quinta-feira, 31 de outubro de 2019

A sugestão Tóffoli não diminuirá a protelação. Pelo contrário.


                                                                                                                                                                                       " Foto: Nelson Jr./SCO/STF" 

Se o leitor discorda, leia e sairá convencido.

A “alternativa Toffoli” — de suspensão do prazo de prescrição após condenação de 2ª instância —, em nada desestimulará o réu do colarinho branco na intenção de protelar, ao máximo, o trânsito em julgado da sua condenação. O efeito será contrário. É que, sabendo-se culpado — na vasta maioria dos casos é isso mesmo porque ele foi condenado após exame das provas — o réu, solto, exigirá de seu advogado que, após a condenação na 2ª.instância, use todos os recursos e manobras jurídicas concebíveis, porque quanto mais distante seu julgamento, no STF, melhor. A probabilidade de ver reconhecida sua inocência somente na quarta instância é inferior a 1%, mosca branca. A sugestão de Toffoli, se convertida em lei, não apressará o trânsito em julgado. O que ele quer é permanecer livre pelo máximo tempo possível antes de morrer.

Para o réu que sabe ser culpado, com prova nos autos — embora nunca admita em público —, a única faceta “desagradável” do infindável processamento criminal está no elevado custo da extensa defesa realizada por criminalistas largamente experientes e bem relacionados. Mas para quem tanto lucrou com seu delito essa despesa com advogados — pesada demais para o cidadão comum —, é perfeitamente suportável para esse tipo de criminoso. Faz parte do componente risco/lucro de toda atividade ilegal mas altamente compensadora.

Essa minoria privilegiada, admitamos, é corajosa, porque — pelo menos em tese —, havia até poucos anos atrás um risco, embora remoto, de que poderia ser investigada e punida, apesar de ser “rico, com residência própria”, etc. e “bem orientada” por profissionais do complexo mundo das finanças: doleiros, bancários, banqueiros, contadores e assessores jurídicos dublês de técnicos de informática. Após condenados, esse pessoal infrator hoje se auto justifica: —“Como poderíamos prever que surgiria essa maldita e atrevida Lava Jato usando a ‘abusiva’ delação premiada para nos descobrir? Isso era impensável nos bons tempos da impunidade! Paciência, doravante seremos mais cautelosos. Agora, o jeito é aguentar o tranco e ficar o máximo tempo possível fora da cadeia, esperando, sem pressa, a vantajosa velhice. Ficar velho é ruim, mas não na nossa particular situação”.

 Com a longa espera do julgamento do seu Recurso Extraordinário”,  quatro instâncias,  uma aberração só brasileira —, com ou sem interrupção da prescrição após a condenação em segundo grau, proposta por Tóffoli —, o réu sabe que poderá morrer de morte natural antes do julgamento do Recurso Extraordinário. Existe, ainda, após a condenação do réu no Supremo —, a possibilidade de o réu apresentar um ou mais Embargos de Declaração, sempre discordando da redação do acórdão “final”, condenador. Isso porque o Regimento Interno do STF não estabelece limites quanto ao número de tais Embargos nas ações penais.

A única reprimenda, no Regimento Interno do STF, contra sucessivos Embargos, refere-se à matéria não penal, dizendo, no art.339 § 2°, que “Quando os embargos de declaração forem manifestamente protelatórios, assim declarados expressamente, será o embargante condenado a pagar, ao embargado, multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa”.

Como nas ações penais não há “valor da causa” não há como impedir, legalmente, que o réu — se atrevido, imaginoso e cara de pau — interponha inúmeros e sucessivos embargos de declaração, sempre discordando de algum detalhe do último acórdão publicado, mesmo que sejam embargos dos embargos dos embargos, etc. Se o STF pedir socorro à OAB, pedindo uma punição do advogado, a entidade provavelmente dirá — se o réu for importantíssimo, com amigos na própria OAB e no STF — que o problema não é dela e que talvez a melhor solução seja “anular tudo”. 

Pode ainda — pensa o réu, solto e esperançoso —, que surja do nada, futuramente, alguma lei com efeito retroativo que o beneficie. Ou até mesmo uma interpretação judicial com efeito retroativo, de infinitas possibilidades, como foi o caso da anulação recente de um processo pelo fato de um delatado não ter falado por último, nas razões finais, contra um co-réu que o delatou. Quando um magistrado decide por último ele pode fazer praticamente o que lhe dá na veneta, certo ou errado, moral ou imoral, porque “em direito tudo se discute”. Infelizmente, direito e sofisma conseguem conviver harmoniosamente. É lamentável que direito e moral possam ter vidas separadas.   

Na pior das hipóteses, com a longa demora para o julgamento do STF o réu, já idoso e finalmente condenado irrecorrivelmente, estará com as doenças inerentes à idade, com direito a benefícios legais que só existem para os velhos. Se estiver com câncer de próstata, por exemplo, poderá cumprir a pena em casa, o que não será um grande sacrifício. Frise-se que, segundo as últimas pesquisas médicas, todo homem com mais de 80 anos tem uma altíssima probabilidade de ter câncer de próstata. Mais de 90%, porque a evolução desse tipo de tumor é muito lenta. Dizem os especialistas mais atualizados que todo homem com cem anos tem 100% de chance de ter câncer de próstata: — “O paciente acaba morrendo por outra doença, não por causa do câncer”, dizem alguns urologistas, dispensando o desagradável exame de toque.

Talvez, uma outra vaga esperança do réu acabar impune, depois da longa espera em liberdade, é que um bendito racker consiga inventar um hiper-vírus capaz de deletar os processos digitais, destruindo a prova que embasou a condenação de segunda instância. Essa esperança não é totalmente impossível com o avanço da tecnologia. 

Encerrando e repetindo, este artigo visou apenas alertar o óbvio: a proposta de Dias Tóffoli, para diminuir os casos de prescrição, após a 2ª.instância realmente dificultará a prescrição, mas por outro lado estimulará a técnica da protelação para a grande maioria dos réus, já condenados com base na prova dos autos, na 2ª. instância. 

Os brilhantes e sensatos votos dos ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin, no problema da prisão após a condenação da 2ª. instância, engrandeceram o STF pelo lado técnico e moral. Já os votos contrários... “Ave Maria, rogai por nós”, rezam hoje até os ateus, pensando no bem do Brasil.

(30/10/2019)

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