Embargos de declaração no Regimento Interno do STF e o
“mensalão”
Não gosto, como muitos — talvez o
leitor —, de afligir os já suficientemente aflitos. Os que estão “por baixo”. No
caso, os réus condenados no mensalão. Comparativamente, se eu fosse lutador de
MMA, ou de boxe, repugnar-me-ia (às vezes escrever bonito soa feio) golpear seguidamente o adversário que está em
situação claramente inferiorizada, só
apanhando; rezando para que o gongo salve-o do suplício. Principalmente vendo-o
ensanguentado, ou tonto, não se rendendo apenas por bravura moral. Pararia de golpear
qualquer ser humano momentaneamente indefeso, mesmo sabendo que se estivéssemos
em posições trocadas ele certamente não me pouparia porque, afinal, ninguém
entra empurrado no “octógono”, ou ringue. Luta quem quer. O mesmo ocorre com a
política, essa arena sem uso da pólvora — com traiçoeiras exceções.
Como se vê, não teria — como muitos
meus iguais — sucesso como pugilista. Talvez um freudiano mais desconfiado, ou
malévolo, afirme que na compaixão esconde-se um disfarçado componente de fraqueza
nervosa. Esses “ponta-firmes” diriam: — “Os realmente fortes são coerentes, impiedosos.
Fazem o que é preciso fazer, pouco importando o que diz a lei”. Presumem-se suficientemente autorizados,
moralmente, a sufocar um sentimentalismo que consideram como timidez e falta de
visão.
Lenine, um arguto intelectual
obcecado pelo ideal de esquerda, mandou matar o último Czar da Rússia, Nicolau
II, sua esposa, um filho, quatro filhas, o médico da família, um servo pessoal,
a camareira da imperatriz e até o cozinheiro. Temia que, se vivo o Czar, os
inimigos da Revolução Bolchevique poderiam retomar o poder. Isso, para Lenine,
seria a desgraça dos trabalhadores explorados. Hitler, Stalin, Pinochet, Fidel
Castro e muitos outros “durões” por acaso tremiam interiormente quando
decretavam as “providências necessárias” mesmo matando milhares ou milhões?
Claro que não!”
Não obstante, embora sentindo-me
mais à vontade na companhia de “molengas sentimentais”, nosso lado racional
exige que as boas leis, inclusive penais, sejam cumpridas, com punição dos
infratores, mesmo cabisbaixos quando em julgamento. Com isso haverá forte
diminuição de novos abusos. “Quem poupa os lobos incentiva a morte dos
carneiros”. E o que não falta, no Brasil é “carneiro” necessitado, carente de
recursos governamentais que no famoso caso foram desviados.
Muitas pessoas, de natural bondosas
e honestas, lutam entre dois sentimentos contraditórios. Pensam assim: “Eles” —
os réus condenados a pena de prisão em regime fechado — “devem ir para a
cadeia, porque cometeram crimes, ficou provado, e a lei serve para todos. Por
outro lado, alguns pouquíssimos condenados talvez não tenham tirado proveito
financeiro pessoal algum com as falcatruas milionárias. Parece ser o caso do
Genoíno. Agiram certamente por ‘idealismo realista’, a favor da população mais
pobre. Pensavam que sem comprar alguns “picaretas” do Congresso seria
impossível modificar a injusta distribuição de renda. Os fins nobres justificam
os meios”.
— “Mas comprar com que dinheiro?” —
continuam matutando. — “Com o
disponível, o do governo. Apenas imaginavam seguir os tradicionais costumes
políticos do país, que consideravam normal, corriqueira, inevitável, uma forte
corrupção na prática política. Não escreveu Charles Darwin, em seu diário,
quando esteve algum tempo no Brasil, que ‘Aqui todos roubam’? Os réus apenas
tiveram o azar de a Polícia Federal — fortalecida pelo PT —, efetivamente
investigar os poderosos, coisa impensável algumas poucas décadas atrás.
Políticos que, no passado, foram guerrilheiros idealistas — e até mesmo
assaltavam bancos visando obter recursos para derrubar a ditadura militar —
certamente acharam justo, embora ousado, conseguir o necessário dinheiro grande
— mesmo ingressando no ilícito, para poder vencer uma eleição decisiva para a
melhoria das classes menos favorecidas. Uma ‘corajosa’ aplicação do ‘idealismo
realista’ — essa fusão jeitosa de coisas opostas —, porque vive no mundo da lua
quem pensa que pode-se ganhar eleição presidencial apenas contando com o
idealismo de seus candidatos. Se o próprio terrorismo pode, conforme a circunstância,
ser justificado pelo fim visado, por que não seria “perdoável” a tática de
comprar os votos necessários para conseguir leis que melhorem a distribuição de
renda?”
Assim pensam alguns cidadãos que
simpatizam com determinados políticos, condenados, que talvez não enriqueceram
mesmo, individualmente, com os desvios de verbas públicas.
Os brasileiros de coração mais
“duro”, porém, revoltados com a tradição de impunidade dos “criminosos do
colarinho branco” — branco porque nunca suam a camisa “em trabalho de verdade”
— insistem no castigo real, e também simbólico, de ver a foto de políticos importantes
mas infratores entrando em um presídio para ali permanecerem durante algum
tempo.
A pergunta jurídica que muitos
tentam adivinhar a resposta é: será que os réus condenados a algum tempo em
regime fechado chegarão a cumprir pena?
A resposta é: tudo vai depender da
maior ou menor audácia e “timing” dos atuais Ministros do STF na interpretação
— e necessária modificação — dos artigos 337 a 339 do Regimento Interno do STF.
Se as normas previstas nos Embargos
de Declaração, disciplinados — na verdade “indisciplinados” — na atual redação
do Regimento Interno, não forem alterados antes do julgamento dos Embargos de
Declaração que serão obviamente interpostos pelos réus — provavelmente por
todos eles — ninguém será recolhido à prisão. A Justiça será “travada” no seu ápice.
Isso porque o R.I. não proíbe que os
réus, recorrentes, apresentem tantos Embargos Declaratórios quanto quiserem. O
Regimento não prevê limites para tais Embargos, que foram concebidos apenas
“quando houver, no acórdão, obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que
devam ser sanadas”.
Mesmo que não haja qualquer das
falhas acima, o réu que quiser impedir o trânsito em julgado do acórdão — evitando
a prisão tão aguardada pela população — pode interpor sucessivos Embargos de
Declaração, apenas insistindo que algo não está claro ou é contraditório, por
isso ou aquilo. Cada Embargo terá que ser decidido pelo plenário e depois
publicado. Divergências podem surgir, e surgirão, entre os julgadores desses Embargos.
E, face à omissão do Regimento Interno, não há sanção prevista contra Embargos
Declaratórios protelatórios, em matéria penal. A sanção que consta no RISTF é
para as causas não penais, uma multa de 1% do “valor da causa’. Em causas
penais, repita-se, não há “valor da causa”. Mesmo que houvesse, seria um
punição risível, que não impediria novos Embargos.
Tempos atrás o STF viu-se obrigado,
para evitar uma desmoralização, a simplesmente determinar à sua Secretaria que
não mais recebesse novos Embargos de Declaração de um recorrente que queria
impedir, a qualquer custo — e sem acanhamento —, o trânsito em julgado da
última decisão. Não sei se a causa era cível ou penal, e obviamente essa moralizadora
“recusa” do STF não ficou constando dos registros oficiais. Depois de
apresentar vários Embargos de Declaração, sempre reclamando da decisão
anterior, foi preciso ao Tribunal recorrer a uma ilegalidade claramente bem
intencionada: simplesmente não recebendo a petição. Do contrário, a decisão
final do STF nunca transitaria em julgado, nunca seria executada.
Felizmente nosso Tribunal Máximo tem
como Presidente um jurista combativo, sem medo de inovar, quando necessário,
para que a justiça seja feita. A timidez, felizmente, não o caracteriza.
Saberá, com toda certeza, acompanhado por seus colegas, criar uma nova
jurisprudência, ou alterar, a tempo, o Regimento Interno, de modo a impedir a
apresentação de “n” Embargos de Declaração sucessivos e protelatórios. Tanto
contra o acórdão principal quanto contra os acórdãos que decidirão os prováveis
Embargos de Divergência e Infringentes, visando impedir “ad aeternum”, o trânsito
em julgado. Normas procedimentais podem ser alteradas a qualquer tempo, desde
que “daqui pra frente”.
Como não sou penalista não sei, nem
procurei saber, se o retardamento buscado pelos futuros e infindáveis Embargos
de Declaração poderia resultar em prescrição, com todos os réus absolvidos.
O povo brasileiro não toleraria essa
afronta. Mesmo os réus dizendo, por escrito, que estão recuperados e que já
foram suficientemente punidos com penas morais severas, desmoralizadoras. Se o
susto foi, de fato, educativo para os réus julgados, certamente não inibirá
aquele universo de homens públicos que se sentem tentados a enriquecer a todo
vapor, confiantes na “providencial” inocência de nossa legislação e outros
regramentos.
Aos réus condenados que se sentem
injustiçados, porque não enriqueceram pessoalmente e estavam politicamente “bem
intencionados” — sob o ponto de vista deles —, cabe ponderar que se é tolerável
infringir as leis quando não há vias legais abertas para um povo se defender de
ocupações e de ditadores, os fatos relacionados com o mensalão ocorreram quando
o país vivia na legalidade. E se a compra de apoio era prática usual e antiga,
embora criminosa — porque distorce a representação popular — isso teria que
acabar um dia. Foi o que fez a maioria do STF, que só merece elogios por isso.
Cabe, agora, ao Tribunal, os
retoques normativos necessários à efetividade de suas decisões.
(24-12-2012)
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