sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Sem o “reforço” J. Barbosa, impossível vencer Dilma em 2014



          Dias atrás, um arguto empresário paulista, do setor de alimentação, me demonstrou, em rápida conversa informal, mas com aritmética bem convincente, que nossa assertiva presidente será reeleita em 2014. Talvez por perceber isso, um inteligente político do principal político da oposição, o PSDB, desistiu de disputar sua candidatura na indicação para representar o partido na eleição que se aproxima. Mantida a situação atual, Dilma está eleita.

Não me lembro dos números exatos de votos previsíveis, mencionados pelo empresário. Por isso não os transcrevo aqui porque poderia cometer algum engano. Seu raciocínio levou em conta o número de eleitores pobres — milhões — que recebem as variadas “bolsas”; multiplicou por quatro ou cinco esse número, tendo em vista os familiares dos beneficiados; acrescentou os votos de milhares de funcionários nomeados sem concurso, transformados em aguerridos cabos eleitorais que tudo farão — bem como seus parentes e amigos —, para não perderem seus postos na administração federal, caso seus padrinhos não seja reeleitos. Somou ainda os eleitores fiéis e os  ideológicos do PT; acrescentou os empresários hoje beneficiados pelo governo federal, também convertidos em cabos eleitorais de alto gabarito e que alertarão seus milhares de empregados sobre o risco implícito na mudança do governo. Concluiu, o empresário, que a reeleição de Dilma é tranquila. A menos — acrescento eu — que surja algum fato político estrondoso.
O “estrondo” seria a candidatura do Min. Joaquim Barbosa que, mesmo não sendo oficialmente candidato, mesmo sem qualquer campanha, já conta com um número considerável de votos. Somados estes aos votos dos demais presidenciáveis da oposição, o PT teria, com toda certeza, um longo e não desejado período de reflexão, afastado do poder. Sem o “estrondo” nossa presidente será reeleita e poderá ser sucedida por Lula, a menos que este não queira, por cansaço e idade, o que é pouco provável.
Evidentemente, nenhum candidato de partido importante, hoje na oposição, aceitará ser substituído, como figura central, por um “alienígena” político, de fisionomia não muito amigável, fala direta — frequentemente rude, quando desafiado — e que “até agora mostrou sua experiência apenas na área jurídica”, como dirão também os inimigos declarados de J. Barbosa.
 Afirmarão, tais críticos, que o “mero detalhe” dele haver impressionado o Brasil inteiro na sua luta implacável, o “mensalão”, para punir  criminosos do colarinhos brancos — até ontem juridicamente blindados “de facto” — não o credencia para o vasto “resto” da complexa tarefa presidencial em um país como o Brasil, cada vez mais presente em reuniões de chefes de estado. Dirão que “o País é muito mais complexo que trinta “mensalões” e que J. Barbosa, com sua incontida franqueza, discursando nos fóruns internacionais, provocará, involuntariamente — ou até voluntariamente... — atritos ou desconfortos que exigirão do Itamaraty toneladas de panos quentes para evitar situações de beligerância explícita.
Prosseguindo nas críticas, como “golpe de misericórdia” dirão —, apenas em conversas reservadas  — que existe ainda  “o problema da cor, porque, queiramos ou não, o preconceito ainda não foi erradicado na natureza humana”. Insistirão que “muitos brasileiros brancos não se sentirão à vontade tendo um presidente com o visual de Joaquim Barbosa, que, infelizmente, não sente a ânsia de aceitação nem exibe o savoir faire de Barack Obama.
Não obstante a pertinência das críticas quanto ao “estilo duro” do Min. Joaquim Barbosa, penso que ele reúne, na “substância”, raras qualidades — mentais e morais — para modificações legislativas de vasto alcance, quase “revolucionárias” — no bom sentido, sem uso da força — de nosso ordenamento jurídico. De alto a baixo, a começar pelas regras na escolha dos Ministros do STF.
Essas altas qualidades — competência, coragem, bom senso e constância  — suplantam, com folga, as restrições oriundas de seu temperamento franco e retilíneo. Um “pavio curto” que poderá ser esticado por ele mesmo, bastando querer e se houver razão para esse pequeno sacrifício. E esse motivo será o benefício de seu país. Com essa fundamentação, ele se policiará, tenho certeza, e com todo prazer. Forçado, isso não aconteceria jamais.
 Sua atual franqueza verbal, numa função diferente, representando o país, seria certamente logo adaptada às etiquetas internacionais, porque é um homem inteligente. Além do mais, discordâncias em reuniões internacionais costumam ser muito mais amenas, verbalmente, que aqueles entreveros vistos no STF, em que os pontos de vistas dos ministros são atacados com absoluta franqueza e contundência pelos colegas, não obstante os data vênia e as alfinetadas irônicas de colegas de julgamento. Cenas internacionais mostrando Nikita Kruschev, na ONU, batendo com seu sapato na mesa, tentando chamar a atenção, hoje só interessam como revogadas curiosidades folclóricas.
Sem querer melindrar nossos realmente competentes constitucionalistas, não me ocorre, de momento, nenhum nome de jurista consagrado com desejo e ímpeto para “consertar” o Brasil jurídico de alto a baixo, enfrentando oposições tremendas. Por exemplo, a Justiça do Trabalho não deveria ser uma Justiça destinada a “proteger” o trabalhador. Este deve ser protegido — e já o é —, por uma legislação específica, mas no momento do julgamento das causas trabalhistas o juiz não pode sentir-se na obrigação de “proteger” uma das partes. Embora não frequente a Justiça do Trabalho, ouço frequentes queixas de patrões, ou ex-patrões, pessoas sensatas, e seus advogados, que dizem contestar ações trabalhistas apenas por contestar — dever profissional —, porque “não ganham uma!”. Juiz não existe para proteger ninguém, existe para julgar. Quem pode proteger, repita-se, é a lei.
Essa “proteção garantida” só não causa mais danos porque felizmente ainda existe, no coração de muita gente humilde, um senso inato de justiça. Não querem dizer, na frente de um juiz, que, por exemplo, seu ex-patrão não pagou uma quantia quando ele realmente pagou. Há, porém, um certo percentual de reclamantes que não resistem ao ganho fácil, pleiteando algo que sabe não ser devido mas que lhe propiciará algum lucro em um acordo na audiência inicial. E por que o reclamado concorda em fazer um acordo? Apenas por comodismo, para livrar-se de uma demanda, mesmo injusta. “Não havendo nada perder, por que não tentar?”, é o raciocínio do reclamante que está apenas pensando em dinheiro.
Na área penal e processual penal, a justiça fica desmoralizada quando, por exemplo, um cidadão sai bêbado de uma boate, pega seu carro, corre demais, sobe na calçada, mata algumas pessoas que ali estavam, foge do local e alguns dias depois apresenta-se com advogado. Paga uma leve fiança e passa a responder, em liberdade, por homicídio culposo, ou mesmo doloso.
Respondendo ao processo em liberdade, provavelmente nunca será realmente preso, porque só se pode prender alguém após o trânsito em julgado da condenação. A prisão preventiva só é decretada quando o réu já é um meliante contumaz. Péssima jurisprudência, por sinal. E digo mais: só por causa de um elogiável “pudor profissional” dos advogados é que os processos um dia terminam. Se não ligassem para a própria reputação, poderiam sempre obter a prescrição usando e abusando de recursos, todos eles seguidos de “n” embargos de declaração, porque a lei não proíbe que se apresentem tais embargos, sucessivamente, contra decisões em embargos anteriores. Não há, na lei, qualquer limite quantitativo contra essa prática que apenas exige uma ousada “cara de pau”, com perdão da expressão. Felizmente, a grande maioria dos advogados se abstém disso. Apenas por foro íntimo, não que a legislação os impeçam. 
A mídia está, diariamente, relatando casos de decisões que afrontam o senso comum, levando a população a concluir que, na prática, existem dois tipos de justiça, a do rico e a do pobre. O que explica a inércia dos governos em construir cadeias em número suficiente. Até recentemente, antes da atuação de Joaquim Barbosa, os políticos consideravam-se imunes à prisão. Consequentemente, perguntavam-se: — “Por que gastar dinheiro com cadeias, esses antros infectos, nos quais  nunca entraremos, como condenados?” E essa postura mental tinha um adicional experto: — “Se, um dia, tivermos o imenso azar de uma condenação em regime semiaberto, acabaremos em prisão domiciliar porque não há vagas suficientes no semiaberto. Assim, somente um político muito burro lembrará a construção de mais  semiabertos”.
Não dá para compreender, também, que colhida contundente prova de um crime grave  — prova filmada e gravada —, tudo seja anulado em um tribunal, anos depois, porque houve alguma falha técnica, administrativa, na colheita da prova. Seria o juiz “x” e não o “y”, que deveria autorizar o grampo, conforme o decreto ou lei tal. Assim terminam alguns casos de repercussão. Depois de tanto esforço da polícia, por anos e anos, já não haverá qualquer estímulo para recomeçar. Testemunhas podem ter morrido. — “Nada indica que, renovada a investigação e refeito o processo judicial, não ocorra nova anulação, por isso ou aquilo”, pensa o desanimado delegado.
Outro ponto, escolhido ao acaso. Não sei se nos EUA existem, em conversas privadas de advogados, muitas queixas contra o sistema de nomeação de Ministros da Suprema Corte. Para saber sobre as eventuais críticas seria preciso, quase, morar lá por algum tempo, fazendo amizade com alguns deles. Advogados muito conhecidos do público certamente sentirão receio de criticar, na mídia, a atuação dos reverenciados magistrados que decidirão seus casos. Acham mais prudente não provocar ressentimentos. É impossível avaliar, à distância, o que realmente pensam os advogados americanos sobre as escolhas dos Ministros.
Essa prática norte-americana de o presidente da república escolher, à vontade, determinado cidadão para chefiar, vitaliciamente, a Justiça do país — ele só deixa o cargo morto, ou por incapacidade física, ou mental, ou por impeachment — é algo quase inacreditável em termos de separação dos poderes. Isso porque o presidente da república só escolherá um jurista que pense como ele, nos temas mais importantes. Em suma, o presidente da república espera contar com um amigo e aliado. É também impossível ignorar que o nomeado aceitará a nomeação com um forte sentimento de gratidão. Além do mais, o nomeado é escolhido como “o chefe” do judiciário, desde sua posse até o momento de morrer ou se afastar por outro motivo. Não há um rodízio na presidência, como ocorre no Brasil.
Se o Poder Judiciário Norte-americano funcionou bem até agora — deve ter funcionado, porque não sou especialista no tema e não vejo queixas na mídia — isso só pode ter acontecido devido às peculiaridades culturais de uma nação muito influenciada pela leitura da Bíblia, em que as testemunhas juram, solenemente, realmente a sério, dizer a verdade com a mão pousada no Livro. Lá não há o “direito de mentir”. Pode-se calar, mas não mentir sem consequência.
  A forma de escolha dos ministros da Suprema Corte, pelo presidente da república, nos EUA, não deveria ser imitada, automaticamente, em escala mundial, como tem acontecido. Os “caldos de cultura” variam muito entre os países. Embora, em décadas passadas, no Brasil, os Ministros do STF tenham sido muito elogiados, com razão, algumas escolhas mais recentes têm despertado frequentes criticas na comunidade jurídica. Principalmente em julgamentos de políticos do mesmo partido do presidente que os nomeou.
Alega-se que se os três Poderes devem ser separados, a teoria manda também que os Poderes devem ser “harmônicos”, daí a fundamentação para a escolha exclusiva atribuída aos presidentes da república. Essa “fundamentação”, com o devido respeito, parece, cada vez mais, perder a legitimidade. Implica em “harmonia demais”. Em várias partes do mundo tornou-se rotina os presidentes escolherem, para ministros do tribunal máximo, pessoas apenas amigas, sem especial reputação como invulgares conhecedores do direito. Ditadores, mesmo com apoio popular, esvaziam, com uma só canetada, as cadeiras nos tribunais e colocam em seus lugares a “patota amiga” que sempre apoia, nas decisões mais difíceis, quem os nomeou. Na Venezuela, diz a mídia que é assim. Já não há qualquer pudor nem para disfarçar o motivo do preenchimento dos cargos. “Notório saber e reputação ilibada” seriam meras “perfumarias”, porque o que importa é a gratidão pela nomeação.
Uma das missões de Joaquim Barbosa, como político, seria a de propor modificações na forma de preenchimento dos cargos no STF. Tarefa hercúlea a exigir alguns anos de esforço de adequação do Brasil a uma justiça bem mais satisfatória que a atual. E com isso não estou criticando nem juízes, nem advogados, nem promotores nem delegados de polícia. Cada categoria faz o que pode — pouco — porque amarrados por duas necessidades: obediência a uma legislação que se tornou obsoleta e a necessidade de viver, de ganhar a vida.
Joaquim Barbosa reúne condições para fazer um saneamento de nosso direito, principalmente na área processual. Conhece todos os “macetes” hoje utilizados para impedir que a lei seja cumprida. Tem ojeriza ao “faz de conta legal”; coragem para revogar velhas tradições, mantidas apenas por inércia, e sintonia com os anseios de justiça da sociedade brasileira, que não é composta só de ignorantes e tolos. Às vezes, um semianalfabeto tem um sentimento de justiça mais refinado que um profissional do direito.
Acalento a esperança, não utópica, de que qualquer demanda, por mais complexa que seja, não possa durar mais que dois anos, entre a petição inicial e o arquivamento dos autos, porque tudo já terá sido decidido e executado.
Caso, por mero realismo político, Joaquim Barbosa não puder se candidatar para a próxima eleição e caso ele se aposente proximamente, seria um grande reforço, para os partidos de oposição dizerem que, se eleito o principal oponente de Dilma, Joaquim Barbosa será nomeado Ministro da Justiça, por um largo período, com a missão especial de fazer a já atrasada Reforma, com maiúscula, da legislação brasileira, nos itens rapidez, simplificação, eficácia, justiça e honradez. Como Ministro do STF ele ainda pode fazer muito, mas muito menos que um Ministro da Justiça, propondo as leis necessárias.
Quanto ao “estilo” duro demais, Joaquim Barbosa, por patriotismo, pelo bem comum, aceitará limar suas próprias arestas. Do contrário, terei perdido meu latim.

(19-12-2013)  

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