Apesar da “Lei do Impeachment”, de n. 1.079/1950, dizer, no
art. 38, que “no processo e julgamento do Presidente da República e dos
ministros de Estado, serão subsidiários desta Lei, naquilo em que lhe forem
aplicáveis, assim os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, como o Código de Processo Penal” — a redação poderia ser bem melhor...
—, o julgamento da presidente corre o risco de ser tornar inútil perda de
tempo, caso seja permitido à defesa ouvir 32 ou 40 testemunhas. A intenção de ultrapassar
o prazo máximo de duração do impeachment já se patenteou quando a defesa requereu
perícia de entidade internacional sobre os pareceres técnicos do Tribunal de
Contas da União. Um parecer técnico sobre outro parecer técnico, algo que
exigiria meses para um resultado. Talvez a exigir terceira perícia para decidir
qual das duas anteriores é a melhor, caso divirjam, como certamente ocorrerá.
Qualquer advogado da área criminal — e mais ainda um ex-Ministro
da Justiça, agindo como advogado de defesa — sabe o quanto é fácil “esticar” e
tumultuar audiências visando adiar o término da instrução do processo. Para evitar
essa demora proposital o CPP concedeu um máximo de 8(oito) testemunhas para a
acusação e igual número para a defesa. Essa exigência justifica-se
principalmente para os réus, que desejam a prescrição. A acusação normalmente não
tem interesse em retardar os julgamentos, mas os prazos são iguais por uma obrigação
constitucional de igualdade de tratamento.
No caso de impeachment do Presidente da República, com um
prazo rígido, improrrogável, de 180 dias, para seu término — visto que o país
não pode ficar paralisado, “no ar”, por longo tempo — essa limitação no número
de testemunhas é especialmente importante considerando o forte apego ao poder
do governante processado. Se ele não tivesse tal apego, teria renunciado antes.
Um presidente fará tudo ao seu alcance para que a duração do processo
ultrapasse os seis meses. Assim, o mero senso comum aconselha a existência de
um número relativamente pequeno de inquirições, nada impedindo que o acusado
colha, por escrito, inúmeros depoimentos, com firma reconhecida, dizendo o que
bem entendam em favor do réu, juntando tais depoimentos ao processo.
Ao que deduzo dos debates do impedimento de Dilma no Senado,
o Regimento Interno da “Casa” — sempre antipatizei com essa sofisticação verbal
— não menciona o número de testemunhas a serem ouvidas no processo de
impeachment. Portanto, legalmente, deveriam ser ouvidas no máximo um total de
16 testemunhas. No caso do impeachment em discussão é o suficiente porque o
assunto é essencialmente técnico e examinado, com minúcias em laudos periciais
e depoimentos de especialistas.
Não se vê qual a utilidade de escutar opiniões de políticos
sobre um assunto, extremamente complexo, que geralmente conhecem
superficialmente. Só se for para confirmar que ilegalidades contábeis iguais eram
práticas comuns em governos anteriores. Como tais políticos não estão sendo
objeto de impeachment, não se vê utilidade nessa informação. Se outros
governantes utilizaram essa prática, inclusive o ex-presidente Lula, que sejam
processados pelas vias comuns, se não prescritos seus crimes.
Grosseiramente comparando, nenhum réu acusado de furto jamais
atreveu-se a dizer, em juízo, que não deve ser punido porque sempre houve
furtos, em todos os países. Consta que no diário de Charles Darwin, quando
estava no Brasil, em 1833, fazendo pesquisas, ele escreveu que "Não
importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é
seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados” (www.baraoemfoco.com.br).
Soa como óbvia técnica de retardar o processo do impeachment
de Dilma a intenção da defesa de ouvir 32 ou 40 testemunhas porque foram 4 ou 5
os “atos” mencionados na acusação. Seria o mesmo que, em um julgamento pelo
tribunal do júri, em que um réu de crime passional desfere vinte facadas na
vítima — não se sabendo qual delas foi o golpe (“ato”) decisivo, fatal, que
ocasionou a morte. Teria o réu, pergunta-se, o direito de arrolar oito
testemunhas para cada facada, pedindo o depoimento de 160 (8x20) testemunhas?
Mesmo com dez facadas teria utilidade ouvir 80 testemunhas do réu?
Note-se que a fase probatória do
processo penal, em geral, oferece um “prato cheio” para o tumulto e a
procrastinação. Toda testemunha pode ser contraditada, com ou sem base. O
defensor dirá, por exemplo, que as testemunhas da acusação são suspeitas ou
impedidas, por isso ou por aquilo. A discussão sobre a contradita pode
estender-se por horas, quando isso convier. O roteiro do impeachment não fixou o número
máximo permitido de perguntas que poderão ser feitas pela parte interessada. No
caso, “partes”, no plural, porque os senadores também têm o direito de perguntar,
através do juiz presidente. E também não será mal “aparecer’ na mídia, porque o
país inteiro estará assistindo o famoso julgamento. Como a acusação tem pressa,
ela só fará, provavelmente, as perguntas realmente essenciais. Já com a defesa
será diferente. Quanto mais palavras emitidas, maior a demora e o conflito
verbal. Se indeferida uma pergunta pelo juiz presidente, pode haver longa
discussão sobre a impertinência, ou não, da indagação. E o tempo correndo...
Há, também, o perigo do uso e
abuso das acareações. No caso, entre a acusada e testemunhas e também entre
testemunhas, se os depoimentos divergirem, como certamente divergirão.
Se o “juiz” que preside a
sessão de julgamento decidir que a prova testemunhal é desnecessária —
considerando que o assunto das “pedaladas” é essencialmente técnico, contábil —,
haverá também protesto da defesa, com alegações de parcialidade dos peritos. E
peritos podem ser convocados para “esclarecimentos” que podem ser contestados.
Tudo envolto em algum tumulto porque parlamentares, de modo geral, não aceitam
facilmente serem controlados pelo presidente da sessão, quando querem falar,
seja ou não a vez deles. Alguns não dão a mínima quando advertidos que o tempo
deles já acabou. A frase “Senhor presidente, questão de ordem!”, chovendo de
todas as direções, possibilita que
parlamentares mais agressivos tranquem e praticamente mudem a pauta dos
trabalhos. O presidente da sessão tem que pedir, com muito jeito, quase “por
caridade”, que o parlamentar silencie porque não é a vez dele falar.
E quando a testemunha,
intimada, não comparece para depor? Caberá adiamento? Condução coercitiva? E se
a testemunha não for encontrada ou estiver acamada? E se ela estiver em outro
país? É direito da acusada exigir carta rogatória — que demora meses para
cumprimento —, insistindo que seu depoimento é imprescindível?
O uso de artifícios nas sessões,
visando a demora, pode ser em parte neutralizado quando o parlamentar que
preside a audiência é especialmente habilidoso, ou enérgico (para uso raríssimo...).
Mas se for enérgico demais o “circo pega fogo”, a locomotiva para de vez. Um
presidente de sessão, no impeachmet, precisa ser um misto de São Francisco de
Assis, Papa e Barão do Rio Branco. No caso em exame, considerando a importância
do julgamento, dificilmente o senador presidente da sessão estará propenso a
indeferir seguidamente perguntas inúteis da defesa. Para cada indeferimento
caberá uma longa discussão, porque são muitos os senadores-julgadores.
Se as diretrizes de tramitação
e a cordialidade do Min. Ricardo Lewandowski — quando for a vez dele presidir
os trabalhos —, resultar em impossibilidade de terminar o processo no prazo de
180 dias — porque perdeu-se tempo com testemunhas dispensáveis — é previsível
que a opinião pública — sempre parcial e apaixonada —, o responsabilizará, como
“causador da desgraça” de manter na
presidência uma política que se mostrava incompetente na área econômica e
conivente com a “a roubalheira” do dinheiro público. Articulistas inconformados,
na mídia, lembrarão, previsivelmente — talvez de má-fé —, os fortes entreveros
do Min. Ricardo Lewandowski com o
ex-ministro Joaquim Barbosa no “mensalão”, Barbosa sempre atacando o PT e
Lewandovski discordando dele, apresentando argumentos jurídicos.
O Sen. Aloysio Nunes Ferreira
interpôs, com total razão, recurso ou reclamação contra o direito da defesa de exigir
oito testemunhas para cada “fato” dado como violação da lei. Até o presente
momento desconheço se já houve, ou não, uma decisão, ou opinião, de S. Exa.
Essa decisão será importantíssima, decisiva, para
o país, porque, mantido o festival de longas e dispensáveis informações verbais
é praticamente certo que o julgamento do impeachment não se completará e o
prestígio da Justiça brasileira ficará ainda mais abalada, mesmo informada, a
população, que a decisão sobre o número de testemunhas foi decisão individual,
unilateral, do Presidente do STF.
Resumindo e repetindo, se forem
ouvidas dezenas de testemunhas de defesa, é melhor esquecer esse tal de
impeachment. Será engolido pelo fator tempo.
(08-06-2016)
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