O
Oriente Médio, hoje, é uma das melhores provas desse imperativo. Há outras,
como o quase “fracasso” da OMC — nada mais lógico, natural, sem culpa
específica de governo algum —, a poluição ambiental e o crescimento
populacional caótico, onde quem pode criar bem os filhos, não os têm e quem não
pode, os tem em abundância.
Há
idéias simples e eficazes que, não obstante assim sejam, despertam precipitadas
reações, seja do raciocínio, do lado emocional ou do vasto arquivo cerebral das
opiniões automatizadas.
O
cérebro humano assemelha-se a um enorme painel de controle de avião
supersônico, com centenas de botões e dispositivos muito sensíveis que, ao mais
leve toque, mesmo acidental, desencadeiam reações automáticas que podem até
derrubar a aeronave. Obviamente, todos os botões são necessários à segurança ou
conforto do avião. O problema está no automatismo da resposta, pois cada item
não conhece — isso seria mesmo impossível — a função de seu colega de painel.
Faz o seu papel, reage conforme foi programado e ponto final. Se a aeronave
cair, a culpa não é dele, botão, mas do piloto, ou do cotovelo da aeromoça que
não deveria estar ali. Se o avião cair e o botão ainda estiver inteiro pensará,
ainda fumegando: “Por que esse avião caiu? Apenas cumpri o meu dever! Já não
entendo mais nada...”
Assim
reage a quase totalidade das pessoas — cultas, incultas e intermediárias —
quando se fala em um possível governo mundial em forma de federação democrática. Em negrito, no
adjetivo, porque dois desses botões mentais referidos — “soberania” e
“patriotismo” — logo reagem instintivamente, até mesmo por simples aproximação,
como certos enxugadores de mãos que “advinham” a necessidade de seu bafo morno.
As
considerações acima surgem-me a todo momento quando vejo, nos jornais, fotos e
manchetes do conflito que envolve Israel, na Palestina e no Líbano.
Nenhum
exemplo é mais gritante da necessidade de uma efetiva Justiça Mundial para resolver um conflito que se prognostica como
permanente e que pode levar todo o planeta a imensas dificuldades, se não
houver um poder central legítimo, democrático, que imponha uma solução que seja
a mais justa possível.
Na
ordem interna de todos os países — todos,
sem exceção —, há séculos se constatou que quando
vizinhos brigam e não conseguem chegar a um acordo, é preciso que um poder “de
fora”, estatal, um juiz legitimado, profissionalmente preparado para o cargo,
sentencie e faça cumprir sua decisão, mesmo que não agrade a uma das partes.
Seria o cúmulo, impensável, exigir que toda decisão judicial satisfizesse, sempre, a ambas as partes, mesmo a que
está errada. A justiça, essencialmente, vem quase sempre, “de fora”, isto é,
das partes não envolvidas no conflito. Quando vem “de dentro”, das próprias
partes, já não há conflito, nem necessidade de qualquer “juiz”. Nas disputas,
as partes intervêm, sim, claro, no processo, mas apenas fornecendo argumentos e
provas do que alegam. Mesmo a “justiça privada” — a arbitragem — vem “de fora”,
de um árbitro sem interesse material ou ideológico no conflito. E o árbitro é
escolhido por ambas as partes. Entretanto, proferida a decisão, esta tem que
ser cumprida, queira ou não a parte perdedora. Elementar, não?
Mas
não é isso que ocorre na área internacional, em que o elementar raramente é
reconhecido. Cada país faz o que quer na “casa da mãe Joana”, que melhor seria
definida como “manicômio da mãe Joana”. “Quem pode mais, chora menos”. E para
agravar o problema, governantes dos países ou povos envolvidos no conflito,
mesmo sentindo, no íntimo, que exageram suas reações, sentem-se como que
obrigados, pelo rançoso “patriotismo”, a esmagar o adversário. É preciso, como
garotões, mostrar valentia aos eleitores, geralmente meio desnorteados e só
preocupados com a própria pele. Nem um pouco preocupados com o sofrimento
alheia, com a justiça ou injustiça que seu governo aplicou ao inimigo.
Israel
e seus vizinhos árabes continuarão se matando, enquanto um “poder de fora” —
tão justo quanto possa ser uma decisão proferida por seres humanos —, não
interferir para impor, após estudar profundamente os argumentos — uma fronteira
imutável e realmente obedecida. Fazer justiça pelas próprias mãos é “crime”, na
legislação interna de todos os países cultos. Na área internacional, no
entanto, é “virtude”, pois envolve patriotismo, soberania, “orgulho de nossa
raça”, “quebrar mas não vergar” e outras frases bonitas, sonoras, mas que
carregam um problema: a parte contrária as repetem na forma mas com conteúdo
diametralmente oposto.
O
povo judeu sofreu, por séculos, em razão de morar em casa alheia. E sofreram um
especial massacre quando Hitler, com sua eloqüência feroz, explorou
politicamente os abusos impostos pelo Tratado de Versalhes. Condoído com o
Holocausto, o mundo aplaudiu a criação de um Estado de Israel. Mas essa área já
estava ocupada pelos palestinos, que são também seres humanos e não se
consideram — nem são —, os autores da expulsão.
Alguns, não todos, reagiram e reagindo, são chamados de “terroristas”.
Criado
o Estado de Israel — fato irreversível — caberia a “um poder de fora”, no caso
a ONU, estabelecer os limites, as fronteiras da pátria judaica e criar
compensações para os palestinos, deslocados das terras que ocupavam há séculos.
Como não houve essa compensação mas pura e simples expulsão, é natural que um
fração de árabes mais aguerridos não aceitasse isso. Tornaram-se “terroristas”,
assim como foram “terroristas” os judeus seguidores de Menachem Begin,
integrantes do movimento “Irgun Zwai Leumi”, que lutava contra a ocupação
inglesa da Palestina. Essa luta não foi apenas verbal.
Centenas
de franceses, inconformados com a ocupação alemã da França na 2ª Guerra
Mundial, também reagiam por conta própria, sem esperar ordem do governo
francês. Era a patriótica “Resistência”, mas para os alemães não passavam de
“terroristas”, porque agiam por conta própria, sem delegação formal do governo
francês. Se, por mero jogo de raciocínio, os Estados Unidos tivessem sido
invadidos pela União Soviética haveria, certamente, um movimento de resistência
que se externaria na forma de atentados contra o invasor. Aí os americanos
seriam chamados, pelos soviéticos, de “terroristas”.
As
considerações acima servem apenas para mostrar que sem um juiz internacional
imparcial — com poder de impor suas decisões —, o uso da força como forma de
solução dos conflitos é resquício do tempo das cavernas. E na área
internacional estamos ainda patinhando no atraso. O tribunal da ONU, a Corte
Internacional de Justiça, funciona mais como “parecerista”. Dá suas “decisões”,
mas obedece quem quer. Uma desmoralização. E em casa sem ordem, sem um chefe,
tudo pode acontecer. Tenho como certo que se os EUA tivessem tratado os
palestinos expulsos com a mesma solicitude com que trataram os judeus as Torres
Gêmeas ainda estariam de pé. O mundo seria outro.
O
planeta tarda em reconhecer o óbvio. A “aldeia global” já se transformou em
cidade, em estado, e se não reagir acabará se transformando em terra sem lei.
A
OMC e sua conexão com a necessidade de um governo mundial fica para outra
oportunidade.
Francisco Pinheiro Rodrigues 19/10/2011
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