quarta-feira, 22 de abril de 2009

Ahmadinejad em Genebra

Como todos ficaram logo sabendo, o presidente iraniano discursou ontem, 20 de abril, em Genebra, na conferência da ONU sobre racismo, discriminação e xenofobia. Como era esperado, fez pesadas acusações contra Israel — que vê como nação racista — e aquilo que ele considera como arrogância do Ocidente. Incidentes não faltaram, com pessoas vestidas de palhaço gritando, uma delas jogando contra o orador um nariz vermelho de plástico. O arremesso de sapatos contra Bush fez escola, com variantes.

Expulso o improvisado palhaço, mais de vinte delegados, a maioria de países europeus, deixaram o recinto, em protesto. O próprio Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, um sul-coreano invulgarmente cauteloso e delicado, não se conteve e censurou de forma dura o procedimento do líder iraniano, dizendo que coisas desse tipo não mais poderão acontecer em futuras conferências das Nações Unidas.

Analisando o incidente — com a máxima honestidade possível a um ser humano —, cabe dizer, inicialmente, que a fala do presidente iraniano não se enquadrava, tecnicamente, na agenda da conferência, que era sobre Racismo, Discriminação e Xenofobia. Ocorreu um desvio de foro de discussão. No caso de Israel, houve, de fato, um afluxo excessivo de judeus, retornando à Terra Santa após a criação do Estado de Israel. O compreensível entusiasmo com o tão aguardado “lar” daqueles que sofreram — eles, ou seus ascendentes — discriminações e “pogroms”, principalmente na Europa, os fez esquecer que há limites físicos para a ocupação de qualquer área já habitada por outra população, no caso, árabe.

Se, por mera especulação argumentativa, a Palestina estivesse sendo ocupada por descendentes de portugueses, ou de franceses, holandeses, chineses, ou o que for, a expulsão representaria, por acaso, “racismo” anti-português, anti-francês, anti-holandês ou anti-chinês? Obviamente que não. A evidente injustiça contra a população palestina — expulsa para dar espaço a novos assentamentos —, não se caracteriza, propriamente como racismo, mas como injustiça de ordem política e social, ou violação de direitos humanos. Daí o desvio técnico do discurso de Ahmadinejad. Desvio que prejudicou politicamente o Irã porque se este quiser, doravante, na ONU, uma conferência mundial para condenação da política de Israel, encontrará a máxima má-vontade por parte do Secretário Geral.

Em política internacional, aliás em qualquer política, não importa apenas ter razão: é preciso saber apresentá-la com a indispensável propriedade, no momento, modos e lugar adequados. Benjamin Netanyahu deve estar festejando com champanhe o “fora” do seu adversário mais temido na região. Diplomaticamente, pontos para Israel, que não precisou mover um dedo para obter uma vantagem.

Os países árabes identificados com a causa palestina são militarmente fracos, descoordenados e não oferecem perigo sério a Israel, poderoso em armamentos convencionais e possuidor de bombas nucleares. O Irã, porém, encerra um perigo potencial porque avança no conhecimento da tecnologia nuclear, seja para fins pacíficos, seja para fins bélicos; de defesa ou ataque. Daí a necessidade urgente do planeta em criar uma nova ordem mundial que corrija os excessos de qualquer país, quando apoiados mais na força que no Direito. Pelo que se constatou até agora, somente um “poder maior, exterior”, com real eficácia mundial, poderá trazer a paz ao Oriente Médio, com a criação de dois Estados. As duas partes em contenda, alimentadas com décadas de ódio — e realimentadas com frases infelizes — só chegarão a uma divisão clara e justa do solo se forçadas a isso por uma autoridade superior a elas, à maneira de uma decisão judicial reconhecida como honesta pela opinião pública mundial especializada. Mas para isso é preciso modificar o atual conceito de soberania.

O Irã é um país cuja economia depende predominantemente do petróleo, uma fonte poluidora por excelência. Detém reservas equivalentes a 10% de todo o petróleo mundial. E o mundo anseia por energia limpa, que o país não tem. Grosso modo, pode-se dizer que o petróleo tem seus dias, ou décadas, contados. A energia nuclear é praticamente limpa, exceto quando surge algum acidente, nas este é cada vez menos provável com a tecnologia pós-Chenorbyl. Nada errado, portanto, com o interesse iraniano em crescer no domínio nuclear. É preciso pensar no futuro, na diminuição do preço do petróleo, na tendência tecnológica para energia não poluidora, na progressiva “aposentadoria” do “ouro negro” que logo passará a “prata’, “cobre’ ou “ferro”. O carro elétrico está sendo ativamente pesquisado. Nenhum país pode descurar de suas futuras fontes de energia.

Há o perigo de o Irã fabricar bombas atômicas? Há, mas como argumentar contra esse mero perigo quando se sabe que inúmeros países já dispõem de artefatos nucleares bem concretos, incluindo seu inimigo figadal, Israel? Como sustentar, sem corar, às claras, que alguns países sejam “mais iguais” que outros? Essa incoerência, essa desigualdade de tratamento internacional é outro argumento em favor da imprescindibilidade de um “governo mundial’ — ou sistema equivalente, se a expressão assusta alguns leitores.

O Irã dificulta ou impede inspeções de suas instalações? Sim, mas EE.UU., Israel, China e Reino Unido aceitariam, passivamente, inspeções constantes em suas instalações nucleares? Israel e EUA, por exemplo, acolheriam, sorrindo, braços abertos, verificações feitas por equipes das quais fizessem parte físicos iranianos, sírios, palestinos ou egípcios? Nem em sonho! É preciso, portanto, inovar na ordem internacional, por mais trabalhoso que isso possa parecer. Com uma nova ordem, realmente confiável, Israel estaria com sua permanência e segurança garantidas. Ou não seria nova ordem.

Israel tem direito, como qualquer nação, a uma existência pacífica, sem medo da demagógica expressão “varrer do mapa”. Mas essa paz tem o seu preço: a justiça no tratamento de seus distantes “primos” sanguíneos, os semitas árabes. Se os palestinos já expulsos, eventualmente, não puderem receber suas terras de volta, por dificuldades práticas, que a comunidade internacional os indenizem porque ainda há espaços no planeta para sustento de seus habitantes. Melhor isso que morar sob toldos em campos de refugiados.

Essa ordem justa ainda não existe, no momento, em razão da ultrapassada “soberania absoluta”, já abalada com as recentes propostas para conserto das finanças mundiais. Temos, na área estritamente política, apenas acenos bem intencionados de justiça, mas não justiça propriamente dita. Basta lembrar que se um dia, quase milagrosamente, a Palestina se tornar um Estado e com isso habilitada a mover uma ação contra Israel na Corte Internacional de Justiça, basta a Israel recusar a jurisdição para que não exista o processo. Equivale a, na justiça interna dos Estados, um devedor recusar a jurisdição para não ter que pagar sua dívida. Realmente, muito cômodo, mas uma espécie de farsa institucionalizada. Justiça internacional baseada no consentimento das duas partes, no mundo atual é algo primitivo e espantoso. No entanto, é esta a ordem vigente. A Corte Internacional de Haia faz o que pode, dentro dos rígidos poderes que recebeu da ONU, mas não pode ir além deles, por mais capazes e justos que sejam seus juízes.

Fosse Ahmadinejad um estadista mais hábil, diplomata e previdente teria, há muitos anos, obtido maior apoio internacional na defesa dos interesses iranianos e também, certamente, dos interesses palestinos, essa ferida infeccionada que alimenta boa parte do terrorismo islâmico. Em vez de bem argumentar, insistir, insistir e elucidar — porque os ossos do crânio são duríssimos... — resolveu ameaçar e fazer demagogia, prometendo destruir Israel, dizendo justamente aquilo que interessa aos seus espertos inimigos que sabem como manipular o medo israelense de extinção.

Um Gandhi, um Lincoln, um Mandela, já teriam convencido a opinião pública mundial da necessidade de mais justiça para os palestinos expulsos. Infelizmente, isso não ocorreu. A sorte dos povos depende muito do acaso, da loteria eleitoral, freqüentemente ingrata aos melhores interesses da população. Por outro lado, EE.UU. e Israel também não tiveram sorte com o ascensão de George W.Bush, Sharon, Ehud Barak e Netanyahu. Esses três últimos só fizeram erodir a simpatia mundial pelo sofrimento dos judeus quando viviam perseguido na Europa. Paciência, a democracia não é perfeita e avança a passos de tartaruga. Mas um dia avançará, para felicidade tanto de judeus quanto de palestinos. A natureza é sábia. Envelhece, aposenta e elimina fisicamente tanto bons quanto maus governantes.

Finalizando, e com perdão pelas digressões, os temas “discriminação” e “xenofobia” freqüentemente são mal focalizados na mídia. Brasileiros protestam contra a discriminação dos países do Primeiro Mundo quando estes barram o ingresso de nossos compatriotas que aparentam querer ganhar a vida em países mais ricos. Igual é a queixa de mexicanos contra os EUA e de africanos e cidadãos do leste europeu, quando impedidos de ingressar na União Européia.

Por falta, novamente, de uma política global racional e obrigatória, é compreensível que a França, por exemplo, não queira ser literalmente invadida por centenas de milhares ou milhões de pessoas pobres, de todo o mundo que, por falta de emprego e recursos, passarão a dormir nas calçadas. E quando a fome e o frio apertarem, recorrerão mais ao crime do que à mendicância.

Não se trata, propriamente, de xenofobia, mas de preocupação dos países “ricos” em evitar o aumento da criminalidade e do desemprego em seu território. Não ocorre xenofobia, porque os turistas, apesar de estrangeiros (xenos), são recebidos de braços abertos, seja qual for sua cor ou procedência. A solução mundial factível para o problema da imigração indesejada é investir pesadamente nas nações pobres para que aumentem seus PIBs, livrando seus jovens da necessidade de buscar outros países dentro de “conteiners” ou barcos precários que, por vezes, matam com afogamento, sufocação, fome, sede ou bala, seus explorados e infelizes transportados. Estes querem apenas uma chance para trabalhar e bem viver, pois nada podem esperar dos países onde nasceram. Não procuram Paris ou Londres por causa da Torre Eiffel ou do Big Ben. E de onde extrair os recursos destinados ao crescimento dos países pobres? Da bilionária indústria armamentista que, para não falir, precisa estimular rivalidades. Mas tudo isso só é possível com um governo mundial — com perdão ao leitor pelo insulto repetido aos seus ouvidos.

Quanto ao desemprego, este perigo nos ronda há bom tempo. Apenas se agravou com a presente crise financeira mundial. Com o aumento da mecanização, da robotização e da utilização da informática, mãos e cérebros humanos estão sendo progressivamente descartados. Sendo um fenômeno irreversível, será preciso duas providências para acabar com a escalada do desemprego universal: diminuir a carga horária semanal de trabalho e forçar, com estímulos econômicos e doutrinação, a diminuição da natalidade.

Isso, porém, só pode ser conseguido com um governo mundial que imponha essas duas políticas em todos os países. Do contrário, o país que, por bondade, adotar isoladamente qualquer uma dessas sábias políticas, logo se verá prejudicado. Foi o caso da França, ao diminuir a jornada de trabalho semanal dos empregados. Com isso o preço de seus produtos ficou mais caro, porque outros países não fizeram o mesmo. E se portos, aeroportos e fronteiras ficarem abertos à imigração desenfreada o isolado e benevolente “país rico” logo se transformará em país de segunda categoria, com milhões de desempregados e criminalidade incontrolável.

Verdades desagradáveis mas incontestáveis, se de boa-fé. A riqueza dos países e continentes tem que crescer por igual. Do contrário, somente mais tensões e sofrimentos no horizonte. Talvez com cogumelo radioativo.

(21-4-09)

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