A “alternativa Toffoli” — de suspensão do prazo de prescrição após condenação de 2ª instância —, em nada desestimularia o réu do colarinho branco na intenção de protelar, ao máximo, o trânsito em julgado da sua condenação. O efeito seria oposto. Sabendo-se culpado, após exame das provas, o réu, solto, exigiria de seu advogado que, após a condenação na 2ª.instância, usasse todos os recursos e manobras jurídicas concebíveis, porque quanto mais distante seu julgamento, no STF, melhor seria. Seguindo estatísticas, a probabilidade de ver reconhecida sua inocência somente na “quarta” instância é mínima, inferior a 1%, mosca branca. O que o réu quer, no seu caso, é permanecer livre pelo máximo tempo possível antes de morrer.
Para o réu que sabe ser culpado, conforme a prova dos autos, a única faceta “desagradável” do infindável processamento criminal está no elevado custo da extensa defesa realizada por criminalistas largamente experientes e bem relacionados. Mas para quem tanto lucrou com seu delito essa despesa com advogados caros — pesada demais para o cidadão comum —, é perfeitamente suportável para esse tipo de criminoso. Faz parte do componente risco/lucro de toda atividade ilegal mas altamente compensadora.
Essa minoria privilegiada, admitamos, é corajosa, porque, até poucos anos atrás havia algum risco, embora remotíssimo, de que poderia ser investigada e punida. Pessoas ricas, poderosas, com residência própria e sem antecedentes criminais — isto é, sem condenações transitadas em julgado — raramente eram presas preventivamente porque não apresentavam risco presumido de fuga. Políticos, banqueiros, bancários especialmente competentes, contadores, economistas, grandes empresários, etc., não tinham muito o que temer. As prisões não precisariam ser reformadas porque — pensavam —, nunca nelas entrariam a não ser por curiosidade, como visitantes.
Agora, do Mensalão para cá, surgiu uma dura realidade punitiva, a chamada Operação Lava Jato, que muito surpreendeu esse pessoal. Após condenados na 2ª. instância, graças principalmente às delações, lamentam-se: —“Como poderíamos prever que surgiria essa maldita e atrevida Lava Jato usando a ‘abusiva’ delação premiada para nos descobrir? Isso era impensável nos bons tempos da impunidade! Paciência, doravante seremos mais cautelosos. Agora, o jeito é aguentar o tranco e ficar o máximo tempo possível fora da cadeia, esperando, sem pressa, a vantajosa velhice. Ficar velho é péssimo, mas não na nossa particular situação”.
Com a longa espera do julgamento do seu Recurso Extraordinário, a “quarta instância” — uma aberração só brasileira —, com ou sem interrupção da prescrição após a condenação em segundo grau, proposta por Tóffoli, o réu sabe que poderá morrer de morte natural antes do julgamento final do Recurso Extraordinário. Existe, ainda, mesmo após a condenação do réu no Supremo, a possibilidade de apresentar seguidos Embargos de Declaração, sempre discordando da redação do último acórdão que manteve sua condenação. Isso porque o Regimento Interno do STF não estabelece limites quanto ao número de tais Embargos nas ações penais.
A única reprimenda, no Regimento Interno do STF, contra sucessivos Embargos, refere-se à matéria não penal, dizendo, no art.339 § 2°, que “Quando os embargos de declaração forem manifestamente protelatórios, assim declarados expressamente, será o embargante condenado a pagar, ao embargado, multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa”.
Como nas ações penais não há “valor da causa” não há como impedir, legalmente, que o réu — se atrevido, imaginoso e cara de pau — interponha inúmeros e sucessivos embargos de declaração, sempre discordando de algum detalhe do último acórdão publicado, mesmo que sejam embargos dos embargos dos embargos, etc. Se o STF pedir socorro à OAB, sugerindo uma punição do advogado que usa apenas um truque para evitar o término do processo, a entidade provavelmente dirá — se o réu for importantíssimo, com amigos na própria OAB e no STF — que o problema não é dela e que não pode forçar o advogado a abdicar de suas convicções.
Já houve, tempo atrás, uma anômala situação em que o Supremo — então respeitadíssimo — foi obrigado cometer uma ilegalidade para não continuar fazendo o papel de idiota: determinou à sua Secretaria que não recebesse novos embargos declaratórios do perdedor de um recurso extraordinário em que o recorrente nunca concordava com a última decisão. Se o STF não agisse assim, sua “decisão final” nunca transitaria em julgado.
Voltando à intenção de protelar, pode ainda — pensa o réu, solto e esperançoso —, que talvez surja do nada, futuramente, alguma lei com efeito retroativo que o beneficie. Ou até mesmo uma interpretação judicial com efeito retroativo — uma “coisa” ilegal mas de infinitas possibilidades —, como foi o caso da anulação recente de um processo pelo fato de um delatado não ter falado por último — mas podendo falar à vontade contra o seu delator no seu recurso de apelação. Quando um magistrado decide por último, no STF, ele pode fazer praticamente o que lhe agradar, certo ou errado, porque “em direito tudo se discute”. Infelizmente, direito e sofisma conseguem conviver harmoniosamente. É lamentável que direito e moral possam ter vidas separadas.
Quanto à protelação — pelo réu que se sabe culpado, quando em liberdade após condenação em 2ª.instância —, ela pode ser exercida nem sempre com “recursos” formais visando apressar seu julgamento. O que a ele interessa é a demora, porque está solto e assim quer continuar. Se a acusação, por exemplo, tenta apressar, no Supremo, seu julgamento, pedindo que seu processo entre em pauta, ele discordará dessa “pressa suspeita que viola o estado democrático de direito”. Tentará criar um clima de confusão jurídica que forçará um ministro a pedir vista dos autos atrasando o julgamento por meses ou anos. Protelações não são sempre arquitetadas com os tradicionais “recursos’. Elas podem ser criadas com verdadeiros “nós” processuais, via mandados de segurança, reclamações, habeas corpus, alegações de suspeição ou impedimento. Como em direito tudo se discute...
Na pior das hipóteses, confirmada a condenação, após longa demora no julgamento do STF, o réu, já idoso, estará com as doenças inerentes à idade, com direito a benefícios legais que só existem para os velhos. Se estiver com câncer de próstata, por exemplo, poderá cumprir a pena em casa, o que não será um grande sacrifício. Frise-se que, segundo as últimas pesquisas médicas, todo homem com mais de 80 anos tem uma altíssima probabilidade de ter câncer de próstata. Mais de 90%, porque a evolução desse tipo de tumor é muito lenta. Dizem os especialistas mais atualizados que todo homem com cem anos tem 100% de chance de ter câncer de próstata: — “O paciente acaba morrendo por outra doença, não por causa do câncer”, dizem alguns urologistas, dispensando o desagradável exame de toque.
Talvez, uma outra vaga esperança do réu acabar impune, depois da longa espera em liberdade, é que um “bendito” hacker consiga inventar um hiper-vírus capaz de deletar os processos digitais, destruindo a prova que embasou a condenação de segunda instância. Essa esperança não é totalmente impossível com o avanço da informática.
Um argumento final, a demonstrar que a sugestão Tóffoli aumentaria a demora para o julgamento no STF: quando o recorrente está preso, seu recurso, pela lei, tem preferência de julgamento. Estando solto, não há essa preferência: justamente o que interessa ao réu condenado consciente de que a prova está contra ele, tanto assim que foi condenado nas três instâncias anteriores.
Encerrando e repetindo, este artigo visou apenas alertar o óbvio: a proposta de Dias Tóffoli, para diminuir os casos de prescrição, após a 2ª.instância realmente dificultaria a prescrição, mas por outro lado estimularia a técnica da protelação.
Os brilhantes e sensatos votos dos ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin, no problema da prisão após a condenação da 2ª. instância, engrandeceram o STF pelo lado técnico e moral. Já os votos contrários... “Ave Maria, rogai por nós”, rezam hoje até os ateus, pensando no bem do Brasil.
(17/11/2019)
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