Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Escritor e Desembargador Aposentado
Assisti, ontem, pela televisão, o discurso de Benjamin Netanyahu no Congresso Americano. Presentes, consequentemente, deputados e senadores de ambos os partidos. Barack Obama ausente, porque em viagem ao Exterior. Sorte — ou providência — dele não estar presente porque assim livrou-se das ousadas alfinetadas indiretas que não poderiam ser respondidas, no momento, vez que não é de praxe, em tais circunstâncias, o orador estrangeiro ser interrompido pelo representante do país que o recebe.
O “teatro” parecia até ensaiado, embora provavelmente não o fosse porque Netanyahu domina, como poucos, a arte do sofisma. Congressistas americanos — geralmente mal informados em política externa, ou pessoalmente interessados no crescimento de Israel — não paravam aplaudir e externar admiração, muscularmente — senta, levanta, senta levanta — como que hipnotizados por cada sentença emitida pelo líder. Difícil acreditar que tão exaustiva ginástica de pernas e antebraços não tenha sido recomendada pelos organizadores do evento. Alguns poucos que não aparentavam estar felizes ouvindo aquilo, hesitavam antes de aderir aos aplausos gerais. O leitor sabe como é, já passou por isso. Quando todos aplaudem e se levantam, em cerimônias, sentimo-nos quase forçados, por educação, a fazer o mesmo. Não queremos destoar.
Por que tanta crítica, aqui, dirigida ao premiê israelense? Alguma prevenção contra os judeus? Não, quanto a estes. Há judeus extraordinários, como ocorre com todas as raças. Reservas, sim — com fortes razões — contra Netanyahu, um líder astuto, tremendamente egoísta, pouco amigo da verdade e de curta visão no que se refere a propor soluções corretas e duradouras. Propostas que resolvam verdadeiramente os problemas do seu povo e do povo irmão semita — os palestinos. Estes, sem culpa, acabaram punidos, dois mil anos depois da violência imperial romana que expulsou os judeus da Palestina. Os expulsos retornaram, no século XX e, necessitando de espaço para crescer, “não viram outra solução” senão escorraçar os árabes locais. Paradoxalmente, a diáspora judia, com todo o inegável sofrimento que a acompanhou, trouxe aos judeus um benefício: a abertura de novos horizontes culturais, o conhecimento de novas línguas, o domínio das finanças, o treino e ênfase na tenacidade. Se não tivesse ocorrido a diáspora, os judeus teriam continuado na Palestino, criando cabras, plantando oliveiras e vivendo mais ou menos como viviam os árabes locais antes da criação do Estado de Israel.
O premiê israelense é tão obcecado em, egoisticamente, favorecer o seu país — com isso prestigiando-se eleitoralmente —, que se esquece das injustiças que pratica. Dizia Einstein — um judeu modelo, moral e intelectualmente —, que em situações de discórdia devemos sempre nos imaginar na pele do outro, procurando entender suas razões. Isso, Netanyahu nunca fez, nem fará, porque não faz parte da sua natureza. Quem possivelmente pagará por isso, mais adiante, será seu próprio povo. O capital moral do Holocausto está, sendo desfalcado por sucessivos saques de políticos que só pensam no ganho imediato, seu e de seu próprio povo.
A astúcia é uma forma de inteligência rudimentar, porque no mais das vezes apenas engana, ou protela. Não soluciona, remenda. Não desativa “bombas” oriundas do ressentimento com razão. A bomba, em sentido figurado, ou próprio — como é o caso do Oriente Médio — explodirá algum tempo depois. Para não explodir terá que ser encharcada com sangue. O pavio ligado à dinamite pode ser longo mas um dia a chama atinge o bastão.
Que pavio é esse, no caso? O ódio palestino, compreensível, contagiando o restante do mundo árabe, acumulado por décadas e oriundo da ocupação excessiva de terras, maus tratos, abusos burocráticos, barreiras e expulsão de comunidades árabes que estavam ali há quase dois mil anos.
Netanyahu parece nunca ter ouvido falar de “usucapião”. Trata-se de um instituto jurídico que reconhece que o abandono de um bem, móvel ou imóvel, por longo prazo, faz cessar o direito de propriedade, que passa a pertencer ao ocupante do bem. No Direito Internacional, pelo que sei — e sei pouco, no item — parece não haver “usucapião” com regras rígidas, mas a analogia de situações com o que ocorre, a nível privado, já é um indício de que o “retorno” dos judeus à Palestina, dois milênios depois, foi um equívoco político que talvez venha a incendiar o mundo, talvez propiciando uma terceira Guerra Mundial. Ocorre que esse equívoco consolidou-se. Não há mais como voltar no tempo. Não há como sequer pensar em um Segundo Holocausto, embora estejamos presenciando um seu filhote bastardo, um “mini-holocausto”, “light”, tendo como vítimas refugiados palestinos.
Israel tem hoje cerca de oito milhões de habitantes. Não por mera coincidência, também chega a cerca de oito milhões o número de palestinos expulsos de seus lares, vivendo em tendas e abrigos precários, em países vizinhos, ansiosos de voltar ao lar. Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Daí, a necessidade de o mais fraco “Dar o fora! Vá se queixar ao bispo!”, sugere Netanyahu.
No caso, o “bispo” seria a Justiça Internacional, que não pode ser acionada pelos palestinos porque para isso precisariam, antes, se constituir em Estado. E para tanto necessita da colaboração de Israel, que tem todos os motivos políticos para não colaborar na aquisição desse status jurídico. “Por que deveríamos nos atormentar com demandas palestinas internacionais na Corte Internacional de Justiça?”
Povos perseguidos — de qualquer raça —, traumatizados por más lembranças, no caso européias, são presas fáceis de políticos que estimulem o medo, a insegurança, transformando ex-perseguidos em perseguidores. A demagógica promessa — do Hamas e do presidente iraniano — de “varrer Israel do mapa” é evidente tolice concebida para agradar eleitores indignados com a impunidade israelense. Nem mesmo o mais declarado inimigo do Estado de Israel, se lúcido, acredita realmente nessa imaginária vassoura, mesmo que o Irã venha a produzir armas nucleares. O Irã, fazendo um ataque louco, seria incinerado no mesmo dia ou no dia seguinte. Se Israel tem o direito de fabricar armas atômicas, invocando o medo da própria destruição, iguais receios e direito tem o Irã, sabedor da “fome de terras” de Israel.
Israel é o país mais poderoso do Oriente Médio, em armas convencionais. Quanto às nucleares, é o único que desfruta do privilégio de possuí-las à vontade. E não permite inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica, porque não assinou o tratado de não proliferação nuclear. Mesmo com tantos privilégios sente-se “ofendido” — ou falsamente temeroso — pela mera eventualidade de o Irã, um dia, produzir armas atômicas. Por isso, “exige”, ameaçadoramente, que o Irã renuncie ao avanço no conhecimento prático da energia nuclear, seja ela de fins pacíficos ou militares. Isso porque quem é capaz de construir usinas nucleares poderá também, em tese, fabricar ogivas. Faz questão — como que por direito divino —, de “mandar na zona”, irrestritamente, mantendo um monopólio que enseja abusos. A Natanyahu, soberano iluminado, pouco importa saber que o Irã subsiste praticamente do petróleo — uma limitação —, e que um dia essa fonte vai se esgotar ou ser desprezada, por razões ecológicas. Aí, onde o Irã obterá a energia de que precisa, com um solo pouco favorável à agricultura? Por que só Israel teria o direito de ser temido em toda a região? Não poderá, em tese, fazer mau uso desse poder? Cabe aqui relembrar a máxima de que o poder absoluto corrompe absolutamente.
Outra prova da impressionante tendência dominadora de Netanyahu está em exigir que o Hamas não participe, de forma alguma, das futuras negociações sobre a criação do estado palestino. Se as duas facções palestinas, o Hamas e a Autoridade Palestina resolveram se unir, Israel não tem nada com isso. Seria o mesmo que, numa negociação para celebração de um tratado, entre a Argentina e o Brasil, a Argentina “exigisse” que nenhum político do PT, ou do PSDB, ou do PMDB participasse das negociações. No fundo, tais manobras visam apenas criar pretextos e dificuldades que retardem a fixação das fronteiras, enquanto são ampliados os assentamentos judeus na Cisjordânia.
Para ele, “terrorismo” é um rótulo que só cabe nos outros. Esquece que em qualquer país pode ocorrer o terrorismo quando seus habitantes sentem-se oprimidos por gente que veio de fora e o problema não pode ser resolvido com bons modos, pela via legal. Se — remotíssima hipótese —, tropas chinesas invadissem os EUA, centenas de americanos — os mais aguerridos, temperamentais — praticariam atos de terrorismo contra o invasor. Os próprios judeus tiveram sua fase de terroristas assumidos — até com orgulho —, quando, nos anos 1940, foram impedidos, pelos ingleses, de criar um estado judeu na Palestina.
Osama bin Laden foi, realmente, um terrorista imensamente reprovável, matando inocentes. Além disso, “burro”, porque, com o onze de setembro predispôs o mundo civilizado contra sua causa.. Seu ódio contra os americanos derivava, principalmente, do incondicional apoio destes a Israel. Não houvesse tal apoio, provavelmente não teria ocorrido o 11 de setembro de 2001. Quem se der ao trabalho de buscar e ler, na internet, uma coleção de pronunciamentos do terrorista — “Bin Laden quotes”, ou “quotations”; ou, em menor quantidade, em língua portuguesa — não terá dúvida algum sobre o quanto a situação na Palestina pesou na motivação dos atentados de 11 de setembro. Houvesse paz nessa região, mesmo uma paz não “ideal” — impossível, no caso — provavelmente estariam ainda de pé as Torres Gêmeas.
Em 22 de julho de 1946 o “Hotel King David”, situado em Jerusalém, foi dinamitado, ocasionando a morte de 91 pessoas — 28 britânicos, 41 árabes, 17 judeus, por engano, e cinco de outras nacionalidades. Feridos, às centenas.
Quem assumiu esse ato terrorista? Um movimento judeu denominado Irgun Zvai Leumi, integrado pelos que insistiam em criar o Estado de Israel. Por que foi escolhido esse hotel? Porque ali residiam principalmente funcionários do governo britânico na Palestina. Naquela época, eram os ingleses que administravam aquela região, com mandato atribuído pela Sociedade nas Nações, antecessora da ONU.
Esse conhecido fato histórico foi “esquecido” várias vezes, em discursos de Netanyahu, no decorrer dos tempos. Netanyahu chegou a dizer que todo terrorismo é intrinsecamente criminoso, como se nunca tivesse ocorrido um terror judeu. No entender dele, só o terrorismo árabe está errado. E por mais que, aparentemente, seja desinteressado em História, ele sabia do fato porque esteve presente, com outros políticos de direita, a um evento comemorativo do 60º aniversário do ato terrorista que destruiu o hotel, um prédio de sete andares. Diz a Wikipéia, uma enciclopédia da internet, que quando desse evento foi colocada uma placa comemorativa, reconhecendo o mérito da organização terrorista judaica. É por essas e outras que não acredito em uma só palavra desse cidadão que, para infelicidade do povo judeu, deveria estar trabalhando em outra profissão. Daria um bom corretor ou chefe de vendas, porque é muito persuasivo.
O terrorismo — quando movido por ódio autêntico, não por ganância de dinheiro — é a reação dos mais exaltados contra situações de injustiça. Entre os injustiçados, alguns são mais cordatos ( Mahmoud Abbas, por exemplo), outros mais exaltados (líderes do Hamas). Não há como impedir essa variação de temperamentos. Não adianta tentar eliminar o terrorismo, em definitivo, sem tocar na causa profunda que lhe deu origem. Netanyahu afirma que Israel é uma democracia e que lá os direitos humanos são protegidos. Israel é, de fato, uma democracia, mas a muitos palestinos foram negados tais direitos. Tiveram que fugir da perseguição. Milhões deles podem atestar isso.
A única solução verdadeira para o conflito sediado na Palestina estaria na comunidade internacional dar um passo além, ousado e justo, alterando a Carta das Nações Unidas e criando uma comissão de notáveis — realmente notáveis — que, ouvindo ambas as partes, Israel e palestinos, fixasse as fronteiras entre os dois estados. Afinal, uma decisão judicial não é obrigada a “agradar” ambas as partes. Exigir, tolamente, que “as duas partes se sentem e cheguem a uma acordo” é fazer o jogo de Netanyahu, que, no fundo, quer se lembrado, por gerações futuras, como uma espécie de profeta que transformou um minúsculo estado em vasta nação.
Quando se vê, no mapa, que a Faixa de Gaza está distante da Cisjordânia, é previsível que esse detalhe crie ainda mais problema que os usualmente mencionados na mídia. Não tem o menor cabimento a criação de um Estado Palestino dividido em duas porções distantes. Somente mentes arejadas e experientes de terceiros — juízes internacionais sem ascendência árabe ou judia — resolverão esse problema, que nunca vejo mencionado. Não nos esqueçamos da intransigência das duas religiões que, mesmo tendo um deus único, jamais chegarão a um acordo.
Os palestinos expulsos não podem retornar ao Estado de Israel — conforme suas fronteiras futuras —, porque o regresso implicaria em tumulto inevitável? Que isso, se verdadeiro, seja levado em conta, pelos futuros juízes do vasto problema. Julgadores internacionais experientes saberão como compensar esse não-retorno com concessões razoáveis. É evidente que a Cisjordânia não pode ficar separada de Gaza e sem acesso ao mar.
Tais propostas são meras sugestões, talvez equivocadas quando vistas em um mapa. O essencial é salientar que a “cabeça fria” dos juízes internacionais será muito mais sábia que a “cabeça fervente” de judeus e palestinos, incapazes de desmontar o mais grave perigo à paz mundial, na atualidade. Tranqüilizados os palestinos, o chamado “terror islâmico” irá desaparecendo aos poucos.
O Direito Internacional é muito elegante. Falta, porém, aos seus grandes conhecedores — não é meu caso, mero curioso — a necessária audácia para tentar uma “inovação” nos textos que regulam os poderes da justiça internacional. Sem um “solução de fora”, com obrigação de seu cumprimento, o planeta pode chegar a um novo conflito mundial. Ninguém pode prever, com segurança, o que pode resultar das sublevações nos países árabes. Se todos se solidarizarem com os palestinos, o clima, já quente, vai ferver. Tudo porque ninguém, que entende do assunto, quer se dar ao trabalho de pensar numa reforma da ONU, pelo menos no item Justiça Internacional.
Que Deus tenha pena do Oriente Médio. O diabo não terá. Pense nisso, Netanyahu. Você ainda pode reverter sua reputação entre os árabes. Quem sabe, árabes poderão, um dia, aplaudi-lo. Todos merecem uma segunda chance.
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