Crédito: Rafaela Felicciano/Metrópoles
Como o artigo
“Exame psiquiátrico de Bolsonaro” —, publicado no meu blog e no Facebook — teve
alguma repercussão mas apareceu em forma reduzida no site “500toques.com.br”,
considero ilustrativo publicar um crime ocorrido em 1981, em Paris, que mostra
a possibilidade de conclusões totalmente opostas de psiquiatras — no caso, entre
franceses e japoneses — sobre a sanidade mental do acusado. Foi o caso de um
escritor japonês que, na França, foi considerado louco, e no Japão, “não-louco”.
Em ambos os países as decisões transitaram em julgado. Ele é e não é maluco,
conforme o país.
Aproveito esta
oportunidade para, como “defensor” gratuito de Bolsonaro, lhe dar um conselho
amigo de ancião, ex-magistrado, que prefere que você continue no cargo até o
fim de seu mandato, não abusando da sorte com declarações e atos que podem decepcionar
seus seguidores. Estes mostram-se tolerantes e amigos, mas não são tolos nem
fanáticos. Eles o apoiarão enquanto consideraram que você tem bom senso, é
objetivo, forte, corajoso, bem-intencionado e que mantem-se no cargo por amor a
seu país, não por vaidade, comprando brigas desnecessárias e dizendo que ficará
no cargo até 2027. Seus inimigos abusam da má-fé interpretando dolosamente suas
palavras, mas não lhes dê razões para criticá-lo com fundamento. O senhor é
suficientemente inteligente para saber como proceder com destemor, sabedoria e
classe. Mostre que não é apenas corajoso e franco, que é também inteligente. Não
deixe seus seguidores na mão.
Voltemos ao
caso do escritor japonês. Menciono seu nome porque se não o fizer alguém poderá
dizer que estou inventando estórias.
O nome do
autor japonês é Issei Sagawa. Em 1981, estudando em Paris, para pós-graduação, ele
matou e depois “estuprou” — na verdade, tecnicamente, “violou o cadáver” — uma
bonita e vistosa estudante holandesa, sua colega, na Université Censiers.
Fez isso porque a holandesa — que o ajudava nas traduções naquele momento,
no studio dele —, recusou suas propostas cheias de paixão e de
libido. Issei, que tem a aparência de um anão mais desenvolvido, cabeçudo — vi
uma foto dele —, mede 1,48 m e pesava, na época, 44 quilos,
certamente bem menos que a holandesa. Esta, vendo no oriental apenas um colega,
mandou que ele se concentrasse no trabalho que estavam fazendo. O japonês se
levantou, pegou um rifle calibre 0.22 que estava num armário, atrás da moça, e
disparou um tiro na nuca da estudante. Em seguida fez amor com o cadáver e
depois cortou seus lábios, nariz, seios e partes pudendas, guardando-as no
“freeze’ da geladeira para consumo futuro. E realmente comeu parte dessa carne
até ser preso. Ele tinha essa estranha compulsão, ligando o ato sexual ao ato
de comer. O caso é descrito resumidamente no livro do escritor canadense Max
Haines, no “Book V” de sua série de “True Crime Stories”. O relato está na
página 121, no capítulo “Fantasies Turn to Cannibalism”. Pena que essa série
não tenha sido traduzida para o português.
O réu, após
esquartejar o cadáver, colocou os pedaços em duas malas, que transportou de
táxi. Pretendia jogar a carga macabra em um lago ou rio próximo. Na rua,
dispensado o táxi, notou que as pessoas olhavam com desconfiança aquele japonês
pequeno arrastando duas malas pesadas demais para ele. Assustado, abandonou os
volumes na calçada, pensando não haver prova de sua vinculação com o homicídio.
Com o passar das horas, o sangue das malas começou a escorrer pelas frestas,
despertando suspeita e exame do conteúdo. A polícia só chegou a ele porque o
motorista do táxi, lendo as manchetes dos jornais, lembrou-se do estranho
oriental e tomou a iniciativa de procurar as autoridades.
Reunidas as
provas irretorquíveis contra ele — encontradas em seu pequeno apartamento,
principalmente na geladeira —, Issei confessou o crime mas foi considerado
irresponsável, louco, não obstante ser homem culto e inteligente. Era fluente
em alemão e francês. Estava na França para um doutorado sobre a influência
japonesa na literatura francesa. O juiz determinou sua internação em uma
instituição psiquiátrica.
Issei era
filho de um rico industrial japonês. Passados três anos de manicômio seu pai
conseguiu que fosse extraditado para o Japão, sob condição de ficar confinado
em um sanatório para doentes mentais. A proximidade da família seria útil para
seu “tratamento”. Decorridos, porém, 15 meses de internação foi dispensado. Os
médicos nipônicos concluíram que ele era normal. A França nada pôde fazer
porque cada país tem sua soberania. E, afinal, o que é “ser louco?”
Após sua
liberação — diz Max Haines —, Issei Sagawa escreveu diversos livros sobre
seu assunto favorito — o canibalismo. “Um saber de experiência feito”, como
diria Camões. A família da vítima holandesa — cujo nome não menciono aqui por
respeito à dor alheia — não deve ter boa opinião nem sobre a seriedade da
Psiquiatria, nem sobre os bastidores dessa pomposa palavra, geralmente
pronunciada com a boca cheia de ignorância inflada: soberania.
Por outro
lado, a família de Issei deve ter pensado que todo homem merece uma segunda
chance. Afinal, o oriental passou quatro anos e meio em manicômios, embora
sendo “normal”, segundo os psiquiatras de seu país. Certamente, haverá quem
pense que Issei foi enlouquecido pela paixão rejeitada. Já disse alguém que “O
homem é fogo e a mulher, estopa. Vem o diabo e sopra.”
(11/05/2020)
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