segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Conciliando crescimento com ajuste das contas públicas.

Conhecida anedota diz que é difícil encontrar um bom ministro das finanças, em qualquer país, porque os que realmente “entendem” de economia estão ocupadíssimos, trabalhando como barbeiros, taxistas, engraxates, feirantes, comerciantes, profissionais liberais, blogueiros, twiteiros,  economistas e articulistas independentes, como é o caso do escriba que assina o presente artigo.

Todos concordam que o Brasil vai mal, porém discordam quanto aos remédios adequados para sair da crise. Basta ler os jornais. Essa discordância comprova que a Economia não é uma ciência exata. Seu ratinho experimental, o bicho homem, é caprichoso, teimoso, malandro e ganancioso. Consequentemente, imprevisível. Essa incerteza nos autoriza — nós, os não especialistas — a opinar conforme deduzimos da leitura de jornais e revistas. Não somos especialistas mas também não somos estúpidos. Além do mais, velhas certezas da economia cedem lugar a experiências que não figuram no receituário tradicional.

O Japão, por exemplo, desde 1990 está sendo prejudicado pela deflação. Por isso o presidente do Banco Central japonês, Haruhiko  Kuroda, está firmemente decidido a alcançar  uma inflação de 2%. Como? É preciso fazer força para conseguir inflação? No caso japonês, é. E o Brasil, precisando de algum milagre para sair da crise — de origem oposta — pode extrair algumas conclusões do experimento japonês.

Há duas décadas os japoneses compra o mínimo possível. Não por falta de dinheiro mas porque esperam que os preços baixem ainda mais. Isso produz estagnação, comprovando que em economia qualquer exagero — mesmo formalmente “virtuoso” —, é prejudicial.

A vida econômica guarda muita analogia com vida biológica: detesta qualquer excesso. A própria água, tão imprescindível à vida, pode ser utilizada como tortura, se uma mangueira for fixada na boca de um prisioneiro de guerra, obrigado a engolir baldes do precioso líquido. No caso, nada “precioso” . O Banco Central japonês complementou sua política de emergência prometendo “juros negativos”. Isto é, em vez de remunerar o depositante com juros, será o depositante que pagará juros — 0,1% —ao banco.

Essa notícia, que li em um jornal paulista, não dá muitos detalhes, isto é, se tais juros negativos serão cobrados de todos os depositantes, indistintamente, ou se cobrados apenas dos depósitos mais elevados. De qualquer forma, é total novidade essa técnica de incentivar a economia tornando pouco atraente manter grandes somas nos bancos, em vez que aplicá-las na produção e no consumo. A função básica do dinheiro, um pedaço de papel,  é circular. Não é ficar parado no banco, como acontece quando poucos se atrevem a pedir um empréstimo bancário por causa dos juros altos. Apenas na Idade Média, ou por aí, os bancos cobravam juros dos depositantes, tendo em vista a insegurança da bandidagem violenta. Nos bancos a riqueza estava melhor protegida. Só depois é que os depositantes passaram a receber juros, situação justa porque seu dinheiro estava sendo usado pelo banco, fazendo empréstimos e lucrando. Não se limitavam a guardar.

Que o Brasil está, no momento, perto do fundo do poço, não há dúvida: desemprego recorde; juros altíssimos; brutal queda de arrecadação; inflação alta ressuscitada; crimes de todas as cores do “colarinho”, a começar do “branco”; desânimo do empresariado; baixo grau de confiança de potenciais investidores estrangeiros; dívida pública se aproximando dos R$2,8 trilhões e impasse institucional.

 Até os malditos mosquitos, sentindo no ar o cheiro de sangue, aderiram ao festim sugador e atormentam nossas pobres grávidas com o risco de gerar bebês com cérebro reduzido. Se Zola fosse vivo e brasileiro lamentaria novamente: — “Mais carne para o sofrimento!”

Desnecessário alongar mais sobre a realidade de nossa situação. Todo brasileiro medianamente informado já leu, ouviu ou sentiu no bolso a dura realidade de um país mal governado e viciado na corrupção. Porém, mais urgente do que saber “quem errou?” é saber quando e como o Brasil poderá sair do poço.

Joaquim Levy e Nelson Barbosa? Quem estava “mais certo”?

Ambos estavam, e estão, certos. A diferença explica-se pelos diferentes momentos da crise brasileira, que, de grave passou a aguda, e  igualmente séria. No começo, logo após a última eleição, não havia tanto desemprego, como agora. As “doenças” econômicas guardam muita semelhança com as doenças físicas. As condições do paciente evoluem, alteram-se, e conforme a situação, é direito do paciente — ou seus parentes —, apelarem para outro médico, sem desdouro para o anterior.

 Nelson Barbosa é tão competente e íntegro quanto Joaquim Levy, e igualmente corajoso. Cada um segue honestamente sua convicção. Divergências desse tipo ocorrem também em outras áreas, como no Direito.

Sem desdouro para Joaquim Levy, acompanho a opinião generalizada de que o Brasil não pode mais ficar como está, parado, aguardando um “saneamento” que pode, longo demais, se tornar suicida. Um país saneado nas contas mas fervendo de raiva, com milhões de desempregados revoltados. É preciso — já disse isso antes, mais de uma vez — seguir a “receita” de mero bom senso utilizada por Franklin Delano Roosevelt para salvar os EUA da Grande Depressão iniciada em 1929.

Franklin Roosevelt não era economista. Era “apenas” um político de grande visão, pragmático, de bom caráter, não interessado em se enriquecer pessoalmente. Para evitar o impensável — uma guinada para o comunismo, fruto da miséria e do desespero —, resolveu apostar no crescimento dos Estados Unidos, mesmo quando a situação econômica estava péssima, com filas imensas de desempregados esperando um prato de sopa. Como  superou a crise? Contratando pessoas e empresas para investimento na infraestrutura e no consumo interno.

Com investimento — na infraestrutura, principalmente —,  haverá aumento de empregos. Empregos propiciam salários. Salários geram compras. Compras geram tributos, sem os quais União, Estados e Municípios não podem pagar os serviços de segurança pública, educação, saúde e tudo o mais. Até o funcionalismo começa se revoltar.

Crescimento. Esse o caminho mais recomendável, hoje, para o Brasil sair da crise. Mas crescimento sem o apêndice da roubalheira. Desta cuida o juiz Sérgio Moro, com muita competência, assim como centenas de outros magistrados, igualmente motivados em tornar mais efetiva a legislação penal.

 Alguém poderá dizer: — “Tudo bem, crescimento... Mas com que dinheiro? O país já está por demais endividado e vem esse sujeito dizer que precisamos gastar em áreas que exigem investimentos de bilhões ?”

A resposta é óbvia: não havendo dinheiro no Tesouro — e não sendo conveniente, ou suportável, aumentar o já imenso endividamento governamental —, conceda-se à atividade privada, nacional e internacional, a incumbência de, por exemplo, reformar, modernizar e ampliar os portos e aeroportos; construir navios, aviões e estradas de ferro para o transporte de soja, minério, etc. — não esse fricote grã-fino de trem-bala — ; melhorar e completar nossas estradas. Tudo o que possa ser entendido como “infraestrutura”. Construir, agora, tudo o que será útil para o crescimento do Brasil de amanhã, próximo ou remoto. Muito mais infraestrutura do que estádios de futebol e coisas do gênero.

Será que o capital nacional  e o capital estrangeiro não terão interesse algum em, por exemplo, melhorar estradas e ficar com o direito de cobrar pedágio pelo tempo necessário, de forma a recuperar o que gastou e obter o razoável lucro? Se houver garantia jurídica suficiente de que os contratos serão cumpridos, é bem provável que a infraestrutura crescerá.

 A atividade privada é quase sempre mais eficiente que a estatal. O empresário, mesmo não sendo eventualmente santo, não quer ser roubado. Vigia de perto e pode também ser vigiado pelas agências reguladoras. O jornalismo investigativo é muito bom nisso. Já o Estado, quando se mete a empreendedor,  nem sempre vigia assiduamente seus cantos escuros porque, com ou sem lucro, seu ganho mensal será o mesmo. Não há estímulo financeiro para o perfeccionismo no planejamento e na execução de projetos. Veja-se a transposição do Rio São Francisco.

Obras contra a seca, no nordeste, teriam um bom efeito imediato geral, com reflexo na segurança pública das grandes cidades do Sul e Sudeste. Havendo água no nordeste, diminuiria a migração da sua população mais necessitada em busca de trabalho.

O nordestino pobre do campo não abandona suas terras por capricho. Sai porque se não o fizer não terá qualquer futuro, sobrevivendo com as migalhas das “bolsas”. O gado morre de sede, as plantações, idem. Se habita na cidade, não encontra trabalho. Se, porém, o nordeste for irrigado, nordestinos que agora se amontoam nas favelas do sul e sudeste, dominadas pelo tráfico, podem ser estimulados a voltar para às suas origens, livrando-se do medo das balas perdidas e dos barracos insalubres. Salvo imprecisão, no complexo do Morro do Alemão amontoam-se mais de dois milhões de pessoas — um “país” vivendo na periferia de uma cidade — que ali estão porque não havia outra alternativa. E por aí vai. Para a cadeia ou para o caixão, quando são jovens semianalfabetos e sem perspectiva..

 A política de estímulo ao desenvolvimento, posta em prática por Roosevelt —, mesmo em plena crise americana —, precisa ser imitada pelo Brasil, seja quem for seu presidente. Pelo que sei, Roosevelt não concedia “bolsas” de ajuda. Ele apenas estimulava a criação de empregos e trabalho. Não era uma política de esmola, a ser retribuída com votos. Focava, repito mil vezes, na melhoria da infraestrutura.

Li — no jornal “O Estado de S. Paulo”, de 26-01-16, pág. B3 —, que o governo federal está pensando em modificar a legislação permitindo que petroleiras estrangeiras possam participar na extração do petróleo do pré-sal, nas áreas mais profundas. O nome técnico desse processo chama-se “unitização”.  A Shell, de capital inglês e holandês,  manifestou interesse nessa exploração, tendo em vista que o Instituto Brasileiro do Petróleo – IBP estima “reservas de 8 bilhões e 13 bilhões de barris em áreas de unitização. Quem sugeriu essa possibilidade foi o senador José Serra, que já foi de esquerda declarada, e apresentou um projeto de lei nesse sentido mas que dorme em alguma gaveta do Senado. A situação atual é tão grave que dispensa fanatismo nacionalista.

Embora a legislação atual diga que somente a Petrobrás pode operar no pré-sal, isso pode ser modificado. Propiciaria um investimento de US$120 bilhões, conforme o mesmo jornal. De minha parte, sempre pensado mais no futuro, preferiria que a humanidade se esforçasse para se libertar da dependência do petróleo poluidor, buscando outras fontes de energia, mas o fato é que essa alternância energética terá que esperar muito. E o Brasil de hoje não pode esperar.

Finalmente, a CPMF. Ela é o tributo ideal  — o passo inicial do “imposto único” , ou quase único —, que tem a virtude da simplicidade. Ela é igualitário, no sentido de que cobra de todos que pagam e recebem, dificultando muito o uso de truques contábeis. Retrata, em tempo real, a movimentação real do dinheiro. É praticamente insonegável e por isso preserva — pela impossibilidade — a honestidade (forçada) de eventuais funcionários tentados a embolsar valores que não lhes pertencem e sim ao Estado. A CPMS deve, para realmente funcionar, ser cobrada na emissão de cheques, no uso dos cartões de crédito e de débito e nas transferências eletrônicas.

A justificação teórica e moral de desse tributo estaria no fato de não ser apenas “mais um imposto”, lesivo no atual momento brasileiro em que a carga fiscal já é imensa. Ela deve ser encarada como um tributo substitutivo de uma vasta gama de tributos, simplificando a vida de todos nós.

Sendo a CPMF o passo inicial para trocar uma enxurrada de tributos por apenas um — ou poucos mais —, o governo poderia dobrar o percentual até agora mencionado para a CPMF — visando tapar o imenso “buraco” cavado pela incompetência — e ao mesmo tempo, na mesma lei, reduzir fortemente o percentual do Imposto de Renda, pessoa física.  .

 Em vez do teto de 27,5% do IR esse teto, por exemplo, cairia para 10%.  Vladimir Putin, fixou esse percentual único para todo rendimento de pessoa física. Não sei, porém se, neste exato momento,  com as dificuldades da economia russa, boicotada por outros países, isso foi alterado.

Se a classe média e/ou assalariada souber que com a CPMF seu Imposto de Renda, descontado na fonte, será imediatamente reduzido — no mesmo documento legislativo, insista-se —diminuirá muito sua resistência à criação do “imposto do cheque”, denominação incompleta porque não se limita ao cheque.

Somente a classe assalariada, da área pública e privada, paga rigorosamente o IR. Não exatamente porque gosta. É que o desconto já vem no holerite. Quem não paga o IR dessa forma dispõe, dizem, de alguns jeitinhos contábeis para pagar menos, ou nada pagar.

Com esse “alívio” no I. Renda, já no holerite do mês seguinte à vigência da CPMF, esta pode ser mais facilmente tolerada, ou digerida, não obstante a grita de seus inimigos que só repetem que o país “não aguenta mais um tributo”. Ela não será “mais um tributo”, porque corta um grande naco de outro, também muito antipatizado.

Detalhes de projeções de arrecadação e percentual deixo aos técnicos do governo e dos especialistas tributários, municiados de tabelas e gráficos, nem sempre livres de inexatidão. Como já disse no início, sou um amador.

(01-02-2016)

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