Terminada a leitura —
não mais de 147 páginas de estilo agradável, apesar do conteúdo —, o leitor
brasileiro provavelmente sentirá uma forte sensação de alívio comparativo por
não ter passado pelas tensões e humilhações que torturaram um menino, depois
adolescente, filho e neto de alemães, que nasceu no Brasil e acompanhou os pais
quando eles retornaram à Alemanha após sua derrota na Primeira Guerra Mundial.
Nos anos 1920 e 1930 a Alemanha passou por grandes transformações.
A delirante inflação, a penúria e o desemprego, resultantes da 1ª Guerra
Mundial, foram diminuindo, graças a um austríaco de bigodinho quadrado, orador
enérgico — porém mentiroso e impiedoso —que sabia tirar proveito político do
desejo de revanche de seus compatriotas, derrotados, empobrecidos pelo conflito
e obrigados a pagar as pesadas indenizações impostas à Alemanha pelo Tratado de
Versalhes.
Os pais de Rodolfo Loibl, bem como a colônia alemã, em São
Paulo, recebiam frequentes cartas dos parentes que não tinham emigrado. Eram
cartas de esperança, contentes com a melhoria crescente da Alemanha. Um convite
implícito para que os alemães — desde que não judeus, como era o caso da
família Loibl —, retornassem para ajudar na reconstrução da amada terra. Àquela
época, o povo germânico não imaginava o potencial de loucura e ambição que
fermentava na mente de Hitler. Ele era visto apenas como um homem capaz de
conduzir uma país, corajoso e que amava a Alemanha.
O pai de Rodolfo, Franz, não queria voltar. Estava se
adaptando bem ao Brasil, mas sua esposa ainda sentia a nostalgia da velha
pátria. E tanto ela insistiu que Franz vendeu tudo o que tinha no Brasil e em
1938 embarcou com a família em um navio de bandeira polonesa, pensando que tudo
seriam flores e alegre recepção.
Para seu espanto, e de toda a família, o menino Rodolfo,
“brasileiro” — que bicho é isso? — não foi recebido com carinho. Pelo
contrário. Foi hostilizado. Desconfiavam dele e de toda a família. Havia a
suspeita doentia, nazista, de que talvez fossem espiões “americanos”, isto é,
da América do Sul. Ou, pelo menos, uns “aproveitadores”, parasitas da
recuperação econômica rápida da nova Alemanha. Rodolfo, nas escolas, era
agredido pelos colegas, a ponto de verter sangue. A maioria dos agressores nem
sabia onde ficava o Brasil no mapa.
Daqui em diante, deixo a cargo de Rodolfo — através da irmã
escritora — relatar as agruras dos alemães que retornaram à Alemanha, levados
pela natural e universal saudade da pátria. Eles não eram nem nazistas nem antinazistas.
Nada entendiam de política e, chegados em 1938, Hitler ainda não havia invadido
a Polônia, fato ocorrido em 1º de setembro de 1939. Rodolfo descreve — com a
redação da irmã — o sofrimento de viver em um estado policial, a inacreditável grosseria
dos nazistas, a humilhação, e o arrependimento de ter saído do Brasil, porque
não havia possibilidade de voltar. Os nazistas não deixavam ninguém sair.
Rodolfo conta a epopeia de viver sob constante perigo de
denúncias anônimas vindas de vizinhos nazistas fanáticos, denúncias que
poderiam resultar em campos de concentração ou um tiro na cabeça, sem o menor
risco para o executor. Conta, também, a
chegada dos americanos libertadores e também dos russos, sempre desconfiados de
qualquer alemão. Nesse item, Rodolfo teve a sorte de ser brasileiro, porque os
russos chegaram a Berlin ansiosos para “dar o troco” contra as perversidades
dos soldados alemães quando estes invadiram a Rússia.
Não fosse o fato de Rodolfo ter duas tias na Alemanha —
senhoras de ótima respeitabilidade —, certamente esse livro não teria sido
escrito, por morte violenta, prévia, dos autores. Rodolfo narrando e Elisabeth
escrevendo.
Esse livro precisa ser lido por todos os interessados na 2ª.
Guerra Mundial. É um relato modesto, sincero, puro e simples, sem análises
sociológicas, do drama de uma família honrada que muito sofreu e quase pereceu
no torvelinho provocado pelas loucuras de um austríaco que amava a Alemanha mas
odiava, com a mesma intensidade, o resto do mundo.
(09-12-2017)
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