Para quem gosta — eu não, porque é fantasiosa demais — de conciliar literatura policial com política internacional tão cedo não aparecerá um “enredo” tão eletrizante como o rumoroso caso do diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, acusado de tentativa de estupro, ou atentado ao pudor e “cárcere privado” (durante alguns minutos !?) contra uma camareira de quarto em um hotel de Nova York. Como ao sair do hotel ele esqueceu de pegar o celular — fato corriqueiro — telefonou para hotel e pediu que algum funcionário levasse a ele o aparelho, dizendo onde se encontrava. Com esse telefonema o funcionário pôde informar à polícia onde estava o “velho tarado”. A polícia, sem pensar duas vezes, providenciou sua prisão. Esta foi um tanto espetaculosa, com sabor de filme de “007”, minutos antes do avião da Air France taxiar para levantar vôo em direção a Paris. Note-se, em favor do acusado, que as passagens aéreas, de ida e volta, foram compradas com antecedência, antes de sair da França, com dia e hora para o retorno ao país. Não era um avião contratado em último momento, indício de criminoso em fuga. Além do mais, se DSK estava fugindo, após um estupro, jamais diria, por telefone, ao funcionário do hotel que estava no aeroporto “x”. Preferiria perder o celular.
“DSK”, como é designado o chefe do FMI, tal a sua notoriedade — poucas figuras internacionais chegam a adquirir status suficiente para gerar uma sigla — foi algemado, filmado e fotografado. Manteve-se sempre silencioso e sério, o que incentivou indícios superficiais de culpa. — “Por que ele não se defendeu logo, pelo menos dizendo aos repórteres que estava sendo vítima de uma armação? A cara triste dele é a de um culpado”, pensaram leitores sensatos mas pouco familiarizados com as tramas internacionais, sempre muito bem elaboradas.
Notícias seguintes revelam que a arrumadeira, vítima ou suposta vítima, era uma funcionária de boa conduta, originária da África negra, e que trabalhava no hotel há três anos. Detalhe irrelevante. Se houve armação — como parece ter havido —, esta precisaria de uma mulher comum e não promíscua, para dar credibilidade ao plano. Somente com uma mulher sem maus antecedentes é que o plano teria alguma chance de êxito.
Outro item profundamente estranho na acusação é o fato, posteriormente revelado na mídia, de a camareira dizer que DSK já saiu nu do banheiro e, sem a menor cautela a atacou, forçando-a a praticar sexo oral. O relato robustece a versão de inocência de DSK porque tal procedimento implicaria em algum risco — acidental, desencadeado pelo terror da vítima — de amputar ou ferir o agressor em um local muito valorizado de sua anatomia de varão ilustre. Lendo sobre casos de estupros, realizados ou tentados, nunca soube de um caso de ataque sexual, improvisado e violento em que o agressor, usando força bruta e dispondo de pouco tempo para dar vazão a seus instintos, em vez de logo procurar o estupro, a penetração, pede que a vítima faça outra coisa. Ainda mais com o risco, mencionado acima, de uma perigosa antropofagia parcial.
Continuei pensando no caso porque há algo de muito intrigante nele. Não no fato de um homem de elevada posição ter um “caso” com empregada, secretária ou funcionária — vide declarações recentes do governador da Califórnia; o romance de Franklin D. Roosevelt com sua enfermeira; o caso de Thomas Jefferson com uma escrava, etc. — porque o instinto sexual não obedece a regras. Nos casos acima mencionados havia uma longa convivência, um “clima” não assustador, reciprocidade entre o político a mulher que lhe despertava paixão e desejo. Não havia ataque brutal e irracional, com eleições á vista.
Como disse, continuei pensando no caso. O alegado “ataque” trapalhão, nu, de DSK seria um irracional suicídio político, destruindo, em minutos, seu passado, seu presente e seu futuro como provável presidente. Havendo, como é provável, um plano para derrotar DSK, a trama teria que aproveitar o “calcanhar de Aquiles” do cidadão que, tolamente, no passado, admitiu ter uma “fraqueza” pelo sexo oposto. Morreu pela boca, no caso, a própria.
— “É por aí que pegamos o bicho!”, devem ter pensado os planejadores, eufóricos, insatisfeitos com posições e idéias de DSK. Não esquecer que não está em jogo apenas a presidência da França. A União Européia está abalada pelos problemas da economia continental. Aí entra o FMI. Há bilhões de euros em jogo. Isso sem falar na política internacional relacionada com o Oriente Médio. Um veto francês, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, pode impedir qualquer sanção escolhida pela vontade dos demais membros permanentes do Conselho de Segurança.
Olhos astutos, previdentes e coordenados internacionalmente vigiam, atentos à menor fraqueza “do inimigo”. A guerra é total, embora subterrânea e até mesmo cortês. Não se trata de meras teorias conspiratórias. E, marginalmente, deve ocorrer um fenômeno psicológico interessante, não participante do provável “esquema”: quantos economistas de prestígio não sentiram súbita euforia quando souberam do “escândalo DSK”? — “Meu Deus, será que chegou minha vez?! Mesmo que ele seja absolvido, não haverá mais clima para ele voltar ao FMI”. A chefia do órgão equivale ou ultrapassa, em importância, a concessão do Prêmio Nobel de Economia.
O gangsterismo acoplado à política sempre existiu. O desejo de poder — e a consequente riqueza que vem com ele —, enlouquece aqueles políticos gananciosos que não medem limites para destruir adversários “malvados” que querem diminuir seu patrimônio. Há, também, embora em menor proporção, aqueles que amam o poder pelo poder, sem buscar o enriquecimento pessoal. Stalin era um deles.
Conforme me recorda o Wikipedia, em 1894, uma tal de “madame Bastian”, empregada da limpeza — sempre as empregadas... — na Embaixada Irlandesa em Paris descobriu umas cartas suspeitas no cesto do lixo do adido militar alemão, o tenente-coronel Schwarzkoppen. Madame Bastian entregou os papéis ao serviço secreto francês que logo concluíu que existia um traidor entre os oficiais franceses, fazendo espionagem para os alemães. Quem seria o traidor? Procurava-se um culpado e, na época — tremendamente hostil aos judeus — nada melhor que um membro dessa raça para servir de bode expiatório. Alfred Dreyfus era o único judeu entre os possíveis traidores. Por isso foi “eleito” como suspeito e submetido a julgamento. Foi condenado, desonrado em uma solenidade militar e condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, Guiana Francesa. Lá cumpriu cinco anos até ser libertado porque um movimento popular, e intelectual, influenciado — beneficamente —, por dois escritores de peso, Emile Zola e Antole France. Zola conseguiu demonstrar que Dreyfus era inocente. Sua condenação foi revista e em 1906 ficou oficialmente provado que um tal de Charles-Ferdinand Walsin Esterhazy, outro major do exército francês, era o espião dos alemães e autor das cartas achadas na cesta pela empregada.
DSK também é judeu, mas de mentalidade bastante isenta, não parcial. Não defenderia, com unhas e dentes, pretensões eventualmente injustas do atual governo israelense. Não seria sua ascendência que motivaria o provável complô contra ele. Sarkozy, seu principal rival político, é metade judeu, por parte de mãe. Não há, portanto um conteúdo antisemita na provável “armação”.
De umas boas décadas para cá, houve um recrudescimento na utilização de métodos criminosos com finalidade política. Todos sabem que Stalin mandou matar Trotsky quando vivia no México, protegido pelo governo. Trotsky não parava de escrever livros e artigos denunciando seu ex-companheiro da Revolução de 1917. Dizia horrores contra o ditador russo. Para silenciá-lo, “só matando-o!”, concluiu Stalin. E assim fez, com elaborada preparação. O assassino, Ramón Mercader, primeiro seduziu uma moça que tinha contato direto com Trotsky (o amor facilita muitas portas). Na qualidade de amante, portanto “confiável”, pediu à moça que levasse um seu artigo teórico ao grande revolucionário. Gostaria que escritor fizesse as críticas necessárias. O artigo era um lixo e Trotsky concordou em receber o assassino disfarçado, que levava consigo, no braço, uma capa. Dentro dela havia uma picareta de alpinista.
Enquanto Trotsky lia e o texto-armadilha o assassino o golpeou com a picareta. A vítima urrou de dor e atracou-se com o matador, chegando a morder sua mão. Não resistiu, porém, ao ferimento e o assassino foi preso. Nunca revelou quem dera a ordem para o homicídio, embora todos saibam.
A morte de John Kennedy também teve um desenlace que impediu o completo conhecimento da verdade. Lee Oswald — cuidadosamente escolhido para figurar como único interessado na morte de um presidente — ele havia estudado na Rússia — foi morto, dois dias após ser preso. Matou-o Jack Ruby, um dono de boate meio maluco e com ligações com o crime organizado. Sua justificação, ridícula, foi a de que, matando o assassino de Kennedy, aliviaria a dor moral da esposa do morto. Mesmo encerrada a investigação, com uma conclusão oficial, permaneceu algum mistério sobre o que de fato ocorreu.
No tempo da Guerra Fria um inimigo dos comunistas, que estava em Londres, morreu porque um agente russo colocou, na ponta de um guarda-chuva, uma minúscula esfera, impregnada de radiação mortal.
A “ação direta”, na criminalidade política, não diminuiu. Aumentou em franqueza, assumiu. Mesmo os estados já preferem, oficialmente, eliminar “adversários perversos”. Será menos trabalhoso que a “baboseira” de longos julgamentos em que o réu — podendo falar para milhões de telespectadores — poderia arregimentar seguidores, surpresos em ouvir o outro lado da sempre discutível “verdade”. Muammar Kadafi, um antipático ditador, um poço de defeitos — mas que pode, em tese, ter em seu país mais seguidores que inimigos — foi alvo de uma tentativa de assassinado, dias atrás, através de aviões não tripulados da Nato. Por mero acaso, não estava no local. Morreu um filho e dois netos. E muitos outros casos há, de “assassinato político”, em que variados interesses podem estar nos bastidores. E não só na área internacional.
Cheguei a especular, por alguns instantes — impulsionado pela estranheza da cena anômala do suposto ataque sexual —, que tudo poderia ser uma armação preparada pelo próprio DSK. Destruindo tal armação com argumentos irrespondíveis — que ele logo apresentaria na mídia —, seria visto como a grande vítima, jogando para a estratosfera sua popularidade. Derrotaria Sarkozy, praticamente aposentando-o como político. Logo, porém, verifiquei que essa hipótese seria idiota, tal o risco nela implícito. Se DSK já está na frente, nas pesquisas de intenção de voto, porque assumiria o risco inerente a toda fraude? “Teatros” desse naipe só podem interessar ao candidato que está em posição inferior e precisa de um “empurrão” estrondoso para jogá-lo para cima. De preferência expulsando da disputa quem corre à sua frente.
Uma outra variante da hipótese de armação contra DSK, bem mais aceitável e lógica, consistiria em a tal camareira fingir que consentia no sexual e, a certo momento, seguindo o plano, assumir o papel de violentada, arranhando o político. Com a possível recompensa de um ou dois milhões de euros ela poderia melhorar a vida de dezenas de parentes que lutam contra a pobreza. Mera hipótese. Vamos aguardar o fim das investigações e julgamentos.
Resta, ainda, claro, a “versão oficial”, de tentativa de estupro com requintes de burrice. Foi um tanto estranhável a atuação da justiça americana no caso. Juizes eleitos ou indicados por políticos são mais sujeitos a pressões superiores do que juízes admitidos por concurso público, desobrigados de qualquer gratidão. Espero não ser o caso em exame, na cidade de Nova York.
A vida real é mais criativa que a ficção. Nesta, o autor está limitado pela a necessidade de verossimilhança. Na vida real não há tal restrição. As coisas simplesmente acontecem, doa a quem doer, acredite quem quiser.
(19-5-11)
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