Descabida, data vênia, a insistência de alguns espertinhos
em submeter Jair Bolsonaro a um exame psiquiátrico visando seu afastamento —
rápido, cômodo, politicamente “baratinho” —, da presidência da república sem
precisar de impeachment.
Uma coisa é discordar das palavras e atitudes de um
presidente combativo, “brigão”, de formação estritamente militar, com limitada
cultura geral, jurídica e livresca, franco em demasia — até “grosso” —, mas que
foi e ainda é apoiado por milhões de brasileiros que provavelmente não vão
deixar barato sua fácil remoção por suspeita via “psiquiátrica”. Eles dirão: —
“Se Bolsonaro é ‘louco’, nós também somos, porque pensamos e sentimos igual!”
A Psiquiatria, como toda ciência, procura evoluir, mas
pelo fato de trabalhar com o cérebro, nosso órgão mais complexo — muito mais
que um fígado ou rim, por exemplo —, é previsível que sofra tropeções e
escorregões em seus procedimentos.
Uma dessas estopadas seria um laudo, sob evidente
encomenda política, dizendo que o investigado é mentalmente incapaz de cumprir
seu mandato. Se ele é insano, então há dúzias e dúzias de insanos iguais ou
piores que ele, em todo o país. Seria preciso examinar mais de cem suspeitos de
“miolo mole”. Muitos deles loucos por dinheiro público. Outros, loucos para
transformar projetos de lei, enviados pelo Executivo — visando “endurecer”
contra a criminalidade — em leis de efeito contrário, como se viu na invenção
do juiz de garantia.
Tempos atrás os pacientes sofriam com dolorosos
tratamentos de choque elétrico de resultado discutível. Um deles chegou a dizer
que com a quantidade de eletricidade que recebeu na cabeça estaria em condições
de iluminar uma cidade de tamanho médio.
Esquizofrênicos agressivos, quando não morriam nas
lobotomias, ou leucotomias, ficavam “dóceis”, passivos, mas com deficiências
intelectuais. Pelo que sei — não sou médico —, essas duas formas de tratamento
cirúrgico estão hoje em desuso e a ciência do cérebro continua recheadas de
incertezas. A culpa não é dos praticantes, mas da natureza complexa do seu
objeto de estudo.
Por essa razão,
diagnóstico a respeito da sanidade mental dos atos de um presidente da
república, em momento dificílimo para o país — e o mesmo ocorre em nível mundial
— será visto, com razão, como “golpe”, mesmo se os psiquiatras que o examinarem
forem mentalmente honestos.
O risco da eventual má-fé para afastar Bolsonaro por
doença mental, estará não no médico mas no político, ou advogado, encarregado
de escolher os integrantes da junta médica. Tendo em mãos uma lista de psiquiatras,
ele perguntará, a sós, a cada um deles — exigindo como resposta “apenas sim ou
não” —, se Bolsonaro é “meio pancada, ou anormal, incapaz de continuar
governando”.
Conforme a preferência política do médico, indagado de
supetão, se ele disser que “sim” entrará na lista de um possível integrante da
junta médica. Se disser “não”, ou “não tenho ainda opinião formada...”, seu
nome será riscado sem que ele saiba. Com essa seleção de opiniões prévias,
políticas, extremamente subjetivas, será fácil remover qualquer presidente da
república.
Bolsonaro é realmente imprudente e rude quando fala de
improviso mas seus eleitores preferem um presidente sincero, de passado honesto,
em vez de políticos mentirosos, verdadeiros cachos ambulantes de chavões
defendendo os “lídimos direitos da cidadania” mas nada avessos a sacar, como “intermediários”,
um percentual variável em todos negócios públicos de alto valor.
É possível, e desejável, que Bolsonaro se corrija logo da
franqueza ingênua — pensando nas terríveis consequências da sinceridade — e evite
falar de improviso em assuntos sensíveis, lembrando-se que seus inimigos — experts
em esconder suas reais intenções —, usam o “silêncio oportuno” como uma “arma” tática
mais eficaz que a impulsiva sinceridade. Encarando o silêncio como “arma”, ou
técnica de combate, o presidente, ex-militar, talvez se sinta mais motivado a utilizar
o lado útil do silêncio. Muitos políticos tiveram êxito e resiliência porque
cultivavam a “arte de calar” quando isso era melhor do que falar. O silêncio é
um grande cobertor. Getúlio Vargas foi um mestre nisso. Luís Carlos Prestes, um
comunista extremamente inteligente, sempre primeiro aluno em matemática, arruinou
seu futuro quando, numa entrevista —, indagado sobre de que lado ficaria se
houvesse uma guerra da Rússia contra o Brasil — respondeu que apoiaria a
Rússia. Isso foi a sua desgraça.
A comunicação oral do militar é, em geral, mais dura,
direta, do que a do político profissional. Napoleão Bonaparte, um militar de
excepcional inteligência, estadista de grande envergadura, também era franco em
excesso, embora brilhante. Dizia, por exemplo, que as Constituições “deveriam
ser curtas e vagas”, frase que hoje provocaria desmaios em respeitados
constitucionalistas e ministros do Supremo. Sobre religião, dizia que ela era útil
porque “impedia os pobres de matarem os ricos”. Referindo-se a um seu
ex-ministro de assuntos estrangeiros, Charles-Maurice de Talleyrand — político
maneiroso que depois se tornou seu adversário —, dizia que “Talleyrand é uma
meia de seda cheia de merda” (perdoem-me as leitoras).
A psiquiatria, pela elasticidade e incerteza de seus
limites, ainda permite reconhecer ou “inventar” como “doente” qualquer pessoa
com ideias ou atitudes que contrariem maiorias, minorias, governos, outros psiquiatras,
ou quem os escolheu para examinar um inimigo político. No caso, claro, o
inimigo seria o atual presidente.
Consultemos precedentes históricos.
Quando a União Soviética tinha como Secretário Geral Leonid
Brejnev a psiquiatria russa usou e abusou do artifício de reconhecer como
“doente” quem discordasse da política oficial. O psiquiatra, por ele escolhido,
reconhecia o opositor como sendo portador de uma “intoxicação filosófica”, ou
“esquizofrenia progressiva” — uma inovação científica encomendada —, e isso
bastava para que o infeliz teimoso fosse “internado” por tempo indeterminado.
Era uma maneira de calar a boca do dissidente sem
precisar matá-lo, como no tempo de Stálin. Este “pai dos povos” era muito mais
direto e virulento que seus sucessores pois, eliminava fisicamente os
adversários — extraídos de suas residências, na madrugada — sem preocupação com
a opinião pública, que nem mesmo podia ter opinião particular porque não havia
imprensa livre. Quando Stálin concluiu que seu futuro político estava em risco,
usou seu tribunal máximo para, primeiro, “julgar” como “traidores” seus
ex-companheiros de Revolução. Em seguida os executou. Para facilidade e rapidez
de julgamento os acusados eram torturados ou chantageados para que “confessassem”
seus crimes. Temendo a morte e também pensando na família, o discordante “confessava”,
talvez com alguma esperança de continuar vivo. Vã esperança. Pelos relatos que
li, matou todos eles, todos. Quem quiser saber mais sobre esse tópico basta ler
sobre “Os Processos de Moscou” (1936-1938), durante o Grande Expurgo. Esta
pequena digressão mostra que discordantes políticos podem ser afastados não só
por laudos psiquiátricos como também por magistrados.
No caso de
Bolsonaro — pensou a massa votante —, o seu sofrimento, sofrendo facadas, não
foi apenas moral. Foi também físico, com risco de morte, provavelmente planejada.
Não só pelo executante, um tal de Bispo — que de louco parece não ter nada,
sendo apenas um fanático lúcido que planejou tudo direitinho e contava com
assistência advocatícia logo após a sua prisão. Se Bispo é louco, então Marat,
Danton, Robespierre (guilhotina), Hitler, Lenine, Stálin, Mao Tse Tung, Fidel
Castro, etc. também o seriam, porque mataram centenas de milhões de opositores
por razões que consideramos bárbaras, mas não indicativas de insanidade.
Encerrando, não há fundamentação idônea para afastar
Bolsonaro do poder antes de seu término, para alegria de muita gente louca de
vontade de ocupar o seu lugar. Votei nele como forma de impedir o retorno de
políticos com mais defeitos que os dele em matéria de zelo pelo dinheiro
público. Seus inimigos estão, no momento, unidos, sorrindo, mas, conseguindo o
objetivo devorar-se-ão com exemplar ferocidade.
Quanto a essa medíocre e incentivada “briguinha de
comadres” entre Moro e Bolsonaro, essa ruptura entre duas pessoas que ainda
serão muito úteis ao país foi arquitetada e estimulada por políticos,
magistrados e mídia que queriam acabar com a Lava Jato e mandar na República do
jeito deles. Espero que, em futuro não muito distantes, Moro e Bolsonaro — cada
um com sua especialidade —, trabalhem em cooperação. Um com sua competência de
magistrado, outro com sua coragem de lutar com muita coragem. Esta última
aperfeiçoada com a virtude do silêncio certo no momento certo.
(07/05/2020)
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