Prisões brasileiras e a
pena de morte.
O equilibrado ministro
da Justiça, José Eduardo Cardozo, em palestra do dia 13-11-12, , afirmou que
“se fosse para cumprir muitos anos em uma prisão nossa, eu preferiria morrer”.
É a declaração que eu
gostaria, faz muito tempo, de ter ouvido de um político respeitado e, além do
mais, no caso, jurista. Principalmente do
“preferiria morrer”. Isso porque, coincidentemente, mata-se, hoje, em São Paulo
em outros municípios, com a maior desenvoltura. Com o “bônus” da quase certa
impunidade. Um “esporte”, mais profissional que amador, provavelmente ordenado
ou incentivado pelos chefões do crime organizado que, presos ou soltos,
consideram “inaceitável” essa “história” de ocupação de favelas pelos governos,
com prejuízo do narco-business. Ou aborrecidos com diretores de presídios que
se atrevem a desrespeitar a “administração paralela”, entrando sem antes
agendar, nas celas dos “líderes” como se fossem donos únicos da cadeia, ora
essa! :— “Precisamos defender a livre
inciativa! Nem que seja à bala! Afinal, atendemos à demanda do mercado!”,
parecem dizer os traficantes que espalham
o terror na nova Medelín do Hemisfério Sul.
Não é que a polícia não
se interesse por descobrir quem vem matando, e a mando de quem. Ela investiga, tenta
fazer algo, mas como as vítimas são frequentemente “premiadas” ao acaso, é
dificílimo a investigação chegar ao criminoso. A culpa da chacina não é dos
governadores. É da frouxidão legislativa e da impressionante falta de coragem
intelectual e moral — são coragens
diferentes — de quem lida com a questão de combate à criminalidade. Quase todos
os cultos opinantes temem serem rotulados de “retrógrados”, “ bárbaros” ou
“neonazistas” caso a discussão escorregue para o tema “pena de morte”, a nota
máxima do politicamente incorreto. Segundo a mídia, o próprio ministro
apressou-se a esclarecer, após falar das péssimas cadeias, que é contra a pena
de morte e a prisão perpétua. Possivelmente o receio de ser linchado pelos
jornais, guarda-costas do tabú.
Inimigos do PT, ou
céticos habituais, certamente murmurarão que a frase ministerial tem a secreta
intenção de preparar o espírito da população — diminuindo sua decepção —,
quando vier a saber, no devido tempo, que raros condenados pelo mensalão irão para
a cadeia em regime fechado. Para o
“povão”, cadeia mesmo, “de verdade”, é só em regime fechado, porque não havendo
vaga para o semiaberto o condenado acabará dormindo na casa dele. Convencido, o
povo, desde já, que os presídios brasileiros só degradam — a ponto de um
ministro da justiça preferir a morte —, o ressentimento popular contra a
“impunidade dos grandes” ficará bem abrandado.
O uso obrigatório de capacetes, por motociclistas,
torna praticamente impossível saber quem passou atirando. E carros com chapas
encobertas também oferecem essa vantagem aos adeptos da caça esportiva de seres
humanos, principalmente policiais militares. Deveriam estes andar protegidos
por soldados do exército? Câmeras nos
postes, não obstante úteis, não têm completa serventia, principalmente quando
os homicídios ocorrem à noite.
Políticos e juristas
contrários à pena de prisão costumam argumentar que “pena não é castigo, é
oportunidade para ser reinserido”. Essa reflexão, porém, só se aplicável àqueles
criminosos “pés-de-chinelo”, na maior parte uns infelizes — analfabetos, ou
semialfabetizados, carentes de tudo, até de alimento —, que praticam atos
antissociais como única forma, talvez, de subsistência.
É o caso dos indivíduos
que, para ganhar algum dinheiro, recebem apostas do jogo-do-bicho; trabalham
para traficantes vendendo algumas gramas de entorpecentes; carregam, saquinhos de cocaína dentro do
estômago (arriscando-se a morrer quando o plástico rompe), etc. Como esse
pessoal pouco sabe de útil para ganhar seu pão honestamente, ou não tem mais
chance de emprego, a cadeia seria até um oportuno local para que aprenda alguma
profissão. Tais como a de pedreiro, encanador, eletricista, técnico em
eletrônica e computação, motorista de ônibus e caminhão, cozinheiro, e até
mesmo algo mais sofisticado como guia de turismo, intérprete, e outras
profissões, conforme as aptidões naturais de cada preso. Para isso, precisamos,
há décadas, de melhores prisões, transformando fracassados em bons
profissionais, porque há detidos com grande potencial. Espera-se que o ministro
insista e persista na melhoria do sistema penitenciário, seja qual for o
objetivo visado ao dizer o que disse.
Enfim, as péssimas
prisões brasileiras só degradam o ser humano, como quase todos sabem e bem
lembrou nosso simpático ministro. As cadeias tornaram-se inúteis sob o ângulo
recuperação porque nada ensinam. Aliás, “ensinam” a aprimorar a criminalidade,
através do convívio de marginais mais perigosos. E além de nada ensinar, cadeias
sub-humanas geraram um efeito colateral imprevisto e sutil, que nunca vi
mencionado pelos juristas que escrevem sobre o tema. Se escreveram, lamento não
ter lido.
Refiro-me à
inconsciente, ou consciente, solidariedade de classe que pode inibir alguns
juízes — de alma mais sensível, digo isso sem ironia —, quando imaginam o
quanto sofrerá um banqueiro, por exemplo, ou homem influente, jogado no meio de
marginais da pior espécie, loucos por uma “revanche” contra os ricos. — “Essa
convivência será pior que a própria privação de liberdade. Vão atormentar muito
mais esse condenado que os demais...”, pensará, talvez, um ou outro magistrado
mais impregnado da solidariedade de classe ou mesmo humana. Pelo que sei não há
hoje nenhum grande financista no Brasil, cumprindo pena em regime fechado.
A vasta maioria dos juízes vem da classe média,
ou alta. É bem possível que essa atávica ou inconsciente “solidariedade” social
pese não só no momento da escolha da pena como também — e aí reside o maior
perigo — na formação da jurisprudência mais criticada ou odiada pela população
brasileira: aquela que insiste em dizer que o réu só poderá ser cerceado em sua
liberdade após o trânsito em julgado da sua condenação. Sem distinguir entre a
prisão preventiva (apenas para impedir a fuga) e a prisão definitiva,
consequente do trânsito em julgado da condenação.
O país inteiro, leigo,
não entende porque vigora, com força total, a “presunção de inocência” quando o
réu, pessoa de projeção, foi condenado em três instâncias sucessivas e assim
mesmo não é recolhido à prisão provisória — apenas para impedir sua fuga — enquanto aguarda a decisão final do STF.
Decisão que viria mais rápida porque quando o réu aguarda preso a palavra final
da justiça seu caso tem prioridade de julgamento. A população mais alerta,
usando o mero bom senso, imagina que nenhum réu — com cabeça normal —, vai
deixar de acompanhar, bem de longe, com um pé fora do país — ou na estrada —, o
resultado final de seu processo criminal. Para isso existem celulares. Se
absolvido, volta pra casa. Se condenado, só volta se a prisão for domiciliar. Se
as prisões brasileiras fossem condignas, não tremendamente sujas e humilhantes,
é bem possível que os magistrados das cortes superiores mudassem a
jurisprudência, decretando a prisão preventiva logo após a confirmação da sentença
condenatória nos tribunais de apelação. Pensariam: — “Agora sim, com cadeias
condignas é razoável segurar esse réu antes que ele decida sumir”. Repetindo:
cadeias decentes endurecerão a justiça no tratamento de criminosos do colarinho
branco.
Voltando ao tema da
“recuperação” dos presos, é ridículo pretender que bandidos — bem vestidos, bem
armados, bem nutridos, bem organizados e até mesmo endinheirados — devam ser
presos apenas para serem “recuperados”, ou “reinseridos”. Eles precisam ser
presos como castigo mesmo, e para gerar medo ou respeito naqueles não presos mas
propensos à marginalidade.
Biografias de grandes
criminosos, de todos os países, mostram que existe, em algumas pessoas, uma
certa vocação para o crime, isto é, para satisfazerem seus desejos sem ter que
obedecer a muitas regras. Bandidos bem armados “arrecadam” muito mais dinheiro
que os delegados de polícia ganham honestamente com seus proventos. Nos seus esconderijos
a polícia encontra, com frequência, armas pesadas e caras, compradas no mercado
negro. Repórteres filmam pilhas de dólares, euros e joias, quase sempre
roubados. Andam em “carrões” e planejam, com minúcia e antecedência, explosões
e roubos de caixas eletrônicas. Roubam transportadoras de valores, cargas
caríssimas de caminhões e agências bancárias
que só podem ser alcançadas com túneis de dezenas ou centenas de metros.
Túneis com ventiladores, luz elétrica. Só não instalam saunas, porque os túneis
já são quentes e abafados. Os chefes desse pessoal não quer ser “reinserido”
após aprenderem uma “profissãozinha mambembe”
que lhes proporcione apenas uma fração do que ganhavam antes de serem
presos. Voltarão para o crime — com raríssimas exceções — e com uma só ideia em
mente: — “Na próxima vez não cometerei aquele maldita falha!”
E o que dizer dos criminoso
do colarinho branco? Financistas
astutos, capazes de ensinar truques contábeis até mesmo a livrescos ministros
da fazenda, devem, na prisão, aprender o quê? Botânica? História? Geografia?
Deverão se transformar, por acaso, em professores de Ética? Se isso abreviasse
a permanência deles da prisão, sairiam em três tempos porque, inteligentes,
lerão com facilidade, tudo aquilo que repetirão depois em salas de aula, embora
não acreditando em uma só palavra do que ensinam. Aliás, para eles a Ética é
boa, mas para os outros, não para eles, que não pretendem aumentar a
concorrência.
Pergunto: se o melhor
professor universitário de ética do país matar a amante num momento de ciúme e,
a partir do dia seguinte — na delegacia e no decorrer da ação penal —, se
mostrar profundamente arrependido, “recuperado” — fato atestado por três
psicólogos sérios do estado — não seria o caso de — apenas por coerência
teórica — ficar livre de qualquer prisão porque, afinal, está sinceramente
arrependido — “recuperado” — e por isso
“reinserido” na sociedade?
Enquanto o ser humano
for como é, enquanto não for criada uma técnica — farmacológica ou psicológica
— que interfira, com segurança, no funcionamento dos neurônios eventualmente
relacionados com a ética, os governos e as leis não podem abrir mão do uso
utilitário do medo para inibir as más tendências da raça humana. É o velho e asqueroso
medo que vem mantendo a humanidade com rédeas curtas. Medo do que? Da possível
reação da vítima, quando atacada; da multa de trânsito; da prisão, preventiva
ou definitiva quando fez umcrime; da multa penal que será realmente cobrada; da
perda do emprego, caso comporte-se mal no trabalho; medo da pensão alimentícia
cobrada pelo filho passando necessidade, etc.
Infelizmente, se o
sentimento do medo impregna — por lamentável necessidade imperiosa —, todas as
áreas do comportamento humano, que não é santo, ele não pode ser dispensado na
área penal. Ainda não dá para a humanidade confiar apenas na ética. Isso
equivale a dormir em uma jaula, na companhia de um tigre esfomeado, confiando
na ética do animal. Enfim, são duas as finalidades da pena: punir e também
recuperar.
Todos os teóricos
concordam que mais vale prevenir o mal que punir o infrator. Concordo. Ocorre
que em todas as sociedades humanas existem carências — “o mal” — não
satisfeitas totalmente. Há carências relacionadas com a falta de dinheiro, com
a libido incompletamente satisfeita (“seria melhor fazer sempre com mulheres
lindas”), com moradias pouco confortáveis, etc. Se não houvesse medo algum de
repressão estatal viveríamos em caos permanente.
Quando, em cidades americanas, país adiantado,
ocorre um apagão geral, à noite, os supermercados sem proteção são saqueados. E
nem sempre por pessoas esfarrapadas. O
que “previne” saques? O medo da polícia. Assim , o lema de que “prevenir é
melhor do que punir” está exemplificado no medo da prisão. Alguém sustentaria,
nesses casos, que a polícia deveria se ausentar, deixar os saqueadores à
vontade e depois espalhar na cidade placas dizendo que saquear é feio, que “Jesus
Cristo deve estar triste”, etc.?
Mas — aqui vai a
pergunta crucial —, e quando alguns já perderam totalmente o medo da prisão?
Fazer o que com eles?
Latrocidas; matadores
de aluguel; estupradores que não perdem o vício e ainda matam as vítimas;
pedófilos assassinos de crianças; sequestradores que eliminam os sequestrados depois de receber o valor do
resgate; marginais que passam de carro ou moto atirando em pessoas ao acaso — por diversão ou por encomenda —,
condenados a longas penas de prisão em regime fechado não sentem medo da lei
penal. Já condenados a décadas de cadeia, não há mais o que perder, mandando
matar mais alguns. Com telefones celulares podem se dar ao luxo de mandar eliminar
quem bem entendam, fora dos muros da prisão. Basta querer e ter como pagar o executor. Pessoas presas mas
com dinheiro sempre conseguirão um celular ou transmitir suas ordens utilizando
de pessoas que o visitam.
Para esses criminosos,
envolvendo a morte dolosa, não vejo como não se discutir a pena de morte no
Brasil. A ONU desaprova a pena de morte
porque em muitos países ela é utilizada também como um meio de eliminar
opositores políticas. O que não é o caso do Brasil.
Claro que essa
proibição é cláusula pétrea constitucional, mas pergunta-se: será necessário —
segundo nossos cultos constitucionalistas —, fazer uma “revolução”, com novo
poder constituinte, apenas para permitir que a pena de morte seja permitida em
casos gravíssimos, sempre relacionados com a morte da vítima ? Se 90% da
população optasse, em referendo, pela legalização da pena de morte, com
injeção, essa vontade nacional não teria qualquer significado? O povo não tem
qualquer soberania? Penso que com um pouco de criatividade jurídica e audácia
será possível alterar um cláusula pétrea —
há dezenas delas na CF — sem necessidade de uma formal “revolução de
araque”, com pessoas invadindo a Praça dos Três Poderes brandindo espadas de
papelão e espingardas de rolha para que ninguém saia machucado.
A pena de morte
tornou-se anátema porque a televisão mostrava a cena triste de um condenado
sendo preparado para a execução. Isso impressionava muito. Porém, se juntamente
com a cena da execução legal fosse exibida a cena — simulada, claro — da
criança sendo estuprada e esganada, ou uma velha morrendo a marteladas e
facadas, ou torturada por bandidos que invadiram sua casa, podem acreditar, Senhores
e Senhoras, que a chamada “pena máxima” ainda existiria em muitos outros
países, além da China, Estados Unidos e algumas poucas nações.
Parodiando nosso
ministro da justiça, eu preferiria morrer com as injeções utilizadas nas penas
de morte mais civilizadas (uma para injeção dormir, outra contra a dor e outra
para matar) do que após prolongada e cara agonia em UTIs de hospitais.
A pena de morte assusta
pelo simples enunciado? Encaremo-la como “eutanásia penal”. Quem, com
frequência, mata por prazer, diversão, ou para ficar com o dinheiro alheio — às
vezes do pai — no fundo é um doente, embora não do corpo.
Resumindo, porque a
coisa poderia ir ainda longe, se as cadeias corrompem, a impunidade corrompe
muito mais, porque atinge um número maior de pessoas. Se a ordem é preservar a
vida, pensemos na vida das vítimas, que merecem ser mais protegidas que a vida
de seus assassinos. Elas, vítimas, foram “condenadas” sem julgamento, sem
assistência de advogados, geralmente por motivo torpe e com práticas muito mais
cruéis que as injeções legais acima referidas.
Lamento não agradar,
mas é o que muitos também pensam, mas temem expressar.
(15-11- 2012)
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