segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O apoio de Obama à pretensão da Índia

A mídia de ontem deu grande relevo ao fato de Barack Obama apoiar o desejo da Índia de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Como seria natural, jornalistas alemães, brasileiros, japoneses, turcos, mexicanos e sul-africanos sentem-se levemente incomodados com tal escolha. Nela haveria, obliquamente, ligeira desconsideração ou, pelo menos, sub-avaliação objetiva da importância de seus respectivos países, que também ambicionam o poderoso assento? Por que a Índia e não, por exemplo, a Alemanha, com sua disciplinada força econômica? Ou o Brasil, com sua “desenvoltura” diplomática, sem medo da eventual desaprovação norte-americana, nação ainda não acostumada com tanta independência em país sul-americano? Isso sem mencionar o Pré-Sal, o álcool combustível, a vigorosa indústria automobilística e a condição de sede de futuros grandes eventos esportivos.

Todos os comentaristas do apoio em exame salientam que o motivo da escolha foi a conveniência, de contrapor, na Ásia, ao enigmático perigo chinês, um país mais previsível, também imensamente populoso, em franco progresso material e, principalmente, democrático. Segundo afirmação de Nisid Hajari, “managing editor” da revista Newsweek, de 15-11-10, pág. 5, o PIB da Índia, hoje, é de um trilhão e duzentos bilhões de dólares, economia que cresce mais de 8% ao ano e uma classe média é quase tão grande quanto a população inteira dos EUA — inteira, frise-se.

Ainda que o Japão seja admirado por sua operosidade e eficiência, não tem se saído bem, economicamente, nos últimos anos. E sua população não pode se comparar com a da Índia, com quase um bilhão de habitantes. Seu rápido crescimento deve-se, em boa parte, convém lembrar, ao discernimento de um ex-presidente ou primeiro ministro — da família Nehru — que previu o enorme potencial da informática e direcionou a educação de sua juventude nesse sentido. A tal ponto que quando a orgulhosa Alemanha percebeu, no ano 2.000, que estava defasada na informática, decidiu “importar” milhares de jovens indianos para trabalhar. Pessoas que, nessa época, visitaram a Alemanha, certamente acharam “inusitado” aqueles rapazes indianos, moreninhos, magros, lidando com tecnologia sofisticada antes privativa dos inteligentes e robustos loiros germânicos de olhos claros. A lição de previdência educacional deveria servir para o Brasil, priorizando o ensino técnico e científico. No ano 2.000 havia, no indiano “novo Vale do Silício”, 3 universidades, 14 faculdades de engenharia e 47 escolas politécnicas. Indianos lidavam inclusive com programas cuidando do processamento de dados de satélites e outros itens de alta tecnologia.

Não há, portanto, o que criticar na “escolha” de Obama, opção que, por sinal, passará por um longo percurso antes de se transformar em fato. Quem tem poder não gosta de dividi-lo. Quando o faz, é de cara amarrada. Os cinco atuais “titulares” do direito a veto examinarão as propostas de alteração do Conselho de Segurança com minuciosa cautela. De qualquer forma, a mera abertura da “estação de caça” aos novos assentos, permanentes, já é um avanço, partindo de um presidente da nação mais poderosa do mundo. Obama anda meio acabrunhado com o resultado das recentes eleições mas, sendo homem inteligente, essa decepção certamente despertará nele uma sede salutar de revanche que abrirá seus horizontes, literalmente. Deu a entender que procurará, no Exterior, a “vitamina” comercial que vem lhe faltando no plano interno. Com a globalização, o vigor econômica dos países depende da ampliação conjugada dos mercados internos e externos, como comprovou o governo brasileiro. Para desgosto daqueles que acham que presidentes não devem viajar muito. Não deve, claro, quando se trata apenas de turismo. Derrotas eleitorais têm isso de bom: obrigam a pensar e mudar.

Um grande argumento que será usado contra a ampliação do CS está no perigo da morosidade e imprevisibilidade das decisões em um órgão que deveria ser, por essência, rápido e decisivo, por lidar com segurança. É conhecida a metáfora de que o CS representa “os músculos” da ONU. Conflitos graves — com cheiro de pólvora, ou chiados do detector Geiger de radiação — precisam ser neutralizados com urgência. Sem longos e belos discursos. Daí a necessária diferença numérica entre a Assembléia Geral da ONU e o Conselho de Segurança. Não é à-toa, similarmente, que as Cortes Supremas de todos os países adiantados contam com poucos juízes, mesmo quando afogadas em acúmulo de processos. Como, pergunta-se, unificar decisões importantes com dezenas ou centenas de cabeças opinando, exibindo argúcia — “vou me desprestigiar se não mostrar todo meu saber...” —, pedindo adiamento para estudar melhor o caso?

Na verdade, o direito de veto, no Conselho de Segurança, nem mesmo deveria existir, hoje, no Direito Internacional. Era justificável quando da criação da ONU, em 1945, porque a nova e otimista entidade era, então, uma incógnita. Como funcionaria, politicamente? Sem a concessão do direito de veto aos países vencedores na 2ª.Guerra Mundial, Inglaterra, França, EUA, União Soviética e China — que perderam milhões de vidas na luta contra “o mal”— não teriam assinado a Carta da ONU. Temiam que países “pigmeus”, mas em grande número, poderiam decidir, irresponsavelmente, para obediência geral, no Conselho de Segurança, qualquer coisa, mesmo não tendo perdido um único homem na luta contra o nazismo, o fascismo e o imperialismo japonês.

De umas poucas décadas para cá o direito de veto passou a ter pouco sentido. Já se sabe qual o procedimento usual dos países. O veto vem travando algumas medidas corajosas, mas necessárias. Basta lembrar que decisões da Corte Internacional de Justiça algumas vezes — felizmente poucos, mas importantes — não são acatadas mas, não obstante, nada acontece de sério ao país infrator. Isso porque cabe apenas ao CS, não mais ao Tribunal, a execução da decisão não cumprida espontaneamente. O direito de veto estimula abusos de países que se sentem previamente confortados com a idéia de que “meu poderoso compadre” — um país poderoso, com direito de veto —, “não permitirá qualquer medida contra nós...”. Isso ocorre num mundo que costuma proclamar falsamente, com a boca cheia, que “todos os países têm direitos iguais”. Assim, hoje, é opinião quase universal que a opinião da maioria deveria prevalecer, sem veto. Ou, pelo menos — tornando a modificação mais factível, menos indigesta para os grandes —, que sejam necessários dois ou três vetos dos membros permanentes para impedir determinada resolução.

Com a atual sistemática do veto este transformou-se em uma velharia assemelhada ao caduco direito divino dos reis: a opinião de uma única cabeça, nem sempre lúcida — por vezes até mesmo insana —, prevalecendo contra a opinião de milhões de súditos. Pelo que sei, o embaixador do país que veta no Conselho de Segurança não se sente sequer obrigado a tentar convencer os demais países quanto ao acerto de seu veto. “Meu país veta e pronto!” Puro privilégio no uso da força política, militar, econômica, algo que um dia terá de desaparecer, assim como desapareceu o direito divino dos reis.

O presidente Lula vem externando, de uns anos para cá, o desejo de ver o Brasil integrando permanentemente o Conselho de Segurança. Não há nada de megalomaníaco nisso, tendo em vista o crescimento do país em quase todas as áreas. Entretanto, se o peso geopolítico do Brasil pode ser alto na América do Sul, não o é no plano mundial. O “cara” — na expressão amiga de Obama — pode ser um político simpático, pacifista e espontâneo — uma surpreendente novidade no mundo orgulhoso, sofisticado e falso da diplomacia —, mas isso não basta para convencer a comunidade internacional de que o Brasil “faz falta”, ou é “imprescindível” no Conselho de Segurança. Quando, no Exterior, um brasileiro diz a um estranho de onde veio, a reação é quase sempre: “Ah! Pelé! Brasil! Carnaval! Belas mulheres!”

Para contrabalançar essa impressão de superficialidade — e lembrar que também tem seu lado sério, estudioso e criativo —, seria útil que o Brasil criasse no país um centro de estudos e formação profissional na área internacional. A tal “Sorbonne” brasileira, na qual venho insistindo em artigos divulgados na internet.

Obviamente, tal entidade, ou universidade — a denominação fica para depois — não teria qualquer ligação funcional com a Sorbonne francesa ou outra universidade equivalente do Primeiro Mundo. Nessa entidade brasileira seriam ensinadas as matérias que constam das demais entidades estrangeiras de Direito e Relações Internacionais , com um importante acréscimo: uma cadeira de concepção, críticas e detalhamento de um governo democrático mundial, sem o qual o planeta caminhará para um impasse, com possível derramamento, ou envenenamento radioativo de sangue. Um “think tank” capaz de apresentar um esboço convincente de como seria possível fazer com que o planeta funcionasse com base na razão, sem ter de aguardar novas guerras — convencionais, atômicas, químicas, bacteriológicas ou mesmo “cambiais”, como acontece no G-20..

Os melhores pensadores da ciência política são favoráveis a um governo global, desde que democrático. O problema é saber como funcionaria. Paradoxalmente — conseqüência da vivência em campos de carnificina —, grandes generais se mostraram favoráveis a criação de um governo centralizado que coordene as variadas políticas nacionais de modo a que todos os países se sintam completamente seguros, desde que agindo de boa-fé.

Por que os países gastam tanto com armas e mecanismos de segurança? Ou porque se sentem inseguros, ameaçados, ou porque se sentem fortes demais. Força estimula orgulho e ganância, econômica e territorial. É preciso que a um “governo central” tenha condições de dar completa garantia, a todos os países, de que ele nunca será atacado e por isso não precisa se armar até os dentes. A ONU atual dá essa garantia? Não dá. Por isso precisa ser modificada. Muitas vozes clamam nesse sentido. Por que a “Sorbonne brasileira” não poderia centralizar tais debates?

A Alemanha, nos anos 1930s, sentia-se oprimida e injustiçada, com razão, com as obrigações pesadas constantes do Tratado de Versalhes. Quando encontrou um líder, Hitler, que dizia exatamente o que o homem da rua sentia, o ressentimento reprimido aflorou e o país foi conduzido a um invulgar esforço de guerra. Super-armada, a Alemanha “precisava” utilizar aquele material bélico. Onde? Nos países vizinhos, claro: Polônia, Tchecoslováquia, França, Rússia, etc.

Houvesse, desde aquela época, um governo mundial efetivo, primeiro, o Tratado de Versalhes seria revisto. Segundo, Hitler teria sido “enquadrado”, talvez até “extraído” à força do poder. Não teríamos a 2ª. Guerra Mundial e os judeus, não perseguidos e incinerados, não teriam afluído, em massa, para a Palestina, desalojando os árabes que ali estavam há quase dois mil anos. Não teríamos o terrorismo islâmico; o 11 de setembro; a reeleição do George W. Bush; a invasão do Afeganistão e do Iraque; o desgaste político e econômico dos EUA — guerras não custam apenas sangue. Aeroportos não tratariam os passageiros, hoje, como criminosos. O Irã não tomaria as dores dos palestinos, ameaçando com a tolice de “varrer Israel do mapa”. Israel não ameaçaria bombardear “preventivamente” as usinas nucleares iranianas.

Criado o Estado de Israel ele não se atreveria a, afrontando um governo mundial, continuar ampliando a ocupação de áreas que a CIJ já declarou pertencer aos palestinos. Se a ONU — ela mesma, não adianta esperar solução das duas partes envolvidas — , delimitar, já, as fronteiras entre Israel e o Estado da Palestina, Israel será forçado a brecar — por mera falta de espaço — o afluxo de irmãos de fé ou de raça, sem qualquer sensação de culpa. Porém, para a própria ONU fixar as fronteiras é preciso modificar a Carta da ONU. Um bom assunto para a “Sorbonne brasileira”.

Em suma, o planeta não seria a atual casa de loucos, cada país fazendo o que bem entende. O planeta só não explodiu porque, paradoxalmente, vários países possuem arsenal nuclear, cada vez mais espalhado em perigosa “democratização”. Atacar significa morrer em seguida. Um efeito colateral e imprevisível da tecnologia do átomo. Queiramos ou não, o “medo atômico” tem evitado muitos conflitos, mas não há garantia absoluta de que um louco qualquer decida apertar um botão vermelho.

A solução não é acabar com as armas nucleares, mas abolir todas as armas, estimulando, até mesmo , financeiramente, a indústria armamentista a mudar de atividade. Sem essa ajuda, continuaremos com o atual enfoque essencialmente belicoso porque nenhum CEO das armas permitirá que sua empresa vá à falência. A força econômica da indústria das armas é imensa, perfeitamente apta a boicotar qualquer iniciativa que a marginalize. Cérebros lúcidos estão à venda em toda parte. Gigantes dificilmente são derrubados.

Sobre os percalços da criação da “Sorbonne brasileira”, principalmente da busca de um líder intelectual com conhecimento, prestígio e coragem suficiente para transformá-la em realidade, falaremos em oportunidade bem próxima.

(11-11-2010).

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