terça-feira, 19 de novembro de 2019

Logo testaremos o poder do hacker nas decisões judiciais


                                                                                                  Foto: Lula Marques 
O Supremo, em data próxima, decidirá se Sérgio Moro era suspeito para julgar o ex-presidente Lula da Silva.  “Consequentemente” — lógica de mera conveniência —, se Moro era suspeito, “segue-se”, falsamente, que todas as sentenças por ele proferidas contra Lula, oriundas da Lava Jato, deverão ser anuladas. Daí, “arredondar” essa leviana decisão para um

“anular tudo” que evoque a figura de Moro será um pulo, considerando que a atual composição do STF não pode ser aperfeiçoada de modo significativo, em curto prazo. Será a glória, vergonhosa, para centenas de réus, ou investigados com culpas graves no cartório.

Se isso ocorrer, essa anulação em massa será um ótimo argumento de que a Constituição deve ser brevemente alterada para permitir uma periódica avaliação e substituição de ministros, conforme seu desempenho.  A cada “n” anos — cinco, seis, dez? — verificar quem fica e quem sai do Supremo, para que ele volte a ter o merecido prestígio que teve antigamente. ‘

Só o tempo, com o mau estímulo dos julgamentos televisionados, revela o verdadeiro caráter de um julgador. Uma coisa ele era, ou aparentava ser, antes de ser ministro do Supremo. Entrevistado no Senado, o escolhido pelo presidente da república esforça-se para bem impressionar. Pode chegar às lágrimas, comprovando sua ânsia de fazer justiça.

Essa forma de escolha não tem sentido porque um dia o presidente da república pode se tornar réu e terá a seu favor o sentimento de gratidão do ministro nomeado. Este, no julgamento de quem o nomeou, deveria ser considerado impedido, ou dar-se por suspeito, mas isso não faz parte do mundo real. O que demonstra que a legislação, seguida à risca pode, às vezes, ser incoerente.

Não é que todo poder corrompe, ele apenas revela. E quanto mais seguro se sinta, mas revela.

 Outra realidade, bem diferente, pode ser constatada no dia-a-dia de sua atividade, quando o ministro sente-se seguro do seu poder e passa a funcionar com total liberdade, intocável, dizendo o que bem entenda, ofendendo colegas de julgamento, pressionando ministras mais tímidas, aparteando incessantemente, gritando, , fugindo do tema em debate, ausentando-se ostensivamente, nem mesmo fingindo, por educação, prestar atenção ao que dizem os demais colegas de julgamento.

 Aí é tarde para qualquer providência para tirá-lo de cena. A vitaliciedade o protege, a menos que mate alguém em plenário. E se matar, nada impede, “juridicamente”, que não seja preso porque não foi ainda condenado com trânsito em julgado. O flagrante será considerado inválido porque o ministro talvez não esteja, no momento, em seu juízo perfeito: ocorreu apenas um surto, de origem orgânica desconhecida. E caberá à acusação provar que seu homicídio foi doloso. E por aí vai, quando a decisão é de última instância, conforme o país.

Quando um ministro é nomeado já sexagenário, a vitaliciedade é menos arriscada, porque a aposentadoria compulsória o remove com base no calendário. Porém, se nomeado no apogeu de suas forças, o perigo do eventual abuso recomenda a existência de um mecanismo que dispense a necessidade de “provar” que tal magistrado julga mal quando seu interesse pessoal, e não jurídico, está em jogo. “Provar” que ele julga mal é dificílimo, porque o Direito tem isso de ruim: tudo se discute, infinitamente, nem que seja apenas para cansar ou ganhar tempo. Outras Ciências também permitem divergências, mas não com a mesma facilidade e amplitude da chamada “Ciência do Direito”, em que uma única palavra, mal escolhida, na lei, pode inverter ou anular o que se pretendia construir.

Voltando aos assuntos Moro, hackers e STF — que no fundo compõem um só tema —, alguns ministros, inimigos declarados da Lava Jato, procuram ignorar que essa força tarefa foi a única operação, de larga envergadura que, no Brasil, enfrentou — com imenso risco pessoal do ex-juiz Sérgio Moro —, o crime do colarinho branco, mas tudo indica que os dias da útil operação estão contados, haja ou não uma forte reação popular. 

A quem os réus da Lava Jato, já sentenciados ou em perigo de o ser, devem agradecer essa abrangente e criminosa escuta unilateral — só trechos contra Moro, escondendo o resto da gravação — será capaz de enfraquecer anos de luta minuciosa de luta contra o crime organizado?

Devem agradecer a um jornalista americano, aqui residente, Glenn Greenwald, que, aproveitou a criminalidade alheia — ou quem sabe também própria — as investigações continuam... —, de hackers que gravaram milhares de diálogos e mensagens de celulares de magistrados, promotores, empresários e políticos com problemas na justiça.

Acontece que nessas escutas ficaram gravados, mesmo “sem querer”, diálogos particulares entre os alvos das escutas e as pessoas que apenas conversavam com tais “alvos”, dizendo o que lhes dava na cabeça, sem reserva. Fofocas, ameaças, calúnias, estratégias jurídicas, indiscrições e até confissões de crimes e pecados que são ouvidos apenas por padres, psicanalistas e advogados, obrigados a guardar segredos profissionais.

 Essas particularidades da vida privada, de todo tipo e grau, transformaram-se em preocupações. Possibilitam chantagens. Inquietam-se, tais pessoas, ao saber que suas palavras estão em poder de meliantes capazes de tudo. Para apagá-las seria preciso a boa-vontade de Greenwald, mas os cortes não interessam ao americano porque eles poderiam comprovar, em eventual perícia, que Greenwald andou editando as acusações contra Moro e Dallagnol, caso o vasto material criminoso seja um dia periciado. Por isso, certamente, Greenwald não apresenta seu “material”, sempre alegando o não mais existente sigilo da fonte porque todo mundo já sabe os nomes das quatro “fontes”: três homens e uma mulher, presos, sem prejuízo de outras prisões, conforme o aprofundamento da investigação.

Agora vem a parte mais imprevisível do “hackeamento” em tela: o imenso poder inerente ao conhecimento de segredos ou intimidades gravados em larga escala. Esse conhecimento de conversas francas transformou Greenwald em um informal êmulo de John Edgar Hoover, que permaneceu como diretor do FBI durante 48 anos. Hoover “sobreviveu” a 8 presidentes dos EUA, porque mantinha o fichário de todos os segredos dos chefes da nação, inclusive da vida conjugal. Tinha as fichas amorosas dos irmãos Kennedy e sabia tudo sobre Marilyn Monroe, por exemplo.

Na política — como em tudo o mais, e ainda mais nela — quem não tem segredos? Todos os governos, pessoas jurídicas, têm segredos, e o mesmo acontece com as pessoas físicas dos governantes. Juízes, promotores, advogados, taxistas, catedráticos, jornalistas, etc., têm segredos. Todos os habitantes da Terra os têm. Greenwald também tem os seus, mas, sendo mais esperto, tecnicamente, que os demais, sabe como não se deixar grampear. E se eventualmente não grampeia os demais — porque é arriscado —, aproveita, sem risco pessoal e com glória jornalística —, o “trabalho” criminoso de outros. Em síntese: “lucra”, ganha prêmios e influência política com a criminalidade alheia. E a jurisprudência brasileira vai se ferrar com esse lucro contra ela.

Greenwald é hoje um homem poderoso. Um eventual ministro da área jurídica, na dúvida cruel se foi ou não grampeado em seu celular, não se atreve a contrariar o jornalista. O ministro vai dançar conforme a música tocada por ele, inclusive na questão, muito subjetiva, da “suspeição” de Sérgio Moro. Greenwald sabe que a imaginação faz o medo crescer nas situações perigosas. 

Eu já disse antes, no Twitter, e repito aqui, que vivemos, no Brasil, uma triste realidade: para vencer uma demanda difícil, complicada, é mais prático, vantajoso, contratar um bom hacker que um bom advogado. Este último argumentará com longos e complicados raciocínios, de difícil compreensão popular, enquanto o hacker profissional pinçará algumas curtas frases do “inimigo” que, só por serem muito curtas, são compreendidas e aceitas como verdade absoluta. Dessa forma fica fácil convencer os seguidores de Lula que o juiz era “suspeito: — “O Lula disse que não há prova do crime e eu acredito nele”. No caso em exame, dos julgamentos de Lula, a anulação tem um efeito imediato e amplo.

No vasto material em poder de Greenwald deve constar muita coisa em favor de Sérgio Moro e contra o ex-presidente Lula. É impossível presumir que entre centenas de frases, vindas de variadas bocas, nenhuma beneficie Sérgio Moro. Alguém já perguntou ao jornalista americano — não me lembro onde — porque ele não denunciava também outras pessoas que aparecem nas gravações cometendo ilegalidades. Ele, sempre esperto, respondeu que não fazia isso porque seu interesse era apenas de mostrar que Moro não era imparcial, não podendo ele, Greenwald, assumir o papel de polícia. Ele esquece que publicando apenas as frases “contra Moro”, ele desequilibrou a balança doida da “justiça da internet” que repercute na justiça legal e a distorce. Talvez nas gravações existam frases de ministros pró-Lula, de testemunhas e de advogados de defesa muito mais comprometedoras que aquelas escolhidas por Greenwald querendo prejudicar o juiz.

Paro por aqui, preocupado com o espaço. A manutenção do interesse pela leitura de artigos é inversamente proporcional à quantidade de parágrafos que ainda precisam ser lidos.

(19/11/2019)

Nenhum comentário:

Postar um comentário