sábado, 9 de dezembro de 2017

“Memórias de um adolescente brasileiro na Alemanha Nazista” (Ed. Melhoramentos)

Este livro é uma concisa, veraz e despretensiosa autobiografia de  Rodolfo Otto Loibl, cidadão brasileiro, hoje com 87 anos, redigida pela sua irmã, a escritora Elisabeth Loibl, alemã, poliglota, formada em letras anglo-germânicas, autora de vários livros juvenis e que estudou Arqueologia na USP. É uma obra — desculpem minha pretensão — que não pode deixar de ser lida por brasileiros que se queixam — embora com razão... — de sua má-sorte, desemprego, ou insegurança, preocupados com o confuso momento político e econômico que atravessamos.

 Terminada a leitura — não mais de 147 páginas de estilo agradável, apesar do conteúdo —, o leitor brasileiro provavelmente sentirá uma forte sensação de alívio comparativo por não ter passado pelas tensões e humilhações que torturaram um menino, depois adolescente, filho e neto de alemães, que nasceu no Brasil e acompanhou os pais quando eles retornaram à Alemanha após sua derrota na Primeira Guerra Mundial. 

Nos anos 1920 e 1930 a Alemanha passou por grandes transformações. A delirante inflação, a penúria e o desemprego, resultantes da 1ª Guerra Mundial, foram diminuindo, graças a um austríaco de bigodinho quadrado, orador enérgico — porém mentiroso e impiedoso —que sabia tirar proveito político do desejo de revanche de seus compatriotas, derrotados, empobrecidos pelo conflito e obrigados a pagar as pesadas indenizações impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes. 

Os pais de Rodolfo Loibl, bem como a colônia alemã, em São Paulo, recebiam frequentes cartas dos parentes que não tinham emigrado. Eram cartas de esperança, contentes com a melhoria crescente da Alemanha. Um convite implícito para que os alemães — desde que não judeus, como era o caso da família Loibl —, retornassem para ajudar na reconstrução da amada terra. Àquela época, o povo germânico não imaginava o potencial de loucura e ambição que fermentava na mente de Hitler. Ele era visto apenas como um homem capaz de conduzir uma país, corajoso e que amava a Alemanha. 

O pai de Rodolfo, Franz, não queria voltar. Estava se adaptando bem ao Brasil, mas sua esposa ainda sentia a nostalgia da velha pátria. E tanto ela insistiu que Franz vendeu tudo o que tinha no Brasil e em 1938 embarcou com a família em um navio de bandeira polonesa, pensando que tudo seriam flores e alegre recepção. 

Para seu espanto, e de toda a família, o menino Rodolfo, “brasileiro” — que bicho é isso? — não foi recebido com carinho. Pelo contrário. Foi hostilizado. Desconfiavam dele e de toda a família. Havia a suspeita doentia, nazista, de que talvez fossem espiões “americanos”, isto é, da América do Sul. Ou, pelo menos, uns “aproveitadores”, parasitas da recuperação econômica rápida da nova Alemanha. Rodolfo, nas escolas, era agredido pelos colegas, a ponto de verter sangue. A maioria dos agressores nem sabia onde ficava o Brasil no mapa.

Daqui em diante, deixo a cargo de Rodolfo — através da irmã escritora — relatar as agruras dos alemães que retornaram à Alemanha, levados pela natural e universal saudade da pátria. Eles não eram nem nazistas nem antinazistas. Nada entendiam de política e, chegados em 1938, Hitler ainda não havia invadido a Polônia, fato ocorrido em 1º de setembro de 1939. Rodolfo descreve — com a redação da irmã — o sofrimento de viver em um estado policial, a inacreditável grosseria dos nazistas, a humilhação, e o arrependimento de ter saído do Brasil, porque não havia possibilidade de voltar. Os nazistas não deixavam ninguém sair. 

Rodolfo conta a epopeia de viver sob constante perigo de denúncias anônimas vindas de vizinhos nazistas fanáticos, denúncias que poderiam resultar em campos de concentração ou um tiro na cabeça, sem o menor risco para o executor.  Conta, também, a chegada dos americanos libertadores e também dos russos, sempre desconfiados de qualquer alemão. Nesse item, Rodolfo teve a sorte de ser brasileiro, porque os russos chegaram a Berlin ansiosos para “dar o troco” contra as perversidades dos soldados alemães quando estes invadiram a Rússia. 

Não fosse o fato de Rodolfo ter duas tias na Alemanha — senhoras de ótima respeitabilidade —, certamente esse livro não teria sido escrito, por morte violenta, prévia, dos autores. Rodolfo narrando e Elisabeth escrevendo. 

Esse livro precisa ser lido por todos os interessados na 2ª. Guerra Mundial. É um relato modesto, sincero, puro e simples, sem análises sociológicas, do drama de uma família honrada que muito sofreu e quase pereceu no torvelinho provocado pelas loucuras de um austríaco que amava a Alemanha mas odiava, com a mesma intensidade, o resto do mundo. 

(09-12-2017)

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