Só falta, hoje, a sanção da Presidente Dilma, depois
da recente “aprovação”, claro, do Sen. Romero Jucá — Relator na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado. Lembre-se que o senador foi acusado, na
operação Lava Jato, conforme delação
premiada de Paulo Roberto Costa, e outros depoimentos incriminadores do senador.
Se o leitor quiser uma visão geral sobre a reputação
do referido senador, basta digitar, no Google, o nome do ex-governador de
Rondônia; ler a revista “Época” — edição de 21-5-2011 — ; consultar a Wikipédia
e percorrer artigos nada elogiosos sobre a ética desse político. É um homem
habilidoso, inteligente, mas totalmente inapropriado para figurar, como Relator,
“aprovando” uma lei que dificultará — ou impossibilitará — a luta contra o
criminoso do colarinho branco, ele mesmo na possibilidade de ser investigado
mais a fundo e denunciado.
Admira-me que o presidente nacional da OAB saúde
esse Projeto de Lei como uma “vitória da classe unida”. Não há vitória alguma.
Haverá mais é vergonha. Diz ele: “O fato de ter o advogado no inquérito evita ‘equívocos’
— aspas minhas —, principalmente, na fase de indiciamento de pessoas. (...) Quando
ele (inquérito) é ‘mal construído’, ofende frontalmente a imagem e a honra do
cidadão”.
Centenas, ou milhares, de advogados da área
não-penal, indignados com a roubalheira institucionalizada, certamente não
concordam com a proposta da total intrusão dos advogados dos investigados nos
trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público. O advogado — lógica e
tradicionalmente — só pode interferir na defesa judicial ou, excepcionalmente,
em situações obviamente abusivas, tais como a tortura física do cliente em uma
delegacia, ou extremos semelhantes.
Assim como policiais ou promotores não podem
interferir na estratégia de defesa, ou na redação das petições dos advogados,
estes também não podem interferir nos trabalhos de investigação antes de aceita
a denúncia. Cada interesse tem sua área própria de atuação. Juntar pessoas, de
interesses opostos, para trabalharem juntos resultará em anarquia. Só falta,
agora, neste Brasil insano, exigir que qualquer denúncia criminal só possa ser
aceita com a concordância do denunciado. Já imaginou o FBI, ou qualquer polícia
do Primeiro Mundo, ser forçado a permitir que seu trabalho investigativo sofra
a contínua interferência dos investigados, querendo influir ou decidir onde,
quando e como algo ou alguém deve ser investigado? Essa proposta será
considerada risível, própria de um país carnavalesco.
Pergunta-se: pode, em tese, haver abusos dos órgãos
investigadores, a PF ou o M.P.? Pode, mas para isso existem os habeas corpus e outras providências legais,
solicitadas ao Judiciário, que corrigirão o eventual excesso. O que não tem
sentido é que o investigado — quase sempre será um cidadão rico, influente e
disposto a tudo para salvar a pele —
encarregue seu advogado — escolhido entre os melhores criminalistas do país —
para que fique palpitando e discordando do delegado, promotor, ou
investigadores, que procuram provas relacionadas com delitos atribuídos aos
investigados. Uma fatia do grupo de pessoas procurado provas. A outra fatia
tentando escondê-las. Uma “sociedade” de objetivos conflitantes.
Considerando que a aberrante futura lei silencia
quanto ao número máximo de advogados — para cada suspeito — que poderão
intrometer-se na colheita de provas envolvendo , vários indiciados, haverá
clima propício ao tumulto. Se forem, por exemplo, cinco investigados e cada um
deles indicar três advogados, serão quinze profissionais interferindo nas
investigações. Cada diligência, uma pequena assembleia.
Não esqueçamos que os próprios investigados podem
ter interesses divergentes entre eles. Isso tem ocorrido na Lava Jato. É um
salve-se quem puder! Nesse caso, cada advogado procurará salvar o próprio
cliente, tentando impulsionar a prova contra outro suspeito. Não é impossível
que as discordâncias terminem em insultos, ameaças, tapas e coisas piores,
conforme o grau de agressividade de policiais, promotores e advogados.
Nada impedirá que um enxame de advogados do
investigado — ou vários enxames, de
vários investigados na mesma diligência — criem tumulto e impossibilitem ou
retardem a realização de buscas e apreensões enquanto alguns defensores, usando
seus celulares, alertam seus clientes para que escondam ou alterem, rápido,
seus computadores antes que a polícia chegue lá. Os delegados, ou promotores,
não poderão impedir o uso dos celulares pelos advogados. Isso seria considerado
inconstitucional.
Há ainda outros perigos à vista na insensata
proposta legislativa. Sabendo, por exemplo, que uma determinada prova — decisiva,
comprobatória do crime do cliente — será apreendia para exame, o advogado encontrará
um pretexto para criar caso, e até “discretamente” ameaçar o delegado ou agente
policial, com futuros revides que poderão terminar em processo e prisão contra
o policial ou promotor. Isso porque — pasmem os leitores — a autoridade “poderá”
limitar o acesso do advogado aos documentos se considerar que haverá prejuízo
para diligências em andamento, mas, como consequência, “poderá ser responsabilizada PENALMENTE, por
abuso de poder, se impedir o acesso com o intuito de prejudicar o exercício da
defesa”.
A frase “prejudicar o exercício da defesa” é muito
vaga. Vagueza benéfica ao investigado e veneno na alma do investigador, mesmo
sendo honesto e cumpridor estrito de seus deveres. É que ele está cansado de
saber que “a corda sempre arrebenta no lado mais fraco”. Qualquer apreensão de
prova pode, em tese, “prejudicar o exercício da defesa”. Aí, tome processo em
cima! Processo administrativo ou criminal pelo “atrevimento” de determinar ou cumprir
um mandado que melindre um figurão acusado de desonestidades de grande
envergadura.
O malfadado Projeto de Lei não será utilizado pelo
ladrão “pé-de-chinelo”, que não terá dinheiro para contratar advogados para
“defendê-lo” desde o inquérito policial. Esse Projeto de Lei será utilizado,
quase exclusivamente, por poderosos narcotraficantes, contrabandistas e por
acusados de desvio de milionárias ou bilionárias verbas públicas.
Diz, ainda, o atual presidente da OAB nacional que
quando o processo “é mal construído, ofende frontalmente a imagem e a honra do
cidadão” e que o PL pretende evitar “equívocos, principalmente, na fase de
indiciamento de pessoas”. Vê-se, claramente, que a preocupação do PL é proteger
pessoas de alto gabarito que estão sendo apontadas, com fortes indícios de
desvio de dinheiro público.
Paro por aqui. Tive que redigir este artigo às pressas,
em um domingo, porque só ontem à noite fiquei sabendo, por acaso, da existência
do referido Projeto de Lei, da Câmara, de n. 78/2015. E a “monstruosidade”, data vênia, aguarda apenas a sanção da
Presidente da República.
Se a Presidente, ou Presidenta, Dilma pretende
comprovar firmeza, coragem e real decisão de combater a impunidade do colarinho
branco, cabe-lhe o dever de vetar esse Projeto de Lei, seja quem for que o
tenha aprovado no legislativo. A totalidade dos advogados brasileiros não
concorda com essa prejudicial novidade. Se alguns investigados do colarinho
branco forem inocentes, isso será provado durante a instrução do processo
judicial, com o óbvio contraditório. Não antes, com o tumulto e confusão dentro
dos inquéritos policiais ou do Ministério Público.
Esse Projeto de Lei, desconhecido da população
brasileira, só tem uma qualidade: prova a urgente necessidade de uma incessante
vigilância por parte do Ministério Público, principalmente o Federal, sobre o
que tramita no Congresso Nacional. Pergunta-se: há algum procurador da
república encarregado de vigiar, diária ou semanalmente, o fluxo legislativo do
Congresso Nacional para saber o que corre nos corredores desse Poder no que se
refere à luta contra a criminalidade?
A própria Magistratura Nacional deveria também
acompanhar, atentamente, o surgimento e tramitação de matérias que prejudiquem
a imagem da Justiça. Se a impunidade contra o colarinho branco aumentar com o
famigerado PL, o “povão”, desconhecendo a doutrina, concluirá que “nossa Justiça
cada vez funciona menos. Ou melhor: só funciona contra os pobres”.
Não basta a consideração de que o Judiciário é, por
natureza, inerte, só age mediante provocação. Se o mencionado PL 78/2015 for
sancionado pela Presidente, o mal estará consumado, pelo menos durante vários
anos, até que a imprensa revele a que ponto chegou o ridículo legislativo
brasileiro.
É até possível que alguns deputados e senadores não
tenham sabido da tramitação do projeto. E se souberam, pensaram que, “se o
projeto veio da OAB, só pode ser bom”, dispensando o exame atento do conteúdo.
Se houvesse, porém, uma espécie de “plebiscito” respondido apenas por
advogados, um razoável percentual de causídicos — não trabalhando na área penal
—desaprovaria o infeliz PL.
Quanto aos criminalistas, entende-se o entusiasmo
deles pelo projeto em discussão porque o exercício de toda profissão inclina o
profissional para tudo o que a favorece. Isso é humano. Quando ingressei na
magistratura, depois de advogar durante cinco anos, principalmente na área
criminal — não por escolha, mais por necessidade — eu sentia, quando juiz, uma
evidente propensão para enxergar a prova do inquérito de modo favorável à
defesa. É o chamado “calo profissional”. Até por isso decidi ficar na área
cível, quando havia essa possibilidade de escolha.
Aguardemos, pois, o possível veto da Presidente/a
Dilma. Se ela chegar a ler estas razões, o que é improvável — presidentes são
vítimas habituais de assessores — fará, com seu veto, um grande benefício ao
país e mostrará coragem e independência intelectual. Tudo é possível, nesse
Brasil das coisas impossíveis.
Apesar da redação algo apressada, o essencial está
aqui.
(20-12-2015)
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