quinta-feira, 4 de junho de 2020
Fake News, Fake Interpretation e o STF
Todos protestam, com razão, contra as “Fake News”, mas muito pior do que ela é a “Fake Interpretation”, a interpretação falsa, insidiosa, contra a qual não é possível um ataque rápido porque todo ser humano tem o direito, constitucional, de externar seu pensamento desde que, assim fazendo, não viole (obviamente) alguma norma legal. O problema é que uma falsa interpretação, dolosa, pode ocorrer em qualquer tribunal de última instância, de qualquer país, sob qualquer regime. Em ditaduras francas — Hitler, Stálin, Castro, Kim Jong-um, etc. — isso era e é a regra. Em países democráticos o dolo interpretativo, na instância última, dá muito mais trabalho para ser comprovado.
Fake News. Quando ela ocorre, não é difícil comprovar sua falsidade. Basta checar as fontes. Se alguém disser, por exemplo, que um presidente disse algo que ele não disse é só conferir as gravações de suas falas. Não as havendo, a Fake News torna-se pública, desmoralizada, e seu difusor poderá sofrer as penas da lei.
Já a falsa interpretação judicial — talvez, com a “boa intenção” de fazer “justiça por vias tortas” —, o desmascaramento é muito mais complicado. Pode exigir, do ouvinte, ou leitor, conhecimentos técnicos de Direito, Ciência, Economia e todo um vasto campo de informação e leituras inacessíveis às camadas populares. A mídia, mais intelectualizada, poderia demonstrar a verdade oculta mas quem disse que todo jornalista escreve apenas o que pensa? O grau de sua liberdade é limitado pela direção do jornal. E mesmo esta pode ter suas amarras ou conveniências econômicas e/ou políticas. O instinto de sobrevivência existe tanto nas pessoas físicas quanto nas jurídicas.
Considerando que dos três Poderes, o único que não pode ser contrariado, na esfera própria — quando decide em última instância — é o Judiciário. Justamente por ter a palavra final, esse imenso poder dado a um pequeno grupo de homens — é aquele que mais exigirá de seus julgadores virtudes quase sobre-humanas, não exigíveis nos Poderes Executivo e Legislativo.
Políticos lutam essencialmente pelo poder. É a sua função. Não têm compromissos invioláveis com a verdade e a justiça. O “patrão” deles é quem os financiam e o eleitor, não a própria consciência.
Com um julgador de última instância, o caso é diferente. Podendo, em decisão irrecorrível, “transformar o branco em preto”, satisfazendo seus sentimentos mais profundos e sinceros de amizade e gratidão — ou ódio e vingança —, é preciso uma vontade de ferro, quase fanática, para dar razão a quem a tem — “aquele maldito!” —, rangendo os dentes, quando ainda os tem, naturais. E quando o ódio torna-se demais, esse veneno orgânico como que endoidece ou embriaga seus neurônios.
Por tudo isso é lícito, e constitucional, que o Senado do Brasil possa julgar e afastar um ou mais Ministros do STF quando tiver fortes argumentos, e provas, diretas e/ou circunstanciais, de que ele age com gritante parcialidade em casos específicos, principalmente nas decisões monocráticas.
Esperar que seus colegas de Tribunal tomem providências contra quem perdeu a isenção é ignorar a realidade do sprit de corps, que existe em todas as profissões, sem exceção. Além disso, se afastado um colega, por incontrolável parcialidade, a quebra do paradigma de “isenção absoluta” poderia se tornar rotineira e isso infernizaria o exercício da profissão de julgar, em que sempre existe um lado que perde e não se conforma com isso. Seus colegas pensam: — “Se a moda pega, quem vai querer ser Ministro do STF? Será melhor chegar ao STJ e dali não subir mais, porque os inconformados ainda podendo recorrer ao STF, não vão pedir a minha cabeça”.
Quanto à possibilidade jurídica de qualquer um dos três Poderes de pedir a intervenção das Forças Armadas para “garantia dos poderes constitucionais e por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, isso está expresso no “caput” do art. 142 da Constituição Federal.
Note-se que a lei, sabiamente, fala em “qualquer destes” poderes. Se, exemplificando, o STF decidisse, por maioria, que o Presidente da República, seu Vice e seus principais ministros fossem presos preventivamente porque estariam pensando em instalar uma ditadura, o Presidente poderia, no máximo, tolamente, pedir uma “reconsideração”, ou habeas corpus ao próprio Tribunal? Seria inútil, porque quem decidiria seriam os próprios interessados nas prisões ilegais.
Se, ao contrário, o Presidente, abusando de seu poder, mandasse prender alguns Ministros do STF, “por julgarem mal”, estes poderiam requerer a intervenção das Forças Armadas, que teriam de agir de imediato, contra o Presidente, porque as Forças Armadas, pela CF, são instituições em defesa do Estado, não do governo, Estado composto de três Poderes, independentes e com direito à independência.
Em situação de normalidade das instituições, o Presidente tem a autoridade suprema das Forças Armadas. Isso porque não teria sentido que os três poderes pudessem, simultaneamente, administrar exército, marinha e aeronáutica. Seria um caos administrativo. Porém, instalado um conflito de poderes, seria necessário, que um “terceiro” poder entrasse em cena. No caso, as Forças Armadas. Não para ficar no poder, mas para corrigir apenas o abuso da força, mantendo cada poder na sua missão constitucional. E, no Brasil de hoje, felizmente — como todos sabem e sentem —, nossos militares não aceitarão qualquer convite à ilegalidade.
Finalizando, Bolsonaro sente-se acuado, como governante e por isso grita. Tudo o que diz ou faz, é negado ou deturpado. Ajudou na eleição de vários governadores mas estes pensaram em descartá-lo, porque caiu na asneira de dizer que pretende se reeleger em 2022. Foi sua sentença de quase-morte política. Quase, como as facadas. Espera-se que sua sinceridade ingênua seja corrigida por ele mesmo, porque a realidade de governar é um “cursinho rápido” de sobrevivência. Bolsonaro, pelo que sei, nunca ocupou, antes, cargos administrativos. Como calouro, eleito, tem aprendido por tentativa e erro.
Entretanto, como ele continua sendo como sempre foi, e teve milhões de votos, sua honestidade pessoal e sua franqueza —, dizendo palavrões em uma reunião interna que não sabia que seria publicada inteiramente — milhões de seus eleitores exigem que ele termine seu mandato. Seus eleitores prefeririam, talvez, que ele fosse mais contido nas suas indignações, mas o escolheram não por seus modos “gentis’, mas por sua coragem e determinação de acabar com o desleixo ou desvio do dinheiro público.
Não se alegue que Bolsonaro deve ser impedido de continuar porque muitos de seus eleitores só votaram nele porque era o único candidato capaz de impedir o retorno do petismo e da corrupção em escala bilionária. Isso ocorreu realmente, inclusive no meu voto, mas muitos milhões votaram nele porque já o apoiavam antes, de longa data, por suas boas intenções, coragem e sinceridade — artigos raros na política.
Em suma, todas essas reuniões de “notáveis” para afastá-lo do poder, pretendem apenas alterar as regras do jogo. Se ele for afastado, inventarão — não tenham dúvida — uma interpretação jeitosa que impeça sua substituição pelo Vice. Mourão, equilibrado e bem informado, poderá fazer uma ótima administração e se eleger em 2022 atrapalhando os planos dos que, provisoriamente unidos, vão depois se entredevorar. Seria a morte na alma. Não terão paciência para tanta espera.
(03/06/2020)
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