quantia, em um negócio, e que reconvém dizendo que é o Autor que lhe deve dinheiro.

“Nas ações de dano moral a lei sugerida dirá que se o Autor da ação desistir da ação, após citado na reconvenção — também por danos morais —, a ação será encerrada, com extinção tanto da ação quanto da reconvenção. Isso porque a possibilidade — dada ao Réu, genericamente, pelo instituto da reconvenção —, de prosseguir na reconvenção inibirá o Autor de desistir de seu pedido. Não interessará a ele passar de Autor (na ação) e Réu (na reconvenção) a ser somente Réu( na reconvenção). A lei deve estimular a concórdia, não a litigiosidade. É uma solução que me parece melhor, mesmo porque o “sofrimento psíquico” do jornalista será mínimo, ante a rápida desistência do pedido do Autor.

E fiquemos por aqui. A atarefada e competente ministra tem mais o que fazer, não podendo perder tempo com esparramadas dissertações.

Minha esperança é que, além da operosa ministra, algum legislador, ou a ANJ ,ou a ABI – Associação Brasileira de Imprensa, se interessem pelo tema.

(20-10-2015)








sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Informações mendazes sobre Síria e Putin

É impressionante a quantidade de má-informação que circula na mídia, mundial e brasileira, a respeito do que ocorre na Síria. Tudo indica que nessa má informação está inserido um projeto bem elaborado e tenaz de um notório inimigo dessa nação árabe, Israel. Uma caricatura política hostil, engenhosa, contra a Síria — aliada do Irã — logo acompanhada pelos Estados Unidos e seus seguidores europeus, um tanto primários quando comparados com os estrategistas israelenses. Frise-se que nada acontece, no Oriente Médio, capaz de afetar Israel de algum modo, sem o conhecimento de seus órgãos de informação e segurança — usada esta palavra em seu significado mais abrangente.

Interesses americanos e europeus, desvinculados de um mínimo de preocupação ética e senso de justiça, deformam a realidade de um país e de seu governante, Bashar Assad, descrevendo-o como um “inimigo” de seu próprio povo. Pretendem, pela mera repetição diária — contando com ouvidos e olhos mal informados —, atingir esse objetivo. Até agora tiveram sucesso porque a Síria não dispõe nem de uma poderosa e rica mídia própria nem da imprensa internacional, ao contrário de seus opositores. A maior parte dos redatores de jornais e revistas não se atreve a contrariar seus patrões.


Apenas Putin, hoje, defende corajosamente o presidente sírio que estudou para ser um pacífico oftalmologista mas acabou como sucessor de seu pai, quando o irmão —, escolhido para substituir futuramente o pai —, faleceu em um acidente automobilístico. Por dever filial, abandonou a medicina e, de uns tempos, para cá passou a ser carimbado, por conveniência de seus inimigos, como “assassino” de seu próprio povo. Em situações políticas muito complexas, multifacetadas, sempre há algum “material” disponível para descrever políticos conforme o gosto do freguês.


“Assassino”, Assad, por quê? Porque defende, com evidente risco de vida — lembram-se do linchamento de Kadafi? — seu mandato de presidente sírio, eleito em dois referendos (2000 e 2007) e uma eleição (2010)? “Assassino”, porque defende a soberania de seu país? Porque nega-se a renunciar ao cargo, obedecendo a seus inimigos externos, acima mencionados? “Assassino”, porque um percentual desconhecido de cidadãos sírios, na vasta e vaga “Primavera Árabe” exigia genericamente mais democracia no sempre e convulsionado Oriente Médio?


Pergunta-se: antes da maciça hostilização internacional e cerco econômico contra Bashar Assad — pelos EUA e seu discreto conselheiro político, Israel —, os americanos se preocuparam, por acaso, em consultar a população síria para verificar se ela era majoritariamente favorável à saída de Assad? Se perguntassem, a resposta seria negativa, tudo indica.


A propósito, no Brasil — onde estão abrigados milhares de refugiados sírios —, dois ou três institutos de pesquisa de opinião bem que poderiam consultar esses refugiados sobre o grau de aprovação e rejeição de Assad antes que seus opositores “exigissem” sua saída em nome da democracia. Claro que agora, depois de instalado o inferno no país, ninguém mais quer permanecer na Síria. Não por medo de Assad, mas por medo do que virá depois dele.


Arrisco dizer que se todos os sírios que hoje fogem em debandada pelo mundo — fugindo do aterrorizante Estado Islâmico — fossem indagados se viviam relativamente felizes durante o governo de Bashar Assad — antes da “Primavera Árabe” —, a resposta seria favorável ao “tirano”. Isso porque o “tirano” vinha impulsionando o país no sentido da modernidade, do laicismo, separando a religião do estado, diminuindo progressivamente a pesada influência do lado mais negativo do islamismo. Essa religião tem o seu lado positivo, espiritualmente confortador, mas ultimamente tem mostrado uma faceta irracional, intolerante e impiedosa. É o chamado Estado Islâmico, ou ISIS, cuja simples menção gela a espinha das pessoas mais sensíveis.


Em passado não tão distante, reconheça-se, católicos e protestantes se matavam na Europa. Isso terminou em definitivo, há inúmeras décadas. Nos dias atuais a “vertente” Estado Islâmico supera, no item violência, todas as religiões mais violentas do passado, somadas. Nenhuma outra usa a decapitação lenta, com faca, por vezes manejada por crianças fanatizadas, como já foi noticiado e mostrado na televisão.


O terror difundido pelo ISIS é tão penetrante que endurecidos militares, de todos os países, têm medo de se envolverem em combates, no solo, contra esses terroristas . A explicação é simples: nas guerras normais, mais ou menos “civilizadas”, o soldado capturado dispõe da proteção de tratados internacionais, preservando sua vida e integridade física. Com o Estado Islâmico isso não ocorre. O prisioneiro de guerra pode ser degolado ou sumariamente abatido com um tiro na nuca, ou coisa ainda pior. Se for cercado, preferirá se matar antes que comece seu particular martírio. É até surpreendente que, segundo notícia recente, veteranos russos que combateram no Leste da Ucrânia tenham se prontificado a ajudar, no solo, o exército sírio na luta contra o Estado Islâmico, que não esconde seu intuito de aterrorizar.


Algum tolo imagina que, com a deposição e fuga de Assad — ele terá que fugir rápido, se não quiser ser morto no estilo mais cruel — a Síria ingressará em bonita e respeitosa democracia? Acreditam que haverá uma partilha cavalheiresca do poder entre os “moderados” opositores sírios, os “meigos” combatentes da Al-Qaeda, os “bondosos” integrantes do Estado Islâmico, os militares americanos, os assessores israelenses, os curdos, os combatentes do Hezzbolah, e tudo o mais imaginável naquela região conhecida por sua “tolerância”?  Para os Estados Unidos a Síria será um Iraque triplicado, que não conseguirá administrar. Por isso, vai se arrepender pela má orientação recebida. Um novo e confuso atoleiro americano na política externa é previsível se houver a rendição de Assad.


A oposição síria — todo país, ditadura ou democracia, têm oposição, “faz parte” — era, por acaso, majoritária antes da “Primavera Árabe”? Não se sabe. Pelo que deduzo, pelo razoável acompanhamento diário do que ocorre no mundo, não. Não houve qualquer sondagem, formal ou informal, sobre o grau de aprovação interna de Assad naquele momento. Seria tal aprovação de 70%, 80%? O governo Obama, por acaso, se preocupou com esse “detalhezinho” antes de “concluir e decidir” que Assad “tinha que sair”, violando a soberania de um país?


O proclamado desejo americano de instalar, à força, na Síria, uma democracia universal, no estilo norte-americano — extremamente dependente do financiamento de campanhas —, não pode prevalece sobre o direito de autodeterminação dos povos. As regiões do planeta diferem muito em termos de história, tradição, religião, hábitos políticos, utilização da violência, etc. E não se alegue que não seria possível fazer essa prévia sondagem na Síria, via plebiscito, porque Assad era um “ditador” e deformaria seu resultado. Os EUA não ofereceram qualquer oportunidade à Síria para comprovar suficiente apoio da sua população antes que a oposição, financiada, treinada e armada pela CIA, partisse para o ataque.


Sondagens modernas de opinião pública, a cargo de entidades especializadas, são impressionantemente precisas, com margens de erro de 3%. Não seria imprescindível um plebiscito conduzido pelo “suspeito” governo sírio. O governo Obama não se interessou por conhecer  — mesmo informalmente — a preferência da população. Talvez  porque havia o forte risco da pesquisa demonstrar que os sírios prefeririam viver como viviam até então, não trocando o certo pelo duvidoso. Se a pesquisa especializada dissesse que a oposição ao governo não chegava a 20% isso atrapalharia demais o plano de uso da força para tirar Assad do poder. Teriam que forjar outra justificativa.


Tudo indica que a meta oculta da derrubada de Assad é isolar o Irã, fiel aliado da Palestina árabe, que não consegue um status de país porque isso não interessa a Israel. O governo israelense, de direita radical, não se volta contra Assad por ser ele um ditador. Mesmo que a Síria vivesse uma democracia plena — mas apoiando o Irã — ela seria atacada. Sendo, porém, um regime “duro”, tanto melhor para os Estados Unidos e Israel, porque a opinião pública mundial sempre vê as ditaduras, ou meia-ditaduras, com antipatia.


Outras perguntas podem ainda ser feitas àqueles que exigem a renúncia ou derrubada de Bashar Assad. As perguntas são as seguintes: Afeganistão e Iraque ficaram melhores após a invasão liderada pelos Estados Unidos? Só um e louco e mentiroso diriam que sim. A Líbia ficou pacificada e próspera após a queda de Kadafi? Ficou muito pior, uma tremenda anarquia, o país africano árabe voltando à luta tribal. O Egito, após a queda de Mubarak por acaso tornou-se modelo de país democrático, respeitando o resultado da única eleição presidencial? Não. O presidente eleito, Morsi, foi deposto e condenado à morte pelos militares porque teria incentivado a população, em praça pública, a desobedecer às forças armadas.


Outra pergunta, mais teórica: os EUA, só pelo fato de serem a maior potência do planeta, tem o direito de dizer “quem fica ou sai” no governo de qualquer país? A ideia, nada modesta, do “excepcionalismo” norte-americano é uma “ordem” — como Obama parece pretender — ou apenas um bom exemplo a ser eventualmente imitado — porém voluntariamente — por outros países, considerando as vantagens de uma democracia verdadeira e não corrupta? A experiência, até agora, sobre essa matéria, é a de que o governo americano aprova ou desaprova governos com fragilidades democráticas segundo os interesses americanos do momento. Por exemplo, nunca tentou derrubar o chileno Pinochet. Pelo contrário.


Bashar Assad, feliz ou infelizmente, encontrou uma ajuda que lhe possibilita, talvez, uma precária sobrevivência: o “quase-tirano”, Vladimir Putin. Um chefe de estado também bastante injustiçado no conjunto de seus defeitos e qualidades. Tem seus defeitos — como todos os demais chefes de estado e de governo, sem exceção — mas não abandona povos indefesos vitimados pela injustiça. Lembre-se, sempre, que Putin está auxiliando abertamente a Síria porque seu governo está sendo atacado e pediu essa ajuda. Isso é legitimado pelo Direito Internacional.  Ao contrário dos EUA e sua “patota” sem opinião própria, que interfere na Síria, justamente para derrubá-lo, sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A oposição “moderada”, todos sabem, é treinada, armada e financiada pela CIA, conforme amplamente divulgado pela mídia independente.


Putin é muito criticado porque teria “invadido a Ucrânia” e se “apoderado” da Criméia. Na verdade, ele apenas atendeu à vontade explícita — em plebiscito e pedido formal —,  dos habitantes da Criméia, de origem russa, em sua maioria falando o russo. Não tapou os ouvidos nem fechou os olhos ao apelo de milhares de ucranianos. Ele fez, na Criméia, o que os EUA fariam no México, se milhares de mexicano de origem americana, loiros e falando inglês, morando junto à fronteira americana, pedissem ajuda e cidadania americana contra um governo mexicano hostil à sua origem americana. Acresce que um presidente ucraniano eleito, favorável à Rússia — Viktor Yanukovich —, foi arrancado do poder, pela força, não muito tempo antes dos habitantes da Criméia pedirem a Putin a cidadania russa. Cabe, aqui, de novo, a velha máxima da filosofia política: não é o povo o titular primeiro do poder?


Colunistas de jornais, quase sempre com sobrenome de origem hebraica, costumam, nos seus artigos, rotular Putin como “astuta raposa” em busca de cartaz e tentando ressuscitar a glória dos tempos de Stálin. Se ele é raposa, é uma raposa coerente, solidária com o esquecido e humilhado povo palestino, a origem remota do imbróglio em que se tornou o Oriente Médio. A  Al Qaeda é um subproduto da situação palestina.


Poucos dias atrás, li, na internet, uma inteligente analogia do que aconteceu com a “maré” de judeus que buscavam um lar na Palestina: imaginemos um hotel em chamas (seria a Europa antissemita dos anos 1930); um hóspede judeu, que está no terceiro andar do hotel, encontra-se na sacada, encurralado e apavorado, prevendo que logo morrerá queimado; a única alternativa é pular da varanda, porque não dá para esperar a chegada dos bombeiros; decide arriscar; salta, de olhos fechados, e, por mero acaso, cai em cima de um passante (seria um palestino), que ficou a com vários ossos quebrados mas salvou, até mesmo involuntariamente, a vida do judeu, amortecendo sua queda.


O judeu, pouco machucado, vai embora, feliz por estar vivo, e três meses depois recebe a visita do “palestino-amortecedor”, que chega de muletas e pede uma indenização porque quase não pode trabalhar. O judeu diz que não pode ajudá-lo porque não agiu com dolo, não sendo exigível que se deixasse torrar na varanda, só para não incomodar algum eventual transeunte. O palestino argumenta que o fogo no hotel não foi ateado por ele. O judeu se irrita, diz que também não foi ele que incendiou o hotel. A trágica discussão dura bem mais de meio século. E o palestino continua de muleta, arrastando-se  em uma vida miserável enquanto o paraquedista sem paraquedas mostra ao mundo sua orgulhosa riqueza.


Até quando? Quando o mundo — muito burro, sem imaginação — concluir: primeiro, que a Palestina é pequena demais para abrigar duas nações de formação tão diferenciada; segundo, que a África é imensa e poderia comportar mais de cinquenta Palestinas; terceiro, que Obama melhor faria se — como fez com recente proposta de “Parceria Transpacífico” —  lançasse a poderosa e salvadora ideia de utilizar uma pequena fração da África — sem prejuízo dos africanos — para ali viver, trabalhar e progredir uma parte da população palestina, ou da população judia, desafogando a semiárida

Palestina que, pelo andar da carruagem, poderá detonar terceira guerra mundial.

Obama, com tal inovadora, bela e estrondosa iniciativa, aqui sugerida — solucionando o impasse palestino —, recuperaria seu prestígio mundial, muito abalado nos últimos anos. Quem sabe o Putin, esse baixinho inteligente, sendo mais ousado que seu equivalente americano, passará a remoer esse tema. A solução concreta ainda demoraria, pela complexidade, mas os interessados pelo menos saberiam que havia um futuro estimulante e já ocupariam o tempo fazendo estudos e visitando a África. Quem agir primeiro difundindo essa ideia merecerá um Nobel da Paz. Até dois.


(11-10-2015)