O Min. Relator do mensalão
hesita, ou reflete, a respeito de ingressar ou não, já, na política. Pelas suas
declarações mais recentes admite alguma possibilidade de se candidatar
presidência da república em 2018. Quer, primeiro, “encerrar” — é permissível
usar esse verbo no Brasil, onde os processos dificilmente terminam? — o
julgamento da Ação Penal 470. Para findá-la, talvez só com algum “tranco
jurídico virtuoso” —, sob protestos generalizados dos condenados e seus
seguidores, que insistem na motivação política das condenações. Sem entrar, tais
protestos, em detalhes, confiantes na impossibilidade da população —, ou mesmo
de advogados e jornalistas —, de ler e analisar milhares de páginas dos autos
do processo e as volumosas perícias contábeis. Se os amigos dos condenados ficarem
repisando, na mídia, que “o julgamento foi apenas político”, parte da população
— aquela beneficiada pelas Bolsas e os simpatizantes do PT — passa a acreditar nessa versão porque a
tendência das pessoas é acreditar naquilo que mais as agradam e beneficiam.
“Acredita-se” mais com o coração do que com o cérebro.
Não há dúvida que Joaquim
Barbosa é um nome fortíssimo entre os eleitores, desanimados com políticos
profissionais que lhes parecem apenas “profissionais da política”, sem nenhuma
ideia nova para motivar o País. Todos com as repisadas promessas de “mais
honestidade, segurança, transportes, educação e saúde”. Porém, justamente por
ser nome tão forte, os “caciques” dos partidos mais importantes não querem J.
Barbosa como concorrente. Querem, perto, apenas os votos dos seus milhões de
admiradores, mas não o cidadão admirado. E lançar-se, Barbosa, como candidato
de partido “nanico” é suicídio eleitoral. Tais partidos não dispõem da “máquina”
arrecadadora de doações nem de tempo na televisão. “Sem dinheiro não existe propaganda
e sem esta a democracia simplesmente não funciona”.
A propósito, alguém
precisa inventar uma nova democracia, que não dependa tanto do dinheiro e da
propaganda, seja com financiamento privado ou público. Afinal, o voto , hoje, tem que ser “comprado”?
Se J. Barbosa não pode concorrer agora à
presidência seria extremamente útil no Congresso Nacional, como deputado ou
senador. Melhor como senador. Coincidentemente, essa minha ideia, que tive uma
semana atrás, já ocorreu, parece que ontem, com o PSB, que pretende convencer
J. Barbosa a concorrer para o Senado, como representante do Rio de Janeiro.
Por que J. Barbosa deve
ocupar vaga no Senado? Porque almeja fortemente,
sem panos quentes, aperfeiçoar a justiça brasileira. Uma tarefa técnica,
complexa e delicada, que não pode ser exercida por qualquer um, mesmo formado
em Direito. A melhora de nosso arcabouço jurídico depende, essencialmente, não
de utópicas “modificações de mentalidade”, como dizem alguns, mas de alterações
bem concretas e hábeis na legislação. Notadamente a processual, penal e civil.
Isso porque — explicação apenas para o leigo — todo processo deve seguir forçosamente
o “devido processo legal” — leia-se: “seguindo as interpretações das instâncias
superiores”, nem sempre verdadeiramente “superiores”.
Embora as instâncias
superiores tenham maior experiência e visão de conjunto, vez por outra elas
acertam menos que uma decisão de primeiro grau.
Um juiz sensato de
primeira instância não anularia, p. ex., processos criminais de cinco ou dez
volumes, contra um acusado de crimes gravíssimos, com provas irretorquíveis do
fato e autoria— filmadas, fotografadas, “grampeadas”, comprovadas com perícia —,
só porque anos atrás, no início do inquérito, um policial abelhudo colheu tais
provas sem autorização judicial.
Caberia, claro, nesses
casos, uma reprimenda administrativa contra o investigador “indiscreto” — que
pulou o muro do sítio do serial killer,
sem autorização judicial, tirando fotos e filmando o criminoso jogando em covas
os cadáveres de crianças, suas vítimas — mas nunca a invalidação de todo o
trabalho do inquérito e do longo processo judicial, com base na “teoria do
fruto da árvore envenenada”, invenção meio idiota da jurisprudência
norte-americana, embora esta seja, quase sempre, de boa qualidade.
Anular processos apenas
com base na teoria dos “frutos da árvore envenenada” (fundamento: “se havia
algum veneno na raiz da árvore, todos os seus frutos seriam necessariamente
venenosos”), é uma tolice, monumental. É o mesmo que dizer: os cadáveres das
crianças, no exemplo acima, mesmo apalpados, fotografados e periciados, “não existem”,
porque as provas não foram precedidas de autorização judicial, ou a autorização
foi dada com juiz errado. — “Essa carnificina só existiu no mundo real, dos
fatos; não no mundo do direito. Este último prevalece contra a realidade mais
evidente”. Lógica de hospício.
O magistrado, julgando um
caso concreto, na área penal e processual, pode muito pouco, embora pudesse bem
mais, caso o juiz se atrevesse — via interpretação pessoal —, a decidir em sintonia com seus próprios olhos e ouvidos,
coincidente com a opinião de pessoas normais.
O juiz de primeira
instância frequentemente põe de lado sua convicção pessoal sobre as prisões
preventivas, cuja ausência — em casos revoltantes, com evidente prova colhida
na polícia — causa enorme indignação, nele e na população. Esta não entende,
por exemplo, como é possível que um conhecido profissional do crime, com uma
extensa folha corrida, respondendo a dez ou mais processos por crimes contra o
patrimônio, ou estupro, permaneça solto, cometendo novos crimes enquanto seus
processos se arrastam na justiça, aguardando o longínquo trânsito em julgado.
Esses processos
arrastam-se principalmente porque o réu não está preso, aguardando julgamento.
Estivesse preso, seu julgamento teria preferência. Um grande mal foi causado à
justiça brasileira quando foi encarada como “norma-deusa” a jurisprudência de
que somente com o trânsito em julgado é possível prender — leia-se: apenas segurar
provisoriamente — um réu encurralado por candentes evidências de sua culpa, até
mesmo já condenado duas ou três vezes, em instâncias anteriores, só faltando a
palavra final do STF.
Nossas leis padecem de uma
incurável “inocência” — culposa, ou “dolosa”?
— na interpretação dos atos humanos. Por exemplo, a jurisprudência que
instituiu o uso do bafômetro, nos casos de acidente com veículos, permite que o
motorista se recuse — sem nenhuma consequência... — a assoprar no referido
aparelho. Havendo tal recusa, a jurisprudência, ou a lei, manda que os
policiais colham controversos e mal redigidos “indícios” de embriaguez, que, se
forem assinados só por policiais ensejarão o argumento da parcialidade. E eventuais
passantes não querem, de jeito nenhum, serem testemunhas para “não se
envolverem”.
A solução sensata, nesses casos, seria
considerar a mera recusa como implícita confissão de embriaguez, cabendo ao
acusado, depois —querendo —, em juízo, provar que sua recusa tinha um
fundamento válido, como, por exemplo, que o aparelho usado no local era
defeituoso — fato comprovado com perícia. O ônus da prova teria que ser do
recusante da “assoprada”. Hoje, por exemplo, em ações de reconhecimento de
paternidade, o cidadão acusado de ser o pai de uma criança, quando se recusa —
não estando evidentemente louco — a ceder sangue para exame do DNA, é dado como
pai, só pelo fato da recusa.
Outro exemplo de invulgar
“candura” legislativa está na recente proposta legislativa que veda anonimato
em manifestações de rua que podem resultar em agressões e depredações. Segundo a mídia, o ministro da
Justiça teria dito que “É permitido o uso de máscara desde que as pessoas se
identifiquem à autoridade policial”. Pergunta-se: usando um crachá, que depois
pode ser usado por outro manifestante mascarado?
Essa estranha ressalva permite,
p. ex., que um baderneiro, usando calça jeans e camisa amarela, mostre a cara
ao policial, se identifique, e em seguida ponha a máscara de volta ao rosto,
retornando à massa móvel de manifestantes — como seria “seu direito” de usar
máscara. Alguns minutos, ou horas, depois, instalada a baderna, o policial não
terá como saber, vendo à distância, se aquele mascarado que se identificou foi
o autor de tal ou qual destruição do patrimônio, havendo no local trinta
mascarados usando calças jeans e camisa amarela.
Conscientes do potencial
de enganação, os manifestantes mal intencionados comparecerão na passeata
usando roupas da mesma cor, levando no bolso suas máscaras iguais. Iniciada a
depredação, colocam a máscara. E o “sabidinho” identificado, se investigado no
inquérito, poderá comprovar, com testemunhas verdadeiras, que depois da sua
identificação se afastou, foi para um bar, não mais se interessando pela
manifestação. E o dono do bar
comprovaria isso. O rapaz será
absolvido. Dessa forma ficará desmoralizada a repressão e a própria lei,
confusa na sua execução.
Poderíamos lembrar
inúmeras situações provando a falta de perspicácia em produção legislativa,
incabíveis neste curto espaço.
Para corrigir esse “mar de
inocência” legislativa, e até mesmo, em alguns casos, jurisprudencial, J.
Barbosa seria uma pessoa muito adequada para o caso. Isso porque tem grande
tirocínio com a matéria penal, é corajosamente independente e inimigo declarado
do “faz de contas”, essa filosofia perniciosa que ajudou a desestimular os
governos a construírem presídios porque os políticos pensavam que nunca iriam
cumprir pena em seu interior.
Um “estágio” de J. Barbosa
no Senado seria também útil — para ele e para o eleitorado —, como comprovação
de que o novo senador é capaz de conviver tolerantemente com quem dele
discorda. Conversando com advogados e até mesmo com promotores, seus colegas de
profissão na esfera estadual, notei que muitos deles concordam “em tese”, com
as opiniões de J. Barbosa, mas discordam de seu estilo “duro” ou “arrogante
demais”. Têm medo de que, transformado, eventualmente, em presidente da
república, J.B. torne-se um quase ditador sem estribeira, “grosseiro”, incapaz
de conter sua irritação, o que seria péssimo em um presidente da república.
Acredito, porém,
pessoalmente, que J. Barbosa, justamente por ser um homem inteligente, de longa
visão e bem intencionado, burilado no atrito político com seus colegas do
Senado — em que divergências são quase
diárias —, imediatamente perceberá que uma grande dose de paciência é
imprescindível ao homem público de país democrático. Sendo mais paciente, ou
cortês, muito terá a ganhar e nada a perder, com isso ajudando o país, sua
verdadeira meta, presume-se. Nelson Mandela, com seu estilo amigável conseguiu
desarmar até seus inimigos brancos que o mantiveram em prisão por mais de um
quarto se século.
Paciência, ou cortesia,
embora “seca”, que não impedirá J. Babosa de continuar inabalável no seu
propósito de melhorar a Justiça de seu país, recuperando o razoável prestígio
que chegou a existir algumas décadas atrás. Se ele conseguir, como senador,
“sanear” razoavelmente, nossa legislação, o presidente da república, no
quadriênio 2019-2022 — que até poderá ser ele mesmo, dependendo de sua atuação
no Senado — poderá governar o país com muito mais facilidade e racionalidade.
Finalmente, o problema do
“mensalão”, caso J. Barbosa pretenda
encerrá-lo totalmente, antes de se aposentar, após o que ingressaria na
política.
Em razão da desfuncionalidade
e permissibilidade da nossa legislação processual, não vejo como se possa ter
certeza — com tantos recursos, agravos, mandados de segurança e “habeas corpus” disponíveis — de que o “mensalão” estará
encerrado no início de abril, prazo para J. Barbosa ingressar em um partido.
Como presumo que o mensalão não estará encerrado até essa data, o possível
futuro senador deixará de contribuir, por vários anos, no aperfeiçoamento de
nossa legislação.
Há, ainda, um outro
problema. Se S. Exa. se aposentar e se candidatar, em tempo, a senador, sua
substituição na presidência do STF obviamente será festejada com rojões pelos
condenados no mensalão. Isso porque o fator pessoal sempre exerce forte papel na
presidência de toda corte de justiça. A vaga de J. Barbosa será preenchida, certamente,
por jurista afinado com a filosofia política e partidária de quem o nomeou,
como ocorre em todos os países em que cabe —absurdamente — ao presidente da
república escolher, à vontade, os ministros da corte máxima.
Um único voto, o do
ocupante da cadeira que foi de J. Barbosa, pode reverter substancialmente, a
sorte dos condenados do mensalão. Se, eventualmente, na expressão popular, tudo
“resultar em pizza”, por causa da substituição, J. Barbosa será acusado por
esse infeliz resultado. Inclusive pelos eufóricos soltadores de rojões, contentes
com sua “saída do caminho”.
Como
visto, J. Barbosa, para “complementar” sua dor na coluna, ficará, até o início
de abril, “entre a cruz e a caldeirinha” (origem da expressão: os moribundos
ficavam com a cabeça perto de um crucifixo, e os pés perto de uma caldeira com
água benta. Ou ficará “entre a cruz e a
espada”, imagem forte, certamente de sua preferência como homem de origem
humilde que não teve medo das dificuldades que o cercavam. Qualquer decisão sua
será criticada, conforme o interesse do crítico.
Arrisco
prever uma solução para o árduo dilema: se o Min. Joaquim Barbosa prometer, púbica e
solenemente, que deixará o STF — caso o mensalão transite em julgado antes de 4
de abril deste ano —, é provável, e também sábio, que os réus ainda com direito
a embargos infringentes, e outros, até desistam de seus recursos e agravos,
aceitando o trânsito em julgado. Isto
porque, com a saída de J. Barbosa a balança da justiça, com nova direção e nova
composição do Supremo, se inclinará a favor dos réus, nos detalhes incômodos de
execução da pena.
Se a
presidente Dilma for reeleita, nada impedirá que, sentindo-se “legitimada pelo
voto popular”, use, pouco depois, o poder de conceder a graça, prevista na
Constituição. Porém, com o “treino” político e legiferante, J. Barbosa
aumentará, em muito, sua chance de enfrentar e derrotar o PT na decisiva
eleição de 1918. Ninguém será mais experiente que J. Barbosa, que foi negro pobre, promotor,
magistrado e senador e, além do mais, tornou-se um homem enérgico e cordial.
Vou
procurar me manter vivo até dezembro de 2018, só para ver se minha profecia foi
certeira.
(19-02-2014)
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