quarta-feira, 1 de abril de 2009

Doações ilegais;fiscais;hipocrisia, etc

Lendo, na mídia, notícias — e comentários apaixonados — sobre a “Operação Castelo de Areia”, não posso deixar de apresentar minha desvaliosa observação sobre o conjunto de enfoques opostos que bem representam a desilusão, ou confusão, de nossa sociedade no que se refere às investigações nos casos do “colarinho branco’. Dessa cor porque não há necessidade de suar a camisa para ganhar dinheiro. A desilusão é real, apoiada em fatos, mas na articulação destes a compreensão da coletividade deixa muito a desejar. Liguemos as idéias, sinteticamente, para ver se é possível apresentar um conjunto coerente que suplante a visão isolada dos problemas. Cabe ao leitor formar seu próprio juízo. Detalhes e conjuntos não podem ser interpretados como completos estranhos. Muito menos como inimigos. A velha metáfora da árvore e da floresta.

Vários anos atrás, mais de dez, em época de eleição, proseando com o sócio de uma empreiteira, ele me contava, casualmente, que naquele mesmo dia recebera a visita de Fulano de Tal, um político em evidência mas encarado com reservas pelos mais preocupados com a ética. O cidadão o havia visitado para pedir contribuição para seu partido. O dinheiro, lógico, seria todo (hum...) para financiar a campanha eleitoral. Perguntei a ele se simpatizava com o candidato do visitante. Ele me respondeu que não, absolutamente, mas que dera o dinheiro porque se não desse jamais venceria uma licitação para obra pública nos anos em que aquele partido estivesse no poder. Explicou-me que já dera dinheiro para todos os emissários de partidos que o procuraram porque as eleições, por vezes, são imprevisíveis e na hora de governar as agremiações fazem alianças. A empresa de obras públicas que foi “mesquinha”, negando a contribuição — nunca modesta —, fica mal vista e simplesmente não vence concorrências públicas. Foi o que ele disse, parecendo acreditar realmente no que dizia. Se as coisas mudaram, de lá pra cá, o leitor sabe melhor do que eu.

Como toda empresa privada tem como objetivo natural trabalhar, crescer e lucrar — com os bons efeitos secundários de criar empregos, pagar impostos e erguer o padrão de vida da população — é compreensível que, para não “se queimar”, atenda aos pedidos de contribuição dos partidos que a procuram. As empresas não se consideram missionárias, “fiscais” éticas dos governos. Se o legislador fosse capaz de inventar uma fórmula — quase milagrosa, convenhamos — que torne totalmente limpa, não tendenciosa, a escolha de vencedores de licitações, não haveria mais porque dar dinheiro aos “visitantes” políticos em época de eleição. O empresário poderia se dar ao luxo de negar tais pedidos, sem risco de falência. É preciso levar isso em conta, na hora de julgar moralmente — e até mesmo legalmente, se possível — as contribuições das empresas em época de eleições. Ceder a tais pedidos pode, em tese, significar apenas o desejo de não falir. Errado, moralmente, não é contribuir, mas a pressão do político.

O mesmo se diga quando o empresário, para se livrar de “achaques”, de extorsões, concorda em pagar uma quantia exigida por tal ou qual fiscal, mesmo que nada haja de ilegal por parte da empresa. Digamos, por exemplo, que uma empresa estrangeira pretenda se instalar no Brasil e um determinado fiscal, ou órgão equivalente, queira tirar proveito financeiro, “criando dificuldades para vender facilidades”, conforme conhecia expressão. Faz exigências sobre exigências, retardando e complicando o pedido. A empresa, porém, tem pressa para se instalar, por motivos relacionados com a concorrência ou “timing” no lançamento de seu produto. Se ficar perdendo tempo, resistindo à pressão do fiscal corrupto, perderá muito dinheiro, ou talvez seja melhor desistir e procurar um outro país em que não exista (hum..., de novo) a extorsão, ou seja ela menos violenta.

Em tais situações, a empresa defronta-se com o dilema: ou cede ao fiscal corrupto — e instala-se logo no país —; ou resiste à “extorsão”, em sentido amplo — convocando a polícia, gravando e filmando a exigência do fiscal — com a conseqüente demora e possíveis riscos legais contra seu representante. Isso porque o fiscal tudo fará para se defender embaralhando os fatos e envolvendo quem o acusa. Alegará, por exemplo, que foi o empresário quem tomou a iniciativa de corrupção. Criará alguma dúvida, no inquérito, e essa dúvida resultará em denúncia criminal contra ambos. Aí o empresário, tendo que provar em juízo sua inocência — alegando que apenas cedeu à pressão injusta do fiscal —, se arrepende de ter levado o fato à polícia. Teria saído mais simples e menos preocupante negociar o valor da exigência do fiscal. A ação penal permanecerá, por anos, como uma espada perigosa sobre sua nuca de ingênuo ou precipitado.

Se a empresa resolver seguir esse caminho mais difícil, o que pode acontecer, além do processo criminal? Colegas do fiscal acusado, por solidariedade, passam a visitar diariamente o estabelecimento denunciante, exercendo uma fiscalização super-minuciosa, exigindo isso e mais aquilo, só com a intenção de travar o funcionamento da empresa. E podem fazer isso tão bem, com tanta assiduidade e competência técnica — afinal, entendem os meandros da legislação com que trabalham — que a empresa acaba desistindo, pedindo o encerramento de suas atividades; talvez mudando para outro país, estado ou município. Isso já ocorreu.

Nesse item, um pequeno aperfeiçoamento legislativo faria maravilhas para coibir os maus fiscais — certamente uma minoria na classe — que não se contentam com seus bons salários e outros benefícios.

Qual seria essa modificação legislativa? “Descasar”, “desconectar” explicitamente a corrupção passiva da corrupção ativa. Isto é, se o fiscal exige dinheiro para a concessão, por exemplo, de um alvará e o empresário dá o dinheiro exigido, somente o fiscal seria indiciado em inquérito e processado, por “corrupção passiva”. Atualmente pelo que tenho visto, em todo caso de “corrupção passiva” (do fiscal, que recebe o dinheiro) existe, quase automaticamente, a “corrupção ativa” (do empresário que deu o dinheiro para o fiscal).

Essa sistemática, aparentemente lógica, alimenta a corrupção daqueles poucos — mas maus —, fiscais no Brasil, porque o empresário, finalmente de posse do exemplificativo “alvará”, teme procurar a polícia para denunciar o fiscal que lhe exigiu dinheiro. Se o fizer, correrá sério risco de ser enquadrado na corrupção ativa. Afinal, ele “deu” o dinheiro. Juridicamente, a rigor, só há corrupção ativa quando o agente (art.333 do Código Penal) “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Quando, no processo criminal ficar nitidamente comprovado que o empresário não “ofereceu nem prometeu vantagem indevida” não haverá corrupção ativa. No entanto, o empresário terá que provar isso em juízo, o que nem sempre é fácil e o fiscal sabe e conta com isso.

Alguém dirá que alguns empresários também não são santos. Querem, a todo custo, contornar exigências legais perfeitamente justas. Tentam corromper fiscais honestos. Cabe a estes, porém, resistir às tentações. Para isso são fiscais. São pagos para serem incorruptíveis e fiscalizadores, mas isentos de segundas intenções quando trabalham. Empresários não são guardiães da função pública. Seus propósitos são bem diversos. Se, eventualmente, o fiscal está cansado de tanta tentativa de corrompê-lo e sente impulsos cívicos de sanear o ambiente empresarial, que convoque a polícia para uma armadilha, gravando e filmando as propostas do corruptor. Toda essa encenação é, porém, desnecessária, porque poucos empresários iriam insistir demais tentando corromper um fiscal obviamente honesto. Haveria o risco de um flagrante.

Finalmente, uma palavra sobre a atividade fiscalizadora em geral. Presumo que a grande maioria dos fiscais é composta de funcionários honestos. No entanto, não é usual — como deveria — os fiscais honestos exercerem firme pressão para que os colegas inescrupulosos — um termo mais diplomático — abandonem o “mau caminho”, renunciando ao lucro tentador. Os funcionários corretos, infelizmente, limitam-se a se afastar dos “maus elementos”. Apenas isso. Agem na linha, pessoalmente. Não compactuam, mas também não querem ser “delatores” de colegas. Interpretam mal a solidariedade de classe, esquecidos que duas ou três maçãs podres desmoralizam todo o cesto.

Assumindo o risco de parecer retrógrado — ou ignorante, pouco me importa —, penso ter chegado o momento do Brasil discutir, novamente, a conveniência de “distinguir” doações legais de ilegais. Sou contra essa distinção, apesar de politicamente correta. O campo é propício para intrigas e desmoralizações, exigindo infindáveis pesquisas contábeis para saber as circunstâncias de cada doação. E esta pode ser fruto de uma quase chantagem de políticos às vésperas de eleição.

“Escândalos” midiáticos fazem o Brasil descer vários degraus na reputação internacional de nossas empresas. Pessoalmente, sou contrário a se dar dinheiro público para candidatos. Cada um que convença empresários, e cidadãos em geral, de que é o melhor candidato naquela eleição. Parece-me evidente que ao lado do financiamento público e das doações legais, sempre haverá algum financiamento não contabilizado, porque o poder exerce nas almas uma atração muito mais forte que o desejo de cumprir a lei. Os candidatos mais obedientes vão obedecer às regras, mas os ousados, não, levando vantagem. E saberão como manipular a química contábil, como ocorreu recentemente nos EE.UU. nos escândalos que abalaram o mundo.

(01-4-09)

Nenhum comentário:

Postar um comentário