domingo, 20 de dezembro de 2015

Inacreditável: A obrigatoriedade da presença do advogado no inquérito.



Só falta, hoje, a sanção da Presidente Dilma, depois da recente “aprovação”, claro, do Sen. Romero Jucá — Relator na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Lembre-se que o senador foi acusado, na operação Lava Jato, conforme  delação premiada de Paulo Roberto Costa, e outros depoimentos incriminadores do senador.

Se o leitor quiser uma visão geral sobre a reputação do referido senador, basta digitar, no Google, o nome do ex-governador de Rondônia; ler a revista “Época” — edição de 21-5-2011 — ; consultar a Wikipédia e percorrer artigos nada elogiosos sobre a ética desse político. É um homem habilidoso, inteligente, mas totalmente inapropriado para figurar, como Relator, “aprovando” uma lei que dificultará — ou impossibilitará — a luta contra o criminoso do colarinho branco, ele mesmo na possibilidade de ser investigado mais a fundo e denunciado.

Admira-me que o presidente nacional da OAB saúde esse Projeto de Lei como uma “vitória da classe unida”. Não há vitória alguma. Haverá mais é vergonha. Diz ele: “O fato de ter o advogado no inquérito evita ‘equívocos’ — aspas minhas —, principalmente, na fase de indiciamento de pessoas. (...) Quando ele (inquérito) é ‘mal construído’, ofende frontalmente a imagem e a honra do cidadão”.

Centenas, ou milhares, de advogados da área não-penal, indignados com a roubalheira institucionalizada, certamente não concordam com a proposta da total intrusão dos advogados dos investigados nos trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público. O advogado — lógica e tradicionalmente — só pode interferir na defesa judicial ou, excepcionalmente, em situações obviamente abusivas, tais como a tortura física do cliente em uma delegacia, ou extremos semelhantes.

Assim como policiais ou promotores não podem interferir na estratégia de defesa, ou na redação das petições dos advogados, estes também não podem interferir nos trabalhos de investigação antes de aceita a denúncia. Cada interesse tem sua área própria de atuação. Juntar pessoas, de interesses opostos, para trabalharem juntos resultará em anarquia. Só falta, agora, neste Brasil insano, exigir que qualquer denúncia criminal só possa ser aceita com a concordância do denunciado. Já imaginou o FBI, ou qualquer polícia do Primeiro Mundo, ser forçado a permitir que seu trabalho investigativo sofra a contínua interferência dos investigados, querendo influir ou decidir onde, quando e como algo ou alguém deve ser investigado? Essa proposta será considerada risível, própria de um país carnavalesco.

Pergunta-se: pode, em tese, haver abusos dos órgãos investigadores, a PF ou o M.P.? Pode, mas para isso existem os habeas corpus e outras providências legais, solicitadas ao Judiciário, que corrigirão o eventual excesso. O que não tem sentido é que o investigado — quase sempre será um cidadão rico, influente e disposto a tudo para salvar a pele  — encarregue seu advogado — escolhido entre os melhores criminalistas do país — para que fique palpitando e discordando do delegado, promotor, ou investigadores, que procuram provas relacionadas com delitos atribuídos aos investigados. Uma fatia do grupo de pessoas procurado provas. A outra fatia tentando escondê-las. Uma “sociedade” de objetivos conflitantes.

Considerando que a aberrante futura lei silencia quanto ao número máximo de advogados — para cada suspeito — que poderão intrometer-se na colheita de provas envolvendo , vários indiciados, haverá clima propício ao tumulto. Se forem, por exemplo, cinco investigados e cada um deles indicar três advogados, serão quinze profissionais interferindo nas investigações. Cada diligência, uma pequena assembleia.

Não esqueçamos que os próprios investigados podem ter interesses divergentes entre eles. Isso tem ocorrido na Lava Jato. É um salve-se quem puder! Nesse caso, cada advogado procurará salvar o próprio cliente, tentando impulsionar a prova contra outro suspeito. Não é impossível que as discordâncias terminem em insultos, ameaças, tapas e coisas piores, conforme o grau de agressividade de policiais, promotores e advogados.

Nada impedirá que um enxame de advogados do investigado  — ou vários enxames, de vários investigados na mesma diligência — criem tumulto e impossibilitem ou retardem a realização de buscas e apreensões enquanto alguns defensores, usando seus celulares, alertam seus clientes para que escondam ou alterem, rápido, seus computadores antes que a polícia chegue lá. Os delegados, ou promotores, não poderão impedir o uso dos celulares pelos advogados. Isso seria considerado inconstitucional.

Há ainda outros perigos à vista na insensata proposta legislativa. Sabendo, por exemplo, que uma determinada prova — decisiva, comprobatória do crime do cliente — será apreendia para exame, o advogado encontrará um pretexto para criar caso, e até “discretamente” ameaçar o delegado ou agente policial, com futuros revides que poderão terminar em processo e prisão contra o policial ou promotor. Isso porque — pasmem os leitores — a autoridade “poderá” limitar o acesso do advogado aos documentos se considerar que haverá prejuízo para diligências em andamento, mas, como consequência,  “poderá ser responsabilizada PENALMENTE, por abuso de poder, se impedir o acesso com o intuito de prejudicar o exercício da defesa”.

A frase “prejudicar o exercício da defesa” é muito vaga. Vagueza benéfica ao investigado e veneno na alma do investigador, mesmo sendo honesto e cumpridor estrito de seus deveres. É que ele está cansado de saber que “a corda sempre arrebenta no lado mais fraco”. Qualquer apreensão de prova pode, em tese, “prejudicar o exercício da defesa”. Aí, tome processo em cima! Processo administrativo ou criminal pelo “atrevimento” de determinar ou cumprir um mandado que melindre um figurão acusado de desonestidades de grande envergadura.

O malfadado Projeto de Lei não será utilizado pelo ladrão “pé-de-chinelo”, que não terá dinheiro para contratar advogados para “defendê-lo” desde o inquérito policial. Esse Projeto de Lei será utilizado, quase exclusivamente, por poderosos narcotraficantes, contrabandistas e por acusados de desvio de milionárias ou bilionárias verbas públicas.

Diz, ainda, o atual presidente da OAB nacional que quando o processo “é mal construído, ofende frontalmente a imagem e a honra do cidadão” e que o PL pretende evitar “equívocos, principalmente, na fase de indiciamento de pessoas”. Vê-se, claramente, que a preocupação do PL é proteger pessoas de alto gabarito que estão sendo apontadas, com fortes indícios de desvio de dinheiro público.

Paro por aqui. Tive que redigir este artigo às pressas, em um domingo, porque só ontem à noite fiquei sabendo, por acaso, da existência do referido Projeto de Lei, da Câmara, de n. 78/2015. E a “monstruosidade”, data vênia, aguarda apenas a sanção da Presidente da República.

Se a Presidente, ou Presidenta, Dilma pretende comprovar firmeza, coragem e real decisão de combater a impunidade do colarinho branco, cabe-lhe o dever de vetar esse Projeto de Lei, seja quem for que o tenha aprovado no legislativo. A totalidade dos advogados brasileiros não concorda com essa prejudicial novidade. Se alguns investigados do colarinho branco forem inocentes, isso será provado durante a instrução do processo judicial, com o óbvio contraditório. Não antes, com o tumulto e confusão dentro dos inquéritos policiais ou do Ministério Público.

Esse Projeto de Lei, desconhecido da população brasileira, só tem uma qualidade: prova a urgente necessidade de uma incessante vigilância por parte do Ministério Público, principalmente o Federal, sobre o que tramita no Congresso Nacional. Pergunta-se: há algum procurador da república encarregado de vigiar, diária ou semanalmente, o fluxo legislativo do Congresso Nacional para saber o que corre nos corredores desse Poder no que se refere à luta contra a criminalidade?

A própria Magistratura Nacional deveria também acompanhar, atentamente, o surgimento e tramitação de matérias que prejudiquem a imagem da Justiça. Se a impunidade contra o colarinho branco aumentar com o famigerado PL, o “povão”, desconhecendo a doutrina, concluirá que “nossa Justiça cada vez funciona menos. Ou melhor: só funciona contra os pobres”.

Não basta a consideração de que o Judiciário é, por natureza, inerte, só age mediante provocação. Se o mencionado PL 78/2015 for sancionado pela Presidente, o mal estará consumado, pelo menos durante vários anos, até que a imprensa revele a que ponto chegou o ridículo legislativo brasileiro.

É até possível que alguns deputados e senadores não tenham sabido da tramitação do projeto. E se souberam, pensaram que, “se o projeto veio da OAB, só pode ser bom”, dispensando o exame atento do conteúdo. Se houvesse, porém, uma espécie de “plebiscito” respondido apenas por advogados, um razoável percentual de causídicos — não trabalhando na área penal —desaprovaria o infeliz PL.

Quanto aos criminalistas, entende-se o entusiasmo deles pelo projeto em discussão porque o exercício de toda profissão inclina o profissional para tudo o que a favorece. Isso é humano. Quando ingressei na magistratura, depois de advogar durante cinco anos, principalmente na área criminal — não por escolha, mais por necessidade — eu sentia, quando juiz, uma evidente propensão para enxergar a prova do inquérito de modo favorável à defesa. É o chamado “calo profissional”. Até por isso decidi ficar na área cível, quando havia essa possibilidade de escolha.

Aguardemos, pois, o possível veto da Presidente/a Dilma. Se ela chegar a ler estas razões, o que é improvável — presidentes são vítimas habituais de assessores — fará, com seu veto, um grande benefício ao país e mostrará coragem e independência intelectual. Tudo é possível, nesse Brasil das coisas impossíveis.

Apesar da redação algo apressada, o essencial está aqui.

(20-12-2015)

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