Esta é a indigesta salada
de ocorrências, interpretações, recomendações e demagogia para o combate à
delinquência violenta no Brasil de hoje. A delinquência financeira, embora seja,
no fundo, mais prejudicial que a de rua — porque subtrai recursos públicos que
poderiam melhorar a educação, construir casas populares e presídios, aparelhar
melhor a polícia, etc. — tem sido bastante analisada, na esteira do “mensalão”.
Por isso, pouco falarei sobre ela nesta abordagem.
A “roubalheira” do
dinheiro público causa indignação e desesperança mas não provoca aquela
sensação de morte próxima no motorista que aguarda a abertura do sinal. —“Será
que esse cara que se aproxima vai me assaltar? Logo hoje! Não terei como
escapar... Espere!, talvez eu seja assaltado e morto não por ele, mas pelo
companheiro do motoqueiro que neste exato momento parou ao meu lado? Procurarei,
não reagir, mas mesmo assim... Que Jesus me proteja, porque o Estado não é
capaz de proteger nem ele mesmo!”
Medo semelhante acomete o
cidadão que acabou de retirar do banco uma quantia mais alta, em espécie, e
caminha na rua olhando pelo canto dos olhos tentando adivinhar se não será mais
uma vítima das usuais “saidinhas”. Pessoas que saem ou chegam em casa,
dirigindo, também sentem a presença do perigo, não só de perderem seus veículos
como também suas vidas. E a situação das mulheres jovens é pior, porque a
utilização seu corpo é uma tentação à mais para a bandidagem.
Esse é o clima de medo generalizado
que acompanha o dia-a-dia do cidadão das grandes cidades brasileiras. Motoristas
de caminhão estão rareando, com medo de sequestro quando a carga é especialmente
valiosa. Logo será a vez dos motoristas e cobradores de ônibus, indefesos na
sanha incendiária, orquestrada, certamente, pelo crime organizado.
Moças que estudam à noite,
ou voltam tarde do trabalho não podem ter certeza de que não serão estupradas
dentro de um mês. E se, depois da violação, o estuprador — um “bondoso”, porque
não a matou depois de satisfeito — é preso, o que é raro, nenhum policial se
atreve — deve haver uma tola proibição a respeito — a remover a camisa que o
estuprador puxou sobre a cabeça para não ser filmado ou fotografado. Por que a
polícia não o força a mostrar o rosto? Vendo-o na TV, outras vítimas poderiam identificá-lo
como seu violador, semanas atrás. O interesse público poderia servir de
fundamento para essa suposta “violência expositiva” contra assaltantes e
estupradores.
É óbvio que os presos não
podem viver amontoados como animais em reduzido espaço porque, afinal, são seres
humanos e o crime é resultado de uma série de fatores, nem sempre atribuíveis apenas
à “maldade”: necessidade extrema, inclusive de viciados em drogas; sensação,
fundamentada, de ter sido injustiçado desde a mais tenra idade; estímulos
indiretos de maus filmes em que o mocinho e a linda mocinha acabam se saindo
bem, rumo a outro estado, ou país, com sacolas recheadas de dólares. A
impunidade, comprovada no baixo percentual de crimes esclarecidos, também
estimula a criminalidade. Testemunhas e vítimas temem ser mortas, se prestarem
depoimentos quando o réu é perigoso. E lembremo-nos de que em todas as
sociedades, sem exceção, sejam elas ricas ou pobres, existe a tentação do crime.
Este sempre foi o caminho mais curto para a satisfação de nossos desejos. Quanto
menor o risco de reação do Estado e das vítimas, maior a tentação para o crime.
Como a população está obrigatoriamente sem reação, desarmada, “basta avançar e
pegar, ou queimar, pouco importando se alguém está olhando”.
Espalha-se, cada vez mais, a cômoda
“filosofia” de que ninguém se deve ser considerar “culpado” pelos próprios atos,
por mais antissociais que sejam. Um violador de crianças pode, hoje, chegar,
sem remorso, à conclusão de que “eu sei que é ilegal, mas minha libido só se
satisfaz plenamente dessa forma. Que culpa tenho eu se nasci assim? A culpa não
está em mim. Está nos meus genes. No fundo sou apenas um doente, um infeliz. Preciso ser
curado, não punido com cadeia. Se nela entrar, dela sairei ainda pior. Faço
questão de sair pior, para mostrar que a cadeia não me recuperou”, parece ser a
tortuosa filosofia de alguns marginais.
Um homem, que vive hoje na
Holanda — saiu na mídia, mas não dá para guardar todos os jornais e revistas
que leio —, condenado por reincidir no abuso sexual de crianças requereu sua
castração antes de ser solto após a segunda ou terceira pena de prisão pelo
mesmo motivo. Alegou que sem ela acabaria repetindo o mesmo crime. Era uma
necessidade mais forte do que ele. Após castrado, já na avançada maturidade, confessou-se
muito feliz com sua decisão. Finalmente, vivia em paz, cuidando de seu jardim.
Pela foto, parecia um homem normal, sério, até mesmo circunspecto. Quem o
visse, antes ou depois da castração, jamais imaginaria o demônio interior com
que tinha que lutar quando via uma menininha bonita longe dos pais.
O rapazola que ganha pouco,
ou está desempregado, se pergunta, “nutrido” por nova filosofia: — “Por que eu,
especificamente eu, não posso ter, hoje, já, um carro bacana, tênis e aquelas roupas
de marca que qualquer playboyzinho ganha só pelo fato de ter nascido em família
rica? O filho do homem rico mal completa dezoito anos, ou até antes, já ganha
do pai um carro novinho. Isso é injusto. Não aceito! Eu teria que estudar e
trabalhar muitos anos para subir na vida e poder comprar coisas que outros ganham
de graça. Irrealizável, na minha situação! Quem me dará um emprego bem pago e
uma Faculdade de graça? Frequentar escolas? Lento demais... E para que? Neymar
ganha mil vezes mais que qualquer professor universitário e só jogou futebol. Jogando,
eu não teria sua habilidade, mas a culpa, também nisso, não é minha. Não nasci
com o dom”.
“Posso, porém” — prossegue
o filósofo do crime em gestação —“chegar a ser um chefão do tráfico, ganhando muito
mais que qualquer engravatado de óculos que gastou as calças nos bancos de
escola. Não tenho saco para tanta demora... Vou arriscar. Se eu me sair mal,
bons advogados me livrarão da cana com um “habeas corpus”. Como as cadeias
estão superlotadas, isso força os juízes a amolecer. Onde enfiar tanta gente? Doravante,
‘não aceitarei um não como resposta!’. Adoro essa frase! Ela me dá uma sensação
de força, mesmo porque todas as minhas vítimas estarão indefesas. A lei do
desarmamento foi uma mão na roda para nós, os desfavorecidos e impacientes. Se a
vítima for — por azar dele e meu —, um policial à paisana, aí ele morre antes
de sacar sua arma porque sempre estarei um passo à frente e examinarei seus
documentos para saber com quem estou lidando. O policial, otário, antes de disparar
terá que me dar voz de prisão. Eu não, que não sou trouxa! Simplesmente puxo o
gatilho. Traçarei meu próprio destino. Felizmente não existe, no Brasil, a pena
de morte. Basta ter “peito” e um “berro” na cintura”. Assumo os riscos, que são
poucos. O que os playboyzinhos ganham de graça eu ganharei na raça. Por isso,
valho mais que eles”.
E assim pensando, nosso
filósofo e sociólogo juvenil de mente envenenada convinda uns amigos para
cometerem crimes. Se tiverem sorte na primeira “operação’, partem para a
segunda, a terceira, a quarta. Mesmo conseguindo um pequeno capital, não pensam
em iniciar um pequeno negócio lícito, abandonando a delinquência. “Não compensa...,
burocracia demais... E, afinal, todos subtraem, de uma forma ou de outra. De
alto a baixo. A televisão e os jornais mostram isso todos os dias”. Por que
devo cultivar remorsos, quando todos roubam?”
Alguns articulistas, em
jornais, têm argumentado de um modo que leva a entender que nosso altíssimo
grau de reincidência é devido apenas
—apenas... — às más condições carcerárias, e que o Estado “falhou’ no
seu propósito de recuperação dos criminosos, ao ver deles, a única utilidade da
pena. A conclusão deles é direta: se há reincidência, é porque o Estado não cumpriu
sua obrigação, ponto final. Não recuperou. Nunca haveria opção do condenado.
Este jamais é responsável pelo que é, ou faz. Responsável seria sempre a
sociedade, o governo. — “Nenhum juiz veio conversar comigo, me compreender. Oferecer
um ombro amigo. Nunca se preocupou sinceramente comigo. Falhou na sua missão.
Em todo o processo só se interessou, mesquinhamente, em saber se eu cometi, ou
não, o tal roubo. Como é que eu poderia me recuperar nessas condições?
A perversidade
frequentemente demonstrada por alguns bandidos, torturando velhinhas, ou
estuprando crianças (ou também as velhinhas, se o capricho assim sugerir) seria
apenas uma consequência psicológica de uma injustiça social ou econômica.
Essa filosofia está,
porém, muito equivocada. O jornal “O Estado de S. Paulo”, poucos dias atrás —
lamentavelmente não guardei o jornal — inseriu uma barra, na parte inferior da
página, informando qual o percentual de reincidência de pessoas que cumpriram
penas em alguns países, inclusive os ricos e bem organizados. O percentual, nos
países mais adiantados, inclusive na Escandinávia, é inferior ao brasileiro,
mas reincidência ocorre em toda parte, por mais confortável que sejam suas
prisões.
Quem se der ao trabalho de
ler biografias de criminosos “famosos”, principalmente “serial killers”, fica
sabendo que, não fosse a prisão dos mesmos, muito maior seria o número de suas
vítimas. Não adianta interná-los em prisões modelos, confortáveis. O conforto
também corrompe, até mais que o desconforto, porque funciona como estímulo para
continuar fazendo o que fazia antes.
O crime não é sempre
resultado de pobreza e carências. Alguns criminosos do colarinho branco, mesmo quando
criados em berço de ouro, preferiram desviar, “estelionatar”, iludir, mentir, e
até mesmo espezinhar os que estão por baixo. Aliás, se tivessem tido pais
severos, teriam talvez se tornado adultos normais, obedientes à lei. Ou
“temerosos da lei’. Por que não? O temor pode também ser algo respeitável. O
temor de Deus, ou da reprovação social, tem o seu lado bom e útil. Homens de
caráter continuam assim em grande parte porque “temem” ser vistos — com razão —
como canalhas. É o “temor virtuoso”. Nenhum pai normalmente ético prefere que
sua filha se case com um notório vigarista, embora rico. Se prefere é porque
também é um vigarista.
Espalha-se a estranha tendência
de elogiar algumas poucas prisões em que sua administração é entregue aos
próprios presidiários. Estes controlariam — salvo engano —, até mesmo as portas
de saída. Justificam o elogio a esse cômodo sistema dizendo que nelas não há
rebeliões. É claro que não há, porque
nelas ninguém é contrariado. Os presos estarão à vontade, fazendo o que lhes
der na telha. Veremos em que isso vai dar. É preciso verificar se dentro de
tais presídios não estão sendo montados esquemas nada santos. Espero e torço
para estar errado — porque isso seria um “ovo de Colombo” na Ciência Criminal, mas
presumir que os criminosos, inclusive os mais perigosos e astutos, pensem mais no bem da sociedade do que no bem
deles mesmos é difícil de acreditar. Se tais experiências se comprovarem
realmente benéficas, darei a mão à palmatória, com máxima satisfação.
Alguns anos atrás,
entrevistando, informalmente, um ex-batedor de carteira — ah! os ingênuos
tempos dos “mão leves” em que raríssimamente pensavam em matar suas vítimas —, perguntei
a ele, realmente recuperado e bem empregado, a que devia sua recuperação. Ele pensou vários segundos antes
de me responder, como se nunca tivesse tido antes a necessidade de sintetizar a
causa da grande “virada” de sua vida. Finalmente disse uma frase da qual me
lembro até hoje: — “O sofrimento... Sim, foi o sofrimento que me fez mudar...”.
Sua vida no tempo em que
esteve cumprindo pena certamente não foi fácil. Com o sofrimento na prisão,
talvez mesmo não superlotada, ele chegou à conclusão de que o crime não
compensa. Por isso se regenerou. Repita-se: sem algum sofrimento, ou
desconforto, não há recuperação, porque em todo ser cérebro humano existe um
“departamento” encarregado da avaliação do custo/benefício antes de qualquer
decisão importante.
Engana-se redondamente
quem pensa que prisões confortáveis, com boa comida, visitas íntimas,
televisão, bolsa-reclusão para sua família, esporte e muito lazer, vá “recuperar”
muita gente. Principalmente se não houver obrigação de trabalhar e estudar em
horários determinados, como vivem os cidadãos fora dos muros do presídio.
Aprender ofícios é
essencial, para quem não o tem. Esse é o caminho principal. O recluso deve sair
da prisão alfabetizado e bem mais preparado do que estava quando nela entrou. E
depois de sair, precisam de uma ajuda estatal para obtenção de empregos. Não se
espere, porém, que poucos reincidam sabendo que a prisão é uma espécie de
“resort”, muito mais suave que a dura vida fora da cadeia.
O processo do mensalão
teve uma virtude colateral: alertou os políticos de que, futuramente, homens
públicos podem passar alguns anos no cárcere, pelo menos em meio período. Como
isso, antes da Ação Penal 470, era praticamente impossível de suceder, ninguém
se preocupava em construir e bem equipar presídios.
A prisão tem sido
criticada, inclusive por pessoas inteligentes, como sendo velharia. Consideram-na uma panaceia
para a diminuição do crime. Dizem que não obstante a quantidade de novas condenações,
mais tem aumentado a criminalidade. Quanto mais cadeia, concluem seus inimigos,
mais crimes são cometidos, a mostrar que a cadeia não serve para nada.
Acho que a conclusão certa
é a contrária. O aumento recente de crimes contra o patrimônio deve-se à sensação
de impunidade dos que — menores de 18 anos —, sabiam que não seriam presos, de
verdade; ou o seriam por curto período. Quanto aos criminosos adultos, eles ficaram
sabendo, pela televisão, rádio ou jornais — é o lado involuntariamente
prejudicial da informação —, que é ínfimo, bem menos de 8%, o percentual de
assassinatos, roubos, furtos e latrocínios que redundam em efetivas condenações
com trânsito em julgado. “Só com muito azar é que cumprirei pena”, pensa o bandido
violento.
O leitor já imaginou o que
aconteceria se as prisões fossem abolidas, não se prendendo mais ninguém,
“porque não recupera”? Por acaso a impunidade recupera? Não, ela só incentiva o
crime, não só dos já criminosos como também dos que estão hesitando, pensando
sobre o que fazer de suas duras vidas. Essa é a conclusão universal. Por isso,
em nenhum país a prisão foi abolida. Aplicação apenas de multa? E se o bandido
não tem dinheiro para pagar a multa?
As “guilhotinas manuais”
de triste notoriedade recente em Pedrinhas, no Maranhão, foram utilizadas por
presos de fações rivais, não pelo Estado. Quem praticou tais atos de barbárie
talvez fariam isso, mesmo se as cadeias não fossem superlotadas. As degolas são resultantes de uma mentalidade
de ignorância e barbárie, certamente sugeridas por filmes — “Sexta-feira 13”,
Serra elétrica”, etc. Ocorreram dentro de um presídio superlotado mas poderiam também
ocorrer fora das cadeias. Infelizmente, vai se tornar moda, pelo “frisson”.
“Degolar chama a atenção, é o quanto basta”.
A Máfia, nos EUA, já usou, fora das prisões,
métodos ainda mais cruéis que esses. Gangsteres em desgraça foram pendurados,
ainda vivos, por bandidos inimigos, em ganchos de carne de frigoríficos.
Outros, amarrados e deitados, foram submetidos, como delatores, a uma vingança diabólica:
algodões encharcados de pus oriundo de doença venérea, a blenorragia, foram
colocados sobre os olhos de “traidores”, para que ficassem cegos. A “técnica”,
ao que parece, funciona.
Vivemos em um mundo cada
vez mais distante de um ideal de paz e
bondade. Um materialismo atroz, vulgar, ignorante e deslumbrado — não me
refiro ao materialismo filosófico, perfeitamente respeitável — tomou conta de
um certo percentual da sociedade. O que “interessa”, hoje, é “vencer”, lucrar,
gozar sexualmente, e consumir. O resto é “perfumaria”.
Prisões limpas, sim. Com educação e ensino de profissões
necessárias ao país. E que o recluso, depois de solto, tenha uma acompanhamento
para readaptação, se é um “João ninguém”. Que se reduza, na lei, o tempo de
reclusão, mas que pelo menos metade da pena realmente seja realmente cumprida.
O atual excesso de “faz de
conta penal” desmoraliza a Justiça. Enquanto
não for possível “implantar” a ética no cérebro das pessoas “más”, utilizando
métodos químicos ou assemelhados — se é que a isso chegaremos um dia — o medo
da prisão ainda terá o seu papel no refrear as tentações do conhecido animal
que, mesmo sendo como é, teve a coragem de se rotular como “Homo Sapiens”.
Um evidente “escorregão” científico.
(31-01-2014)
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