segunda-feira, 1 de julho de 2019

Cautela, STF: Lula, livre, poderá exigir indenização



Vivemos tempos confusos e perigosos na arena judiciária. Uma sopa, de odor político suspeito, mesclando a sonora erudição jurídica com insultos evidentes contra o bom senso. O mais grave é constatar a imprevisão, a “leveza” despreocupada sobre o que poderá acontecer no Brasil, ainda este ano, caso o STF “anule tudo” o que foi apurado e decidido sobre Lula, nos variados processos da Lava Jato. Todos os condenados na mesma força-tarefa pedirão tratamento igual, de anulação de seus processos, mesmo tendo confessado o delito tintim por tintim, olho no olho, nos acordos de delação premiada.

Dirão, os condenados, com a cara mais lavada, que confessaram, sem tortura física, mas fizeram isso constrangidos, sem alegria íntima. Sustentarão que a confissão nunca pode ser “forçada”, ou induzida. Deve, sempre, para valer, ser semelhante à confissão religiosa, vinda do fundo santo da alma do infrator, num impulso de pureza: — “Se estivéssemos soltos, não teríamos confessado”, dirão todos. E pedirão de volta tudo o que perderam nas condenações — bens, dinheiro (muito) e cargos. E ainda, possivelmente, exigirão indenização milionária, por “dano moral” porque sofreram “abuso” de dois dos poderes do Estado, o Judiciário (Moro) e o Executivo (a Polícia Federal).

Refiro-me, claro, às condenações de Lula, após notícias baseadas nas gravações ilegais das conversas de Moro com Dallagnoll pelo celular. A chamada teoria da nulidade do “fruto da árvore envenenada — a prova nula de origem ilícita, no caso as gravações da “The intercept” — é uma teoria com dupla face: se é a nosso favor essa prova vale; se é contra nossos interesses, não vale. E para complicar a confusão existe algo que até agora cria incertezas: o direito de “preservar a fonte”, isto é, atacar a reputação de alguém — Moro —, com base na informação de pessoa “que não sou obrigado a revelar”. Pergunta-se: e se for mentira, não existindo fonte alguma?

À guisa de exemplo da atual “sopa” judicial, vejamos o que aconteceu com o cidadão que tentou matar Jair Bolsonaro. Como ele não foi julgado, porque seria “meio louco” ou “limítrofe” — isto é, incapaz de perceber perfeitamente a ilicitude de suas facadas mortais —, a sentença determinou sua internação, para tratamento, por “até” 20 anos. Assim, se os psiquiatras da casa de tratamento, daqui a um ano afirmarem que ele já está “curado”, nada impedirá que, liberado, eventualmente cometa nova tentativa de homicídio. Se detido, argumentará que não pode ser preso porque sofreu apenas uma “recaída” na sua “doença”, ou “insuficiência mental”, assim classificado seu ato pelos peritos que o examinaram. E ainda, quem sabe, poderá pensar em mover, contra o Estado, uma ação judicial por dano moral, pedindo indenização pela incompetência técnica do estado no tratamento de sua condição mental após a tentativa de matar Bolsonaro. Dirá: — “Não me curei. Em vez de me curar, no hospício, como seria obrigação deles, os psiquiatras só fingiam me tratar, batendo papo de autoajuda e me oferecendo pílulas que eu fingia engolir. Tenho o direito de ser indenizado!”.

Os críticos de Moro acusam-no de parcialidade, de “suspeição”, quando atuava na vasta operação contra o crime do colarinho branco, porque, em conversas particulares, no celular, com Dallagnoll, Moro teria lamentado, sucintamente, que uma promotora, na audiência, não estava se saindo a contento em uma audiência, talvez por timidez.

Isso ainda não ficou confirmado pelas análises de fidelidade das gravações já publicadas, mas, se confirmadas como existentes, elas demostram apenas uma elogiável coerência de Moro, preocupado com a valorização ou desvalorização de determinada prova muito importante juntada aos autos. Em qualquer audiência, a ousadia e a presença de espírito do acusador devem ser pelo menos iguais às iguais qualidades do defensor. Do contrário a prova da acusação fica deficitária, um tanto viciada, com repercussão na decisão final. Há promotores que são ideais, muito preparados para trabalhos calmos, altamente intelectualizados, porém inadequados para atuar em audiências tensas, quase violentas, que exigem uma quase brutalidade, quando a parte contrária tenta intimidar a testemunha, o promotor — se tímido —, ou até o próprio juiz. Lembremos o estilo desrespeitoso do réu Lula quando em vez de se defender, atacava o juiz que o interrogava.

A veracidade de tal suposta sugestão, en passant, ou eventuais outras frases preocupadas de Moro ainda dependem de análise técnica das gravações, mas, a meu ver, mesmo que houvesse observações de Moro em conversas reservadas, informais, ele teria merecido, no máximo, quando ainda juiz, uma advertência funcional da Magistratura, por excesso de zelo na mais alta e nobre missão de qualquer juiz: a busca da verdade real na luta — perigosa e ingrata para qualquer juiz — contra a criminalidade mais lesiva, mais escorregadia e bilionária: a do colarinho branco. Um tipo de crime que costumava ficar impune — antes de Moro arriscar a própria pele —, porque o dinheiro tem poder, influindo até no futuro dos magistrados que querem integrar os tribunais superiores, ambição legítima. Além disso, existia uma longa tradição de tolerância social quanto ao “caixa dois” porque o governo brasileiro sempre se mostrou ganancioso demais estimulando, indiretamente, as pessoas a se defenderem com seus próprios meios.

Que meios? Depositando suas reservas no Exterior, após o confisco da poupança no Plano Collor. Note-se, em favor da severidade de Moro, que mesmo hoje, com a locomotiva da Lava Jato soltando fumaça, a todo vapor, diariamente aparecem na mídia novas formas de desonestidade, comprovando que velhos hábitos são difíceis de serem desarraigados.

Como Moro não é nem teria condições de ser Ministro da Fazenda, procurou fazer o que estava a seu alcance, como magistrado: dar um “stop!” nos desvios da Petrobrás. Mas para que seu empenho desse resultado, procurou colocar nos autos — sua área de trabalho — prova idônea, convincente, capaz de permitir a manutenção de suas sentenças pelas instâncias superiores, como realmente ocorreu. Essa prova, vinda de três fontes, da acusação, da defesa e do próprio juiz — como permite a legislação —, sujeita ao contraditório, em sentenças quilométricas, foi analisada, julgada e mantida por vários desembargadores e ministros julgadores.
Como já frisei em artigos anteriores no meu blog francepiro.blogspot.com  — “Sérgio Moro priorizou a verdade e não violou a lei”, e “Sérgio Moro saiu-se bem no Senado” —, não é verdadeira essa ficção, absurda e amoral, de que juízes devem sentir-se sempre, invariavelmente neutros, desligados, frios, moralmente insensíveis sobre os fatos trazidos a julgamento. Essa invariável frieza ou “neutralidade”, por sinal, seria até uma aberração humana, em casos mais extremamente revoltantes.

Nestes — não é o caso dos julgamentos objeto da Lava Jato —, após vários juízes se recusarem a julgar o caso, confessando sua suspeição ou “nojo” do acusado, o Judiciário teria que procurar um magistrado do tipo “monstro moral”, porque só ele teria capacidade de permanecer insensível, imparcial, em todo o decorrer do processo, evitando acusações de “suspeição”. Provavelmente, esse juiz totalmente isento de emoções, seria mais um robô de carne, incapaz de bem interpretar e aplicar a lei, temperada pela equidade, esse tempero sempre presente nos julgamentos da área penal.

O STF cometerá uma espécie de suicídio político se, agora, com suspeita pressa, decidir anular a prisão de Lula, deixando para um remotíssimo futuro o trânsito em julgado de sua condenação. Solto, “Lula, o carismático” tentará fazer um governo paralelo, incendiando semanalmente o país, afastando investidores, internos e principalmente externos, que preferem investir suas riquezas em lugares menos arriscados, explosivos e imprevisíveis. Justamente agora, quando o Brasil conseguiu, aliado com a Argentina, fazer um acordo tarifário com a União Europeia.

Espera-se que o STF tenha a prudência de evitar conflitos de rua, apedrejamento de edifícios públicos, tiros e possíveis insultos pesados a magistrados de convicções opostas, todos merecedores de respeito. O próprio Lula sairia lucrando, no longo prazo, se esperasse a sua vez para tentar voltar ao poder, no momento mais certo para o país. Essa estória de “Fiat Justitia et pereat mundus”, faça-se justiça ainda que o mundo pereça”, é frase de doido.

(01/07/2019)

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