Costumo ler com vagar — por um conjunto de razões que pouco interessam ao leitor — os livros que, irracionalmente, compro em quantidade acima da minha capacidade de absorção. Bem dizia um ex-campeão de xadrez de Nova York: “O homem é o único animal que compra mais livros do que pode ler.”
Para agravar minha situação, é-me comuníssimo abandonar a leitura após as primeiras páginas. Perco o entusiasmo. Suponho que alguns leitores sentem o mesmo. O interesse murcha por duas razões: primeiro, ao perceber que o autor está “esticando” desnecessariamente o texto, apesar da escassez de idéias ou informações novas relacionáveis com o assunto. Em vez de dar uma pausa na redação para conhecer melhor os tópicos, ele segue em frente, impávido, escoiceando “brilhantemente”, confiando, talvez, na desinformação dos leitores. E nisso se engana, porque há leitores de todo tipo.
Trata-se, no fundo, de mera preguiça, não de falta de talento ou inteligência. Daí a importância de haver “um homem”, um caráter, dentro de todo escritor. Apesar de caráter e inteligência serem coisas distintas, não há dúvida de que um grande caráter pode, em larga medida, compensar — com a honestidade mental, leituras e limpeza do texto —, a desigualdade da natureza na distribuição da argúcia e rapidez mental entre os homens. Daí uma outra observação pertinente, feita por um escritor cujo nome não me ocorre: “Todo livro é superior a seu autor”. O autor, intelectualmente, pode não ser lá essas coisas, mas o livro é ótimo, muito acima dele, porque foi refeito várias vezes. E refazer os homens é muito difícil. Suas esposas ou companheiras que o digam...
Uma segunda razão para abandonar a leitura do livro — agora com raiva, quase jogando o volume no chão ou no lixo — está na ofensa à inteligência dos leitores. Principalmente quando o estelionatário das letras, pensando apenas no “mercado” de baixa escolaridade — ou deficiente contato com a realidade —, usa e abusa do “direito” de afrontar a lógica, a ciência, o bom senso. Aí já se trata de má-fé, não apenas de preguiça, como no caso anterior. Quando tento ler “best sellers”, destinados também a adultos, falando a sério em vampiros, magos, esoterismo, demônios disfarçados, fadas, dragões — pondo fogo pelas ventas —, espadas mágicas, alquimia, viagens no tempo ou no espaço — vôo sem asas nem aeronaves —, penso que boa parte da humanidade está se atolando no obscurantismo. Com ajuda de editores cultos mas indiferentes à avacalhação da inteligência. E o pior: por vezes com apoio financeiro do estado,“incentivando o hábito da leitura”.
Mesmo para adolescentes, livros que tratam, por exemplo, de alquimia, a “química” ao tempo da profunda ignorância — nem sabiam que existiam os átomos — não deveriam, tais livros, receber qualquer estímulo do estado ou de seus professores. Isso porque induzem o adolescente a engolir enredos e idéias sem qualquer senso crítico. Além de torná-lo cada vez mais ignorante sobre o que existe realmente no mundo em que vive. Qualquer estímulo governamental deveria ser direcionado apenas para obras que, pelo menos, não desinformem. Distraiam, mas não desinformem. Afinal, queremos formar cidadãos cultos, críticos e bem informados, ou autênticas “geléias” mentais, passivamente propensas a seguir demagogos, ou auto-proclamados “homem de Deus”, espertalhões preocupados apenas em enriquecer explorando a religiosidade de seus inocentes seguidores. Mas deixemos de divagações.
O livro, de François Forestier, sobre Marilyn Monroe e John Kennedy, foi um dos poucos volumes em que não tive necessidade alguma de me forçar a terminar. É intensamente interessante. Impossível largá-lo no meio. Contém massa enorme de informações, detalhes e deduções bem articuladas — e bem prováveis — sobre o que foi a era Kennedy. Desde o fundador da “dinastia” política, Joseph (Joe) Kennedy, um financista sem o menor escrúpulo que cismou, porque cismou, em fazer presidente dos EUA um de seus filhos.
Com a morte, na 2ª. Guerra Mundial, do filho mais velho, o “Júnior’, Joseph Kennedy transferiu essa missão ao segundo rebento, John F. Kennedy, assassinado em Dallas. Tudo indica, pela Máfia americana, mesmo que a Comissão Warren tenha concluído que o único responsável foi o autor dos disparo, Lee H. Oswald. Este último, suspeitamente, foi morto logo em seguida por um gangsterzinho de segunda categoria, Jack “Ruby”. Com a morte imediata de Lee Oswald a investigação sobre a morte do presidente ficou muito prejudicada. Anda que o livro tenha se preocupado principalmente em descrever a intensa vida sexual de John Kennedy e Marilyn Monroe, aqui e ali aparecem detalhes que, costurados, levam — pelo menos a mim — à conclusão de que foi a Máfia, em harmonia com algumas pessoas do próprio governo americano, que planejo a morte do presidente. Lee H. Oswald apenas mirou e apertou o gatilho.
O livro descreve bem os jogos do poder na Casa Branca. J. Edgar Hoover é bem retratado. Já era de conhecimento comum, bem antes da obra, que o diretor do FBI conseguiu manter-se na função, durante 48 anos, graças aos deslizes de homens públicos. Notadamente os segredos de alcova, guardados em sua gaveta particular. Considerando a doentia curiosidade dos americanos pela vida sexual dos seus políticos, a gravação, em fitas, de ruídos amorosos — gemidos, frases e ranger de molas — era uma garantia de permanência no poderoso e temido cargo.
Segundo o autor, Hoover não gostou nem um pouco da afrontosa novidade inventada pelo seu superior hierárquico, o esquentado Robert Kennedy que, nomeado Procurador-Geral, mandou instalar na sala de Hoover uma campainha. Quando Robert precisava falar com o diretor, convocava-o sonoramente, como se Hoover fosse um criado de quarto. Essa queda de “status” gelava o sangue, já naturalmente frio, do vingativo e poderoso homem das sombras. Até então, quando um político importante queria falar com ele, costumava visitá-lo no seu escritório. Hoover, no entanto, fingiu engolir a afronta.
Outro personagem “influente’, naquele período, e que aparece com freqüência no livro, é Sam Giancana, um gângster de Chicago que, além de gângster, era especialmente maléfico, astuto e sórdido. Até entre os gângsteres há graus de sordidez. Sua morte, no entanto, foi branda demais, em termos de merecimento de punição: morreu em junho de 1975 “com uma bala na nuca e seis balas no rosto”, segundo o autor. Cá entre nós, bondade do destino, porque praticamente não sofreu. No livro, à pag. 188, revela-nos o autor que quando Marilyn Monroe foi encontrada desfalecida no leito, entorpecida com os coquetéis de calmantes e excitantes — morrendo do excesso —, Giancana (...) “resolve aviltá-la mais. Violenta-a. Manda um de seus capangas estuprá-la. E, aproveitando a ocasião, pede que fotografem a cena. Tem a intenção de humilhar RFK (Robert), de espezinhar o jardim secreto do inimigo jurado, o procurador-geral”.
Frank Sinatra; os maridos de Marilyn; Glória Swanson (ao morrer, disse simplesmente que “Se precisasse voltar a viver minha vida, não o faria”) e inúmeras beldades de Hollywood cruzam o caminho do leitor, que se sente como vivesse na terra das estrelas.
Quanto à Marilyn, só mesmo lendo o livro para se ter uma idéia do que foi sua confusa vida. Atraída pela “glória”, não pelo dinheiro, teve uma vida deformada pela ambição, falta de juízo, pouca instrução e total indisciplina. Queria ser considerada uma grande artista, mas não podia se dedicar seriamente ao trabalho por causa de sua propensão a consumir medicamentos de tarja preta, engolidos com “drinks”. Segundo o autor, tinha a ambição de se tornar “primeira dama”, desbancando a discreta e humilhada Jackeline Kennedy, que fingia não ver que o marido se dedicava mais à caça das mulheres que aos problemas do cargo. Conforme o autor, seu único ponto fraco era o gosto pelo gastar. Daí, talvez, a aceitação do velho armador grego, Aristóteles Onassis, como segundo marido.
Praticamente, todos os personagens importantes ligados a Marilyn Monroe e John Kennedy estão mortos. Assim, dificilmente haverá quem queira processar judicialmente o autor, alegando que ele deformou ou exagerou o lado negativo das pessoas descritas em sua obra.
De qualquer forma, é um livro interessantíssimo, seja o leitor um curioso da vida íntima de personalidades famosas, ou interessado em conhecer o jogo do poder dentro e fora da Casa Branca, na época. Ou mesmo um circunspecto estudioso do produto final da combinação de dinheiro, poder, busca da fama e, principalmente, a libido. Um mecanismo biológico natural, destinado apenas à propagação da espécie, mas que ainda atormenta a vida de homens e mulheres, em todas as classes sociais.
Impressiona, também, a relativa impotência dos EE.UU. — não obstante sua aparente rigidez — em afastar do convívio social os realmente grandes criminosos. Notadamente a Máfia americana, ou que outros nomes tenham as organizações criminosas. Por sinal, estranhamente, Edgar Hoover sempre negou que houvesse “Máfia” em solo americano. A explicação do autor — e de outros autores — é a de que Lucky Luciano, o “capo” dos “capi”, guardava fotos sexualmente comprometedoras do poderoso diretor.
Por causa da longa e perigosa permanência de Hoover, uma lei foi aprovada, proibindo que o diretor do FBI permaneça no cargo mais de dez anos. Salutar medida.
(5-4-09)
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