domingo, 28 de março de 2021

Sérgio Moro na ONU

Para iniciar, peço aos leitores um favor todo especial: leiam, antes ou depois deste artigo, o meu texto anterior sobre o mesmo assunto Sérgio Moro e a ONU: “A Lava Jato será mais valorizada se mundial”, no blog francepiro.blogspot.com, ou no site www.500toques.com.br. 

Por causa da extensão do artigo anterior, achei melhor interrompê-lo, antes de completá-lo, prometendo voltar à carga, embora condoído do sacrifício visual e mental exigível dos meus bem-aventurados leitores para nova leitura de assunto complexo.  Na realidade, para ser franco, assunto muito simples, mas que exige boa dose de coragem moral — ou seria intelectual? — para encarar a dura realidade: a de que sem algum constrangimento, medo da cadeia, nenhum ladrão do indefeso dinheiro público confessa seu crime nem delata seus cúmplices simplesmente porque teve uma “crise de consciência”. 

Crises muitas, de todo tipo, existem nos tempos atuais mas não “de consciência” quando o assunto é dinheiro — muito dinheiro —, com chance de impunidade: — “Roubei, sim, mas quero ver se ‘eles’ conseguem provar!”  

Complemento agora o artigo anterior porque a operação Lava Jato está na iminência de ser enterrada no Brasil, com a decisão de 23/03/2021, por 3x2, na 2ª Turma do STF, afirmando que Sérgio Moro foi parcial quando condenou Lula da Silva na ação do tríplex do Guarujá. Tal decisão, somada à decisão anterior, isolada, do Min. Edson Fachin — anulando quatro ações contra o mesmo réu —, mostra que os ministros da Corte Máxima não podem, não devem ser vitalícios porque ninguém pode corrigir decisões contaminadas pela parcialidade política. 

 A vitaliciedade, na última instância, equivale ao poder absoluto que, como dizia Lord Acton — e todos repetem — tende ao abuso, ou termo mais pesado. Não me refiro a suborno, neste caso, no STF, mas ao mútuo apoio automático, instintivo, quando criticado por “gente de fora”. Brigam, ofendem-se entre eles, em plenário, mas se algum estiver sob ataque externo os onze se unem para defendê-lo, Certamente, menos por amizade pessoal do que pelo perigo do precedente. 

Se o plenário não alterar a decisão monocrática de Fachin, e a colegiada, contra Moro — alterações improváveis —, estará comprovado que o combate verdadeiro, sem firulas jurídicas, no Brasil, contra o crime do colarinho branco não interessa à elite política, empresarial e profissional liberal. Um excesso de “certinhos” demais parece “encher a paciência. Prendam o xerife!” 

Defendo a Lava Jato e Sérgio Moro, seu “fundador” no Brasil, porque  foi a única operação judicial, no Brasil, que conseguiu a proeza — essa a palavra certa — de investigar, provar, punir e trazer de volta bilhões de dólares subtraídos ilicitamente do povo brasileiro. Se bem funcionou no Brasil, em termos de eficácia, de resultado, fará ainda melhor em escala planetária, beneficiando outros países, também saqueados, porque esse tipo de criminalidade — não violenta mas astuta, tremendamente lucrativa e bem defendida —, tornou-se difusa, internacional, dificultando imensamente sua prova em juízo, nos países democratas. Sem alguma pressão psicológica contra os investigados — detenção provisória, para que digam onde está escondido o butim —, seria impossível provar um tipo de crime que ficaria 95% impune, como demonstrarei neste artigo. 

Esclareço que não consultei o próprio Sérgio Moro sobre seu interesse em integrar algum órgão de chefia na ONU. Conheço-o apenas de vista. Talvez ele não se interesse por minha sugestão, enquanto não se decidir sobre sua candidatura na próxima eleição presidencial. 

O meu artigo anterior sobre Moro foi muito acessado no Facebook. Essa curiosidade pelo tema — o combate à criminalidade, em nível mundial — comprova que nem tudo está perdido. Ainda há muita gente boa, honesta, de todas as cores, bilhões deles, que gostariam de acreditar que o dinheiro que sai de seu bolso, pagando tributos, não é desviado para o bolso, particular e insaciável, de alguns governantes e seus comparsas espertos. 

Esse “desvio” impune do dinheiro público só acontecia, antes da Lava Jato, porque a legislação contra o crime não evoluiu com a mesma velocidade da tecnologia, em geral, que acabou favorecendo o crime organizado, uma “especialidade” hoje “respeitável”, abonada, quase intocável e que se julga completamente liberta de restrição. Seja ela da Lei, da Moral, da Religião, da Ciência, e da Tecnologia, ao passo que o combate contra o crime está cercado de minuciosas limitações legais, processuais e jurisprudenciais. 

O processo penal, em alguns momentos — é o caso do Brasil — parece encarar o Estado como um monstro cego e sanguinário, precisando ser amarrado com mil detalhes. Exigências que, se descumpridas, ensejam habeas corpus “anulando tudo”, sentenças e acórdãos — a qualquer tempo —, protegendo o infrator como se este fosse um pobre diabo, santo e indefeso.

No caso do crime do colarinho branco, a parte fraca não é o acusado, mas a sociedade e seus representantes — o promotor e o juiz. Por isso, a tecnologia, teoricamente neutra, ajuda muito mais o crime que a sua repressão. 

Entre 1988, data da última Constituição Federal brasileira, e 2021 passaram-se 33 anos. Nesse período, como já disse, a tecnologia da informática, dos bancos e da comunicação em geral, evoluiu com grande rapidez, ao contrário da legislação penal e processual, muito morosa. 

Para compensar essa desvantagem, na corrida entre a lebre (o crime) e a tartaruga (a justiça), Sérgio Moro utilizou a “delação premiada” porque sem ela, as investigações ficariam travadas, pela metade, ou menos, porque só com a confissão e a delação — bem detalhadas e documentadas em juízo — é possível saber por onde andou e afinal estacionou o grande dinheiro que “sumiu”. Todos sabem que a “grana” salta, como ágil perereca, de um banco para outro, do “laranja A” para o “laranja B”, ou C, impossibilitando uma prova segura e rápida, capaz de ser confirmada judicialmente em duas ou mais instâncias decisórias. E a Lava Jato conseguiu, via Moro, a necessária rapidez na obtenção da prova de crimes difíceis de provar sem algum grau de “cooperação informativa” dos próprios participantes, via confissão e delação. 

Quase toda tecnologia, em si, é neutra. Digo “quase” porque certamente há uma tecnologia inventada para arrombar cofres, sem precisar dinamitá-lo. A tecnologia, no geral, foi concebida para “facilitar” a vida, mas não, em especial, a vida do infrator doloso, que pretende assaltar, sem arma e sem risco, seus concidadãos se “a coisa for bem feita”, isto é, “todos de bico calado!”. Daí a necessidade da legislação vigente ser interpretada com alguma audácia e energia “pró” sociedade, como fez Sérgio Moro, de forma inovadora — e pessoalmente arriscada, como se constatou agora —, utilizando a condução coercitiva, sem pré-aviso, para esclarecimento, seguida da prisão preventiva, havendo fundamento para ela, conforme a lei.

Infelizmente, Moro acabou prejudicado pela sua firmeza e bom resultado enfrentando um crime todo especial. Se ele fosse um mau caráter teria, ilicitamente, mandado um hacker gravar, durante dias seguidos — fizeram isso contra ele, com, posterior tolerância do STF —, os celulares de advogados de defesa e de altos magistrados hostis a Sérgio Moro. Se tivesse assim agido, gravando conversas dos inimigos, Moro estaria agora em melhor situação no julgamento de sua “suspeição” no STF, nos processos em que Lula era o réu. Em melhor situação porque em conversas entre amigos, companheiros de trabalho e pessoas com interesse comum, existe total liberdade de expressão. Dizem palavrões, confessam antipatias, ou mesmo ódios impublicáveis e até ilícitos deles mesmos, dando risada, totalmente desinibidos. 

É pouco provável que em quilométricas conversas “hackeadas” entre advogados de defesa e entre altos magistrados — ou eventuais conversas entre juízes e advogados —, não houvesse frases comprometedoras que, se publicadas, beneficiariam Sérgio Moro, e tornariam suspeitos alguns de seus futuros julgadores, no STF, na questão da imparcialidade. Pergunto: tudo o que foi “grampeado”, ilegalmente, já foi periciado? Há certeza técnica de que seu conteúdo não foi editado pelos “piratas”, apagando frases, mentiras e estratégias contra Moro? Nas gravações há como saber se há trechos extirpados ao gosto dos “piratas” ou de quem recebeu as fitas ilícitas? 

Como Sérgio Moro não usou hackers, ficou em grande desvantagem midiática e jurídica, frente aos seus notórios inimigos, inclusive no STF. 

Legalmente, gravações de conversas particulares, sem prévia autorização judicial, são nulas e ponto final. Deveriam ser simplesmente incineradas. Não poderiam gerar qualquer efeito mas, como eram contra Moro geraram um inesperado apoio, com resultado fulminante: anular quatro decisões judiciais, de grande repercussão política e jurídica. Façanha que os mais competentes criminalistas de Lula não conseguiram, em anos de esforço jurídico defendendo um ex-presidente. 

Isso demonstra que, no Brasil atual contratar um bom hacker é muito mais eficaz que contratar os melhores advogados do país, quando o julgamento tem um forte componente político. Se a moda pega, os grandes escritórios de criminalistas cogitarão se não seria conveniente criar, doravante, um departamento de “operações especiais”, mais ou menos como o MI6 dos filmes de 007, com “licença para matar”. Não pessoas, mas reputações — de juízes, promotores e delegados de polícia.

E mais: essas longas gravações de conversas particulares — “Operação Spoofing” — de centenas de pessoas — importantes e comuns — permitirá eventuais chantagens. Se um cidadão qualquer confessou no celular, a um amigo, por exemplo, que teve um filho fora do casamento; ou se ele lembrou, falando com sua parceira, carinhos sensuais impublicáveis, ou rotulou seu patrão, ou superior, com nomes feios, poderá ser chantageado. Qualquer segredo, nessas fitas de muitas horas, já não será mais segredo e terá grande “valor comercial”. 

Todo acusado, por pior que seja o seu crime, tem, claro, o direito de se defender, mas — repetindo — como a informática e a prática bancária evoluem mais rapidamente que a legislação anticrime, a justiça deve se adaptar aos novos tempos. Foi o que fez Sérgio Moro, utilizando a prisão temporária e a preventiva, previstas em lei, que têm várias utilidades: impedir a fuga do suspeito, a destruição das provas, a “combinação”, entre os cúmplices sobre o que vão dizer ao delegado ou promotor, evitando contradições; alertar os “laranjas” para logo  transferirem verbas para novos “laranjas”; eventualmente contratar hackers para entrar nos computadores e celulares do promotor e do juiz, que têm uma missão comum: descobrir a verdade e, constatado um crime, punir seu autor. Geralmente estes dois trabalham próximos, isto é, no mesmo prédio, talvez no mesmo andar, talvez em salas vizinhas. Natural que, tomando um café, troquem impressões, porque a missão de ambos é, no fundo, a mesma: fazer justiça, um acusando e outro julgando. São funções complementares e buscam a verdade. Não ganham dinheiro havendo condenação ou absolvição, nos casos em que atuam.

O advogado criminal, porém, tem uma missão muito diferente, limitada no seu objetivo, mas não menos importante: “salvar o cliente”; não investigá-lo, ou julgá-lo. Sentindo, eventualmente, invencível repulsa moral pelo cliente — depois de conhecer a verdade real — o advogado pode renunciar ao mandato, sem muitas explicações, quando sentiu-se enganado pelo cliente, mas jamais servirá como testemunha da acusação porque sua função não é ir atrás da verdade, mas evitá-la, ou “moldá-la”, como quer o cliente, quando sabe que é culpado e não dá para negar tudo. 

Quanto ao promotor e ao juiz, nenhum dos dois pode recusar o seu trabalho apenas porque o crime sob julgamento é “horrível demais”. Imaginemos um crime, especialmente sórdido, longamente discutido na mídia, com fotos e depoimentos, cometido por um homem poderoso e vingativo. Terminado o inquérito policial, os autos vão para o promotor apresentar a denúncia. Só pela barbaridade do crime não pode o promotor tirar o corpo fora dizendo que não pode funcionar no caso apenas porque ele fere a “sua delicada sensibilidade”. 

O mesmo acontece com o juiz, que deve receber a denúncia, mesmo que, intimamente, se revolte com a maldade do denunciado, conforme descrito na mídia e na prova colhida no inquérito. Se a denúncia está formalmente correta, conforme o apurado pela polícia, não é o caso de impedimento legal, ou suspeição, conforme a lei, seu dever funcional é recebê-la e iniciar a instrução do processo, mesmo com a instintiva repulsa inicial  — uma “parcialidade” provisória de um ser humano com “estômago” normal.

Não teria sentido, nesses casos escabrosos, a Justiça aceitar sucessivas recusas de juízes em funcionar no caso, tendo que procurar algum juiz “diferente”, “meio anormal”, que aceite, com a maior indiferença, um caso tão revoltante, vendo, por exemplo, fotos de criancinhas estupradas. Se, porém, com as alegações e provas apresentadas pela defesa, um juiz constatar, no decorrer do processo, que o réu é inocente, ou com atenuantes, ou vítima de um complô midiático, decidirá conforme a prova e sua consciência, se for o caso até absolvendo o réu. 

O mesmo critério se aplica nos casos que envolvem subtração do dinheiro público e corrupção nas “altas esferas”. Se uma testemunha, depondo, diz que soube de um detalhe importante, mencionado por uma pessoa, não arrolada como testemunha, o juiz pode convocar essa pessoa para depor. Não precisa de “autorização” do promotor ou da defesa. Em suma, o juiz realmente útil à sociedade, pago por ela, deve empenhar-se para conhecer a verdade e colocá-la no processo. Justiça e legislação devem conviver em harmonia. Pode haver corrupção até na elaboração da lei. “Cágados em árvore” já se tornou frase comum.

Interessa, sim, à comunidade, que o juiz, quanto à prova, não fique dependente apenas do requerido ou produzido pelas partes se desconfia que algo importante foi omitido ou falseado pela acusação ou defesa. A decisão judicial tem que buscar a verdade real, não apenas formal, trazendo-a para os autos. 

Relembre-se que toda decisão judicial termina sendo “parcial”, isto é, a favor de uma das partes. 

O advogado só luta pela verdade, pela justiça, quando o cliente é inocente, situação minoritária na advocacia criminal. Essa grande diferença entre as obrigações do promotor e do juiz — de um lado — e a obrigação do defensor — de outro lado —, recomenda uma maior tolerância sobre a comunicação profissional entre promotor e juiz, ambos procurando a mesma coisa: a verdade, os fatos que envolvem o acusado. Já o defensor não está interessado em saber “o que realmente aconteceu”, porque isso ele já sabe, através do cliente, quando este não mente para o próprio advogado, como às vezes acontece, temendo que seu defensor torne-se menos combativo e eloquente. 

A tradicional “criminalidade simplória” — assaltos, homicídios, furtos, estupros, etc. — continuam mais ou menos como eram antes, na forma de investigar, não havendo muita necessidade de alteração legislativa ou táticas mais duras e eficazes de combate ao crime. O mesmo não ocorre, porém, de uns poucos anos para cá — com já repeti mil vezes —, com o desvio instantâneo de milhões ou bilhões de dinheiro público bastando um clique de computador, ou talvez no smartphone. 

Quantas agências bancárias existem no mundo? Milhares. Como o Ministério Público ou o juiz vai saber onde está guardado o dinheiro de origem ilícita a não ser com a “ajuda”, embora contrariada dos infratores. Afirmar que somente o “remorso” — sem qualquer pressão exterior — tem valor jurídico é de uma (falsa) ingenuidade de causar risos.

 Pergunto: um político qualquer, subornado — mas ainda não investigado —, com vinte milhões de dólares bem escondidos em um paraíso fiscal, irá a uma delegacia, sem ser intimado, para dizer que cometeu algumas desonestidades milionárias mas, sentindo remorso, quer confessar e devolver o dinheiro? O delegado, surpreso — nunca presenciou fato semelhante —, talvez telefone para os filhos do “arrependido”, imaginando que pode se tratar de um caso de demência senil, precipitada pelo coronavírus. Pergunta aos filhos do velho excêntrico se pode tomar por termo as declarações.  Os filhos imediatamente dirão “Não! Não! Segure-o que já iremos buscá-lo”! Comparecem assustados à delegacia, e agradecidos, “reconhecem” que só pode ser uma alucinação, claro. Levam o pai pra casa, dão-lhe uns cascudos e gritam: — “Velho burro, ou louco! Egoísta! Não pensa no futuro dos filhos?” 

Se Sérgio Moro conseguir, na ONU, apressar a investigação da situação bancária de pessoas em países membros da entidade, eliminando uma infindável burocracia internacional, isso já será um grande avanço. O combate ao roubo do dinheiro público é especialmente difícil de reprimir quando é o próprio governante que rouba. Daí a vantagem da privatização de empresas públicas em comparação com a empresa privada. Nestas, os sócios não saqueiam eles mesmos. Na empresa pública, rouba-se de uma abstração indefesa, a coletividade, a “viúva”. Mas este é outro assunto. 

Sérgio Moro merece a presente “defesa” pelo seu “conjunto da obra”. Tinha realmente um propósito honesto e ambicioso: acabar ou restringir a impunidade do colarinho branco. Fazer o que fez na Itália, a operação “Mãos Limpas”. Aproveitando a legislação brasileira — que permite a condução coercitiva, a pedido do Ministério Público —, deferiu, a partir de 2014, várias prisões provisórias, dadas como necessárias para esclarecimento dos fatos, toleradas pelo STF. Sem aviso prévio do suspeito ou investigado, porque se avisasse, o suspeito entraria em contado imediato com seu defensor que, por dever profissional, o orientaria da maneira mais inteligente possível, porque essa é sua profissão: defender o cliente. 

O jurista Roberto Delmanto Júnior, em livro, informou que na Alemanha a prisão provisória pode durar seis meses, mas se necessária pode ser estender por igual prazo. E a Alemanha atual, a “locomotiva” da Europa”, é um país civilizado. Nada impede que qualquer país, ou a ONU, estabeleça um prazo limite de detenção, mas o ponto mais importante não é o prazo, mas a possibilidade da condução coercitiva sem aviso prévio, permitindo ao Estado “colher na fonte”, ouvindo os infratores, os detalhes probatórios sem os quais nunca será possível condenar quem enriquece desviando para si o dinheiro público. 

Não é raro, nas prisões, que um preso mate ou mande matar outro preso, ou mesmo não preso, e pague para que um terceiro encarcerado “confesse” o crime. Com dezenas de anos de cadeia à frente esse terceiro confessa, inventa um motivo e recebe a recompensa, entregue a um parente fora da prisão. O promotor, sobrecarregado de serviço, aceita essa “confissão”, mas o juiz suspeita, com razão, dessa “confissão” que lhe pareça estranha, mas o promotor não cede no seu ponto de vista. 

Nesse caso, pergunto: o juiz nada pode fazer, porque não é o titular da ação penal, a não ser encaminhar a divergência a um órgão superior do Ministério Público?  Se fizer apenas isso, o caso será arquivado, porque   o órgão ignora completamente os detalhes.  Em vez disso, o mais certo, e moral, é o juiz, por sua livre deliberação, reinquirir algumas testemunhas, ou réu, ou ouvir outras pessoas — carcereiros, por exemplo, não sendo tratado como um magistrado palerma. Quando juiz, no cível, fiz, antes de sentenciar, inquirições em casos confusos, com excelentes resultados, porque a mentira tem perna curta e memória fraca.

 Em suma, a meu ver, quando uma pretensão, penal ou não penal, entra na justiça o juiz pode também, participar da atividade probatória, não ficando inerte, mesmo desconfiando que está sendo iludido. Não é totalmente impossível que o promotor, esteja sendo ameaçado, ou despreparado ou suspeito, politicamente, para funcionar naquele caso, ou naquela audiência. 

Com relação à imparcialidade do juiz criminal é lícito aqui fazer algumas considerações relacionáveis com o comportamento de Sérgio Moro fora dos autos. Seus inimigos alegam que ele condenou Lula da Silva apenas porque não gostava dele e do PT. Errado. Suas condenações foram confirmadas por unanimidade, por magistrados experientes, na apelação e no STJ. 

Dizer que Moro aceitou o convite de Bolsonaro para ser Ministro da Justiça para depois ser nomeado Ministro do STF, não coincide com a lógica. Se assim fosse ele não teria discordado do Presidente no caso da escolha, pelo presidente, do chefe da Polícia Federal, como diz a lei. Deixaria a coisa rolar e provavelmente hoje Moro seria Ministro do STF, no lugar do Min. Nunes Marques. 

Por que Sérgio Moro não concordou com a intenção de Bolsonaro, substituindo o Diretor Geral da Polícia Federal? Porque temia, apenas temia —, com boa probabilidade de acerto, que o Presidente pudesse estar com a intenção de proteger um dos filhos, acusado da prática de “rachadinha” vários anos antes do pai ser presidente.

Como Bolsonaro é um pai que se preocupa demais com os filhos e já tinha dito que os filhos merecem o “filé mignon”, Moro, temendo uma possível desmoralização da Lava Jato, e sua, preferiu — prejudicando-se terrivelmente — pedir demissão mesmo sabendo que não poderia retornar ao seu cargo de juiz. Com isso ficou desempregado e com muitos inimigos na sua cola, sem direito à proteção pessoal diária por conta do estado. Poucos juízes teriam igual coragem. Ganhar a vida como criminalista, defendendo criminosos seria contraditório demais, impensável, no seu caso. 

Filhos são uma dádiva mas às vezes um problema. Felizmente, no meu caso não posso me queixar, tive muita sorte. Anatole France, Prêmio Nobel de Literatura, já disse que todo pai é um banco proporcionado pela natureza. O homem ainda tem uma boa dose de componente animal. Um caçador pode, na floresta, se encontrar com uma ursa, que talvez não o ataque. Mas se ela estiver com seu filhote nas redondezas, ela ataca o caçador, não para devorá-lo. Mata só por causa do potencial perigo do ursinho. O mesmo ocorre com o ser humano, do mendigo ao rei ou ao presidente da república. Incluam-se os jornalistas, artistas, e todos os profissionais.  

Chico Anísio inventou uma palavra nova, “pãe”, aplicável aos pais tão dedicados aos filhos quanto a mãe. Bolsonaro é “pãe”, como a maioria dos pais em todo o mundo. Lula da Silva também tem essa característica, sofrendo por isso, politicamente — vide BNDS. Kofi Annan, da ONU, e Margaret Thatcher, no Reino Unido também tiveram problemas a respeito. Quanto mais filhos, mais perigos à vista, repercussão negativa na reputação do pai. E o perigo triplica quando os filhos também atuam na política, uma profissão muito falante, por natureza. 

Por que a reforma administrativa não anda no item de demitir funcionários não concursados nas repartições públicas? Porque todos os que exigem essa “limpeza” não têm algum filho, ou neto, ou genro, ou nora, ou sobrinho, etc. nomeado sem concurso. Tendo, pais e mães não suportam a ideia de ver seus filhos e netos em dificuldade financeira. Isso é humano e geral. E de tão grande relevância que causou uma ruptura de imensas consequências para país: Moro saiu do governo, enfraquecendo a luta contra a corrupção. Bolsonaro perdeu um grande apoio jurídico e político e o STF não conta com um Ministro imensamente popular, Sérgio Moro.  Sem desdouro para o nomeado em seu lugar, que não era um nome famoso, embora trabalhador e responsável. O Brasil teve seu futuro fortemente alterado por causa de uma minúscula falha humana. 

Encerro esse longo arrazoado pedindo desculpa pela “esparramada” conversa, com muitas repetições. Justifico-me dessa falha argumentando que quando o autor de um texto quer convencer o leitor em assunto de interesse público, não apenas literário, não pode se limitar à beleza do texto. A repetição é uma feiura, mas sem ela a tese sustentada pelo autor tem menos chance de convencer. Ás vezes convém repetir, com a mesma ou outras palavras. É como enfiar um prego no crânio. Se exagerei, sangrei demais, peço desculpa. Espero apenas que tenham lido até aqui. Um milagre. 

FIM 

(27/03/2021)

segunda-feira, 8 de março de 2021

A Lava jato será mais valorizada se mundial.

  “A visão do estado social não admite a posição passiva e conformista do juiz, pautada por princípios essencialmente individualistas. O processo não é um jogo, em que pode vencer o mais poderoso ou o mais astucioso, mas um instrumento de justiça, pelo qual se pretende encontrar o verdadeiro titular do direito. (…) Nesse quadro, não é possível imaginar um juiz inerte, passivo, refém das partes. Não pode ele ser visto como mero espectador de um duelo judicial de interesse exclusivo dos contendores. Se o objetivo da atividade jurisdicional é a manutenção da integridade do ordenamento jurídico, para o atingimento da paz social, o juiz deve desenvolver todos os esforços para alcançá-lo. Somente assim a jurisdição atingirá seu escopo social” 

(Ada Pelegrini Grinover, citada por um jurista, em artigo na internet, cujo nome não anotei no momento, não conseguindo aqui mencionar).

Todos os povos, com um mínimo de civilização, gostariam que seus respectivos governantes fossem incorruptíveis no manejo do dinheiro público. Esse desejo generalizado de honestidade independe da ideologia dominante no país. Nações capitalistas, socialistas, mistas e até nazistas — ou assemelhadas —, toleram tudo, exceto a desonestidade de seus líderes.

Na China comunista, até poucos anos atrás, mesmo altos membros do partido único, ou influentes empresários, quando culpados de corrupção eram condenados à pena de morte e executados com um tiro na nuca, em estádio de futebol. Um ex-presidente da Huarong Asset Management, Lai Xiaomin — empresa estatal especializada na gestão de ativos financeiros —, que se apropriou de 277 milhões de dólares, em dez anos, de 2008 a 2018, foi condenado à morte por corrupção e bigamia. Seus bens também foram confiscados. Confiram na internet. E o “custo” da execução, a bala, ainda era cobrado da família.

Detalhe de humor negro, a cobrança da bala, mas que simboliza uma advertência, curta e grossa, para gênios e analfabetos, de que “se você roubar, você morre!”, dirigida a todos os cidadãos, “os de cima e os de baixo”. Como a imagem — o fuzilamento —, ao vivo, é mais persuasiva que centenas de páginas, escritas ou faladas, isso deve ter contribuído para conter, pelo medo, milhares de cidadãos tentados pela possibilidade de enriquecer ilicitamente trabalhando no governo, onde é mais fácil roubar porque o dinheiro, em impressionante volume, está mais acessível, sem vigilância externa.

Atualmente a pena de morte para casos de corrupção, na China, diminuiu devido a pressão internacional, mas o rigor continua, embora sem tiro na nuca. Isso porque o povo chinês, como os demais povos, na sua imensa maioria, aprova tal severidade, e nenhum governo despreza o apoio popular. O medo, em tese uma emoção negativa, pode, conforme o contexto, ser imensamente virtuoso, daí meu apoio ao esforço de Sérgio Moro, doravante no plano internacional.

Sua expertise no combate à corrupção sofisticada será melhor compreendida e praticada em outras nações. Seu sacrifício pessoal não pode ser desperdiçado. A corrupção perdeu a primeira batalha, no Brasil, mas ainda tem a esperança de ganhar a guerra, com ajuda da bandidagem dos hackers e partidarização de parte da cúpula do poder judiciário. 

Diz a mídia que Xi Jinping, o atual presidente chinês, já puniu mais de um milhão de funcionários públicos. A severidade na proteção ao bem público — seja por inata honestidade do governante, seja por cálculo político — gera confiança e lealdade. O fato objetivo é que sem demonstração de honestidade pessoal todo líder, de qualquer pais, acaba perdendo o poder. Vejamos, sinteticamente, alguns exemplos.

Hitler, foi um ditador brutal e assumido mas não considerado ladrão. Stálin, camarada perverso, tinha hábitos simples, sem luxo, interessado “apenas” em implantar, progressivamente, uma ditadura mundial do proletariado, começando pela Rússia. Mandava matar opositores, mas, pelo que se sabe, não guardava dinheiro no exterior (talvez porque não precisasse; tinha de tudo, e jamais pensou em deixar o poder). Seu antecessor, Lênin, também não ligava para o dinheiro. O mesmo se diga do chinês Mao Tsé Tung, que para implantar o comunismo em seu país não hesitou em matar dezenas de milhares de “desobedientes”, usando a fome ou o fuzilamento. Todos os ditadores acima mencionados tinham seus defeitos, mas não roubavam o próprio país.

Alguém pode imaginar Hitler, Lênin, Stálin, Mao sendo fotografados carregando dólares ou diamantes na cueca? Impossível. Uma desmoralização inaceitável. Eram “grandes”, no estilo deles, brutal, mas não furtavam e por isso foram apoiados pela maioria de seus povos. No Brasil, Getúlio Vargas foi um ditador, em certo período, mas nunca ladrão. O mesmo ocorreu com nossos presidentes militares, todos, na minha opinião, pessoalmente honestos, nos vinte anos de exceção.  

Insistindo: à vasta maioria dos homens e mulheres, do mundo inteiro, interessa vivamente que seus governantes não roubem nem deixem roubar. Daí a necessidade de uma nova estratégia, agora mais extensa, global — “dura”, juridicamente discutível, mas inevitável se realmente queremos sucesso na luta contra o crime do colarinho branco: a “delação premiada”.

Sem essa “delação”, ou “colaboração premiada”, utilizada na Operação Lava Jato, liderada por Sérgio Moro, o Brasil continuaria como um país com dois tipos de justiça: a rotineira, “Genérica”, do povão — de investigação rudimentar —, e a “Privilegiada” — de investigação policial complexa, demorada, exigindo conhecimentos de informática, telefonia, escutas legais e ilegais, hackers, variadas legislações tributárias e bancárias, no próprio país e em diferentes partes do mundo, notadamente nos Paraísos Fiscais. 

Sem a necessária ousadia inovadora dos integrantes da Lava Jato, coordenada pioneiramente por Sérgio Moro, o Brasil continuaria “enxugando gelo”: a polícia tentando obter um flagrante do infrator subalterno mas sem poder chegar ao topo, o “cabeça” do esquema de desvio, geralmente oculto, respeitado e blindado por competentes advogados. Em suma, antes de Sérgio Moro a polícia podia avançar até um certo nível de conhecimento da fraude, digamos 50% — o suficiente apenas para saber que “aqui há crime!” — mas incapaz de chegar aos detalhes, com prova documental, oral, e informática, possibilitando uma denúncia precisa e uma condenação judicial difícil de reformar. A investigação policial, quando sem apoio judicial, era dificultada porque, ao contrário do juiz, o delegado não goza do direito de inamovibilidade. Se estiver incomodando um figurão o policial pode ser removido para outra cidade. 

Claro que a cooperação das polícias, entre os países, já existe na luta contra o tráfico internacional de drogas, prostituição, trabalho escravo e outras formas de combater o crime organizado, mas pouco se podia fazer, antes de Sérgio Moro, em casos de lavagem de dinheiro, caixa dois, evasão de divisas, em que a prova está espalhada no mundo. Se a ONU — ou outra entidade assemelhada, criada com apoio de grande número de países — facilitar o acesso, regrado, às instituições financeiras dos países signatários — nos casos do colarinho branco e crime organizado — é o que propomos aqui —, já não seria tão necessário prender preventivamente o suspeito, por tempo mais longo, a não ser para impedir sua fuga. Haveria enorme diminuição da burocracia legal e judicial para verificar os depósitos e transferências do dinheiro ilegal entre países e paraísos fiscais. 

 Os infratores, antes da Lava Jato, sentiam-se praticamente impunes por saberem o quanto é difícil comprovar, em juízo, tais crimes. O butim pode estar escondido em malas, cuecas, empresas lícitas e de fachada, e instituições financeiras internacionais, com seus depositantes protegidos pelo sigilo bancário. 

Falei em delação premiada, dizendo-a essencial para a repressão ao desvio de grandes somas, mas há um problema com ela: uma suscetibilidade excessiva protegendo pessoas importantes quando acusadas de desvios milionários.  Muitos operadores do direito não gostam ou temem melindrá-los, esquecidos de que — triste realidade —, sem alguma pressão psicológica e desconforto, o infrator não confessa. Nem ao delegado, nem ao promotor, nem ao juiz, nem ao padre e nem a Deus — com Este o infrator apenas evita o assunto. Sem alguma pressão, medo ou constrangimento — que não se confundem com a verdadeira tortura, a física —, o investigado também não indica quem são seus cúmplices. Seria uma deslealdade perigosa, no “código de ética marginal”. Nos E.U.A. o delator é chamado de “rato”, merecendo ser pisado ou temperado com chumbo.

Daí a necessidade real, na Lava Jato, da polícia investigar — sem alarde —, até onde for possível fazer isso sozinha e depois, para completar a investigação, pedir a um juiz a prisão provisória, ou cautelar, sem pré-aviso, dos investigados —  porque só eles mesmos podem informar os detalhes indispensáveis ao êxito de uma ação penal eficaz: nomes completos dos cúmplices, laranjas, doleiros, bancos, agências,  contas correntes, países, valores exatos, datas e outros detalhes indispensáveis a uma denúncia apoiada em inquérito bem feito e confirmável em juízo.

Nessa corrente de participantes nenhum “elo” pode faltar, como recomenda a tática de “siga o dinheiro”. Daí, insista-se, a necessidade de prender provisoriamente o investigado —, de surpresa —, porque se intimado com dias de antecedência, para comparecer à delegacia, ele, sabendo-se culpado, imediatamente procurará um criminalista que — por dever profissional — lhe dirá o que fazer, conforme a situação: fugir, calar, destruir provas, avisar os cúmplices, transferir recursos de um banco para outro, etc. A legislação brasileira permite as prisões cautelares porque sem elas, nos crimes mais complexos, fazer justiça seria uma raridade, perpetuando a já mencionada “dupla justiça”, a dos ricos e a dos pobres.

Há quem diga — emocionado, quase às lágrimas — que prender alguém, provisoriamente, sem aviso prévio, com possibilidade de prorrogação da detenção, é uma “tortura”, principalmente se o preso for idoso.

Quem considera “tortura” a prisão temporária prorrogável vive no mundo da lua ou é amigo fiel do “torturado”. Esquece que o dinheiro, geralmente polpudo, obtido com o furto do dinheiro público, matou ou prejudicou grande número de velhos, moços e crianças das classes menos favorecidas, que vivem em condições precárias. Mal educados, mal alimentados, mal tudo, porque foram privados da riqueza subtraído pelo “torturado” idoso incapaz de controlar a própria ganância. Por que tanto carinho com quem agiu mal, apesar de velho?

Todo crime, ou ilegalidade, pressupõe risco. Quando dá certo é só felicidade, mas quando dá errado, há que aceitar a consequência de um grande desconforto, ou um sofrimento que é apenas moral. O detido não foi torturado. Não passou fome, nem frio, nem privação de sono, nem sofreu agressão física. Na maioria dos casos de prisão cautelar longa houve depois o julgamento e a condenação, com provas e até confissão explícita, havendo recuperação de bilhões de dinheiro governo. Prova de que a sistema funcionou, atingiu seu objetivo: condenar culpados. 

É conhecida a genérica frase “os canalhas também envelhecem”, mas concedo que nem todo investigado merece essa vil classificação. Alguns poucos suspeitos talvez não estivessem completamente informados da realidade, quando convidados a participar de alguns negócio ou operação. Mas, descoberto o esquema desonesto, seus nomes figuravam em longas listas de infratores e por isso precisavam ser detidos, na busca da verdade. Não é possível deixar de investigar com base no rosto de bondade e prestígio social de um cidadão.

Às mentes dolosas interessa convidar algumas pessoas honestas, prestigiadas, para dar um ar de respeitabilidade aos empreendimentos desonestos. Tais vítimas — paradoxalmente vítimas por serem honestas demais — podem entrar em depressão, e até cometerem suicídio, não suportando a humilhação. Esse é um risco, raro e lamentável mas não invalida o que foi mencionado neste artigo: a necessidade de prisão provisória para chegar ao fundo de uma trama que sem a prisão, significaria impunidade. Nenhum sistema judicial, no mundo, está blindado contra a eventualidade de uma acusação equivocada. Lembre-se que há muito mais criminosos não punidos, por falta de prova, do que inocentes condenados. Quando isto ocorre, a mídia não deixa passar em branco, pela sua raridade. Mosca branca.

Não sei como são feitas, na prática, os interrogatórios feitos nas prisões provisórias e preventivas, mas presumo que só serão plenamente úteis se o investigado responder às perguntas desacompanhado. Se seu advogado for de temperamento agressivo, exaltado, interessado em tumultuar — protestando e interrompendo constantemente o diálogo entre quem pergunta e quem responde — esse trabalho torna-se inútil.

Presumo que, no geral, há uma espécie de jogo de pôquer, nessas inquirições, em que o delegado ou o promotor talvez aparente saber mais do que realmente sabe sobre a conduta ilegal do investigado mas não quer “mostrar suas cartas antes do tempo”.  Essa incerteza agonia o infrator, limita sua liberdade de inventar o que não existe. Por sua vez o investigado tenta, ao máximo, aparentar uma inocência inexistente. Nesse joguinho de astúcias o delegado ou promotor leva vantagem porque não trabalha com medo, sob pressão. Não precisa, nem pode, mentir, inventar fatos inexistentes — dizendo, por exemplo, que todos os asseclas já confessaram, quando isso não ocorreu. Só tem que perguntar e duvidar, insistindo nos detalhes, mostrando as contradições do infrator. É um trabalho relativamente tranquilo, cômodo. Busca apenas a verdade.

O investigado, porém — quando culpado —, depõe angustiado, suado, tendo que inventar, de improviso, e depois lembrar-se de como mentiu, para não se contradizer. Sente medo ser condenado, desmoralizado, perdendo tudo — liberdade, posições, riqueza, convívio familiar. E não adianta permanecer mudo, sabendo que, por isso, ficará ainda mais tempo detido. Exausto, torna-se propenso a dizer a verdade, mesmo contra a opinião de seu advogado. Pensa nas vantagens da delação premiada. Não perderá tudo, e talvez fique em casa, com tornozeleira eletrônica. 

Lembro-me que poucos anos atrás, quando assistia, na televisão, os julgamento dos crimes do colarinho branco, cheguei a escrever, em artigo, que como havia uma certa corrupção generalizada, tradicional —  “quando em Roma, como os romanos”—  e havia, como ainda há, uma enorme ganância fiscal brasileira, estimulando a ilicitude como uma “defesa” compreensível do contribuinte espoliado — seria mais equânime que, nesses casos, seria  razoável que, descoberta a fraude, o réu apenas devolvesse o que sonegou, evitando a prisão.

 Com o passar do tempo, mudei meu entendimento porque essa brandura estimularia a desonestidade. O cidadão inescrupuloso pensaria assim: — “Vou roubar, ou sonegar o máximo que puder. Se não descoberto, enriqueço ou multiplico minha riqueza. Se descoberto, e condenado — o que será difícil porque a prova é complicada —, devolvo o que desviei, sem prisão. Vale a pena ser esperto, precisando apenas coragem”.

Como este artigo já está longo demais, não há necessidade de detalhamento do trabalho do juiz da Lava Jato porque a mídia, no Brasil e no Exterior, já publicou o suficiente a sobre o juiz Moro, modesto, trabalhador, paciente, honesto, homem de família e imensamente corajoso. Há também livros sobre ele. 

 Poucos dias atrás, li, em e-Book, sua biografia, “Os dias mais intensos”, escrito por sua esposa, Rosângela Moro. Alguém dirá que biografia escrita por esposa é sempre suspeita, parcial. Nem sempre. Quando o leitor acompanha, quase diariamente, na mídia, tudo o que é publicado —, pró e contra o biografado —, dá para saber se o biógrafo mais recente diz ou não a verdade. Todos os fatos relatados no referido livro enquadram-se, harmonizam-se, com o que já eu sabia sobre a personalidade do agora ex-juiz. 

Por razão que não interessa aqui detalhar — também de conhecimento geral — a convivência entre o magistrado e o presidente não deu certo. Azar de três: do juiz, do presidente e do país. Não podendo voltar ao cargo de juiz, porque pediu demissão, ficou desempregado. E aí? Como Sérgio Moro ganharia a vida? Advogando na área criminal, sua especialidade?

 Não teria sentido ele montar uma banca de advogado criminalista tendo como missão defender grandes infratores da lei, logo ele, que sempre combateu os infratores. Além disso, terminada a quarentena, ficou sem proteção policial, com dezenas de réus poderosos, ricos, condenados por ele — presos ou soltos —, querendo e podendo se vingar com quase total impunidade porque não é difícil encomendar um falso “latrocínio” em que o matador nem sabe quem foi o mandante.

 Daí a necessidade ou extrema conveniência de sair do país, o que certamente fará. O que foi dito acima tenta lembrar que Sérgio Moro é um idealista e por isso a Organização das Nações Unidas, ou entidade de propósitos assemelhados, tem quase uma obrigação moral de aproveitá-lo para a uma missão que é desejada não por tal ou qual nação, mas por todas elas, adeptas da honestidade. 

O presente artigo foi redigido em estilo coloquial, para o leitor comum, sem formação jurídica, embora possa ou deva ser lido também por juízes, promotores e advogados da área não penal. Ficarei honrado se isso ocorrer. Observo que o texto, inicialmente, tinha três vezes a extensão aqui presente, o que provocaria uma debandada de leitores apavorados, não dispostos a prolongar o sacrifício. É o dilema da comunicação eletrônica: não se pode dizer tudo. E se fatiado o “monstro”, nem a primeira fatia será consumida por inteiro.

EM TEMPO: Considerando a relevância do tema abordado neste artigo, decidi complementá-lo, porque não apresentei, nele, todos os meus argumentos. Ficaria extenso demais. Assim, no próximo dia 13/03/2021 encaminharei ao Facebook um adendo ao texto, para conhecimento dos interessados. Aguardem.

(08/03/2021)