segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ofensas ao sendo comum. Dois exemplos


1ª Ofensa: a PEC 37.

Poucos dias atrás li uma notícia curta, em jornal paulista, dizendo que a Comissão Especial da Câmara dos Deputados votaria, em 31-10-12, a PEC 37, que proíbe promotores e procuradores  da justiça realizarem investigações na esfera criminal.
A aprovação desta PEC é um tremendo retrocesso na luta do Brasil para diminuir a impunidade. Compreende-se que interesses corporativos existam em todas as profissões — sem exceção — mas cabe complementar essa compreensão com a grande e essencial pergunta: o que importa mais? A preservação do natural orgulho profissional, o “esprit de corps”,  ou a melhoria do serviço prestado pelos profissionais? Qual o medo embutido naqueles que não querem que “ninguém de fora” — no caso, promotores e procuradores, pessoas especializadas na luta contra a criminalidade — investiguem condutas suspeitas, principalmente ligadas ao crime organizado?
É óbvio que o Ministério Público, já bastante ocupado na sua função acusatória em juízo, não vai tomar iniciativas investigando crimes banais, nem crimes graves em que não haja influências externas atrapalhando a busca da verdade. O MP está interessado apenas em impedir que criminosos poderosos — política e economicamente —, exerçam quase irresistível pressão sobre investigadores, escrivães de polícia, delegados e mesmo secretários de segurança pública.
O policial cumpridor de seus deveres sabe que se quiser investigar, “pra valer”, algumas atividades suspeitas  — talvez todo mundo já saiba que não é mera suspeita... — de um figurão do Estado, da República, das altas finanças — ou mesmo, eventualmente de um membro da cúpula policial —, põe sua carreira em risco. Ele não tem a garantia constitucional — deveria ter... — de se manter naquele cargo, caso atue com lisura, embora de forma corajosa. Poderá ser removido ou caído em desgraça, ou atropelado. É para esses casos, essencialmente, que serve a permissibilidade de um promotor ou procurador iniciar uma investigação.
A tendência atual é que todos os Poderes sejam investigados, interna e externamente. Considere-se que juízes estão sujeitos ao controle externo, exercido pelo Conselho Nacional de Justiça. E órgão equivalente também exerce controle sobre o Ministério Público. Por que, pergunta-se, apenas a polícia não pode ser, de certa forma, “controlada” quando se omite, ou eventualmente investiga mal, de propósito, temerosa de represálias vindas “de cima”?
Essas raras investigações — e certamente serão relativamente poucas —, de iniciativa do M. Público deveriam ser encaradas até com alívio pelos profissionais na polícia porque com eles ver-se-iam livres de pressões difíceis de resistir — às vezes até por coleguismo — quando não há garantias no cargo ou função que ocupam. Espera-se que a Câmara pense um pouco antes de cometer uma barbaridade.
 
2ª Ofensa: Correntistas com fundos em bancos quebrados que “ficam a ver navios” (naufragados).
Com a quebra do Banco Cruzeiro do Sul, deixando inúmeras vítimas quase sem tostão, é bem pertinente a pergunta: Para que serve o Banco Central?
Reportagem recente do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 4-11-12, pág.B3, traz depoimentos de pessoas que colocaram suas reservas financeiras em fundos do Banco Cruzeiro do Sul. Certamente perderão tudo ou boa parte do que amealharam no decorrer dos anos. Tem cabimento se conformar com isso? O Banco Central seria apenas um ”enfeite posudo”?
Se quebras semelhantes ocorrerem com mais frequência, sem reação do próprio sistema bancário, as pessoas que se preocupam com o futuro só terão coragem de colocar suas reservas em fundos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, com garantia governamental. Como o governo pode até emitir dinheiro, é se se esperar que o que é do cliente será devolvido, numa emergência.
Praticamente nada li sobre a quebra do Banco Cruzeiro do Sul mas as manchetes usam adjetivos relacionados com “fraude”,  ou desonestidades. Se o Banco Central é incapaz, tecnicamente, de saber o que se passa no interior dos bancos — relacionado com o dinheiro dos clientes —, é melhor confessar sua própria falência. Ou providenciar uma revolução interna que tranquilize a população. Ou será o velho colchão o melhor “banco” para se guardar o próprio dinheiro?
É, por acaso, necessário alterar a legislação para tornar mais eficaz a missão de zelar pelo dinheiro dos depositantes? Que se modifiquem algumas leis, ou regulamentos. O que não tem cabimento é o BC ser o último a saber do que se passa nas finanças das instituições que lhe cabe vigiar.
Não parece pertinente a alegação de que “Fundo é fundo! Há sempre um risco!” Pessoas comuns sabem apenas, teoricamente, que alguns fundos são mais lucrativos que outros, mas, pelo que se lê nas  entrevistas, eles ficaram é sem nada disponível de imediato. O bom senso aconselharia que a pequenos investidores deveria ser assegurado um percentual mínimo de retorno porque a prática usual — que não pode ser ignorada —é que os correntistas acreditam no que lhes dizem os gerentes de banco que os atendem e convencem, certamente de boa-fé. Ou que os bancos sejam proibidos de transferir para fundos — apesar do pedido (enganado) do correntista — mais de 50% do dinheiro que ele tem na instituição bancária.  Algo, enfim, precisa ser feito para que os fundos não se transformem em armadilhas para pessoas não especializadas em finanças, como é o caso da vasta maioria dos correntistas.  
Talvez a frouxidão na vigilância do BC decorra de um relacionamento íntimo e amistoso demais entre funcionários do BC e os das instituições bancárias. Os contatos frequentes, se eventualmente existem, até mesmo socialmente, tendem a afrouxar certas vigilâncias que não podem ser facilitadas, ou esquecidas para não parecerem sinais de “desconfiança do amigão”. É por isso, que muitos magistrados mostram-se arredios com relação a políticos e advogados.
Amizade não casa bem com desconfiança, mas uma certa reserva ou “desconfiança implícita” é inerente à função de julgador, ou fiscal — caso do BC .  Se um magistrado vai a todas as festas de um advogado, seu amigo, e é fotografado junto com o anfitrião, essas fotos podem lhe dar muito aborrecimento futuro, porque um inimigo do hospedeiro pode alegar que tal ou qual decisão foi fruto da parcialidade. Uma parcialidade que pode existir até mesmo inconscientemente. É por isso que sempre fui contrário à pretensão da OAB, no seu direito, estatutário, de um advogado exigir ser atendido por desembargador antes de um julgamento.
O advogado nunca procura esse contato para falar bem da parte contrária que, estando ausente, ficará em alguma desvantagem na formação do convencimento do julgador. Se quiser falar com o desembargador, que traga consigo o patrono da parte adversa.
Enfim, convém que o Banco Central reveja seu sistema de vigilância. Muito já foi conseguido com a indisponibilidade dos bens dos administradores da instituição financeira, mas isso não basta, como se constatou. É imprescindível um aperfeiçoamento contínuo.  Punir é menos importante que prevenir, todos sabem disso. O que não dá para tolerar é a inércia e a indiferença com o prejuízo de centenas ou milhares de pessoas que apenas confiaram no sistema bancário. Se o sistema não merece fé, que se admita isso às claras, com tabuletas dizendo: “Este banco não se responsabiliza pelos valores depositados”.
E fiquemos por aqui, evitando artigos longos demais. Se o tamanho é exagerado, o possível leitor não lê nem duas linhas, cansado por antecipação.

(05-11-2012)

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário