O perigo da pretensão de
se ouvir duas vezes está na incerteza: nada impede que Cerveró se recuse a um
segundo depoimento, na mesma CPI, no seu encerramento, alegando que foi
orientado por seu advogado a permanecer em silêncio. Não poderá ser preso por
tal recusa.
Por que é prematuro ouvir
Cerveró agora, em CPI, quando estamos, todos nós, pouco esclarecidos dos
detalhes essenciais? É prematuro porque seus interrogadores pouco sabem das
minúcias do negócio — o formato na redação das cláusulas — principalmente no
que se refere às vantagens e desvantagens da compra da refinaria.
Quando, em qualquer interrogatório,
em assunto complexo, o “suspeito” conhece o assunto muito mais que seus
interrogadores, estes levam um verdadeiro “baile” na “sabatina”. Esta toma o
rumo ditado pelo investigado. Os perguntadores acabam em dúvida, confundidos, e
o “suspeito” sai com aura de inocente, mesmo que, eventualmente, seja culpado
de um ilícito bem planejado.
Não sei se o ex-diretor da
área internacional da Petrobrás fez, ou não, algo deliberadamente errado.
Aparentemente fez, pelo enorme prejuízo causado, mas “interrogá-lo”, em nível
de CPI, agora, só terá proveito como teatro político. Que se espere, pelo menos
vinte ou trinta dias, até que as cláusulas mais essenciais do negócio sejam bem
conhecidas e analisadas, o que ainda não ocorreu. Sabe-se apenas que foram
incluídas no contrato, duas cláusulas perigosas. Se necessário, que as
cláusulas fatídicas sejam analisadas com ajuda de técnicos isentos do setor
petrolífero e advogados, também confiáveis, com experiência em negócios de
envergadura semelhante.
O jornal “Folha de S.
Paulo” de hoje (3-4-14, pág. A5, Poder), reproduzindo as explicações do
advogado de Cerveró, diz que “os conselheiros da estatal, incluindo a
presidente Dilma, receberam com 15 dias de antecedência o contrato da compra da
refinaria de Pasadena” e que “Os conselheiros tiveram tempo hábil para examinar
o contrato. Se não o fizeram, foram no mínimo levianos ou praticaram gestão
temerária”. Finalmente, acrescentou o ilustre criminalista, segundo o jornal:
“Cerveró não vai aceitar ser bode expiatório. Não há nada de errado com o
negócio”.
Cabe agora a pergunta —
decisiva — do povo brasileiro: é de se presumir que os conselheiros, mesmo
tendo, eventualmente, recebido, com alguma antecedência, o contrato de 3.000
páginas — segundo as palavras do atual Governador da Bahia, Jacques Vagner
(Estadão de 22-3-14, pág. A4) — teriam eles, conselheiros, lido tudo,
minuciosamente?
Nas circunstâncias,
principalmente considerando o número anormal de páginas e a confiança do
Conselho — justificável — de que Cerveró, pelo seu passado, só poderia zelar,
“sem dúvida”, pelos interesses da Petrobrás, é bem provável que o Conselho, ou
pelo menos sua maioria, não conhecesse a redação das cláusulas que se mostraram
tão lesivas. Tudo sugere um abuso de confiança.
A esse detalhe — a “lista
telefônica” contratual — acrescente-se o fato de as cláusulas “Put Option e
“Marlim” não constarem do “resumo técnico” mencionado pela Presidente Dilma.
Ela, também, não iria, cheia de afazeres, levar o “contrato-tijolo” para casa
para ler as 3.000 páginas. Ponha-se o leitor na pele de um presidente da
república, com todos os minutos ocupados.
Chama a atenção —
negativamente para Cerveró —, o detalhe da mídia dizer que o “resumo” tinha
duas páginas e meia. Já na palavra do advogado de Cerveró o resumo encolheu: continha
apenas uma página e meia e, por isso, por falta de espaço, as cláusulas lesivas
não foram incluídas no breve relato. Interessa, agora, ao “suspeito”, reduzir o
número de páginas do resumo, para justificar a não menção das cláusulas
danosas. Mas a opinião pública poderá pensar: “Se o resumo ocupava tão pouco
papel, página e meia, sobraria espaço bastante para incluir as cláusulas
lesivas em discussão”.
Continuando o tema do
adiamento, deixo claro que não pretendo, ao sugeri-lo, nem prejudicar nem
ajudar o referido ex-diretor da área internacional da Petrobrás, de cuja
existência só vim a saber nos últimos dias. Estou apenas interessado — como o
resto da população brasileira —, em conhecer a verdade dos fatos em um negócio
complexo e lesivo. E toda verdade valiosa, tal como o petróleo, só vem à
superfície com auxílio de bons perfuradores. Não basta apenas a força bruta dos
gritos ou esgares de desprezo.
Uma das vantagens
colaterais do exercício da magistratura, no cível ou no crime, está no
aprendizado de um pouco de psicologia prática para se extrair a verdade que se
esconde.
Quando exercia a
jurisdição, na primeira instância, na área cível, tinha por hábito “converter o
julgamento em diligência”, antes de proferir a sentença, para ouvir de novo —,
ou pela primeira vez —, as partes ou alguma testemunha. Principalmente as
partes, autor ou réu. Fazia isso quando estava em dúvida, por ser a prova vaga
ou contraditória. É desagradável decidir em dúvida.
Por que fazia isso com
alguma frequência? Porque uma coisa é o juiz colher o depoimento pessoal das
partes quando o juiz quase nada sabe dos fatos. Outra, quando o juiz, ao ouvir
o depoimento, já conhece minuciosamente o processo. No quase “turbilhão” diário dos processos
forenses, uma audiência atrás da outra, não há tempo nem condições para fazer
perguntas inteligentes, próprias de conhecedor do litígio, tentando extrair a
verdade “na fonte”, A tendência mais comum do depoente culpado — que não quer
sofrer no bolso a obrigação de pagar um prejuízo —, é mentir, o que é normal,
tanto nos processos quanto nos demais conflitos da vida.
Em processos oriundos de
colisão de veículos, por exemplo, no depoimento pessoal — geralmente um só, no
início da instrução probatória —, a parte que está errada logo percebe, que o
juiz “está por fora...”. Aí o interrogado tira proveito da “ignorância” ou
“credulidade” do juiz, inventando explicações, tentando pelo menos criar uma
situação de dúvida, sempre favorável ao réu.
Quando, aguardando a
sentença, o demandante — que sabe não ter razão — é surpreendido com uma
intimação judicial para, de novo, ser interrogado pelo juiz, essa notícia o
abala. A menos que seja um velho frequentador do fórum, ou calejado
estelionatário, situação pouco comum nas demandas cíveis. Ele, intimado, se pergunta: — “O que será que
o juiz vai me perguntar? Será que ele já deduziu que sou o culpado, como
realmente sou?”
No dia da audiência, não
auxiliado por seu advogado, que, embora presente, não pode interferir nas
perguntas nem nas respostas, ele nota que as indagações do magistrado não são
nem um pouco inocente. — “O desgraçado está por dentro! Estou perdido...”. E
aí, também algo envergonhado pela presença do advogado da parte contrária, que
conhece os fatos, ele tenta “dourar a pílula”, concedendo, mudando aqui e ali o
depoimento anterior. Confessa que corria “apenas um pouco mais depressa, mas
não demais”, quando antes afirmara que não corria, absolutamente, e por aí vai.
Já nos processos
criminais, se o réu é um calejado estelionatário, isso não acontece. Ele fala
pelos cotovelos, foge do assunto a todo momento e tenta até o fim confundir o
juiz. Mas, assim mesmo, se o juiz conhece bem a prova, sempre é possível
extrair — ou melhor, “arrancar”, qual um dente cariado, alguma verdade.
Fiz a digressão acima
tentando convencer o leitor — e talvez os parlamentares da possível CPI —, de
que interrogar, na CPI, o ex-diretor Cerveró, sem terem tido tempo suficiente
para lerem cuidadosamente as cláusulas mais importantes da compra da refinaria
Pasadena, será perda de tempo. Cerveró “dominará o espetáculo”, seja ele
culpado ou inocente.
Espera-se que o fator
“perfeito conhecimento prévio dos detalhes”, por parte dos membros da CPI não
seja ignorado. E, de preferência, que os questionadores tenham a seu lado
técnicos — advogados, ou economistas, ou funcionários da Petrobrás — altamente
qualificados, para equilibrar o nível de conhecimentos de quem pergunta e de
quem responde.
Se Cerveró sair
inocentado, isso será gratificante. Para ele mesmo, para a Petrobrás e para
todos nós. Mas para que haja essa satisfação geral, tranquila e autêntica, é
preciso que seu “interrogatório” seja encarado como sério, competente e
convincente, não um mero show de demagogia e interesse eleitoral.
(03-04-2014)
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