terça-feira, 12 de maio de 2020

Bolsonaro, psiquiatria e canibalismo


      Crédito: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Como o artigo “Exame psiquiátrico de Bolsonaro” —, publicado no meu blog e no Facebook — teve alguma repercussão mas apareceu em forma reduzida no site “500toques.com.br”, considero ilustrativo publicar um crime ocorrido em 1981, em Paris, que mostra a possibilidade de conclusões totalmente opostas de psiquiatras — no caso, entre franceses e japoneses — sobre a sanidade mental do acusado. Foi o caso de um escritor japonês que, na França, foi considerado louco, e no Japão, “não-louco”. Em ambos os países as decisões transitaram em julgado. Ele é e não é maluco, conforme o país.

Aproveito esta oportunidade para, como “defensor” gratuito de Bolsonaro, lhe dar um conselho amigo de ancião, ex-magistrado, que prefere que você continue no cargo até o fim de seu mandato, não abusando da sorte com declarações e atos que podem decepcionar seus seguidores. Estes mostram-se tolerantes e amigos, mas não são tolos nem fanáticos. Eles o apoiarão enquanto consideraram que você tem bom senso, é objetivo, forte, corajoso, bem-intencionado e que mantem-se no cargo por amor a seu país, não por vaidade, comprando brigas desnecessárias e dizendo que ficará no cargo até 2027. Seus inimigos abusam da má-fé interpretando dolosamente suas palavras, mas não lhes dê razões para criticá-lo com fundamento. O senhor é suficientemente inteligente para saber como proceder com destemor, sabedoria e classe. Mostre que não é apenas corajoso e franco, que é também inteligente. Não deixe seus seguidores na mão.

Voltemos ao caso do escritor japonês. Menciono seu nome porque se não o fizer alguém poderá dizer que estou inventando estórias.

O nome do autor japonês é Issei Sagawa. Em 1981, estudando em Paris, para pós-graduação, ele matou e depois “estuprou” ­— na verdade, tecnicamente, “violou o cadáver” — uma bonita e vistosa estudante holandesa, sua colega, na Université Censiers. Fez isso porque a holandesa — que o ajudava nas traduções naquele momento, no studio dele —, recusou suas propostas cheias de paixão e de libido. Issei, que tem a aparência de um anão mais desenvolvido, cabeçudo — vi uma foto dele —, mede 1,48 m e pesava, na época, 44 quilos, certamente bem menos que a holandesa. Esta, vendo no oriental apenas um colega, mandou que ele se concentrasse no trabalho que estavam fazendo. O japonês se levantou, pegou um rifle calibre 0.22 que estava num armário, atrás da moça, e disparou um tiro na nuca da estudante. Em seguida fez amor com o cadáver e depois cortou seus lábios, nariz, seios e partes pudendas, guardando-as no “freeze’ da geladeira para consumo futuro. E realmente comeu parte dessa carne até ser preso. Ele tinha essa estranha compulsão, ligando o ato sexual ao ato de comer. O caso é descrito resumidamente no livro do escritor canadense Max Haines, no “Book V” de sua série de “True Crime Stories”. O relato está na página 121, no capítulo “Fantasies Turn to Cannibalism”. Pena que essa série não tenha sido traduzida para o português.

O réu, após esquartejar o cadáver, colocou os pedaços em duas malas, que transportou de táxi. Pretendia jogar a carga macabra em um lago ou rio próximo. Na rua, dispensado o táxi, notou que as pessoas olhavam com desconfiança aquele japonês pequeno arrastando duas malas pesadas demais para ele. Assustado, abandonou os volumes na calçada, pensando não haver prova de sua vinculação com o homicídio. Com o passar das horas, o sangue das malas começou a escorrer pelas frestas, despertando suspeita e exame do conteúdo. A polícia só chegou a ele porque o motorista do táxi, lendo as manchetes dos jornais, lembrou-se do estranho oriental e tomou a iniciativa de procurar as autoridades.

Reunidas as provas irretorquíveis contra ele — encontradas em seu pequeno apartamento, principalmente na geladeira —, Issei confessou o crime mas foi considerado irresponsável, louco, não obstante ser homem culto e inteligente. Era fluente em alemão e francês. Estava na França para um doutorado sobre a influência japonesa na literatura francesa. O juiz determinou sua internação em uma instituição psiquiátrica.

Issei era filho de um rico industrial japonês. Passados três anos de manicômio seu pai conseguiu que fosse extraditado para o Japão, sob condição de ficar confinado em um sanatório para doentes mentais. A proximidade da família seria útil para seu “tratamento”. Decorridos, porém, 15 meses de internação foi dispensado. Os médicos nipônicos concluíram que ele era normal. A França nada pôde fazer porque cada país tem sua soberania. E, afinal, o que é “ser louco?”

Após sua liberação — diz Max Haines —, Issei Sagawa escreveu diversos livros sobre seu assunto favorito — o canibalismo. “Um saber de experiência feito”, como diria Camões. A família da vítima holandesa — cujo nome não menciono aqui por respeito à dor alheia — não deve ter boa opinião nem sobre a seriedade da Psiquiatria, nem sobre os bastidores dessa pomposa palavra, geralmente pronunciada com a boca cheia de ignorância inflada: soberania.

Por outro lado, a família de Issei deve ter pensado que todo homem merece uma segunda chance. Afinal, o oriental passou quatro anos e meio em manicômios, embora sendo “normal”, segundo os psiquiatras de seu país. Certamente, haverá quem pense que Issei foi enlouquecido pela paixão rejeitada. Já disse alguém que “O homem é fogo e a mulher, estopa. Vem o diabo e sopra.”

(11/05/2020)

                                                                   


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