Sem ousadas simplificações, como
entender o mundo?
Com o compreensível esforço
dos redatores na sofisticação do próprio estilo — exigência do “mercado”... —, acrescido da real
complexidade dos assuntos e considerando, infelizmente, a deformação proposital
da opinião pública em alguns temas que afetam poderosos interesses, não há como
afastar a necessidade de simplificar e conectar — com proposital “candura esclarecedora”
— os argumentos mais importantes sobre temas essenciais que moldarão nosso
futuro, próximo e remoto. Os grandes jornais precisam pensar nisso, se
realmente pretendem esclarecer a opinião pública.
Se a democracia é o
sistema menos imperfeito de governo, se apenas o povo é, em última análise, a
fonte originária do poder, para que serve — pergunta-se — conferir-lhe o
direito de votar se o “povão” só entende 10%, digamos, dos temas mais
importantes mencionados nos os jornais e revistas mais sérios?
Mesmo desconsiderando-se
o chamado “analfabetismo funcional” , não é possível ignorar que os sofisticados
artigos de fundo, os editoriais e as exaustivas reportagens só chegam em
reduzida fração de compreensão ao cérebro da vasta maioria da população. O
resultado disso é o esperável: frequentes más escolhas, por mera ignorância, no
momento de votar. Não me lembro qual foi o grande político e filósofo inglês do
século dezenove que, transportado em sua carruagem ao local de votação,
perguntou ao cocheiro em qual dos dois candidatos, ou partidos, ele iria
voltar. Só havia dois. Ouvindo a resposta, o grande pensador — homem prático... — ordenou: “Vamos voltar,
porque seu voto anula o meu”.
Alguém dirá que, “Tudo
bem!, relativamente poucos leem jornais e revistas sérias, mas a “massa”
assiste televisão, sendo por ela suficientemente informada”. Assiste, mas a
televisão fornece informação parca e tendenciosa. E canais seriamente
empenhados em bem informar em geral não parecem atraentes para a maioria dos
telespectadores. As pessoas ligam o aparelho para descansar e se distrair, não
para se instruírem ou se informarem de forma menos superficial.
O político astuto que
pretende ser eleito, ou reeleito, oferece aos eleitores — pela televisão —
aquilo que está ao alcance da compreensão deles, em termos genéricos: dinheiro
no bolso, emprego, saúde, escolas, direitos (com omissão dos deveres), acréscimo
na “vida mansa”, mais liberdade para tudo, mais feriados prolongados, e tudo o
que é agradável de ouvir. Não será “besta” de dizer que é preciso sacrificar
alguma vantagem atual — principalmente remuneratória (“Deus me livre!”) — para
garantir um futuro melhor daqui a alguns anos ou para desfrute das gerações
futuras. E não “perde tempo” explicando como conseguirá os milagres prometidos,
caso eleito, porque, alega, o tempo é curto na televisão, como realmente é.
Mesmo aqueles que ainda
são assinantes de jornais não passam horas diárias lendo jornais e revistas,
pensando no que leem, salvo exceções. É preciso trabalhar, ganhar a vida e
cuidar de variados interesses. E quando — raridade! — querem conhecer menos
superficialmente os mais complexos problemas que nos rodeiam, esbarram com um
muro difícil de transpor, inclusive por falta de tempo: a difícil compreensão
dos textos, elaborados por pessoas que conhecem o assunto mas que precisam
zelar pela própria reputação de intelectual, ou profundo conhecedor do tema.
Autores de artigos
sérios costumam — há corajosas exceções — escrever preocupados com não
parecerem suficientemente eruditos e originais. Acham que é preciso embelezar,
com floreios de estilo — mesmo sóbrios, “ao ponto”— as suas exposições. Não
querem parecer portadores de um estilo algo infantil, simplório. Temem a má
impressão que causarão a seus colegas de profissão caso escrevam com uma
clareza redutora que todos compreendam.
Esse temor não é
infundado. E nem mesmo censurável quando o texto é para ser lido apenas por
seus iguais, como ocorre com teses acadêmicas, jurídicas, econômicas e
científicas de alto nível. O autor de tais trabalhos sabe, de antemão, que seu
trabalho será lido por uns poucos, a elite intelectual que precisa agradar. E
para agradar, no caso, é necessário unir profundo conhecimento a um estilo não
fácil de entender. Enfim, o “povão” não é o seu alvo. Mas se convém que o tema
seja compreendido pela “massa” — não ignara, apenas sem escolaridade suficiente
— é preciso que o esclarecimento seja
feito da mesma maneira que um professor catedrático, em seu lar, expõe sua
opinião para o filho adolescente ou para a esposa que nada entende do assunto.
Como melhorar o país
sem, ao mesmo tempo, informá-lo melhor — pela maneira de explicar — o que
acontece no planeta, no seu país, no seu estado e até mesmo, por vezes, nas
grandes capitais? Dizer que cabe apenas às escolas essa missão é fugir da
realidade. O adulto que trabalha, ou mesmo o aposentado — ele vota... — precisa
ser diuturnamente esclarecido para saber, em poucas mas sábias palavras claras,
e com exemplos, o que significa uma série de siglas e temas que são mencionados
até mesmo na televisão mas que, para o espectador, nada representam porque para
eles o tema é “grego”. Principalmente os acontecimentos que ocorrem no dia a
dia.
Não está, aqui,
propondo-se a criação de uma página de jornal contendo apenas um glossário de termos. Sugere-se que um grande
especialista do assunto não só explique “o que é” tal coisa mas também que dê
sua opinião sincera~— e por vezes corajosa — sobre o valor ou desvalor de
determinada política, lei, projeto de lei, entidade governamental, tribunal,
órgão, tema, conceito, ou o que lhe pareça necessário esclarecer sobre fatos da
atualidade. Obviamente, as explicações da “página- resumo” não podem ficar a
cargo de jornalistas não especializados — a não ser, excepcionalmente, quando
um repórter foi, com sua investigação, muito além de qualquer teórico —, porque um redator não especialista
dificilmente estará em condições produzir sínteses inteligentes, não
deformadoras e de fácil compreensão.
Einstein, em certa
passagem, disse que a simplificação é útil, mas não pode ser enganadora. Esse
cuidado obrigaria os grandes jornais a contratar conhecedores do mundo do
Direito, da Economia, da Segurança Pública, da Saúde, dos Bancos, da Medicina,
da Engenharia e de tudo o mais que aparece no noticiário e exige uma certa
“ajuda” para entender.
Um ditado antigo dizia
que “Os príncipes — melhor seria dizer, os reis — sabiam tudo sem nunca terem
estudado nada”. Um governante com muito
bom senso, corajoso, honesto — mental e financeiramente — e preocupado com seus
súditos pode realizar um bom governo.
Basta convocar para ministros e colaboradores pessoas confiáveis e
recomendadas pelas melhores cabeças do país. Quando o assunto for
intrinsecamente polêmico — não polêmico apenas porque fere interesses ilícitos
— o governante pode convocar outro ‘expert” que discorde do anterior, para que
os dois discutam na frente dele. Se ainda na dúvida, convocará um terceiro. Se
for bem intencionado o governante poderá chegar a uma boa conclusão. Se o tempo
mostrar que escolheu mau o caminho, procurará outro. Em suma, com auxílio dos
realmente conhecedores do tema difícil — tornado o mais fácil possível —,
poderá chegar à solução que melhor convém aos governados, sem a necessidade de
tentar, inutilmente, ler vários volumes de um tema específico e difícil. Atualmente,
todo presidente, governador e muitos prefeitos recebem, diariamente, um resumo
dos assuntos que interessam ao governo. Se o assunto é longo, o resumo dirá em
qual jornal o governante poderá se inteirar melhor dos detalhes.
Nos EUA é verdade sabida
que a maioria dos discursos presidenciais não são redigidos pelos presidentes.
Sabe-se até o nome dos jornalistas que escrevem os pronunciamentos mais
notórios. Salvo engano, esses “speechwriters” têm até sindicatos, ou
associações. O presidente diz ao seu “escritor fantasma”, com palavras bem diretas,
o que ele pensa — ou duvida — sobre tal ou qual assunto que intriga a nação e o
jornalista escreve do jeito que lhe parecer melhor, apenas preocupado em não
contrariar as ideias do chefe, que depois apenas aprova ou pede alguma
alteração.
Enfim, se hoje até
presidentes da república e governadores — que no geral tiveram boa escolaridade
— precisam de conhecedores e redatores que “mastiguem” certos temas difíceis,
por que o “povão”, que escolhe o presidente ou governador, deve permanecer na
ignorância de temas candentes que afetarão suas vidas e as vidas de seus
descendentes?
Dos intelectuais, ou
técnicos de alto nível, que aceitarem a algo “ingrata” missão de simplificar —
sem deformar — problemas vitais do nosso tempo, será exigível muita bravura
moral — e boa remuneração —, porque grandes controvérsias muitas vezes nada
mais são que velhas feridas que poucos se atreveram a desinfetar. Não seria muito
útil criar uma “página-síntese” se não for concedido, a quem nela escreve, o
direito de opinar francamente, embora em termos educados, contra tal ou qual
posição que lhe pareça — e demonstre — mera defesa de interesses
inconfessáveis. E fazer uma síntese exata e sincera sobre certas questões é
gerar ressentimentos ou mesmo inimigos mortais. Apenas brincando, sugere-se,
aqui, que a remuneração do “sintetizador suicida” venha com o bônus de um
colete a prova de balas.
Há ainda um lado bom,
comercial, para os jornais nessa iniciativa da “página da verdade direta”:
acredito que 80% dos assinantes, pegando o jornal, irão logo para a “página
síntese”, e só depois — se houver tempo para tanto... — é que irão para as
páginas que mais gostam de ler. Mesmo os conhecedores dos assuntos mais
complicados e menos compreendidos certamente terão a curiosidade de ler tais
“sínteses”, só para verificar se a sintetização está correta, na exposição e na
conclusão. E teríamos belas polêmicas.
Em suma, se reis,
antigamente, e presidentes, presentemente, necessitam de “mastigadores” do
alimento intelectual mais “duro”, o cidadão comum também precisa dos grandes
simplificadores capazes de facilitar a assimilação do nutriente mental. Não
esquecer que um presidente da república não passa, essencialmente, de um mero
representante, ou empregado, do seu senhor: o povo. E o empregado não deve “comer”
melhor que o patrão.
Vamos ver se algum
jornal do Brasil se interessa pela sugestão.
(15-01-2013)
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