Certamente o leitor já ouviu falar no “Imposto Único”
(IU), uma ousada proposta de reforma tributária pela qual muito tem lutado o economista Marcos Cintra.
Ele propõe que todos os tributos cobrados no Brasil — cerca de 90 —, sejam
substituídos por apenas um, abrangente, cobrado em toda movimentação financeira
(cartão de crédito, de débito, cheques e pagamentos por via eletrônica). Sua proposta
é bastante atraente em termos de praticidade, simplicidade e moralidade.
Na verdade, o IU seria algo quase mágico, “bom
demais para ser verdade”, tal o tormento representado pela imensa burocracia e
papelada que hoje fustiga o bom contribuinte brasileiro. No plano lógico, nada
mais racional. Tão bom que chega até a preservar a honestidade (forçada) de
todos os funcionários de alguma forma ligados à arrecadação. Isso porque
trata-se de um tributo praticamente insonegável.
Entretanto, essa feliz iniciativa só poderá ser
implantada por etapas, sem “saltos no escuro” — em termos de arrecadação —,
funcionando a lei ( única forma legítima de imposição) como uma espécie de tubo
de ensaio. Se o mundo da ciência — biologia, química, física, medicina, etc. — não
pode dispensar a experimentação, os mundos da Ciência do Direito e da Ciência Política
também não. A menos que admitam que o termo “ciência”, nessas duas áreas, é simples metáfora. Nada como a vigência de
uma lei — por tempo limitado, três ou quatro meses, por exemplo, no caso do
Imposto Unico — para saber de suas vantagens e desvantagens.
Não adianta apenas conjeturar e palpitar sobre qual
será a arrecadação do IU. Mas para funcionar como “teste” — com isso despertando
menor rejeição dos contribuintes —, a “lei do IU” deve ser apresentada,
explicitamente, como sendo provisória, por “x” meses (três ou quatro, a título
de sugestão). Se não der certo, volta-se
ao que era antes e não se fala mais em IU.
Os tributos atualmente em vigor continuarão sendo pagos
durante o prazo do “teste”. Teste amargo, claro, mas não é possível avaliar o
extraordinário potencial reformador do IU se aplicado de outra forma. Quando Thomas
Edison conseguiu autorização para testar o uso da lâmpada elétrica
incandescente na iluminação de uma cidade americana, o óleo de baleia, usado
para o mesmo fim, não foi descartado durante a experiência. As lâmpadas elétricas
poderiam não funcionar como esperado.
Decorridos os
meses mencionados na “lei experimental” do IU, o governo teria de publicar —
exigência contida na própria lei — o total arrecadado apenas com o IU, e também
os valores arrecadados com os tributos ora em vigor, individualizados e no
total, sem o IU, para comparação. Feito isso, teria o governo federal que
reduzir — no prazo “x”, de vigência provisória do IU —, a atual carga
tributária tradicional, no mesmo montante arrecadado com o IU.
Uma alternativa mil vezes mais simpática aos
contribuites seria a seguinte: nos três ou quatro meses de imposição do IU, o
Imposto de Renda das pessoas físicas (e por que não também o das pessoas
jurídicas?) seria reduzido em 50% de suas alíquotas. Se, no período do “teste
legislativo”, o I. Renda arrecadou “x”, é evidente que o I. Renda atualmente
cobrado proporciona uma arrecadação de duas vezes “x”. Isso permitiria comparar
o que aconteceria com a arrecadação se o IU fosse incorporado, de vez, ao nosso
sistema tributário. Resta ver se o governo federal teria coragem de fazer isso,
embora perfeitamente justo. Com o percentual do “teste”, aqui sugerido — entre
1% e 2% de toda movimentação financedira —, não há dúvida que seu montante suplantaria
folgadamente a metade do que é hoje arrecadado a título de I. Renda. Em suma,
não haveria, certamente, risco do governo federal ficar parcialmente insolvente
nos três ou quato meses em que receberia a totalidade do IU e somente a metade
do I.Renda.
Prossigamos na fundamenação do Imposto Único.
O IU pretende ser um tributo destinado a
substituição de um complexo sistema por outro mais simples, não um mero
acréscimo permanente de carga tributária. E a arrecadação total do país, livre
de notórios desvios, será muito maior que a atual, em que muitos que podem
pagar não pagam. Será um acréscimo, um acúmulo, apenas nos três ou quatro
meses, previstos como “experiência”, porque, como já foi dito, não é possível
trocar um vasto e antigo sistema tributário por outro, cujo volume de
arrecadação é impossível prever.
Essa redução dos tributos vigentes (sem o IU) será
feita ou com a extinção de alguns impostos, ou redução de alíquotas de tais ou
quais tributos, sempre visando a simplificação da tributação. A finalidade do
IU não é aumentar a tributação, mas substituir várias tributações por apenas uma,
ou muito poucas, até chegarmos, futuramente, ao IU realmente único, ou algo
próximo disso. É impossível saber, com certeza, hoje, sem um teste comfiável,
se é factível um país ter realmente um único tributo. Mas, que tal se no Brasil tivéssemos apenas três
ou quatro? A União receberia a totalidade da arrecadação — do contrário não
seria um imposto único —, reteria a sua parte e transferiria o restante aos
Estados, que fariam a mesma coisa com seus Municípios. Como fariam isso, em
detalhes? Não sabemos, no momento, mas depois dos governos pensarem no assunto,
chegando a um acordo sobre a furura “divisão do bolo”, seria o momento de
aplicar o teste legal do IU.
O Imposto Ùnico (IU), dispensaria a vasta e onerosa
burocracia que tanto atormenta os bons contribuintes brasileiros e teria como principal
virtude impedir, ou tornar imensamente difícil, a sonegação. Se, após adotado o
IU, algum técnico de banco eventualmente pensasse em inventar artifícios
eletrônicos permitindo o desvio do dinheiro público, seria muito mais fácil para
o governoe vigiar atentamente algumas poucas dezenas de bancos do que policiar
milhões de pessoas lidando com dinheiro, todas elas tentando — como é humano —
escapar, ao máximo, da tributação, porque raríssimos são aqueles que “gostam”
de pagar imposto.
A maior virtude do IU seria alcançar e tributar
aquelas pessoas, físicas e jurídicas, que operam hoje na informalidade — meia
ou inteira —, sonegando tributos e enriquecendo alguns funcionários públicos
desonestos que cooperam com a sonegação. O IU, depois de implantado combateria
a vigente injustiça fiscal do Imposto de Renda, que onera severamente os
assalariados — tributados na fonte, sem escapatória — e também as empresas que preferem
pagar os tributos e viver de cabeça erguida. Erguida, mas intimamente revoltada
com a impunidade fiscal de concorrentes que só lucram com seus “artifícios
sonegatórios” porque, sonegando, oferecem ao público seus produtos a preços
mais acessíveis. E caso autuados pela
fiscalização, não há porque se preocupar demais porque, cobrados em juízo,
sempre podem se defender com inúmeros recursos processuais, sem limites
quantitativos. A fragilidade de nossa sistemática processual, na justiça,
contribui muito para a manutenção da injustiça fiscal, em que os “certinhos”
pagam a própria conta e a conta dos que optam por dever ao governo; ou devem
porque não aguentam tanto imposto. O Imposto Único provará que com ele será
menor o peso fiscal global, porque com ele praticamente todos pagarão.
Para involuntário incentivo à sonegação, o governo oferece
periodicamente generosos “planos”, Refis, ou anistias, admitindo o parcelamento
dos débitos com extensão de décadas. As falhas da legislação processual civil
contribuem também, como disse, para a manutenção da alta carga tributária
brasileira porque, conforme o montante da dívida tributária, é mais lucrativo
não pagar e aguentar uma demanda judicial do que pagar. Para quem não sabe, só
na justiça federal tramitam ações de cobrança fiscal que somam valor superior a
um trilhão de reais. Mesmo o Fisco tendo razão somente em metade dessa vultosa
cobrança no judiciário, esse meio trilhão pagaria, com folga, todos os
precatórios do país.
Alcançando, o IU, a totalidade da riqueza circulante,
tal como ela é, sem artifícios — e não apenas uma fatia dela (dos bons
contribuintes), tal como ocorre hoje — , a carga fiscal, no seu conjunto
legislado, poderia ser diminuída. Se todos pagassem, os que hoje pagam pagariam
menos, insista-se. Os “ausentes” tributários, que lucram mas não contribuem, já
não conseguiriam ficar tão “ausentes”, a menos que passassem a transportar
grandes volumes de notas em malas, pastas, sacos, bolsos e cuecas. O maior inconveniente,
para eles, estaria no risco de roubo. Bandidos armados funcionariam, involuntariamente
— embora para proveito próprio —, como se fossem fiscais violentos, espancando,
sequestrando e até mesmo baleando os portadores de elevadas somas para
pagamentos com dinheiro vivo.
Tenho lido que para substituir toda a arrecadação
tributária nacional a alíquota “certa” para o IU seria de “x” ou de “y” por
cento, no débito e no crédito de cada operação bancária. As propostas sobre
percentual variam. Mas, de qualquer forma, nenhuma delas pode ser adotada no
mesmo momento em que se cancelarem todos os demais tributos no Brasil. Isso
seria uma loucura muito maior que o trágico confisco da poupança no início do
governo Collor.
O Imposto Único (IU), se aplicado hoje, com base
apenas em deduções e conjeturas de arrecadação — por mais competentes que sejam
os opinantes — só serviria para desmoralizar a mais promissora reforma fiscal
possível em países devastados pela burocracia, tributação extorsiva, desonestidade,
e desestímulo para que os bons contribuintes assim continuem.
O IU — ou um sistema tributário próximo dele —,
seria realmente a solução ideal para o Brasil. Dando certo, seria nosso melhor
produto teórico de “exportação” para países até mais avançados do que o nosso,
em outras áreas. Não existe solução mais simples, clara e objetiva para a quase
impossível Reforma Tributária brasileira, até agora apoiada em uma guerra
fiscal que pressupõe a permanência de uma vasta e algo conflituosa legislação. A
meta, hoje, em todas as atividades, é facilitar tarefas, poupando tempo.
Carros, computadores, aparelhos em geral, buscam constantemente a
simplificação. Por que só com a tributação deveria ser diferente?
O IU, insista-se, pretende ser um tributo apenas
de substituição. Em vez de dezenas de tributos, apenas um (algo ainda remoto),
ou pouco mais de um. Durante três ou quatro meses, atuando como uma “experiência
legal”, o contribuinte brasileiro será, de fato, onerado com o pagamento dos
impostos tradicionais vigentes, mais 1%, ou 1,5% ou 2% de IU, em cada
operação financeira utilizando cheque, cartão de crédito, de débito ou
transferência de via eletrônica. E se o governo federal cooperar com a
experimentação, abrindo mão, durante o referido prazo, de metade da arrecadação
do I. Renda, o sacrifício dos contribuintes já não será tão pesado.
Já tarda a hora de se utilizar, legislativamente,
o método científico da experimentação — o “teste da verdade” — em alguns
assuntos humanos de especial relevância.
Não é à-toa que nenhum governo, no nosso planeta,
se atreveu até agora a editar uma lei criando um único tributo com o simultâneo
cancelamento de todos os demais. Essa simultaneidade poderia deixar o governo
sem meios de pagar seus vultosos encargos que não podem ser postergados. E o
prazo do “teste legal” não poderia ser excessivamente curto, de um mês, por
exemplo. Muitas empresas conseguiriam se abster de pagamentos durante esse
período. Já com três ou quatro meses de IU essa longa abstenção de pagamentos
por cheques, cartões de crédito e transferência eletrônica seria praticamente
impossível.
O argumento, frequente, de que o IU é utopia — e
isso estaria provado pelo fato dele não existir em país algum —, não passa de
fraca dedução. Esse tributo ainda não existe porque a forma de sua implantação
tem sido, data venia , mal concebida.
Nenhum governo sensato arriscaria trocar o certo pelo duvidoso. Com o teste,
não haveria mais dúvidas.
Há pessoas, mesmo de boa-fé, que se enervam à
simples lembrança do “imposto do cheque”, a CPMF, que vigorou entre 1997 e
2007, destinado à melhoria da saúde. Como a saúde pública não melhorou e a CPMF
foi um mero aumento de tributo, sem menção de qualquer compensação futura para
o contribuinte, era esperável a revolta da população
Há, também, aqueles contribuintes que se
posicionarão contra o IU alegando que não se pode confiar em nenhum governo
federal, seja qual for o partido no poder. Dirão que não há qualquer garantia
de que o governo federal — após o “banquete” de arrecadação do IU, por três ou
quatro meses —, não ficará ‘enrolando”, sem reduzir os tributos tradicionais. E
um Congresso de maioria submissa pouco poderá fazer para que o governo federal
cumprisse o que foi “combinado” na lei do IU.
Para evitar um “cano oficial”, a mesma lei de
experimentação do IU teria que inserir um artigo frisando que caso o governo
federal não reduzisse, efetivamente — em determinado prazo —, a dispersa tributação
em vigor — considerando o acréscimo obtido com o IU —, o contribuinte ficaria autorizado
a não pagar determinados tributos diretos —, expressamente mencionados na mesma
lei —, até que o governo cumprisse a sua
parte no “acordo tributário” implícito na lei de experimentação do IU.
Se esta sugestão soa como violenta demais, que se
sugira algo que force o governo a cumprir a sua parte na lei de experimentação
do IU. E a alternativa mencionada de início — de o governo reduzir à metade a
cobrança das alíquotas do I. Renda das pessoas físicas e jurídicas durante o
período da “experimentação tributária” — tranquilizaria a população. Ela
pensaria: —“Se o governo, depois do teste, “esquecer” do assunto, pelo menos
teremos lucrado pagando só metade do I. de Renda, durante três ou quatro
meses”. Não mais, por a vigência do I.U. seria por tempo limitado, os três ou
quatro meses já referidos.
É preciso lembrar que, na pureza doutrinária, desde
a Magna Carta, todo o tributo representa um acordo de cavalheiros entre o
“monarca” e seus súditos, no caso, representados pelos congressistas. O povo
paga tributos e, em troca, o governo presta determinados serviços. Somente em
caso de calamidade pública, com grande necessidade de urgência, é que o “rei”,
hoje o Poder Executivo, pode tributar sem esperar resposta dos “súditos”. E não
estamos em declarada calamidade pública, a não ser na metáfora política.
Provavelmente, economistas e tributaristas em
contato diário com estatísticas de arrecadação dos variados tributos poderão
levantar objeções de conteúdo quantitativo, apontando problemas com os
percentuais sugeridos de alíquota para o IU, mas o que interessa, neste exato
momento, é discutir uma “saída” prática e lógica para a tortura tributária brasileira.
Que se corrija alguma coisa, no que eu disse, mas que se faça algo. É fácil
criticar, sem nada propor.
(27-11-2013)
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