segunda-feira, 30 de maio de 2011

“Teoria conspiratória”, ou genialidade no crime?

Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Escritor e Desembargador Aposentado

Lendo, agora pouco, um artigo do inteligente e honesto jornalista francês, Gilles Lapouge, em jornal paulista, não resisti à tentação de opinar , pela terceira vez, sobre o já exaustivamente abordado “caso” de Dominique Strauss-Kahn. Todos já leram, “ad nauseam”, sobre o “acesso de tara” do então diretor-geral do FMI e provável futuro presidente da França que, cedendo — burrice altamente improvável — a um desejo sexual incontrolável, atacou, com a roupa com que nasceu, a camareira do hotel mal ela entrou no quarto para fazer a limpeza. Isso ocorreu em Nova York. A empregada conseguiu escapar, espavorida — talvez verdadeiramente assustada, mesmo havendo trama — do quarto e relatou o ocorrido aos funcionários do hotel. Strauss-Kahn deixou o local e dirigiu-se ao aeroporto porque voltaria à França, na parte da tarde, conforme passagens compradas alguns dias antes.

Os fatos, de tão repetidos, não precisam ser relembrados. O detalhe mais estranho estaria em o “estuprador”, no aeroporto JFK, telefonar ao hotel e, ingenuamente — para um criminoso —, pedir a um funcionário que levasse para ele seu celular, que havia esquecido no hotel. Por que não abandonou o celular? Por que tanto amor a um aparelho? O funcionário, sabendo, só então, onde se encontrava “o monstro de cabelo branco”, avisou a polícia e esta prendeu o “fugitivo”, em lance cinematográfico da série 007, quando o avião estava preste a levantar vôo. Preso e algemado, o “velho tarado” aguarda, silencioso, o seu destino.

Tal silêncio, sugerindo culpa, me parece só agora explicável, caso corresponda à verdade, como é bem provável, a hipótese mais recente sobre o que aconteceu realmente naquele “tenebroso” quarto de hotel. Essa última versão — DSK pensava que a camareira da Guiné era a garota de programa que ele encomendara e por isso a “atacou” sem qualquer trabalho prévio de tentativa de sedução — eu a li no artigo de Gilles Lapouge, que a mencionou, en passant , como mais um exemplo da atual mania de se inventar “teorias conspiratórias”.

Gilles Lapouge é um jornalista íntegro e inteligente. É até mesmo “viciante”, no bom sentido de que quem o lê uma vez, sente necessidade de lê-lo sempre. Um “cocaína” do espírito, tal como, aqui no Brasil, ocorre com alguns cronistas. Um deles é o Arnaldo Jabor, que leio impreterivelmente todas as terças-feiras, não só pelo brilho do estilo como pela coragem, quase doentia, de dizer o que pensa. Frequentemente pensamos como ele, mas não assumimos. Por comodismo ou medo. Infelizmente, as melhores verdades são quase sempre desagradáveis e perigosas. Medo de processo judicial, com despesas judiciais, risco de xilindró, ou pesada indenização por dano moral. Ou medo de um misterioso “assaltante desconhecido” que, conduzido na garupa de uma motocicleta, pode nos enviar para o além com quase certa impunidade. A moto estará sem placa, no momento.

Teorias conspiratórias, realmente, inundam a mídia, principalmente a eletrônica. A internet oferece, por ser fácil e grátis, espaço para qualquer um, mesmo ignorante e pouco inteligente. Malucos de todo gênero tentam provar que o mundo vai acabar no ano tal. Se não acabou, “não tem pobrema”. Inventa-se uma explicação pelo fracasso da profecia. Trechos da Bíblia ou outros textos sagrados; conjunções de corpos celestes; misteriosos grupos de conspiradores que pretendem dominar o mundo; extraterrestres e tudo o mais disponível à imaginações desvairadas; ou espertas, visando lucro.

No caso Strauss-Kahn, porém, há motivos sérios para especular. E a última versão me parece cair como a mais perfeita luva explicativa sobre o que realmente ocorreu. Claro que continua de pé a hipótese — embora remota e grotesca — de que o grande economista e político tenha sofrido uma anulação da inteligência, produzida por um excesso hormonal bloqueador de neurônios.

Qual, então, a explicação que mereceria, pela engenhosidade má, um “Prêmio Arapuca” — o oposto do Nobel — caso verdadeira a última hipótese explicativa do que ocorreu no quarto de hotel?

Certamente, aconteceu o seguinte: o mais tenaz e motivado inimigo de DSK, sabendo de seu passado de “mulherengo”, viu que seria por aí — fácil credibilidade — a melhor via de ataque, principalmente porque é sempre difícil se provar, depois, o que ocorreu entre duas pessoas, de sexo diferente, dentro de um ambiente fechado. Ocorrendo “o caso” nos EUA, a justiça americana estaria invulgarmente propensa a encarar com especial rigor puritano um caso envolvendo sexo de pessoa importante. Os Estados Unidos são, certamente, o país em que mais convivem os extremos da máxima liberdade sexual — na mídia e no cinema — com o máximo de puritanismo quando os envolvidos são pessoas famosas e podem render notícia.

Continuando a explicação. Pressionado por suas necessidades de vazão de libido, DSK solicitou, por telefone celular, a presença de uma garota de programa. Talvez, para não despertar suspeita, pediu que ela fosse visitá-lo, em tal hora, com roupa de camareira de quarto. Mal ela entrou, DSK já a aguardava nu, como disse depois a camareira. Pensando que a camareira era a tal garota de programa, agiu com desembaraço. Se eventualmente houve resistência, talvez DSK imaginasse que se tratava de uma forma mais violenta de jogo amoroso, ou sexual.

A camareira, não sabendo também da trama, se assustou e reagiu, fugindo do quarto, alguns minutos depois, contando o ocorrido a outros funcionários.

O plano seria perfeito. A camareira, mesmo submetendo-se a um teste de detector de mentiras, passaria com facilidade no teste porque não estaria mentindo. Teria ocorrido, realmente, o “ataque” súbito, esquisito, de um homem nu. Provas físicas, químicas, do contato sexual, estariam também presentes nas vestes, como diz a mídia. Líquidos orgânicos de DSK estão presentes, dizem, na gola da roupa da camareira.

Pergunta-se: por que DSK, no momento da prisão, permaneceu em silêncio, sem se apressar a dizer, a todo mundo em volta, que “avançou” na moça porque pensou que ela era a esperada garota de programa? Porque isso também seria desabonador de sua reputação política. A um homem casado, na sua posição, não ficaria bem — mormente nos EUA — convocar garota de programa para visitá-lo no hotel. E como essa convocação teria — provavelmente — sido feita por telefone celular — não iria, tendo inimigos, usar o telefone do hotel, eventualmente grampeado — achou melhor usar o celular. Por isso quis reavê-lo através de um funcionário do hotel. Ligações de celular talvez — não costumo usá-lo —fiquem registradas no aparelho.

Se as coisas se passaram assim, teríamos um crime perfeito de calúnia contra um homem importantíssimo. Um quase “golpe de estado” prévio, impedindo a eleição de um provável futuro presidente.

Atrevo-me a pensar que tipo de gente seria capaz de conceber tão diabólico plano. Só não digo aqui porque poderia cometer uma injustiça. Sabendo que DSK cedo ou tarde cederia a seus imperativos hormonais, antes de voltar à França, o ainda não revelado “gênio do crime” poderia — não conheço os limites técnicos da espionagem — até mesmo estar monitorando todas as ligações celulares grande homem no hotel. Captando a chamada da garota de programa, avisaria DSK que a moça entraria em seu quarto em determinada hora e, talvez, vestida como camareira. Esta, involuntariamente, seria apenas uma das peças da ratoeira. O queijo seria o traiçoeiro instinto sexual. Quando leio propagandas de remédios anunciando efeitos revigorantes em cápsulas que dão vigor novo a homens velhos, fico imaginando quantos problemas conjugais, políticos e financeiros estarão incluídos na bula descrevendo a composição química do produto.

O leitor, ou a gentil leitora, pode estar pensando que “ninguém” chegaria a tal requinte de sutileza para inventar um plano como o acima descrito. “Seria diabólico demais!”. Mas chega, leitor, chega, se há tempo suficiente para pensar longamente a respeito e a recompensa pelo bom êxito da trama for suficientemente estimulante. Nunca duvidem da eficácia do dinheiro como propulsor da imaginação

Se eu pudesse advogar na justiça americana, de Nova York, não hesitaria, por exceção — não estou advogado —, de oferecer serviços advocatícios, gratuitamente, a DSK, integrando, modestamente, sua equipe de defesa.

Ainda não estou convencido de que ele caiu em uma armadilha apenas hormonal.

(30-5-2011)







sexta-feira, 27 de maio de 2011

O “teatro’ de Netanyahu. Esperto, mas enganador.

Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Escritor e Desembargador Aposentado

Assisti, ontem, pela televisão, o discurso de Benjamin Netanyahu no Congresso Americano. Presentes, consequentemente, deputados e senadores de ambos os partidos. Barack Obama ausente, porque em viagem ao Exterior. Sorte — ou providência — dele não estar presente porque assim livrou-se das ousadas alfinetadas indiretas que não poderiam ser respondidas, no momento, vez que não é de praxe, em tais circunstâncias, o orador estrangeiro ser interrompido pelo representante do país que o recebe.

O “teatro” parecia até ensaiado, embora provavelmente não o fosse porque Netanyahu domina, como poucos, a arte do sofisma. Congressistas americanos — geralmente mal informados em política externa, ou pessoalmente interessados no crescimento de Israel — não paravam aplaudir e externar admiração, muscularmente — senta, levanta, senta levanta — como que hipnotizados por cada sentença emitida pelo líder. Difícil acreditar que tão exaustiva ginástica de pernas e antebraços não tenha sido recomendada pelos organizadores do evento. Alguns poucos que não aparentavam estar felizes ouvindo aquilo, hesitavam antes de aderir aos aplausos gerais. O leitor sabe como é, já passou por isso. Quando todos aplaudem e se levantam, em cerimônias, sentimo-nos quase forçados, por educação, a fazer o mesmo. Não queremos destoar.

Por que tanta crítica, aqui, dirigida ao premiê israelense? Alguma prevenção contra os judeus? Não, quanto a estes. Há judeus extraordinários, como ocorre com todas as raças. Reservas, sim — com fortes razões — contra Netanyahu, um líder astuto, tremendamente egoísta, pouco amigo da verdade e de curta visão no que se refere a propor soluções corretas e duradouras. Propostas que resolvam verdadeiramente os problemas do seu povo e do povo irmão semita — os palestinos. Estes, sem culpa, acabaram punidos, dois mil anos depois da violência imperial romana que expulsou os judeus da Palestina. Os expulsos retornaram, no século XX e, necessitando de espaço para crescer, “não viram outra solução” senão escorraçar os árabes locais. Paradoxalmente, a diáspora judia, com todo o inegável sofrimento que a acompanhou, trouxe aos judeus um benefício: a abertura de novos horizontes culturais, o conhecimento de novas línguas, o domínio das finanças, o treino e ênfase na tenacidade. Se não tivesse ocorrido a diáspora, os judeus teriam continuado na Palestino, criando cabras, plantando oliveiras e vivendo mais ou menos como viviam os árabes locais antes da criação do Estado de Israel.

O premiê israelense é tão obcecado em, egoisticamente, favorecer o seu país — com isso prestigiando-se eleitoralmente —, que se esquece das injustiças que pratica. Dizia Einstein — um judeu modelo, moral e intelectualmente —, que em situações de discórdia devemos sempre nos imaginar na pele do outro, procurando entender suas razões. Isso, Netanyahu nunca fez, nem fará, porque não faz parte da sua natureza. Quem possivelmente pagará por isso, mais adiante, será seu próprio povo. O capital moral do Holocausto está, sendo desfalcado por sucessivos saques de políticos que só pensam no ganho imediato, seu e de seu próprio povo.

A astúcia é uma forma de inteligência rudimentar, porque no mais das vezes apenas engana, ou protela. Não soluciona, remenda. Não desativa “bombas” oriundas do ressentimento com razão. A bomba, em sentido figurado, ou próprio — como é o caso do Oriente Médio — explodirá algum tempo depois. Para não explodir terá que ser encharcada com sangue. O pavio ligado à dinamite pode ser longo mas um dia a chama atinge o bastão.

Que pavio é esse, no caso? O ódio palestino, compreensível, contagiando o restante do mundo árabe, acumulado por décadas e oriundo da ocupação excessiva de terras, maus tratos, abusos burocráticos, barreiras e expulsão de comunidades árabes que estavam ali há quase dois mil anos.

Netanyahu parece nunca ter ouvido falar de “usucapião”. Trata-se de um instituto jurídico que reconhece que o abandono de um bem, móvel ou imóvel, por longo prazo, faz cessar o direito de propriedade, que passa a pertencer ao ocupante do bem. No Direito Internacional, pelo que sei — e sei pouco, no item — parece não haver “usucapião” com regras rígidas, mas a analogia de situações com o que ocorre, a nível privado, já é um indício de que o “retorno” dos judeus à Palestina, dois milênios depois, foi um equívoco político que talvez venha a incendiar o mundo, talvez propiciando uma terceira Guerra Mundial. Ocorre que esse equívoco consolidou-se. Não há mais como voltar no tempo. Não há como sequer pensar em um Segundo Holocausto, embora estejamos presenciando um seu filhote bastardo, um “mini-holocausto”, “light”, tendo como vítimas refugiados palestinos.

Israel tem hoje cerca de oito milhões de habitantes. Não por mera coincidência, também chega a cerca de oito milhões o número de palestinos expulsos de seus lares, vivendo em tendas e abrigos precários, em países vizinhos, ansiosos de voltar ao lar. Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Daí, a necessidade de o mais fraco “Dar o fora! Vá se queixar ao bispo!”, sugere Netanyahu.

No caso, o “bispo” seria a Justiça Internacional, que não pode ser acionada pelos palestinos porque para isso precisariam, antes, se constituir em Estado. E para tanto necessita da colaboração de Israel, que tem todos os motivos políticos para não colaborar na aquisição desse status jurídico. “Por que deveríamos nos atormentar com demandas palestinas internacionais na Corte Internacional de Justiça?”

Povos perseguidos — de qualquer raça —, traumatizados por más lembranças, no caso européias, são presas fáceis de políticos que estimulem o medo, a insegurança, transformando ex-perseguidos em perseguidores. A demagógica promessa — do Hamas e do presidente iraniano — de “varrer Israel do mapa” é evidente tolice concebida para agradar eleitores indignados com a impunidade israelense. Nem mesmo o mais declarado inimigo do Estado de Israel, se lúcido, acredita realmente nessa imaginária vassoura, mesmo que o Irã venha a produzir armas nucleares. O Irã, fazendo um ataque louco, seria incinerado no mesmo dia ou no dia seguinte. Se Israel tem o direito de fabricar armas atômicas, invocando o medo da própria destruição, iguais receios e direito tem o Irã, sabedor da “fome de terras” de Israel.

Israel é o país mais poderoso do Oriente Médio, em armas convencionais. Quanto às nucleares, é o único que desfruta do privilégio de possuí-las à vontade. E não permite inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica, porque não assinou o tratado de não proliferação nuclear. Mesmo com tantos privilégios sente-se “ofendido” — ou falsamente temeroso — pela mera eventualidade de o Irã, um dia, produzir armas atômicas. Por isso, “exige”, ameaçadoramente, que o Irã renuncie ao avanço no conhecimento prático da energia nuclear, seja ela de fins pacíficos ou militares. Isso porque quem é capaz de construir usinas nucleares poderá também, em tese, fabricar ogivas. Faz questão — como que por direito divino —, de “mandar na zona”, irrestritamente, mantendo um monopólio que enseja abusos. A Natanyahu, soberano iluminado, pouco importa saber que o Irã subsiste praticamente do petróleo — uma limitação —, e que um dia essa fonte vai se esgotar ou ser desprezada, por razões ecológicas. Aí, onde o Irã obterá a energia de que precisa, com um solo pouco favorável à agricultura? Por que só Israel teria o direito de ser temido em toda a região? Não poderá, em tese, fazer mau uso desse poder? Cabe aqui relembrar a máxima de que o poder absoluto corrompe absolutamente.

Outra prova da impressionante tendência dominadora de Netanyahu está em exigir que o Hamas não participe, de forma alguma, das futuras negociações sobre a criação do estado palestino. Se as duas facções palestinas, o Hamas e a Autoridade Palestina resolveram se unir, Israel não tem nada com isso. Seria o mesmo que, numa negociação para celebração de um tratado, entre a Argentina e o Brasil, a Argentina “exigisse” que nenhum político do PT, ou do PSDB, ou do PMDB participasse das negociações. No fundo, tais manobras visam apenas criar pretextos e dificuldades que retardem a fixação das fronteiras, enquanto são ampliados os assentamentos judeus na Cisjordânia.

Para ele, “terrorismo” é um rótulo que só cabe nos outros. Esquece que em qualquer país pode ocorrer o terrorismo quando seus habitantes sentem-se oprimidos por gente que veio de fora e o problema não pode ser resolvido com bons modos, pela via legal. Se — remotíssima hipótese —, tropas chinesas invadissem os EUA, centenas de americanos — os mais aguerridos, temperamentais — praticariam atos de terrorismo contra o invasor. Os próprios judeus tiveram sua fase de terroristas assumidos — até com orgulho —, quando, nos anos 1940, foram impedidos, pelos ingleses, de criar um estado judeu na Palestina.

Osama bin Laden foi, realmente, um terrorista imensamente reprovável, matando inocentes. Além disso, “burro”, porque, com o onze de setembro predispôs o mundo civilizado contra sua causa.. Seu ódio contra os americanos derivava, principalmente, do incondicional apoio destes a Israel. Não houvesse tal apoio, provavelmente não teria ocorrido o 11 de setembro de 2001. Quem se der ao trabalho de buscar e ler, na internet, uma coleção de pronunciamentos do terrorista — “Bin Laden quotes”, ou “quotations”; ou, em menor quantidade, em língua portuguesa — não terá dúvida algum sobre o quanto a situação na Palestina pesou na motivação dos atentados de 11 de setembro. Houvesse paz nessa região, mesmo uma paz não “ideal” — impossível, no caso — provavelmente estariam ainda de pé as Torres Gêmeas.

Em 22 de julho de 1946 o “Hotel King David”, situado em Jerusalém, foi dinamitado, ocasionando a morte de 91 pessoas — 28 britânicos, 41 árabes, 17 judeus, por engano, e cinco de outras nacionalidades. Feridos, às centenas.

Quem assumiu esse ato terrorista? Um movimento judeu denominado Irgun Zvai Leumi, integrado pelos que insistiam em criar o Estado de Israel. Por que foi escolhido esse hotel? Porque ali residiam principalmente funcionários do governo britânico na Palestina. Naquela época, eram os ingleses que administravam aquela região, com mandato atribuído pela Sociedade nas Nações, antecessora da ONU.

Esse conhecido fato histórico foi “esquecido” várias vezes, em discursos de Netanyahu, no decorrer dos tempos. Netanyahu chegou a dizer que todo terrorismo é intrinsecamente criminoso, como se nunca tivesse ocorrido um terror judeu. No entender dele, só o terrorismo árabe está errado. E por mais que, aparentemente, seja desinteressado em História, ele sabia do fato porque esteve presente, com outros políticos de direita, a um evento comemorativo do 60º aniversário do ato terrorista que destruiu o hotel, um prédio de sete andares. Diz a Wikipéia, uma enciclopédia da internet, que quando desse evento foi colocada uma placa comemorativa, reconhecendo o mérito da organização terrorista judaica. É por essas e outras que não acredito em uma só palavra desse cidadão que, para infelicidade do povo judeu, deveria estar trabalhando em outra profissão. Daria um bom corretor ou chefe de vendas, porque é muito persuasivo.

O terrorismo — quando movido por ódio autêntico, não por ganância de dinheiro — é a reação dos mais exaltados contra situações de injustiça. Entre os injustiçados, alguns são mais cordatos ( Mahmoud Abbas, por exemplo), outros mais exaltados (líderes do Hamas). Não há como impedir essa variação de temperamentos. Não adianta tentar eliminar o terrorismo, em definitivo, sem tocar na causa profunda que lhe deu origem. Netanyahu afirma que Israel é uma democracia e que lá os direitos humanos são protegidos. Israel é, de fato, uma democracia, mas a muitos palestinos foram negados tais direitos. Tiveram que fugir da perseguição. Milhões deles podem atestar isso.

A única solução verdadeira para o conflito sediado na Palestina estaria na comunidade internacional dar um passo além, ousado e justo, alterando a Carta das Nações Unidas e criando uma comissão de notáveis — realmente notáveis — que, ouvindo ambas as partes, Israel e palestinos, fixasse as fronteiras entre os dois estados. Afinal, uma decisão judicial não é obrigada a “agradar” ambas as partes. Exigir, tolamente, que “as duas partes se sentem e cheguem a uma acordo” é fazer o jogo de Netanyahu, que, no fundo, quer se lembrado, por gerações futuras, como uma espécie de profeta que transformou um minúsculo estado em vasta nação.

Quando se vê, no mapa, que a Faixa de Gaza está distante da Cisjordânia, é previsível que esse detalhe crie ainda mais problema que os usualmente mencionados na mídia. Não tem o menor cabimento a criação de um Estado Palestino dividido em duas porções distantes. Somente mentes arejadas e experientes de terceiros — juízes internacionais sem ascendência árabe ou judia — resolverão esse problema, que nunca vejo mencionado. Não nos esqueçamos da intransigência das duas religiões que, mesmo tendo um deus único, jamais chegarão a um acordo.

Os palestinos expulsos não podem retornar ao Estado de Israel — conforme suas fronteiras futuras —, porque o regresso implicaria em tumulto inevitável? Que isso, se verdadeiro, seja levado em conta, pelos futuros juízes do vasto problema. Julgadores internacionais experientes saberão como compensar esse não-retorno com concessões razoáveis. É evidente que a Cisjordânia não pode ficar separada de Gaza e sem acesso ao mar.

Tais propostas são meras sugestões, talvez equivocadas quando vistas em um mapa. O essencial é salientar que a “cabeça fria” dos juízes internacionais será muito mais sábia que a “cabeça fervente” de judeus e palestinos, incapazes de desmontar o mais grave perigo à paz mundial, na atualidade. Tranqüilizados os palestinos, o chamado “terror islâmico” irá desaparecendo aos poucos.

O Direito Internacional é muito elegante. Falta, porém, aos seus grandes conhecedores — não é meu caso, mero curioso — a necessária audácia para tentar uma “inovação” nos textos que regulam os poderes da justiça internacional. Sem um “solução de fora”, com obrigação de seu cumprimento, o planeta pode chegar a um novo conflito mundial. Ninguém pode prever, com segurança, o que pode resultar das sublevações nos países árabes. Se todos se solidarizarem com os palestinos, o clima, já quente, vai ferver. Tudo porque ninguém, que entende do assunto, quer se dar ao trabalho de pensar numa reforma da ONU, pelo menos no item Justiça Internacional.

Que Deus tenha pena do Oriente Médio. O diabo não terá. Pense nisso, Netanyahu. Você ainda pode reverter sua reputação entre os árabes. Quem sabe, árabes poderão, um dia, aplaudi-lo. Todos merecem uma segunda chance.











quinta-feira, 19 de maio de 2011

Ainda o caso Strauss-Kahn

Para quem gosta — eu não, porque é fantasiosa demais — de conciliar literatura policial com política internacional tão cedo não aparecerá um “enredo” tão eletrizante como o rumoroso caso do diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, acusado de tentativa de estupro, ou atentado ao pudor e “cárcere privado” (durante alguns minutos !?) contra uma camareira de quarto em um hotel de Nova York. Como ao sair do hotel ele esqueceu de pegar o celular — fato corriqueiro — telefonou para hotel e pediu que algum funcionário levasse a ele o aparelho, dizendo onde se encontrava. Com esse telefonema o funcionário pôde informar à polícia onde estava o “velho tarado”. A polícia, sem pensar duas vezes, providenciou sua prisão. Esta foi um tanto espetaculosa, com sabor de filme de “007”, minutos antes do avião da Air France taxiar para levantar vôo em direção a Paris. Note-se, em favor do acusado, que as passagens aéreas, de ida e volta, foram compradas com antecedência, antes de sair da França, com dia e hora para o retorno ao país. Não era um avião contratado em último momento, indício de criminoso em fuga. Além do mais, se DSK estava fugindo, após um estupro, jamais diria, por telefone, ao funcionário do hotel que estava no aeroporto “x”. Preferiria perder o celular.

“DSK”, como é designado o chefe do FMI, tal a sua notoriedade — poucas figuras internacionais chegam a adquirir status suficiente para gerar uma sigla — foi algemado, filmado e fotografado. Manteve-se sempre silencioso e sério, o que incentivou indícios superficiais de culpa. — “Por que ele não se defendeu logo, pelo menos dizendo aos repórteres que estava sendo vítima de uma armação? A cara triste dele é a de um culpado”, pensaram leitores sensatos mas pouco familiarizados com as tramas internacionais, sempre muito bem elaboradas.

Notícias seguintes revelam que a arrumadeira, vítima ou suposta vítima, era uma funcionária de boa conduta, originária da África negra, e que trabalhava no hotel há três anos. Detalhe irrelevante. Se houve armação — como parece ter havido —, esta precisaria de uma mulher comum e não promíscua, para dar credibilidade ao plano. Somente com uma mulher sem maus antecedentes é que o plano teria alguma chance de êxito.

Outro item profundamente estranho na acusação é o fato, posteriormente revelado na mídia, de a camareira dizer que DSK já saiu nu do banheiro e, sem a menor cautela a atacou, forçando-a a praticar sexo oral. O relato robustece a versão de inocência de DSK porque tal procedimento implicaria em algum risco — acidental, desencadeado pelo terror da vítima — de amputar ou ferir o agressor em um local muito valorizado de sua anatomia de varão ilustre. Lendo sobre casos de estupros, realizados ou tentados, nunca soube de um caso de ataque sexual, improvisado e violento em que o agressor, usando força bruta e dispondo de pouco tempo para dar vazão a seus instintos, em vez de logo procurar o estupro, a penetração, pede que a vítima faça outra coisa. Ainda mais com o risco, mencionado acima, de uma perigosa antropofagia parcial.

Continuei pensando no caso porque há algo de muito intrigante nele. Não no fato de um homem de elevada posição ter um “caso” com empregada, secretária ou funcionária — vide declarações recentes do governador da Califórnia; o romance de Franklin D. Roosevelt com sua enfermeira; o caso de Thomas Jefferson com uma escrava, etc. — porque o instinto sexual não obedece a regras. Nos casos acima mencionados havia uma longa convivência, um “clima” não assustador, reciprocidade entre o político a mulher que lhe despertava paixão e desejo. Não havia ataque brutal e irracional, com eleições á vista.

Como disse, continuei pensando no caso. O alegado “ataque” trapalhão, nu, de DSK seria um irracional suicídio político, destruindo, em minutos, seu passado, seu presente e seu futuro como provável presidente. Havendo, como é provável, um plano para derrotar DSK, a trama teria que aproveitar o “calcanhar de Aquiles” do cidadão que, tolamente, no passado, admitiu ter uma “fraqueza” pelo sexo oposto. Morreu pela boca, no caso, a própria.

— “É por aí que pegamos o bicho!”, devem ter pensado os planejadores, eufóricos, insatisfeitos com posições e idéias de DSK. Não esquecer que não está em jogo apenas a presidência da França. A União Européia está abalada pelos problemas da economia continental. Aí entra o FMI. Há bilhões de euros em jogo. Isso sem falar na política internacional relacionada com o Oriente Médio. Um veto francês, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, pode impedir qualquer sanção escolhida pela vontade dos demais membros permanentes do Conselho de Segurança.

Olhos astutos, previdentes e coordenados internacionalmente vigiam, atentos à menor fraqueza “do inimigo”. A guerra é total, embora subterrânea e até mesmo cortês. Não se trata de meras teorias conspiratórias. E, marginalmente, deve ocorrer um fenômeno psicológico interessante, não participante do provável “esquema”: quantos economistas de prestígio não sentiram súbita euforia quando souberam do “escândalo DSK”? — “Meu Deus, será que chegou minha vez?! Mesmo que ele seja absolvido, não haverá mais clima para ele voltar ao FMI”. A chefia do órgão equivale ou ultrapassa, em importância, a concessão do Prêmio Nobel de Economia.

O gangsterismo acoplado à política sempre existiu. O desejo de poder — e a consequente riqueza que vem com ele —, enlouquece aqueles políticos gananciosos que não medem limites para destruir adversários “malvados” que querem diminuir seu patrimônio. Há, também, embora em menor proporção, aqueles que amam o poder pelo poder, sem buscar o enriquecimento pessoal. Stalin era um deles.
Conforme me recorda o Wikipedia, em 1894, uma tal de “madame Bastian”, empregada da limpeza — sempre as empregadas... — na Embaixada Irlandesa em Paris descobriu umas cartas suspeitas no cesto do lixo do adido militar alemão, o tenente-coronel Schwarzkoppen. Madame Bastian entregou os papéis ao serviço secreto francês que logo concluíu que existia um traidor entre os oficiais franceses, fazendo espionagem para os alemães. Quem seria o traidor? Procurava-se um culpado e, na época — tremendamente hostil aos judeus — nada melhor que um membro dessa raça para servir de bode expiatório. Alfred Dreyfus era o único judeu entre os possíveis traidores. Por isso foi “eleito” como suspeito e submetido a julgamento. Foi condenado, desonrado em uma solenidade militar e condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, Guiana Francesa. Lá cumpriu cinco anos até ser libertado porque um movimento popular, e intelectual, influenciado — beneficamente —, por dois escritores de peso, Emile Zola e Antole France. Zola conseguiu demonstrar que Dreyfus era inocente. Sua condenação foi revista e em 1906 ficou oficialmente provado que um tal de Charles-Ferdinand Walsin Esterhazy, outro major do exército francês, era o espião dos alemães e autor das cartas achadas na cesta pela empregada.
DSK também é judeu, mas de mentalidade bastante isenta, não parcial. Não defenderia, com unhas e dentes, pretensões eventualmente injustas do atual governo israelense. Não seria sua ascendência que motivaria o provável complô contra ele. Sarkozy, seu principal rival político, é metade judeu, por parte de mãe. Não há, portanto um conteúdo antisemita na provável “armação”.

De umas boas décadas para cá, houve um recrudescimento na utilização de métodos criminosos com finalidade política. Todos sabem que Stalin mandou matar Trotsky quando vivia no México, protegido pelo governo. Trotsky não parava de escrever livros e artigos denunciando seu ex-companheiro da Revolução de 1917. Dizia horrores contra o ditador russo. Para silenciá-lo, “só matando-o!”, concluiu Stalin. E assim fez, com elaborada preparação. O assassino, Ramón Mercader, primeiro seduziu uma moça que tinha contato direto com Trotsky (o amor facilita muitas portas). Na qualidade de amante, portanto “confiável”, pediu à moça que levasse um seu artigo teórico ao grande revolucionário. Gostaria que escritor fizesse as críticas necessárias. O artigo era um lixo e Trotsky concordou em receber o assassino disfarçado, que levava consigo, no braço, uma capa. Dentro dela havia uma picareta de alpinista.

Enquanto Trotsky lia e o texto-armadilha o assassino o golpeou com a picareta. A vítima urrou de dor e atracou-se com o matador, chegando a morder sua mão. Não resistiu, porém, ao ferimento e o assassino foi preso. Nunca revelou quem dera a ordem para o homicídio, embora todos saibam.

A morte de John Kennedy também teve um desenlace que impediu o completo conhecimento da verdade. Lee Oswald — cuidadosamente escolhido para figurar como único interessado na morte de um presidente — ele havia estudado na Rússia — foi morto, dois dias após ser preso. Matou-o Jack Ruby, um dono de boate meio maluco e com ligações com o crime organizado. Sua justificação, ridícula, foi a de que, matando o assassino de Kennedy, aliviaria a dor moral da esposa do morto. Mesmo encerrada a investigação, com uma conclusão oficial, permaneceu algum mistério sobre o que de fato ocorreu.

No tempo da Guerra Fria um inimigo dos comunistas, que estava em Londres, morreu porque um agente russo colocou, na ponta de um guarda-chuva, uma minúscula esfera, impregnada de radiação mortal.

A “ação direta”, na criminalidade política, não diminuiu. Aumentou em franqueza, assumiu. Mesmo os estados já preferem, oficialmente, eliminar “adversários perversos”. Será menos trabalhoso que a “baboseira” de longos julgamentos em que o réu — podendo falar para milhões de telespectadores — poderia arregimentar seguidores, surpresos em ouvir o outro lado da sempre discutível “verdade”. Muammar Kadafi, um antipático ditador, um poço de defeitos — mas que pode, em tese, ter em seu país mais seguidores que inimigos — foi alvo de uma tentativa de assassinado, dias atrás, através de aviões não tripulados da Nato. Por mero acaso, não estava no local. Morreu um filho e dois netos. E muitos outros casos há, de “assassinato político”, em que variados interesses podem estar nos bastidores. E não só na área internacional.

Cheguei a especular, por alguns instantes — impulsionado pela estranheza da cena anômala do suposto ataque sexual —, que tudo poderia ser uma armação preparada pelo próprio DSK. Destruindo tal armação com argumentos irrespondíveis — que ele logo apresentaria na mídia —, seria visto como a grande vítima, jogando para a estratosfera sua popularidade. Derrotaria Sarkozy, praticamente aposentando-o como político. Logo, porém, verifiquei que essa hipótese seria idiota, tal o risco nela implícito. Se DSK já está na frente, nas pesquisas de intenção de voto, porque assumiria o risco inerente a toda fraude? “Teatros” desse naipe só podem interessar ao candidato que está em posição inferior e precisa de um “empurrão” estrondoso para jogá-lo para cima. De preferência expulsando da disputa quem corre à sua frente.

Uma outra variante da hipótese de armação contra DSK, bem mais aceitável e lógica, consistiria em a tal camareira fingir que consentia no sexual e, a certo momento, seguindo o plano, assumir o papel de violentada, arranhando o político. Com a possível recompensa de um ou dois milhões de euros ela poderia melhorar a vida de dezenas de parentes que lutam contra a pobreza. Mera hipótese. Vamos aguardar o fim das investigações e julgamentos.

Resta, ainda, claro, a “versão oficial”, de tentativa de estupro com requintes de burrice. Foi um tanto estranhável a atuação da justiça americana no caso. Juizes eleitos ou indicados por políticos são mais sujeitos a pressões superiores do que juízes admitidos por concurso público, desobrigados de qualquer gratidão. Espero não ser o caso em exame, na cidade de Nova York.

A vida real é mais criativa que a ficção. Nesta, o autor está limitado pela a necessidade de verossimilhança. Na vida real não há tal restrição. As coisas simplesmente acontecem, doa a quem doer, acredite quem quiser.

(19-5-11)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tudo indica ser falsa a acusação contra Strauss-Kahn

O jornal “O Estado de S.Paulo”, na edição de 15-5-11, página A20, informa-nos sobre o suposto abuso sexual que teria sido cometido — insisto que não acredito — pelo diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, o mais forte adversário de Nicolas Sarkozy na eleição presidencial de 2012. Não estou dizendo aqui que o jornal é mentiroso, porque, de fato, o brilhante político, jurista e economista foi detido por autoridades americanas, em Nova York, quando já se encontrava a dentro de um avião comercial da Air France, minutos antes de levantar vôo, com destino à França. A prisão da destacada figura — para mim uma armação — realmente ocorreu, foi um fato, o que justifica a notícia do jornal. Este não se posiciona sobre a veracidade da tentativa de estupro.

Segundo a vítima — ou suposta vítima, uma camareira de hotel, de 32 anos —, quando ela entrou no quarto para fazer a limpeza, Strauss-Kahn saiu nu do banheiro e tentou dela abusar sexualmente, não o conseguindo porque a arrumadeira teria se desvencilhado, embora com “ferimentos leves”. A camareira avisou os funcionários do hotel e este chamou a polícia, que não titubeou em providenciar a prisão do político minutos antes do avião iniciar o vôo.

Somente um alto grau de embriaguez — não mencionado —, ou desequilíbrio mental, ou inacreditável bloqueio mental explicaria um comportamento tão anômalo, prejudicial a si mesmo e ao partido socialista a que pertence, por parte de um provável futuro presidente da França. Com seu poder e riqueza, é inconcebível que, em seu estado normal, o referido economista fosse “atacar”, como um analfabeto “tarado”, uma mulher estranha sem prever qual seria a reação dela. Nova York é a antítese de um convento. Dispõe de milhares de atraentes “call girls”, convocáveis por telefone. A profissional poderia satisfazer a súbita premência amorosa do “cliente”, com total discrição e sem mesmo saber quem a convocava. Elas, como suas iguais, em todo o mundo, não exigem comprovação de identidade.

Frise-se, ainda, que ele não foi preso em flagrante. Não houvesse um provável intuito secreto de difamá-lo politicamente, “impedindo uma abortada tentativa de fuga aérea!” — assim diriam as manchetes locais —, o procedimento normal da polícia teria sido ouvir a suposta vítima, avaliar sua sinceridade — inclusive com o detector de mentira — e, convencida da acusação, só então processar o político “tarado”. Mas não, um clima de “thriller” de filme de 007 deveria ser exigência da provável armação.

A utilização da política e da justiça com fins escusos não é prática rara nem na luta política nem na competição empresarial. Este parece ser, hoje, por enquanto, o “caso” em exame. A direita francesa, notadamente Sarkozy quer, ardentemente, vencer a próxima eleição. Um escândalo desse naipe altera tudo. Possivelmente, algum inimigo figadal da esquerda tenha, num “impulso de criatividade”, concebido uma forma de prejudicar o mais perigoso concorrente do atual presidente francês, inventando uma história particularmente vantajosa para desmoralizar adversários.

Vantajosa, porque reúne duas características: o público americano, nas acusações de estupro — realizado ou tentado —, sempre se posiciona, emocionado, em favor da vítima, ou suposta vítima. Uma carinha de choro e humilhação de mulher condena qualquer um. O ônus da prova como que se inverte. “O acusado que prove ser inocente!” Tarefa difícil, porque não há testemunhas, filmagem, ou conversa gravada. No caso de políticos, mesmo que não resulte demonstrada, sem sombra de dúvida, a tentativa de estupro — com conseqüente absolvição —, a natureza da acusação e a permanência do caso na mídia, por meses, “mancha” o candidato mais perigoso, fazendo-o perder a eleição.

A vantagem desse tipo de acusação beneficia também as supostas vítimas, garantindo-lhes uma quase certa impunidade: o caso termina, frequentemente, sem uma certeza da população sobre o que realmente ocorreu dentro de um quarto fechado. Por algumas centenas de milhares de dólares é possível encontrar uma “artista” improvisada e corajosa que queira ganhar talvez um milhão de dólares, quantia insignificante quando se pensa no que significa, direta ou indiretamente, ser presidente de um país do primeiro mundo. Quanto aos “ferimentos leves”, isso é muito fácil de simular.

Escrevo estas desconfiadas linhas porque me lembro do que ocorreu nos EUA muito antes da eleição do presidente John F. Kennedy. O pai de um político americano que chegou à presidência era um homem de negócios tremendamente astuto, ativo e ousado. Antes de centralizar toda sua habilidade em eleger seu filho para o mais alto cargo político dos EUA e do mundo, foi também empresário na área de show business. Tinha, porém, um concorrente — ao que me lembro grego de nascimento — que o derrotou nessa atividade. Rancoroso, contratou uma adolescente esperta e ambiciosa para simular uma tentativa de estupro. A mocinha conseguiu uma audiência com o grego, no escritório dele, fingindo querer uma oportunidade para trabalhar como artista. Em certo momento, avançou contra o grego, puxou sua camisa para fora das calças, assanhou o cabelo dele, rasgou seu próprio vestido e saiu da sala “espavorida” gritando ter sido vítima de um ataque sexual. O grego, atônito, seguiu-a, alegando inocência, mas como estava com a roupa desalinhada e a mocinha insistia, “emocionada”, na acusação, foi preso no ato. O júri o condenou a uma pena severa e foi preciso muito trabalho dos advogados do empresário para absolvê-lo na apelação.

Esse relato consta de um livro de crimes reais que li vários anos atrás, escrito por um autor americano, ou canadense. Talvez tenha sido o canadense Max Haines, com a série “True Crime Stories”. Não me lembro da série do livro mas tenho um exemplar na minha casa, entre os mais de 6.000 volumes guardados sem organização ( “o homem é o único animal que compra mais livro do que pode ler”). Se colocado em dúvida este fato de meu relato, tenho a certeza que localizarei a informação, hoje apenas de interesse histórico. E diz o referido autor que essa “mocinha”, muitos anos depois, quando adulta, no seu leito de morte, confessou que o suposto “ataque sexual” tinha sido uma simulação, a troco de dinheiro.

Cabe agora, ao diretor do FMI, se caluniado — como me parece ser o caso —, defender-se com firmeza e inteligência. Como ainda faltam vários meses para a eleição, terá tempo suficiente, não para o término do processo mas para um trabalho investigativo que, publicado na mídia, mostrando indícios da “armação”, leve o eleitorado, progressivamente, à convicção de que houve apenas uma abjeta “armação. Se houve mesmo tal expediente escuso o tiro disparado pelos adeptos de Sarkozy poderá sair pela culatra, “aposentando” compulsoriamente o sempre ousado e imaginativo presidente. Seria o “watergate” gaulês.

Escrevi, ontem, até aqui, o presente artigo. Hoje, porém, lendo no mesmo jornal, que a camareira em questão foi descrita como “uma profissional séria e competente, que nunca se envolveu em problemas durante o trabalho”, isso introduziu pequena dúvida em meu espírito. Dúvida não absoluta, porque se houve, eventualmente, uma armação, essa peça feminina do esquema não poderia ser uma mulher desmoralizada, de mau passado, afastando toda a credibilidade e utilidade do plano. Este necessitaria de uma mulher de bom passado.

Se, porém, eventualmente, for comprovado, na justiça, a ocorrência de um acesso de loucura lúbrica em homem tão instruído e sensato, darei a mão à palmatória. Pedirei perdão à honrada camareira por desconfiar de sua versão, aparentemente contrária ao comportamento normal das pessoas que muito estudaram e têm muito a perder quando ultrapassam os limites. Aí reconhecerei, novamente, a sabedoria do filósofo que disse: “O homem é fogo. A mulher, estopa. Vem o diabo e sopra”.

Minha desconfiança é que o “sopro” não passava de um bafo diabólico com odor de Roquefort, extraído de ovelhas e de sabor picante.

Somente um “espírito das trevas” conseguiria, com seu maléfico poder, destruir, em dois minutos, com seu sopro maligno, uma bela carreira, construída em décadas. Será necessário, no mundo ocidental, castrar todos os políticos para que não cometam asneiras monumentais?

(15-5-2011)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A anarquia jurídica internacional e algumas confissões

Quando jovem pré-vestibular pensei seriamente em seguir a carreira diplomática. Ingenuamente, via-me em congressos internacionais, desembarcando de reluzentes limusines negras, carregando pasta recheada de documentos importantes e misteriosos. Além desses atrativos, havia a perspectiva, altamente ilusória, de confortáveis viagens internacionais — o avião, na época, era um luxo de poucos. Poderia morar em Londres, Paris, Amsterdã, Washington, Estocolmo, Bruxelas — roteiro privilegiado, batizado ironicamente, no meio diplomático, como “circuito Elizabeth Arden” — e outras cidades recheadas de belas Valquírias de olhos azuis que me olhariam com admiração e receptividade romântica, considerando minha qualificação de diplomata e a perspectiva de turismo grátis como esposa de diplomata ganhando em dólares.

Além disso, havia o lado cultural: aprender rapidamente novas línguas; beber, na fonte, culturas muito mais antigas que a nossa; ler extensamente, sem receio de parecer vagabundo; lidar com pessoas de educação extremamente refinada, que jamais recorriam aos gritos e insultos para discordar ou expor suas opiniões, sempre sinceras e atentas ao Direito Internacional.

Em suma, aos 17 anos, mais ou menos, eu imaginava a diplomacia como uma espécie de turismo elegante, bem remunerado, altamente intelectualizado e submisso a um Direito Internacional justo e perfeito em seu funcionando, tal qual um relógio suíço de máxima precisão. Por que, então, não fazer um esforço para entrar, por concurso, no Itamaraty? A outra profissão que estava entre minhas cogitações, era a Medicina, embora vista, por mim, mais como um campo de pesquisas visando curas globais — sempre senti atração pelos “assuntos de cúpula” — das doenças consideradas, então, incuráveis, como câncer, hanseníase e outras, só agora vistas como extirpáveis, graças aos avanços da engenharia genética.

Havia, porém, um detalhe que atrapalhava meus planos imediatos: naquela época, para poder prestar concurso de ingresso na carreia diplomática era preciso haver freqüentado, pelo menos por dois anos, uma faculdade qualquer de ensino superior. E a faculdade cujo currículo mais se aproximava do exigível de um diplomata era o Direito. Por isso, decidi cursar Direito, mais acessível à minha natureza. Depois do segundo ano poderia tomar outro rumo. Matemática, química e física eram matérias que me causavam forte desconforto. A orgulhosa matemática, bem como a física, ambas recheadas de fórmulas, não me pareciam tão “lógicas” assim, porque fornecidas pelos professores em “pacotes intelectualmente fechados”, as fórmulas. — “Use-as, não precisa saber, agora, como foi que se chegou a elas!”, como que diziam os professores, com compreensível justificação didática.

Para abreviar este breve relato — que não interessa a ninguém, pela irrelevância do personagem em foco — adianto que por motivos práticos nem cheguei a tentar a carreira diplomática. Formei-me em Direito, advoguei, sem entusiasmo, por uns poucos anos, e acabei ingressando, por concurso, na magistratura estadual, aposentando-me quando a legislação assim permitia. Sentia, por vezes, alguma frustração — viagens, aprender novas línguas, turismo intelectualizado, etc. — por não ter seguido a carreira diplomática, aparentemente — era minha opinião ingênua — um mar sereno sob o domínio da lógica e da boa-fé.

Minhas “ilusões diplomáticas” sofreram, porém, paulatinamente, uma retificação. De uns anos para cá, aposentado, passei a acompanhar vivamente, pelos jornais, revistas e internet, a política internacional. Principalmente nas entrelinhas das falas e artigos dos políticos e articulistas. Aí fui percebendo, gradativamente, que a velha e primitiva senhora “Dona Força” e sua fiel “secretária” — a mentira elaborada e persistente —, ainda imperam no mundo. Elas dão como certo que os leitores, em sua maioria, são desinformados e pouco inteligentes; crédulos e facilmente manipuláveis, só pensando com as muletas do “chavão”. Se um menor número de eleitores não se deixa enganar, isso pouco importa, porque são minoria. — “O que interessa” — confortam-se os donos da mídia só interessada em dinheiro —“é a estatística, a subida ou descida nas pesquisas de opinião. Afinal, a democracia não se baseia na maioria? E como se formam maiorias? Com dinheiro, propaganda e redatores hábeis que decidiram transformar seu neurônios em caça-níqueis”.

E meu espanto foi crescendo, abismado com — perdoem-me a expressão — a “cara de pau” dos pronunciamentos de alguns representantes de governos fortes, nem um pouco interessados em disfarçar suas posições de defensores do indefensável. A mera força — política, econômica e militar —, fundada no interesse, é que ainda prevalece na política internacional, causando distorções. Em decisões importantes, as grandes potências primeiramente pedem, diplomaticamente, aos países mais fracos que votem em tal ou qual sentido nas resoluções do Conselho de Segurança na ONU. Havendo resistência do mais fraco, a solicitação transforma-se em ordem. Do contrário, sofrerão tal ou qual conseqüência, não claramente militar, embora essa continue implícita, porque “todas as opções continuam sobre a mesa”, terminologia arrogante repetida por papagaios implumes. A ameaça de não mais ajudar, financeiramente, tal ou qual país, ou coletividade, assusta mais que direcionar a bocas de canhões contra lideranças desesperadas com a falta de recursos. A versão psicológica atual de Barack Obama — ele precisa de apoio financeiro para seus planos de reeleição — não mais titubeia em “agir com firmeza” quando isso aumentará suas chances de novo mandato.

Dias atrás, a mídia revelou que aviões da Otan bombardearam o palácio em que morava Kadafi, o ditador líbio, na esperança de matá-lo. Ele, por coincidência, não estava lá. Morreram um de seus filhos e dois netos, além de serviçais. À vista disso, a parte da população que o apóia, indignada, atacou embaixadas dos países ocidentais que aprovam, com aviões, armas e assistência militar, o movimento insurgente. Como Kadafi não reprimiu, pela força, os invasores de tais embaixadas — matando-os, se necessário —, os mesmos governos que pretenderam assassiná-lo, por via aérea, sentiram-se injuriados e pretendem — invocando solenemente o direito internacional de proteção das embaixadas — processar o ditador nos tribunais internacionais, além de novas represálias contra a “arrogância” do ditador que escapou, por mera sorte, das bombas jogadas contra ele. Realmente, é necessário muita “cara de pau” para externar indignação jurídica contra sua quase vítima de homicídio, que escapou por sorte.

Não há dúvida de que Muamar Kadafi é um ditador primitivo que nem mesmo liga para as aparências. Recusou-se a deixar o “cargo” de presidente porque não se considera, formalmente, um “presidente”. Nem existe, lá, hoje, tal cargo. A Líbia não tem, sequer, uma constituição. É poder, puro e simples. Não obstante, não há certeza de que a maioria da população líbia desaprove sua permanência no poder. Possivelmente, uma pesquisa de opinião pública honesta, realizada por confiáveis entidades ocidentais, comprovaria que a maioria da população líbia é contrária à sua expulsão pela força.

É certo que, nas ruas, milhares de opositores manifestam-se no sentido de derruba-lo. Esses milhares, ou mesmo milhões, podem, talvez, representar uma minoria. Assim, respeitado o conceito vigente de soberania — cada país decide, soberanamente, sobre o próprio destino — não há como considerar legal o apoio dos países ocidentais para tirar do poder, pela força, um governante — ditador ou não —, notadamente via assassinato.

Sob o ângulo jurídico, enquanto não houver uma legislação universal — ou um governo federativo mundial —, dizendo que, doravante, não mais cabe aos cidadãos decidir sozinho sobre quem os deve governar, é afrontosa, à legalidade internacional, qualquer ação que permita a outros países colaborar, com armas e outros recursos, para depor ou assassinar ditadores, por mais desagradáveis que sejam. O próprio povo que o mate, se assim conseguir. Mesmo porque essa “colaboração externa” pode, em tese, abrigar interesse escuso, quando a insurgência ocorre em países ricos em petróleo.

Lembre-se que Pinochet era um ditador confesso e as grandes potências nunca pretenderam depô-lo porque desprezava os direitos humanos dos chilenos e de quem mais, ativista de esquerda, que aparecesse por lá. Stálin foi um ditador, mas era apoiado pela grande maioria dos russos de sua época, notadamente quando resistia à invasão nazista. Voltando a Kadafi, o argumento de que ele deve ser eliminado pela OTAN porque comete crime contra a humanidade, massacrando quem pretende expulsá-lo e talvez massacrá-lo, deve ser encarado como marginal ao direito internacional, tendo em vista o vigente — embora desatualizado — conceito de soberania. Esta, de fato, precisa ser alterada, restringida, quando exercida de forma incivilizada, mas que se faça isso às claras, em discussões sérias na ONU, regulando-se a formalmente a matéria. Não com subterfúgios de conveniência econômica ou política.

Não tenho qualquer simpatia pela figura política e desagradável de Kadafi. Não ficaria de luto se ele sofresse um enfarte. Apenas chamo a atenção para a necessidade de coerência na política internacional.

Um outro exemplo de desonestidade mental na política e na prática internacional está bem retratada no longo conflito entre Israel e a população palestina.

Durante bom tempo, Israel criou subterfúgios para não acertar, com os palestinos, as fronteiras que separariam as duas populações, de árabes e judeus, concedendo aos palestinos o status de Estado. Sem este, os palestinos não podem reclamar de coisa alguma contra eventuais abusos de Israel, inclusive territoriais, porque, como todos sabem, apenas Estados é que podem ajuizar ações no Tribunal Internacional de Justiça. O argumento principal, usado por Israel para dificultar as conversações de paz definitiva, estava no fato de os palestinos estarem divididos em duas facções hostis: o Fatah, na Cisjordânia, e o Hamas, na Faixa de Gaza. Governantes israelitas argumentavam: — “Não dá para conversar com os palestinos porque não sabemos quem realmente os representam, se o Fatah ou o Hamas”.

Finalmente, os palestinos tomaram juízo e resolveram, dias atrás, entrar em acordo, acabando com a duplicidade de uma das partes contratantes, os árabes. Aí, qual foi a reação de Israel? De falsa “indignação”, porque o Hamas é ainda hostil à própria existência de Israel, hostilidade muito comum na comunidade internacional, sem conseqüência aniquiladora. Mais funesto que dois Estados separados por fronteira é permanecer o conflito atual, com atos isolados de terrorismo islâmico seguidos de massacres de represália israelense, por via aérea, que matam muito mais que as explosões dos suicidas.

França, Inglaterra e Alemanha já foram reciprocamente hostis durante séculos. Nenhuma delas desapareceu e hoje convivem às mil maravilhas. Ocorre que, mesmo que o Hamas venha a dizer, eventualmente, que abandonou a demagógica retórica de “varrer Israel do mapa” — uma asneira monumental e impraticável, porque Israel é fortíssimo e conta com o apoio americano — tal declaração árabe seria rejeitada por Israel sob o novo argumento de ser uma afirmação mentirosa. Para coroar a prepotência, o inacreditável ministro de Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, anunciou o bloqueio de oitocentos milhões de dólares de impostos que Israel repassa anualmente à Autoridade Palestina. Em suma, Avigdor retém um dinheiro que não pertence ao Estado que representa. Quer mesmo massacrar, ainda mais, pela penúria, uma população há muito tempo perseguida e humilhada. A pergunta que se faz qualquer pessoa sensata é saber até quando o povo de Israel —, um povo culto, que sempre valorizou “o livro”, nem moralmente melhor nem pior do que qualquer outro povo —, vai tolerar ser dirigido por políticos de tão escassa lucidez, incentivadores da crescente animosidade mundial contra o próprio pais? O que pensam e sentem os refugiados palestinos, seus filhos, netos e bisnetos? Pensarão em voltar um dia? E com que intenção?

Fico por aqui, porque os desdobramentos seriam infinitos.

(06-05-2011)