Com quase diária
frequência a mídia grita, indignada, na televisão — ou escreve em manchetes de
jornais —, contra o alto salário dos magistrados, mencionando que no mês xis, um
certo desembargador de tal ou qual unidade da Federação recebeu — “está
comprovado!” —, trezentos ou mais mil reais, dando a impressão de que essas
realmente altíssimas remunerações são pagas mensalmente a todos os magistrados do
país.
Não, não são pagamentos feitos a todos os juízes
em igual posição funcional. São quantias individuais decorrentes da soma dos
proventos (salários) daquele mês acrescido de “indenizações” pela não
utilização de benefícios previstos em lei, tais como licenças prêmio e férias
não gozadas. Benefícios, esclareça-se, concedidos aos funcionários públicos em
geral, não só aos juízes, nos três níveis de governo, federal, estadual e
municipal. Sobre os alegados “penduricalhos”, falarei no fim.
Sabe, o leitor, porque
ocorrem esses acúmulos remuneratórios? Porque durante décadas nossos legisladores,
nos três níveis de governo, paparicaram, atrás de voto, os servidores públicos.
Inicialmente, presumo, os magistrados, porque estes eram respeitados, úteis,
bem vistos pela população, então avessa a demandas. Concedido o benefício aos
juízes, os demais funcionários pressionavam por favor igual.
Para agradar a crescente massa
de funcionários — todos obrigados a votar... — os benefícios foram crescendo,
numa época em que político “generoso, simpático, mão aberta” atraía muito mais
votos do que o candidato sisudo, “chato”, preocupado com o futuro das contas
públicas. “Faltou dinheiro? Imprima-se”. A filosofia engraçadinha era “Para que
tanta preocupação? No futuro estaremos todos mortos”. A faceta medíocre da
democracia — lembrando-se porém que, em assuntos de dinheiro, a vasta maioria, com
qualquer grau de escolaridade, só se preocupa com a satisfação de seus próprios
interesses.
A “licença prêmio”,
inicialmente chamada “licença especial”, foi criada com a lei federal n.1.711/52,
permitindo ao funcionário público assíduo, sem faltas não autorizadas, o
direito de gozar três meses de folga remunerada, a cada cinco anos de efetivo
exercício. Esse benefício foi mantido pela lei 8.112/90, com o acréscimo do
direito de poder converter em dinheiro a folga não gozada. E, se morto o
funcionário, sem ter usado a licença, seus herdeiros ganhavam na justiça o
direito de receber, em dinheiro, o benefício, a título de “indenização”,
evitando um “enriquecimento ilícito” do poder público.
Presumo que, atualmente,
os trabalhadores da iniciativa privada não veem com bons olhos, essa vantagem,
dada apenas aos funcionários públicos. Realmente, parece ser um luxo três meses
de licença remunerada sem prejuízo das férias anuais. Principalmente,
considerando que o funcionário público em geral não exerce uma atividade tão estressante
quanto aquela desempenhada pelo funcionário da iniciativa privada, sempre inseguro,
com medo de ser dispensado.
Com as férias ocorre o
mesmo. Não gozadas, o funcionário fica, legalmente, com direito de receber em
dinheiro o benefício. Como no caso dos magistrados há dois meses de férias por
ano, a soma de licenças prêmios e várias férias anuais não gozadas, mais os
proventos mensais — reunidos no mesmo holerite —, chega a uma quantia
impressionante, altíssima.
Por que alguns juízes não
gozam suas férias? Porque, ou não se sentem cansados ou porque, mesmo cansados,
preferem pagar algumas contas atrasadas usando o dinheiro da indenização. Ou
porque querem fazer um pé-de-meia, para futuro próximo — compra de imóvel, por
exemplo — ou quando se aposentarem. Se a lei concede, por que não aproveitar?
Quanto à duplicidade das
férias forenses, em janeiro e julho, acontece o seguinte: quando o juiz é muito
brioso, minucioso, preocupado com a qualidade se seu trabalho — decidindo como
se fosse o último a decidir —, parte das duas férias são utilizadas para o “trabalho
pesado em casa”, enfrentando questões mais complexas, que exigem até mesmo dias
de estudo, cada uma, com leitura atenta de vários volumes. Nesses casos, os dois
meses de férias são justificáveis. As decisões melhoram a qualidade dos
julgamentos, desde a primeira instância.
Se, porém, o juiz não é
tão perfeccionista, pensando que haverá recurso contra sua decisão, aí dois
meses de férias forenses é descanso demais. O problema é saber o que se passa
na cabeça de cada juiz quando julga um caso mais difícil. Acredito, porém, sem
demagogia, que os juízes extremamente responsáveis — todos deveriam ser assim —
mesmo se reduzidas as férias anuais à metade, trinta dias, esses “fanáticos
workaholics” continuarão a julgar os casos como se decidissem em última
instância, mesmo que perdendo metade das duas férias desmontando tais “bombas
judiciais”. Isso está no sangue dos que não suportam trabalho mal feito, nem
mesmo o próprio. Usei a expressão “bombas caseiras” porque a mídia até hoje não
sabe que o trabalho mais difícil do juiz consciencioso é realizado em casa, na
solidão, não no fórum, dando despachos e ouvindo depoimentos. É preciso
respirar fundo antes de encarar discussões que exigem tremenda paciência.
Voltando ao assunto da
alta remuneração de determinados holerites — frutos da junção dos vencimentos
normais do mês, mais licenças prêmios e férias não gozadas —, cabe aos três
Poderes, a difícil decisão política, de proibir, doravante, por lei, a “venda”
pelo funcionário e juízes, das suas férias e licenças prémios não gozadas,
admitindo-as apenas para efeito de aposentadoria.
Duvido, porém, que isso ocorra porque se isso
acontecer, haverá um “levante” de milhões de eleitores dispostos a não perder
tais benefícios convertidos em dinheiro. Li, recentemente, que há no Brasil,
mais de dois milhões de servidores públicos, só na área federal. Somando-se a
eles os funcionários estaduais e municipais, e seus parentes, essa massa de
eleitores pode congelar o futuro de qualquer político de tão “perversas
intenções”. Coisas da democracia.
Como sou desembargador
aposentado, é bom deixar claro que os juízes estaduais aposentados, pelo menos
no Estado de São Paulo, há dois anos não ganham acima do teto legal, nem
usufruem — obviamente — os alegados “penduricalhos”, tais como auxílio-moradia,
auxílio-alimentação, auxílio-saúde, etc.
Esses acréscimos,
concedidos aos juízes em atividade, deveriam desaparecer mas o teto salarial do
STF precisa ser aumentado. Tudo às claras. Há centenas de juízes devendo a
bancos, sem serem gastadores. Lembre-se que o teto do pagamento máximo dos
juízes, de R$33.700,00 sofre um desconto, na boca do caixa, de 38,5% (27,5% de
I.R. mais 11% de contribuição previdenciária, mesmo do aposentado). O que é
creditado é R$20.725. O teto atual foi algo demagógico, uma desculpa para
impedir que servidores altamente capacitados possam pedir aumento. Se pedissem,
o governador ou prefeito diria: — “Como? O senhor, engenheiro nuclear, quer
ganhar mais do que eu, seu chefe máximo”? Governadores ganham pouco, mas nada
gastam, morando na sede do governo. Em geral, não saem pobres do cargo.
Com os planos de saúde,
cada vez mais hostis e caros para os idosos, despesas normais da classe média
com condomínios, custeio dos cursos superiores dos filhos, ou netos, eventuais
pensões alimentícias, consultas médicas dos melhores profissionais — que não
aceitam mais trabalhar para planos de saúde; tais consultas podem chegar a mais
de mil reais — e outros “exigências” normais da classe média, logo, logo, a
magistratura deixará de atrair os melhores talentos vocacionados para uma
profissão que já foi muito mais prestigiada no passado. Resta, claro, o
magistrado ganhar alguns cobres complementando o salário dando aulas que
tomarão seu tempo como julgador.
Quem quiser se informar
melhor sobre esse lado do problema, acesse meu blog — francepiro.blogspot.com.br
— no artigo “O demagógico teto salarial (retificado) dos magistrados”,
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Não vejo, também,
necessidade de aumentar automaticamente o salário de todo o funcionalismo
público porque houve um aumento dos magistrados.
E boa noite à talvez
indignada e distinta audiência.
Boas Festas.
(19/12/2017)
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