Cassação
do mandato. Mensalão.
Escrevo
este comentário na manhã do dia 13-12-12, antes de conhecer o voto do
respeitado Ministro Celso de Mello, do STF, sobre uma questão que a mídia
encara como espinhosa: os três deputados condenados no processo do mensalão
perderão seus mandatos, automaticamente, no momento em que transitar em julgado
a sentença condenatória que decidiu pela perda dos direitos políticos? Ou para
essa cassação será necessária a posterior aprovação do Legislativo?
A
dúvida está motivada pelo fato de que em maio de 1995 o STF deu provimento ao
recurso apresentado por um vereador, eleito em Araçatuba-SP, que fora condenado
por crime eleitoral contra a honra e cuja pena estava em suspensão condicional.
Nesse julgamento o Min. Celso de Mello teria votado em favor da tese agora
sustentada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, que invoca o
precedente. Pergunta-se: haveria “incoerência” caso o referido Ministro
decidisse que, no caso do mensalão, a perda do mandato não dependeria de
decisão do Legislativo?
Mesmo
as disposições constitucionais — e principalmente elas... — precisam ser
interpretadas — e aplicadas — com o
velho e indispensável bom senso. Há dois tipos de interpretação: de um artigo
legal, em abstrato, e do fato concreto em julgamento, mas sem partidarismo. Sem
a conjugação desses dois enfoques a justiça pode falhar, por excesso ou
omissão. Bonita nas nuvens, em abstrato, mas errônea na vida real.
No
caso do vereador de Araçatuba, seu delito foi “menor”, mais compreensível:
“crime eleitoral contra a hora”. Em época de eleições é comum que os ânimos se
exaltem. Os ataques e contra-ataques verbais dos candidatos exageram nas suas
acusações, beirando ou mesmo ingressando na área da tipicidade penal da calúnia. Calúnias que, alguns anos depois são até
perdoadas por inimigos políticos que se tornam amigos. Cronistas da política
colecionam frases pesadíssimas proferidas por políticos que, alguns anos depois
são fotografados rindo e abraçando-se, sinceramente felizes e com de recíproca
admiração. “A política é assim mesmo. Não guardo nenhum rancor”, justificam-se,
até mesmo sem mentir.
Acrescente-se
que, no caso da Câmara dos Vereadores de Araçatuba, discutem-se ali assuntos
locais, restritos, bem conhecidos dos que residem no município. Mais
conhecidos, certamente — em seus meandros —, pelos munícipes do que pelos
julgadores da distante Brasília, que apenas leram papéis. A não-cassação
automática do cargo, por efeito de uma sentença terá repercussão extremamente
limitada. No caso do mensalão, porém, é o país inteiro que será influenciado
pela decisão judicial.
Penso
que, salvo engano de avaliação, não haverá “incongruência” do STF caso o Min.
Celso de Mello decida que, no caso do mensalão, considerando a repercussão
geral decorrente da gravidade dos delitos, haverá a perda do mandato. Isso
porque as situações são bem diferentes e a justiça não pode ser inimiga do bom
senso e da proporcionalidade.
Um
admirador do PT argumentará que, a seu ver, também no mensalão estaria presente
um viés político e por isso caberia ao próprio Legislativo decretar a perda do
mandato. Ocorre que até por razões práticas o bom senso recomenda que, no
conflito de entendimento prepondere a decisão judicial em que houve o direito
de defesa e quando o judiciário está funcionando normalmente, como é o caso
brasileiro após o regime de exceção. Se o réu for condenado à prisão em regime
fechado, por exemplo, como conciliar a prisão com suas obrigações de
parlamentar? Ele faria seus discursos dentro da cela ou teria que ser
conduzido, diariamente, sob escolta, ao parlamento, todos os dias de sessão? Se
condenado ao regime semiaberto ele teria que se retirar dos debates e votação
alegando que precisa chegar a tempo no local em que passará a noite? Sua
atividade parlamentar não estaria sendo, com isso, “fatiada”? Ele não se
tornaria um “meio-deputado”?
Imagine-se
também, como reforço de convencimento, a hipótese — exagerada mais convincente
—, de um parlamentar que, escondendo do público e de seus colegas sua condição
de marginal, venha a ser condenado como chefe do tráfico de entorpecentes, com
vários homicídios comprovados. Em um caso como esse, seria necessário o
parlamento decretar a perda do mandato? Se o parlamento negasse, até mesmo por
temor do réu, a decisão da justiça isso
não significaria, em termos práticos, a quebra do monopólio da justiça em
termos de amento de crimes?
Nada
tenho contra os três parlamentares condenados na Ação Penal 470, mas se os
condenados, apesar da condenação, continuarem suas vidas como se nada houvesse
ocorrido, o prestígio da justiça estará ainda mais abalado do que já estava
antes do longo e minucioso julgamento.
Ouçamos,
hoje à tarde, o voto, sempre bem pensado do Min. Celso de Mello.
(13-12-12,
às 12:00 horas)
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