Na edição da revista Veja, de n. 2347, a
reportagem “Estados Unidos da Maconha”, da inteligente jornalista Tatiana
Gianini, contém uma observação que me agradou muito, principalmente por um
motivo que não tem nenhuma relação com a legalização, ou não, do uso da
maconha.
Refiro-me a uma frase da reportagem acentuando que
“As leis liberalizantes do Estado de Washington e no Colorado não são
definitivas. Se ficar evidente que elas acarretam mais prejuízos sociais do que
os benefícios esperados, os eleitores podem votar para corrigir o erro
cometido”. Isso porque a decisão de liberar o uso da droga para fins medicinais
e recreativos foi precedida de consultas de opinião pública.
Pela reportagem, não dá para saber, salvo má
leitura minha, se as leis que autorizaram o consumo lícito da droga nos dois
Estados mencionaram expressamente que a autorização será uma espécie de teste —
ou “tubo de ensaio” —, ou se a possibilidade de revogação da autorização é mero
lembrete pessoal da jornalista informando que, como quaisquer leis, elas
poderão ser revogadas, ou modificadas, caso se revelem mais maléficas do que
benéficas nos seus efeitos.
A distinção entre figurar, ou não, na própria lei
— ou na sua justificação —, a possibilidade de sua revogação — conforme o
resultado prático de sua vigência —, é muito importante em termos psicológicos.
Tranquiliza a opinião pública, quando o assunto desperta fortes reações
instintivas. Se uma lei, autorizando o uso lícito da Cannabis, vier com a menção de que será modificada, ou revogada, “se
não der certo”, os inimigos da droga sentem-se mais tranquilizados. Pensarão: —
“ Não concordo, mas vá lá, é uma simples experiência. Até servirá para comprovar
que a maconha é sempre ruim”. Se, porém, uma lei, desse tipo, não mencionar seu
caráter experimental, os adversários ferrenhos da liberação sentir-se-ão na
necessidade moral de partir para algum tipo de ação mais imediata e agressiva,
o que não ajuda em nada o conhecimento sobre qual é a melhor política sobre o
assunto: proibir ou regular o uso da maconha.
Esse tipo de “lei tubo-de-ensaio” bem que seria
recomendável, no Brasil, no que se refere a uma reação da população ordeira
contra a crescente, audaciosa, e quase impune criminalidade violenta.
Já há cidadãos que, aprontando-se para sair de
casa, pela manhã, pensam se não seria
prudente enfiar no bolso da calça, duas ou três cédulas de cem reais, como uma
espécie de seguro contra o risco de ser queimado vivo, caso seja assaltado. Se
a vítima não dispuser de uma quantia “decente”, poderá receber uma esguichada
de fluido de isqueiro e em seguida transformada em tocha humana. No fundo, essa
prática é inspirada em filmes violentos e medíocres que estimulam formas
“excitantes” de tortura e “dureza” que prestigiarão o “churrasqueiro” entre seus
colegas de crime. A possibilidade de responder por esse crime bárbaro é remota,
quando o bandido age encapuzado; ou risível, caso o incendiário seja preso mas
tenha menos de 18 anos.
Bandidos, armados com revólveres, escopetas,
granadas, metralhadoras e bazucas — só lhes faltam tanques de guerra, “mas
chegaremos lá...” — atacam
supermercados, shoppings, bancos, apartamentos e condomínios com a maior
tranquilidade. Destroem as câmaras de segurança e se dão ao luxo de “trabalhar”
com coletes à prova de bala. Assim — eles se perguntam —, por que não
aproveitar “essa covardia generalizada dos ‘burgueses’, que não dispõem sequer
de uma velha garrucha enferrujada que poderia pelo menos impressionar, mesmo
não conseguindo disparar?”
Não obstante o enorme efetivo de policiais
militares, não há possibilidade financeira para o poder estatal colocar uma
viatura policial a cada trezentos metros em todas as rodovias do Brasil. Essa
óbvia impossibilidade permite o “maravilhoso” florescimento do roubo de
carretas e caminhões. Cada carreta dessas, transportando mercadorias valiosas,
equivale a é um prêmio modesto de Mega-Sena. Quase sem riscos, porque motorista
e ajudante estão desarmados, indefesos. — “É só chegar e pegar!” — explica o
bandido chefe, convencendo os iniciantes do bando, caso ainda indecisos na
avaliação do risco/benefício.
Poucos dias atrás, assisti, na TV, uma reportagem
mostrando que algumas transportadoras de carga já não podem utilizar todos os
seus veículos disponíveis porque há escassez de motoristas dispostos a arriscar
suas vidas a troco de nada. Há suficiente número de motoristas de caminhão mas boa parte deles
resolveu mudar de profissão após sofrer, ou ouvir relatos de colegas que
sofreram a traumatizante experiência de ver o caminhão roubado, além de levar coronhadas, tapas,
socos e outra humilhações. Como os meliantes escolhem hora e local, quando a
polícia chega já é tarde.
Esses caminhoneiros sentem-se como lixo humano,
“cordeiros, não de Deus, mas do Senhor bandido”, impossibilitados de qualquer
reação porque não podem portar uma arma, enquanto que os bandidos podem tê-las
à vontade. Não lhes faltam dinheiro, ou drogas funcionando como dinheiro. Se,
na pior das hipóteses, forem presos, não há porque se preocupar com longas
detenções, visto que a legislação e a jurisprudência são frouxas e não lhes
falta dinheiro vivo para contratar bons defensores, que apenas exercem a
profissão.
Não são apenas os caminhoneiros, claro, os
prejudicados. O seguro torna-se cada vez mais caro, com toda razão. Um
conhecido meu, que mantem pousadas no interior, quis fazer seguro de seus
chalés mas o banco lhe disse que não mais aceita seguro de responsabilidade
civil contra furtos e roubos, tal o prejuízo da seguradora tendo que indenizar
os prejudicados que nem podem manter uma espingarda em casa. Se derem um tiro,
defendendo-se de meliantes, que rezem para não acertar porque do contrário
terão que amargar anos de sofrimento moral, defendendo-se no tribunal do júri.
Por que o poder público não toma uma providência
qualquer, mais efetiva que apenas contratar mais e mais policiais? Porque tem
medo do politicamente incorreto. Os governadores, de modo geral, têm pavor de
parecerem “de direita”, alegadamente incapazes de “compreenderem” que o crime é
apenas um “fenômeno social”, “fruto da desigualdade” e outras generalizações do
gênero. Esquecidos de que o crime organizado violento já assumiu feição
empresarial. Quadrilhas se armam cada vez melhor, até com metralhadoras,
enquanto o policial usa um “revolvico” — conforme ouvi de uma senhora indignada
com a desigualdade de armas. A moleza dos governos é de tal ordem que
organizações criminosas já estão assumindo “funções jurisdicionais”, mandando
punir criminoso, por exemplo, que matou criança. Chefões do tráfico gabam-se de
que o crack foi por eles abolido nas cadeias, enquanto que na população livre
os viciados se entregam ao vício dando suas cachimbadas e mudando de local quando
a polícia está incomodando.
Quando, anos atrás, um conhecido político de
esquerda — ele chegou a chorar de emoção
quando conheceu pessoalmente Fidel Castro —, comandava a companha do
desarmamento, eu já me perguntava se não seria temerário tornar a banda “burguesa”
do país totalmente indefesa, enquanto facões e machetes poderiam permanecer nas
mãos dos cortadores de cana, por exemplo, tendo em vista que tais armas são
instrumento de trabalho. Obviamente, minha suspeita era excessiva porque no mundo inteiro difundiu-se
a ideia de que a população civil não deve possuir armas de fogo. Mas, mesmo
afastada a diabólica intenção de desarmar a população para a hipótese de uma
revolução de esquerda, parecia-me perigosa a ideia de deixar a coletividade incapaz
de se defender enquanto não chega o socorro público.
Minha intuição, hoje — igual a de milhares —, é a
de que a certeza, pelo bandido, de que o cidadão pacífico não tem como reagir —
porque está proibido de portar ou ter em casa, ou no trabalho, uma arma de fogo
—, é um tremendo estímulo à criminalidade. O trabalho escassamente remunerado é
“desestimulante”, monótono, desconfortável e estimula a rapaziada, sem formação
moral, a tentar o enriquecimento rápido se o roubo for bem planejado e
executado no momento propício.
Antes do desarmamento geral, os assaltantes raramente
se atreviam a entrar em um prédio de apartamento para roubar os moradores. Por
isso, era comum pessoas idosas venderem suas casas e mudarem para apartamentos.
O assaltante tinha medo de, eventualmente, levar um tiro na cara, querendo
roubar uma unidade. O morador poderia, quem sabe, ter uma arma e ser um sujeito
decidido, convicto de seu direito de se defender.
Hoje, os meliantes estão convictos que roubar “é
sopa”, porque todos no prédio estão desarmados. É compreensível que porteiros
de prédios de apartamento fiquem sem reação quando três ou mais mascarados
chegam com armas de grosso calibre. Resistir é morte certa. Dentro dos prédios, alguns chutes na porta trancada
é o suficiente para entrar. Se houver resistência terá que ser com cabo de
vassoura. Havendo tempo, “um estuprozinho maneiro pode vir a calhar...”.
Alega-se que a presença de uma arma em casa pode
ensejar acidentes. Pode, realmente. Um menino pode encontrar o revolver do pai
e, brincando com o achado, pode matar o irmão. Mas com frequência bandidos
atacam os motoristas que aguardam a abertura do sinal. A dona do carro,
assustada, tenta fugir — ou, nervosa, parece tentar —, e o bandido dispara,
matando eventualmente a criança que está lá dentro. Ou a criança pode ser
arrastada pelas ruas, presa pelo cinto de segurança, sem que o bandido perceba
isso de imediato, como já aconteceu. Em suma, crianças podem morrer baleadas,
tanto por descuido do pai quanto por disparo de assaltante, ofendidíssimo com a
“desobediência” do assaltado, tentando fugir.
O que se sugere, com o presente longo arrazoado? Propõe-se
— como início de reação —, que os Estados brasileiros, pelo menos os mais prejudicados
com abusos, tomem providências legais permitindo que motoristas e seus ajudantes,
nos veículos de carga, viajem armados e protegidos, em suas cabines, por vidros
e portas à prova de balas. E autorizados a reagir, atirando, quando estão sendo
vitimas de roubo. Útil seria, também, a blindagem dos pneus, permitindo ao
caminhão fugir do local mesmo quando os meliantes acertem os pneus.
Obviamente, nenhuma empresa será obrigada a
blindar a cabine de seus caminhões e carretas e armar seus funcionários. Quem
assim quiser, poderá fazer essa blindagem. E não poderá obrigar seus motoristas
e ajudantes a assumir tal risco. Para os caminhoneiros que aceitarem essa
função, o salário será aumentado, por se tratar de trabalho de risco e a
empresa ficará ainda obrigada a pagar um seguro de vida de, digamos, duzentos
mil reais, em favor da esposa ou companheira, ou mãe do motorista ou ajudante,
caso o profissional venha a perecer reagindo aos bandidos. A lei também exigirá
que o motorista frequente uma escola de tiro para aprender a atirar, manipular
e conservar a arma. Os detalhes seriam melhor estudados pela comissão encarregada
de propor essa nova forma de autodefesa contra os roubos de carga. E a lei
poderia esclarecer, na sua justificação,
que a lei valeria por tempo determinado, um ano, por exemplo, “em caráter
experimental”, tal qual aconteceu com as leis dos estados de Washington e
Colorado, autorizando o uso recreativo da maconha.
O efeito psicológico de uma lei dessas poderia ser
enorme, porque os ladrões de cargas não saberão, quase sempre, se o caminhão em
mira é ou não blindado, conduzida com gente armada. E a lei poderia exigir que
todo caminhão, durante a instalação da blindagem, permaneça sem as placas
identificadoras, para que as organizações criminosas não fiquem informadas do
perigo de atacar tais veículos. Se vierem a saber, provavelmente preferirão
atacar caminhões que não se preocuparam em se proteger. Com isso, as empresas
mais previdentes sofrerão menos prejuízo.
Desconheço qual o grau de aceitação, ou de
repulsa, que a presente sugestão despertará nos governos, nas empresas de
transportes, nos motoristas de caminhão e na população em geral. Talvez
prefiram continuar se lamuriando, chorando como mulheres, rezando para nada
acontecer com eles, ou ela, abandonando a profissão e estimulando indiretamente
o triunfo da bandidagem covarde que só ataca a carneirada indefesa. Indefesa
por falta de atitude, ou coragem moral dos governantes, temerosos de perder
votos que, pelo contrário, ganhariam se tivessem, pelo menos a coragem moral de
propor uma reação. Da coragem física os governantes não precisam, porque
rodeados de seguranças.
— “Se o governo não é capaz de nos defender, que
pelo menos nos autorize a nos defendermos”, está na cabeça de muita gente. Ou
será necessário pedir e pagar proteção ao crime organizado para que ele nos
defenda dos assaltos fortuitos da bandidagem desorganizada?
Governadores com medo do “politicamente
incorreto”, esquecem que, hoje, com o abuso dos meliantes, a passividade é que
é politicamente incorreto. Governos moles não serão reeleitos. O país exige
mais ação e menos discurso.
(12-11-2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário