Deixo expresso que sob
o ponto de vista da vigorante ética profissional — mesmo nas nações cultas —— nada
pode ser dito contra tais advogados quando, não praticando, eles mesmos,
crimes, tratam de tirar o máximo proveito dessas distrações legislativas, vulgo
“brechas”, em benefício de seus clientes. Todo profissional quer e precisa, em
uma sociedade capitalista, ser “bem sucedido”, inclusive, e principalmente, em
termos econômicos. Provavelmente, daqui a muitas décadas, quando garantido aos
grandes criminalistas um excelente padrão de vida mesmo dizendo, em juízo,
apenas a verdade —, corrigindo os excessos da acusação —, teremos uma nova ética
profissional, universal, com quase total ausência de impunidade. A comunidade
menos sofisticada, atualmente, engole mas não digere, moralmente, o fato de
notórios criminosos conseguirem escapar do rigor da lei contratando hábeis advogados
que conseguem navegar suas defesas evitando todos os arrecifes legais. Conhecendo
o caminho das pedras, conseguem evita-las.
Hoje, um inflexível apego
à verdade em juízo, por parte de profissionais que são procurados por pessoas
acusadas de crimes, significaria suicídio profissional. Um advogado mal
vestido, guiando calhambeque enferrujado, recebendo clientes em salinhas que
pareçam maratonas de pulgas será automaticamente rotulado como incompetente e
fracassado, Só escapará desse ferrete se tiver reputação de gênio excêntrico, mas
sem dívidas. O êxito financeiro, é o critério — impiedoso mas real — do público
julgar qualquer profissional da advocacia — e também de outras áreas —, o que
explica o interesse do mesmo em defender com empenho clientes abonados que o
procuram, sejam eles culpados ou inocentes.
Mesmo que o
profissional não aprove, no íntimo, os malfeitos de seus clientes —, seguramente
não vota neles nas eleições —, não recusará suas defesas, em prejuízo da
segurança financeira de sua própria família. Tranquilizará a consciência
dizendo que não é pago para fazer justiça, mas para defender um acusado usando as
armas que a legislação assim permitir. Dirá, ainda, que não estão sendo pago
para consertar o mundo nem corrigir a legislação vigente. Em suma, pensará: —
“Não sou juiz, nem legislador, nem salvador de almas, nem justiceiro”. Dito
isso, dedicará sua energia a procurar as provas que beneficiem o cliente ou,
não as encontrando, construindo argumentos capazes de criar dúvida ou cansaço
na mente e na vista do julgador. A busca do fadiga judicial explica, muitas
vezes, nas grandes ações criminais e cíveis, o volume gigantesco de “provas
documentais” capazes de desanimar os juízes mais resolutos, bastando uma olhada
nas enormes pilhas de autos volumosos.
A propósito, nos EUA algumas pessoas já esboçaram
a intenção de denunciar formalmente Henry Kissinger, por violação de direitos
humanos, no Tribunal Penal Internacional. Porém, mal acabam de externar esse
desejo o Kissinger aparece com um “livro- tijolo” de novas “memórias” que
obrigariam um denunciante consciente a ler e meditar sobre centenas de páginas,
grávidas de fatos e sutis interpretações, para só depois formalizar a acusação.
Com isso, até agora, pelo que sei, nenhuma acusação formal foi apresentada na
referida corte internacional. É por isso que na diplomacia a palavra tem a fama
não de externar o pensamento, mas de ocultá-lo.
Dito isso, abordemos,
sem novas digressões teóricas, o que está para suceder com o tal “mensalão” que
tanto preocupa as pessoas, aos milhares ou milhões, preocupadas com a ética na
política brasileira.
Para começar,
ressalte-se que tal processo, no caso de condenação, mesmo tramitando no órgão
máximo — supostamente para única decisão “final”—, não terminará tão cedo,
graças às brechas presentes no Regimento Interno do STF. A justiça brasileira —
na vasta maioria honesta — foi estruturada, formalmente, para funcionar como um
sofisticado laboratório de pesquisa buscando uma esquiva verdade a ser
dissecada inúmeras vezes, em diversos “laboratórios” judicantes, esquecendo-se
que um excesso de reexames traz, implícito, um grande mal: a infindável demora,
que só beneficia a parte que não tem razão.
Diz o art. 333 do
referido Regimento que “Cabem embargos infringentes à decisão não
unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar procedente a ação penal”. Para
permissão dos embargos infringentes (para os leigos: novo julgamento, quando a
decisão não for unânime) basta que haja quatro votos divergentes, o que é bem
provável no caso da Ação Penal 470. Com isso, o processo poderá tramitar por
muitos meses, bastando, para assim verificar, a leitura dos arts. 330 a 336 do
Regimento. Cuidando-se de 138 réus, a “burocracia” regimental — caso não
“enquadrada”(retificada), com grande urgência pelo STF — pode ensejar demora de
vários meses, muito superior à permanência dos Ministros Peluso e Ayres Britto
na Corte. Para que tal demora aconteça basta que os vários réus assim queiram, redigindo
petições.
Para complicar, dificultando ainda mais a
efetividade da justiça, na hipótese de condenação, existem os “embargos de declaração”, destinados a esclarecer ou corrigir o que foi decidido “quando houver
no acórdão obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que devam ser sanadas”.
Este artigo do Regimento é, obviamente, um
“prato cheio” para retardar o término de qualquer julgamento, porque quem
redigiu o Regimento Interno não imaginou (?!) que pudesse ser utilizado de má
fé, infindáveis vezes. Mesmo que o acórdão não contenha obscuridade, dúvida,
contradição ou omissão, nada impede que o réu diga que há. Já houve um caso,
relatado honesta e confidencialmente por um brilhante ex- Ministro, em que o
STF teve que usar uma ilegalidade para impedir que a parte perdedora tornasse
sua causa perpétua apresentando seguidos “embargos de declaração”. Negado o
primeiro, a parte apresentou o segundo. Este negado, apresentou o terceiro, o
quarto, o quinto — não me lembro quantos foram —, sempre apontando um suposto
defeito formal no acórdão redigido por último. Tirava proveito do fato de o Regimento
Interno não estabelecer limites quantitativos. Os Ministros, concluindo, no
caso, que estavam sendo vítimas de um evidente abuso, ordenaram à Secretaria do
Tribunal que não mais recebesse novos embargos declaratórios naquela ação. Uma
ilegalidade formal, claro, porque petições não podem ser recusadas pela
Secretaria mas, no caso, o único meio disponível para evitar a desmoralização
do Tribunal.
Em tese, pelo menos em tese, algum réu da Ação
Penal 470 poderia fazer o mesmo, procurando novas prescrições. Se a OAB
ameaçasse punir, eticamente, um advogado que usasse essa esdrúxula tática
rasteira para impedir o trânsito em julgado, o autor dessa tática poderia
discordar do seu órgão de classe inventando tal ou qual nulidade. Um advogado
em vias de se aposentar poderia, sem grandes prejuízos, fazer isso, sem receio
da má repercussão de sua doentia insistência. Talvez fosse até elogiado, por
alguns, pela sua “audácia”: “Afinal, essa insistência não poderia estar certa?
E errado o Tribunal?”
Provavelmente não haverá tempo para reforma do
Regimento Interno, nesse item, antes da redação do acórdão que julgará o famoso
caso, mas seria salutar se o STF já se preparasse para lidar com um problema
que pode surgir, bastando audácia para tanto. “Brechas”, “buracos”, de qualquer
tipo, devem ser tapados antes que pessoas caiam dentro dele. Principalmente
quando a vítima é uma respeitável senhora de pedra que costuma ser fotografada
sentada, com venda nos olhos, outras vezes segurando espada e balança. Certamente
ela é cega apenas no sentido de imparcialidade.
Finalmente, um detalhe que merece ser
acrescentado. Li, em jornal, que o Min. Joaquim Barbosa, quando da defesa oral
de um dos defensores, fez uma pergunta ao expositor. Eu não tinha por hábito,
anteriormente, assistir, pela TV, julgamentos do STF. mas presumo que não havia
essa prática de Ministro interromper, com bons modos, o expositor, pedindo um
esclarecimento. Se fui bem informado, na Suprema Corte Americana, essas
interrupções são usuais, o que parece ser uma boa coisa — embora algo inibidora
para um orador tímido — a ser incrementada no Brasil, desde que usada com
moderação e assegurado o direito do expositor de negar o esclarecimento
solicitado. Essas breves interrupções, se permitidas, o seriam tanto quando
fala o defensor quanto o acusador. Esse pinçar de pontos críticos, essenciais,
ajudariam muito para orientar os ouvintes em casos complexos.
Qual o objetivo máximo de um julgamento? A
busca da verdade, porque só assim será possível aplicar, com segurança, essa
“coisa” tão abstrata: o Direito. Acredito que, por vezes, o julgador perde o
fio do raciocínio do expositor e com isso boa parte da exposição que se segue torna-se
inútil. Ressalte-se, ainda, que o orador pode estar dizendo algo importante que
não consta, por escrito, nos autos, porque o argumento — que até pode ser
brilhante — só lhe ocorreu no decorrer da sua exposição.
Pesados os prós e os contras, conclui-se que
a criação da TV – Justiça foi uma boa ideia.
(14-8-2012)
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