Dias atrás, um arguto empresário paulista, do setor de alimentação, me demonstrou, em rápida conversa informal, mas com aritmética bem convincente, que nossa assertiva presidente será reeleita em 2014. Talvez por perceber isso, um inteligente político do principal político da oposição, o PSDB, desistiu de disputar sua candidatura na indicação para representar o partido na eleição que se aproxima. Mantida a situação atual, Dilma está eleita.
Não me lembro dos números exatos
de votos previsíveis, mencionados pelo empresário. Por isso não os transcrevo
aqui porque poderia cometer algum engano. Seu raciocínio levou em conta o
número de eleitores pobres — milhões — que recebem as variadas “bolsas”; multiplicou
por quatro ou cinco esse número, tendo em vista os familiares dos beneficiados;
acrescentou os votos de milhares de funcionários nomeados sem concurso,
transformados em aguerridos cabos eleitorais que tudo farão — bem como seus
parentes e amigos —, para não perderem seus postos na administração federal,
caso seus padrinhos não seja reeleitos. Somou ainda os eleitores fiéis e os ideológicos do PT; acrescentou os empresários hoje
beneficiados pelo governo federal, também convertidos em cabos eleitorais de
alto gabarito e que alertarão seus milhares de empregados sobre o risco implícito
na mudança do governo. Concluiu, o empresário, que a reeleição de Dilma é
tranquila. A menos — acrescento eu — que surja algum fato político estrondoso.
O “estrondo” seria a
candidatura do Min. Joaquim Barbosa que, mesmo não sendo oficialmente
candidato, mesmo sem qualquer campanha, já conta com um número considerável de
votos. Somados estes aos votos dos demais presidenciáveis da oposição, o PT
teria, com toda certeza, um longo e não desejado período de reflexão, afastado
do poder. Sem o “estrondo” nossa presidente será reeleita e poderá ser sucedida
por Lula, a menos que este não queira, por cansaço e idade, o que é pouco
provável.
Evidentemente, nenhum
candidato de partido importante, hoje na oposição, aceitará ser substituído, como
figura central, por um “alienígena” político, de fisionomia não muito amigável,
fala direta — frequentemente rude, quando desafiado — e que “até agora mostrou
sua experiência apenas na área jurídica”, como dirão também os inimigos
declarados de J. Barbosa.
Afirmarão, tais críticos, que o “mero detalhe”
dele haver impressionado o Brasil inteiro na sua luta implacável, o “mensalão”,
para punir criminosos do colarinhos
brancos — até ontem juridicamente blindados “de facto” — não o credencia para o
vasto “resto” da complexa tarefa presidencial em um país como o Brasil, cada
vez mais presente em reuniões de chefes de estado. Dirão que “o País é muito
mais complexo que trinta “mensalões” e que J. Barbosa, com sua incontida
franqueza, discursando nos fóruns internacionais, provocará, involuntariamente
— ou até voluntariamente... — atritos ou desconfortos que exigirão do Itamaraty
toneladas de panos quentes para evitar situações de beligerância explícita.
Prosseguindo nas críticas,
como “golpe de misericórdia” dirão —, apenas em conversas reservadas — que existe ainda “o problema da cor, porque, queiramos ou não,
o preconceito ainda não foi erradicado na natureza humana”. Insistirão que “muitos
brasileiros brancos não se sentirão à vontade tendo um presidente com o visual
de Joaquim Barbosa, que, infelizmente, não sente a ânsia de aceitação nem exibe
o savoir faire de Barack Obama”.
Não obstante a pertinência
das críticas quanto ao “estilo duro” do Min. Joaquim Barbosa, penso que ele
reúne, na “substância”, raras qualidades — mentais e morais — para modificações
legislativas de vasto alcance, quase “revolucionárias” — no bom sentido, sem
uso da força — de nosso ordenamento jurídico. De alto a baixo, a começar pelas
regras na escolha dos Ministros do STF.
Essas altas qualidades —
competência, coragem, bom senso e constância
— suplantam, com folga, as restrições oriundas de seu temperamento
franco e retilíneo. Um “pavio curto” que poderá ser esticado por ele mesmo, bastando
querer e se houver razão para esse pequeno sacrifício. E esse motivo será o benefício
de seu país. Com essa fundamentação, ele se policiará, tenho certeza, e com
todo prazer. Forçado, isso não aconteceria jamais.
Sua atual franqueza verbal, numa função
diferente, representando o país, seria certamente logo adaptada às etiquetas
internacionais, porque é um homem inteligente. Além do mais, discordâncias em
reuniões internacionais costumam ser muito mais amenas, verbalmente, que aqueles
entreveros vistos no STF, em que os pontos de vistas dos ministros são atacados
com absoluta franqueza e contundência pelos colegas, não obstante os data vênia e as alfinetadas irônicas de
colegas de julgamento. Cenas internacionais mostrando Nikita Kruschev, na ONU,
batendo com seu sapato na mesa, tentando chamar a atenção, hoje só interessam
como revogadas curiosidades folclóricas.
Sem querer melindrar
nossos realmente competentes constitucionalistas, não me ocorre, de momento,
nenhum nome de jurista consagrado com desejo e ímpeto para “consertar” o Brasil
jurídico de alto a baixo, enfrentando oposições tremendas. Por exemplo, a
Justiça do Trabalho não deveria ser uma Justiça destinada a “proteger” o
trabalhador. Este deve ser protegido — e já o é —, por uma legislação
específica, mas no momento do julgamento das causas trabalhistas o juiz não
pode sentir-se na obrigação de “proteger” uma das partes. Embora não frequente
a Justiça do Trabalho, ouço frequentes queixas de patrões, ou ex-patrões,
pessoas sensatas, e seus advogados, que dizem contestar ações trabalhistas
apenas por contestar — dever profissional —, porque “não ganham uma!”. Juiz não
existe para proteger ninguém, existe para julgar. Quem pode proteger,
repita-se, é a lei.
Essa “proteção garantida”
só não causa mais danos porque felizmente ainda existe, no coração de muita gente
humilde, um senso inato de justiça. Não querem dizer, na frente de um juiz, que,
por exemplo, seu ex-patrão não pagou uma quantia quando ele realmente pagou.
Há, porém, um certo percentual de reclamantes que não resistem ao ganho fácil,
pleiteando algo que sabe não ser devido mas que lhe propiciará algum lucro em
um acordo na audiência inicial. E por que o reclamado concorda em fazer um
acordo? Apenas por comodismo, para livrar-se de uma demanda, mesmo injusta. “Não
havendo nada perder, por que não tentar?”, é o raciocínio do reclamante que
está apenas pensando em dinheiro.
Na área penal e processual
penal, a justiça fica desmoralizada quando, por exemplo, um cidadão sai bêbado
de uma boate, pega seu carro, corre demais, sobe na calçada, mata algumas
pessoas que ali estavam, foge do local e alguns dias depois apresenta-se com
advogado. Paga uma leve fiança e passa a responder, em liberdade, por homicídio
culposo, ou mesmo doloso.
Respondendo ao processo em
liberdade, provavelmente nunca será realmente preso, porque só se pode prender
alguém após o trânsito em julgado da condenação. A prisão preventiva só é
decretada quando o réu já é um meliante contumaz. Péssima jurisprudência, por
sinal. E digo mais: só por causa de um elogiável “pudor profissional” dos
advogados é que os processos um dia terminam. Se não ligassem para a própria
reputação, poderiam sempre obter a prescrição usando e abusando de recursos,
todos eles seguidos de “n” embargos de declaração, porque a lei não proíbe que
se apresentem tais embargos, sucessivamente, contra decisões em embargos
anteriores. Não há, na lei, qualquer limite quantitativo contra essa prática
que apenas exige uma ousada “cara de pau”, com perdão da expressão. Felizmente,
a grande maioria dos advogados se abstém disso. Apenas por foro íntimo, não que
a legislação os impeçam.
A mídia está, diariamente,
relatando casos de decisões que afrontam o senso comum, levando a população a
concluir que, na prática, existem dois tipos de justiça, a do rico e a do pobre.
O que explica a inércia dos governos em construir cadeias em número suficiente.
Até recentemente, antes da atuação de Joaquim Barbosa, os políticos
consideravam-se imunes à prisão. Consequentemente, perguntavam-se: — “Por que
gastar dinheiro com cadeias, esses antros infectos, nos quais nunca entraremos, como condenados?” E essa
postura mental tinha um adicional experto: — “Se, um dia, tivermos o imenso
azar de uma condenação em regime semiaberto, acabaremos em prisão domiciliar
porque não há vagas suficientes no semiaberto. Assim, somente um político muito
burro lembrará a construção de mais semiabertos”.
Não dá para compreender,
também, que colhida contundente prova de um crime grave — prova filmada e gravada —, tudo seja
anulado em um tribunal, anos depois, porque houve alguma falha técnica, administrativa,
na colheita da prova. Seria o juiz “x” e não o “y”, que deveria autorizar o
grampo, conforme o decreto ou lei tal. Assim terminam alguns casos de
repercussão. Depois de tanto esforço da polícia, por anos e anos, já não haverá
qualquer estímulo para recomeçar. Testemunhas podem ter morrido. — “Nada indica
que, renovada a investigação e refeito o processo judicial, não ocorra nova
anulação, por isso ou aquilo”, pensa o desanimado delegado.
Outro ponto, escolhido ao
acaso. Não sei se nos EUA existem, em conversas privadas de advogados, muitas
queixas contra o sistema de nomeação de Ministros da Suprema Corte. Para saber
sobre as eventuais críticas seria preciso, quase, morar lá por algum tempo,
fazendo amizade com alguns deles. Advogados muito conhecidos do público
certamente sentirão receio de criticar, na mídia, a atuação dos reverenciados
magistrados que decidirão seus casos. Acham mais prudente não provocar
ressentimentos. É impossível avaliar, à distância, o que realmente pensam os
advogados americanos sobre as escolhas dos Ministros.
Essa prática
norte-americana de o presidente da república escolher, à vontade, determinado
cidadão para chefiar, vitaliciamente, a Justiça do país — ele só deixa o cargo
morto, ou por incapacidade física, ou mental, ou por impeachment — é algo quase
inacreditável em termos de separação dos poderes. Isso porque o presidente da
república só escolherá um jurista que pense como ele, nos temas mais
importantes. Em suma, o presidente da república espera contar com um amigo e
aliado. É também impossível ignorar que o nomeado aceitará a nomeação com um
forte sentimento de gratidão. Além do mais, o nomeado é escolhido como “o
chefe” do judiciário, desde sua posse até o momento de morrer ou se afastar por
outro motivo. Não há um rodízio na presidência, como ocorre no Brasil.
Se o Poder Judiciário
Norte-americano funcionou bem até agora — deve ter funcionado, porque não sou
especialista no tema e não vejo queixas na mídia — isso só pode ter acontecido devido
às peculiaridades culturais de uma nação muito influenciada pela leitura da
Bíblia, em que as testemunhas juram, solenemente, realmente a sério, dizer a
verdade com a mão pousada no Livro. Lá não há o “direito de mentir”. Pode-se
calar, mas não mentir sem consequência.
A forma
de escolha dos ministros da Suprema Corte, pelo presidente da república, nos
EUA, não deveria ser imitada, automaticamente, em escala mundial, como tem
acontecido. Os “caldos de cultura” variam muito entre os países. Embora, em
décadas passadas, no Brasil, os Ministros do STF tenham sido muito elogiados,
com razão, algumas escolhas mais recentes têm despertado frequentes criticas na
comunidade jurídica. Principalmente em julgamentos de políticos do mesmo
partido do presidente que os nomeou.
Alega-se que se os três
Poderes devem ser separados, a teoria manda também que os Poderes devem ser “harmônicos”,
daí a fundamentação para a escolha exclusiva atribuída aos presidentes da
república. Essa “fundamentação”, com o devido respeito, parece, cada vez mais,
perder a legitimidade. Implica em “harmonia demais”. Em várias partes do mundo
tornou-se rotina os presidentes escolherem, para ministros do tribunal máximo,
pessoas apenas amigas, sem especial reputação como invulgares conhecedores do
direito. Ditadores, mesmo com apoio popular, esvaziam, com uma só canetada, as
cadeiras nos tribunais e colocam em seus lugares a “patota amiga” que sempre
apoia, nas decisões mais difíceis, quem os nomeou. Na Venezuela, diz a mídia
que é assim. Já não há qualquer pudor nem para disfarçar o motivo do
preenchimento dos cargos. “Notório saber e reputação ilibada” seriam meras
“perfumarias”, porque o que importa é a gratidão pela nomeação.
Uma das missões de Joaquim
Barbosa, como político, seria a de propor modificações na forma de
preenchimento dos cargos no STF. Tarefa hercúlea a exigir alguns anos de
esforço de adequação do Brasil a uma justiça bem mais satisfatória que a atual.
E com isso não estou criticando nem juízes, nem advogados, nem promotores nem
delegados de polícia. Cada categoria faz o que pode — pouco — porque amarrados
por duas necessidades: obediência a uma legislação que se tornou obsoleta e a
necessidade de viver, de ganhar a vida.
Joaquim Barbosa reúne
condições para fazer um saneamento de nosso direito, principalmente na área
processual. Conhece todos os “macetes” hoje utilizados para impedir que a lei
seja cumprida. Tem ojeriza ao “faz de conta legal”; coragem para revogar velhas
tradições, mantidas apenas por inércia, e sintonia com os anseios de justiça da
sociedade brasileira, que não é composta só de ignorantes e tolos. Às vezes, um
semianalfabeto tem um sentimento de justiça mais refinado que um profissional
do direito.
Acalento a esperança, não
utópica, de que qualquer demanda, por mais complexa que seja, não possa durar
mais que dois anos, entre a petição inicial e o arquivamento dos autos, porque
tudo já terá sido decidido e executado.
Caso, por mero realismo
político, Joaquim Barbosa não puder se candidatar para a próxima eleição e caso
ele se aposente proximamente, seria um grande reforço, para os partidos de
oposição dizerem que, se eleito o principal oponente de Dilma, Joaquim Barbosa
será nomeado Ministro da Justiça, por um largo período, com a missão especial
de fazer a já atrasada Reforma, com maiúscula, da legislação brasileira, nos
itens rapidez, simplificação, eficácia, justiça e honradez. Como Ministro do
STF ele ainda pode fazer muito, mas muito menos que um Ministro da Justiça,
propondo as leis necessárias.
Quanto ao “estilo” duro
demais, Joaquim Barbosa, por patriotismo, pelo bem comum, aceitará limar suas
próprias arestas. Do contrário, terei perdido meu latim.
(19-12-2013)
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