quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Sem ousadas simplificações, como entender o mundo?


Sem ousadas simplificações, como entender o mundo?

Com o compreensível esforço dos redatores na sofisticação do próprio estilo —  exigência do “mercado”... —, acrescido da real complexidade dos assuntos e considerando, infelizmente, a deformação proposital da opinião pública em alguns temas que afetam poderosos interesses, não há como afastar a necessidade de simplificar e conectar — com proposital “candura esclarecedora” — os argumentos mais importantes sobre temas essenciais que moldarão nosso futuro, próximo e remoto. Os grandes jornais precisam pensar nisso, se realmente pretendem esclarecer a opinião pública.

Se a democracia é o sistema menos imperfeito de governo, se apenas o povo é, em última análise, a fonte originária do poder, para que serve — pergunta-se — conferir-lhe o direito de votar se o “povão” só entende 10%, digamos, dos temas mais importantes mencionados nos os jornais e revistas mais sérios?

Mesmo desconsiderando-se o chamado “analfabetismo funcional” , não é possível ignorar que os sofisticados artigos de fundo, os editoriais e as exaustivas reportagens só chegam em reduzida fração de compreensão ao cérebro da vasta maioria da população. O resultado disso é o esperável: frequentes más escolhas, por mera ignorância, no momento de votar. Não me lembro qual foi o grande político e filósofo inglês do século dezenove que, transportado em sua carruagem ao local de votação, perguntou ao cocheiro em qual dos dois candidatos, ou partidos, ele iria voltar. Só havia dois. Ouvindo a resposta, o grande pensador —  homem prático... — ordenou: “Vamos voltar, porque seu voto anula o meu”.

Alguém dirá que, “Tudo bem!, relativamente poucos leem jornais e revistas sérias, mas a “massa” assiste televisão, sendo por ela suficientemente informada”. Assiste, mas a televisão fornece informação parca e tendenciosa. E canais seriamente empenhados em bem informar em geral não parecem atraentes para a maioria dos telespectadores. As pessoas ligam o aparelho para descansar e se distrair, não para se instruírem ou se informarem de forma menos superficial.

O político astuto que pretende ser eleito, ou reeleito, oferece aos eleitores — pela televisão — aquilo que está ao alcance da compreensão deles, em termos genéricos: dinheiro no bolso, emprego, saúde, escolas, direitos (com omissão dos deveres), acréscimo na “vida mansa”, mais liberdade para tudo, mais feriados prolongados, e tudo o que é agradável de ouvir. Não será “besta” de dizer que é preciso sacrificar alguma vantagem atual — principalmente remuneratória (“Deus me livre!”) — para garantir um futuro melhor daqui a alguns anos ou para desfrute das gerações futuras. E não “perde tempo” explicando como conseguirá os milagres prometidos, caso eleito, porque, alega, o tempo é curto na televisão, como realmente é.

Mesmo aqueles que ainda são assinantes de jornais não passam horas diárias lendo jornais e revistas, pensando no que leem, salvo exceções. É preciso trabalhar, ganhar a vida e cuidar de variados interesses. E quando — raridade! — querem conhecer menos superficialmente os mais complexos problemas que nos rodeiam, esbarram com um muro difícil de transpor, inclusive por falta de tempo: a difícil compreensão dos textos, elaborados por pessoas que conhecem o assunto mas que precisam zelar pela própria reputação de intelectual, ou profundo conhecedor do tema.

Autores de artigos sérios costumam — há corajosas exceções — escrever preocupados com não parecerem suficientemente eruditos e originais. Acham que é preciso embelezar, com floreios de estilo — mesmo sóbrios, “ao ponto”— as suas exposições. Não querem parecer portadores de um estilo algo infantil, simplório. Temem a má impressão que causarão a seus colegas de profissão caso escrevam com uma clareza redutora que todos compreendam.

Esse temor não é infundado. E nem mesmo censurável quando o texto é para ser lido apenas por seus iguais, como ocorre com teses acadêmicas, jurídicas, econômicas e científicas de alto nível. O autor de tais trabalhos sabe, de antemão, que seu trabalho será lido por uns poucos, a elite intelectual que precisa agradar. E para agradar, no caso, é necessário unir profundo conhecimento a um estilo não fácil de entender. Enfim, o “povão” não é o seu alvo. Mas se convém que o tema seja compreendido pela “massa” — não ignara, apenas sem escolaridade suficiente — é preciso que o esclarecimento  seja feito da mesma maneira que um professor catedrático, em seu lar, expõe sua opinião para o filho adolescente ou para a esposa que nada entende do assunto.

Como melhorar o país sem, ao mesmo tempo, informá-lo melhor — pela maneira de explicar — o que acontece no planeta, no seu país, no seu estado e até mesmo, por vezes, nas grandes capitais? Dizer que cabe apenas às escolas essa missão é fugir da realidade. O adulto que trabalha, ou mesmo o aposentado — ele vota... — precisa ser diuturnamente esclarecido para saber, em poucas mas sábias palavras claras, e com exemplos, o que significa uma série de siglas e temas que são mencionados até mesmo na televisão mas que, para o espectador, nada representam porque para eles o tema é “grego”. Principalmente os acontecimentos que ocorrem no dia a dia.

Não está, aqui, propondo-se a criação de uma página de jornal contendo apenas  um glossário de termos. Sugere-se que um grande especialista do assunto não só explique “o que é” tal coisa mas também que dê sua opinião sincera~— e por vezes corajosa — sobre o valor ou desvalor de determinada política, lei, projeto de lei, entidade governamental, tribunal, órgão, tema, conceito, ou o que lhe pareça necessário esclarecer sobre fatos da atualidade. Obviamente, as explicações da “página- resumo” não podem ficar a cargo de jornalistas não especializados — a não ser, excepcionalmente, quando um repórter foi, com sua investigação, muito além de qualquer teórico  —, porque um redator não especialista dificilmente estará em condições produzir sínteses inteligentes, não deformadoras e de fácil compreensão.

Einstein, em certa passagem, disse que a simplificação é útil, mas não pode ser enganadora. Esse cuidado obrigaria os grandes jornais a contratar conhecedores do mundo do Direito, da Economia, da Segurança Pública, da Saúde, dos Bancos, da Medicina, da Engenharia e de tudo o mais que aparece no noticiário e exige uma certa “ajuda” para entender.

Um ditado antigo dizia que “Os príncipes — melhor seria dizer, os reis — sabiam tudo sem nunca terem estudado nada”.  Um governante com muito bom senso, corajoso, honesto — mental e financeiramente — e preocupado com seus súditos pode realizar um bom governo.  Basta convocar para ministros e colaboradores pessoas confiáveis e recomendadas pelas melhores cabeças do país. Quando o assunto for intrinsecamente polêmico — não polêmico apenas porque fere interesses ilícitos — o governante pode convocar outro ‘expert” que discorde do anterior, para que os dois discutam na frente dele. Se ainda na dúvida, convocará um terceiro. Se for bem intencionado o governante poderá chegar a uma boa conclusão. Se o tempo mostrar que escolheu mau o caminho, procurará outro. Em suma, com auxílio dos realmente conhecedores do tema difícil — tornado o mais fácil possível —, poderá chegar à solução que melhor convém aos governados, sem a necessidade de tentar, inutilmente, ler vários volumes de um tema específico e difícil. Atualmente, todo presidente, governador e muitos prefeitos recebem, diariamente, um resumo dos assuntos que interessam ao governo. Se o assunto é longo, o resumo dirá em qual jornal o governante poderá se inteirar melhor dos detalhes.

Nos EUA é verdade sabida que a maioria dos discursos presidenciais não são redigidos pelos presidentes. Sabe-se até o nome dos jornalistas que escrevem os pronunciamentos mais notórios. Salvo engano, esses “speechwriters” têm até sindicatos, ou associações. O presidente diz ao seu “escritor fantasma”, com palavras bem diretas, o que ele pensa — ou duvida — sobre tal ou qual assunto que intriga a nação e o jornalista escreve do jeito que lhe parecer melhor, apenas preocupado em não contrariar as ideias do chefe, que depois apenas aprova ou pede alguma alteração.

Enfim, se hoje até presidentes da república e governadores — que no geral tiveram boa escolaridade — precisam de conhecedores e redatores que “mastiguem” certos temas difíceis, por que o “povão”, que escolhe o presidente ou governador, deve permanecer na ignorância de temas candentes que afetarão suas vidas e as vidas de seus descendentes?

Dos intelectuais, ou técnicos de alto nível, que aceitarem a algo “ingrata” missão de simplificar — sem deformar — problemas vitais do nosso tempo, será exigível muita bravura moral — e boa remuneração —, porque grandes controvérsias muitas vezes nada mais são que velhas feridas que poucos se atreveram a desinfetar. Não seria muito útil criar uma “página-síntese” se não for concedido, a quem nela escreve, o direito de opinar francamente, embora em termos educados, contra tal ou qual posição que lhe pareça — e demonstre — mera defesa de interesses inconfessáveis. E fazer uma síntese exata e sincera sobre certas questões é gerar ressentimentos ou mesmo inimigos mortais. Apenas brincando, sugere-se, aqui, que a remuneração do “sintetizador suicida” venha com o bônus de um colete a prova de balas.

Há ainda um lado bom, comercial, para os jornais nessa iniciativa da “página da verdade direta”: acredito que 80% dos assinantes, pegando o jornal, irão logo para a “página síntese”, e só depois — se houver tempo para tanto... — é que irão para as páginas que mais gostam de ler. Mesmo os conhecedores dos assuntos mais complicados e menos compreendidos certamente terão a curiosidade de ler tais “sínteses”, só para verificar se a sintetização está correta, na exposição e na conclusão. E teríamos belas polêmicas.

Em suma, se reis, antigamente, e presidentes, presentemente, necessitam de “mastigadores” do alimento intelectual mais “duro”, o cidadão comum também precisa dos grandes simplificadores capazes de facilitar a assimilação do nutriente mental. Não esquecer que um presidente da república não passa, essencialmente, de um mero representante, ou empregado, do seu senhor: o povo. E o empregado não deve “comer” melhor que o patrão.

Vamos ver se algum jornal do Brasil se interessa pela sugestão.

(15-01-2013)

 

 

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