quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Nobre missão para a ministra Carmem Lúcia, do STF.


A ANJ – Associação Nacional de Jornais — em 16/10/2015, na sede do jornal “O Estado de S. Paulo”, entregou à ministra Cármen Lúcia, do STF, o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa.

A premiação, mais do que justa, foi motivada principalmente pela atuação da ministra como relatora em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Com essa decisão foi abolida a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias. Frisou, o acórdão, que a Constituição Federal proíbe “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. S. Exa., realista, admitiu que a liberdade de expressão implica riscos de abuso mas que a vida é uma “experiência de risco” e que havendo abuso caberá ao prejudicado pleitear a indenização.

Figuras públicas, assim como ficam envaidecidas com os elogios devem também tolerar críticas e exposições dos fatos mais negativos de suas vidas. A menos que, frente a um espelho, enxerguem sempre um anjo. Devem se consolar com a consideração de que, mesmo com as habituais fraquezas humanas, suas vidas superaram a mediania, tanto assim que se tornaram famosos. É o que basta como consolo. Se, porém, a biografia publicada pretende apenas caluniar e difamar, o biografado terá sempre o direito de acionar a justiça. O STF apenas garante a publicação sem autorização, não a impunidade.

 Se o livro, publicado, já nas primeiras páginas —  e assim prosseguindo nas demais —, revela a intenção, não de biografar, mas de insultar, seria ingenuidade o juiz permitir a destruição injusta de uma reputação. Ele, juiz, se tornaria, por omissão, quase coautor de um crime contra a honra. Honra que dificilmente seria recuperada, conforme a velha comparação com as penas espalhadas pelo vento.

 Em uma hipótese obviamente extrema, quase impossível, se um demandante, inconformado com a decisão final de um tribunal, escrevesse, distribuísse e propagandeasse um livro ou livreto dizendo que julgadores de seu caso venderam seus votos, estavam embriagados na sessão de julgamento, gritavam palavrões e rasgavam petições em lugar de indeferi-las, dificilmente os magistrados acusados deixariam de — com máxima urgência — requerer a busca e apreensão liminar da edição louca. Isso porque tal omissão desmoralizaria um poder — o judiciário — que depende, mais do que os demais, da confiança da sociedade.

 Em suma, os livros e artigos podem ser publicados sem autorização prévia, mas os abusos podem ser cerceados antes que se propaguem . Tarefa difícil, em alguns casos? Sim. O juiz teria que ler boa parte do livro para concluir se havia apenas a intenção de desmoralizar. Felizmente, mesmo os caluniadores por vocação sabem que uma obra mentirosa resultará em desmoralização do autor, gastos inúteis e talvez algum tempo na cadeia.

Entro, agora, na “nobre missão” da ministra Cármen Lúcia, conforme título deste artigo. Alguém já disse — se não disse, digo eu — que se for necessário um ato revolucionário, espetacular, mas de breve duração, convoque-se um homem. Se necessário, porém, uma ideia prática e sensata, convoque-se uma mulher. As guerras, por exemplo, teriam sido em muito menor número se os países fossem governados por mulheres. Nada contra os homens, meus irmãos de gênero, mas as mulheres, quando determinadas, são mais persistentes e organizadas.

Reproduzo, abaixo, com ligeiras alterações, o que já publiquei, pouco tempo atrás, no meu blog e site. Proponho uma lei — ou, pelo menos, uma aprovação doutrinária, ou jurisprudencial, no STF —, que diminua a intimidação econômica contra jornalistas e jornais que gostariam de publicar o que sabem ser verdade mas temem figurar como réus em demoradas ações de indenização por dano moral. Prevendo grandes prejuízos e “demandas eternas” — mesmo narrando a presumível verdade, obtida de fontes confiáveis —, optam por silenciar. E isso é mau para o país, que não fica conhecendo a sujeira embaixo do tapete.

Vejamos a fundamentação da proposta, expressa em forma coloquial, compreensível por pessoas sem formação jurídica especializada. As repetições podem ser, talvez, desculpadas pela boa intenção de melhor convencer. A concisão técnica é recomendável para leitores igualmente técnicos, mas não para o público em geral. No artigo eu dizia que:

“Não obstante nossa “total” liberdade de opinião, na mídia em geral, essa liberdade é fictícia, parcial e preocupante — mesmo quando exercida sem abuso — devido a uma possível e cômoda ação de “indenização por dano moral”. Ação movida por quem errou, sabe que errou, continua errando, mas pretende silenciar um jornal, revista ou outra forma de comunicação, utilizando uma ameaça econômica de resultado impossível de prever.

“O presente artigo sugere uma modificação legislativa que funcionaria como desestímulo para tais ações indenizatórias quando elas visam apenas intimidar o réu. Ao mesmo tempo, essa lei, aqui acenada, teria o bom efeito colateral de desestimular, na mídia, críticas desnecessariamente ácidas, com ofensas pessoais que aproveitam a oportunidade da crítica — mesmo veraz — para insultar e desmoralizar a pessoa ou entidade criticada. A tentação do o abuso é uma constante na história do Direito.

“Atualmente, no Brasil, uma notícia ou opinião desfavorável contra uma pessoa “importante”, física ou jurídica, pode resultar em pesadelo para o jornalista ou o jornal. O criticado alega, na ação, ter sofrido dano moral. Ação que pode demorar vários anos, principalmente quando o criticado sabe que o crítico tem razão mas “precisa ser silenciado a qualquer custo”. Nesses casos, quanto mais tempo demorar a demanda, melhor para o Autor, o criticado, porque sua verdadeira intenção é tirar o assunto do noticiário. A técnica da protelação nem sempre é utilizada pelo réu em uma demanda. Há protelações em que o autor é o interessado. Sua intenção oculta é de travar a atividade lícita do réu.

Um detalhe técnico, jurídico-processual, que facilita a intimidação de jornalistas, e estimula o abuso da pessoa criticada pelo jornal, está na permissão de o Autor da ação dar à causa um valor mínimo, “simbólico”, como, por exemplo, R$1.000,00, deixando, astutamente, “a critério de Vossa Excelência (o juiz cível) fixar o valor da indenização”.

Esse “valor simbólico” representa uma enorme vantagem psicológica para o criticado, Autor da ação, porque caso ele perca a demanda — como ele mesmo prevê —, sua condenação pela “sucumbência” será mínima, ridícula. Pela legislação em vigor a condenação em honorários varia de 1% a 20% do valor da causa. No caso, mil reais. Mesmo que o juiz desconsidere o “valor simbólico”, quando decide que o jornal não cometeu abuso, o valor da “sucumbência” será muito baixa e esse dinheiro pertencerá apenas ao advogado do jornalista, não ao jornalista.

Mesmo quando a sentença reconhece a má-fé do Autor, a eventual multa imposta a ele é risível. No novo CPC, a entrar em vigor em 2016, a multa máxima contra a má fé é de dez vezes o salário mínimo. Uma bagatela que estimula o abuso de quem errou, sabe disso  mas não quer perder dinheiro significativo quando a justiça finalmente decidir que o jornalista ou articulista apenas cumpriu sua missão de informar.

Todos os que frequentam o fórum sabem que a condenação por “litigância de má-fé” é pouco utilizada nessas ações, considerando que a sensibilidade moral é muito variável e subjetiva. As pessoas sentem as críticas em graus diferentes e, na dúvida, o juiz não condena como “litigante de má-fé” quem procura a justiça dizendo-se ofendida com um artigo de jornal ou revista. E se o juiz aplicar essa condenação contra o Autor que foi “sensível demais” essa sanção torna-se uma oportunidade ideal para o Autor recorrer indefinidamente alegando que não agiu de má-fé. Dirá, nos recursos protelatórios, que apenas exerceu o seu direito de discutir judicialmente uma ofensa à sua particular sensibilidade moral.

Enquanto o processo se arrasta, por anos e anos, prolonga-se o desconforto psicológico do jornalista que agiu corretamente, sem direito, no entanto, de pedir qualquer indenização pela sua angústia porque o processo em que foi réu ainda não transitou em julgado. Só depois desse trânsito em julgado é que o réu, jornalista, poderia tentar receber uma indenização do autor da ação, a pessoa criticada. Provavelmente o jornalista já estará morto quando surgir essa oportunidade.

É, portanto, de máxima conveniência e praticidade, que o legislador — ou pelo menos a jurisprudência do STF — conceda ao Réu, jornalista, nas ações de indenização por dano moral pela imprensa, o direito de, citado, apresentar “reconvenção”. Esse instituto jurídico, a “reconvenção”, já existe, há décadas no direito brasileiro, permitindo que o Réu, quando demandado, possa defender-se e simultaneamente atacar quem o está processando, dentro do mesmo processo, por economia processual, desde que a reconvenção tenha relação com o pedido de indenização.

Com essa alteração aqui proposta, o réu, jornalista, no caso de indenização por dano moral, teria o direito de cobrar do Autor, via reconvenção, igual indenização, ou outra que considerar mais pertinente — também por dano moral —, só pelo fato dele, jornalista, ser processado sem motivo honesto. Sem a necessidade — conforme sugere a legislação atual — do jornalista aguardar o distante “trânsito em julgado” da ação movida pela Autor e julgada improcedente, para só então ingressar com sua cobrança de danos morais contra o Autor.

Impossível negar que é constrangedor figurar como réu numa ação de indenização por danos morais. Principalmente quando não se sabe qual a quantia que virá à cabeça do magistrado ao impor uma condenação pecuniária.

“Ponha-se, o leitor, na pele de um jornalista que foi citado, judicialmente, para pagar, digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não comprovou uma falcatrua — ouvida de fonte confiável mas também temerosa de processo. Essa ameaça tira-lhe todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer que, devido a globalização, a ação por danos morais seja processada em país estrangeiro propensa a indenizações bilionárias nesses casos.

“O jornalista Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi condenado, pela justiça americana, a pagar uma indenização de cem milhões de dólares (?!) por ter mencionado — em entrevista, ou artigo —, que a diretoria da Petrobrás, teria desviado altas somas da empresa para contas particulares, em banco suíço. Como ele não comprovou em juízo esse desvio — o sigilo bancário era então inviolável —, foi condenado a pagar os cem milhões de dólares. Ele justificava-se, no decorrer da demanda, dizendo que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria investigar o fato, como seria esperável, mas isso não ocorreu. O processo correu nos EUA porque a entrevista dele, na televisão, foi exibida e produziu consequências naquele país.

 “Não digo aqui se Paulo Francis tinha, ou não, fundamento no que disse contra a diretoria de então, mas de qualquer forma, é impossível escapar da insônia com uma espada desse porte pendente sobre o pescoço de qualquer jornalista ou dono de jornal. Não é necessário sofrer vários anos de angústia para, só depois, ter o direito legal de requerer uma indenização por dano moral de alguém que o processou sem razão, quando essa sem-razão foi finalmente reconhecida pela justiça. Como não provou o desvio do dinheiro, Paulo Francis foi condenado. Não sei como tudo terminou. Talvez isso tenha apressado a sua morte, por enfarto. Seus amigos diziam que ele ficou realmente abalado.       

Em toda demanda judicial deve estar presente a sábia recomendação de Voltaire: “A vantagem (ou lucro) deve ser igual ao perigo”. Em outras palavras: “Vou colocar esse jornalista na fogueira, mas não posso abusar porque poderei ser eu o queimado vivo”.

Hoje, repita-se, esse equilíbrio de forças — ou angústias — não existe. O escritor ou jornalista que só apontou fatos, a seu ver verdadeiros — sendo isso reconhecido na sentença — nada ganhará, judicialmente, como compensação pelo sofrimento moral durante o processo em que sofreu injustamente.

“Há mais a ser modificado com essa futura lei. Ela exigirá que em toda ação de indenização por dano moral o Autor será obrigado a mencionar, na petição inicial, o valor que pretende receber do Réu, não podendo deixar isso “a critério do juiz”, na sentença. Essa atual vagueza em definir sua “dor moral” estimula ações levianas, porque, no caso de insucesso, a sucumbência em honorários será, como já disse, mínima. Já que toda dor moral é subjetiva, ninguém melhor que o próprio sofredor para mencionar o “quanto” sente, assumindo o risco correspondente no que se refere à sucumbência.

Essa desejável e futura obrigatoriedade legal de o autor  fixar, já na inicial, o valor da indenização que pretende a título de dano moral, força-o a agir com responsabilidade no combate judicial. A menção obrigatória desse “quantum” indenizatório, teria também a vantagem de permitir a qualquer Réu, quando demandado, abster-se de contestar a ação, quando o valor mencionado for mínimo, não justificando maiores gastos com sua defesa. Como está hoje a legislação — ensejando ao Autor não quantificar o valor que pretende cobrar —, todo Réu sente-se forçado, por mera prudência, a contestar qualquer ação de danos morais, mesmo que a considere risível. Contesta porque se não o fizer, a ação será julgada procedente, face à revelia. Se procedente a ação, na sentença, é imprevisível o valor da indenização que o juiz mencionará na sua decisão. A indenização pode ser altíssima, por motivos ideológicos do juiz, talvez inconsciente. Isso é pouco provável, mas pode ocorrer. Em todo ser humano, sem exclusão de magistrados, motivações inconscientes influem nos julgamentos. Todos sabem que há magistrados mais e menos humanos, mais e menos de “direita” ou de “esquerda”, mesmo sendo ambos íntegros.

“A lei a ser proposta terá a virtude “extra” de forçar maior urbanidade, ou  compostura, nas críticas, impressas ou orais, contra pessoas ou instituições. Isso porque, se os fatos criticados forem verdadeiros, mas o crítico aproveitou a oportunidade para enxovalhar o criticado, buscando admiração pela agressividade, ele será condenado a pagar uma indenização a ser fixada pelo juiz. Não pela crítica — na essência verdadeira —, mas pela forma abusiva de se expressar, ofendendo desnecessariamente quem eventualmente errou. Enfim, essa lei terá também algum um “efeito colateral” civilizador. O direito de livre crítica, reconhecido mundialmente, foi concebido “para o bem”, não como oportunidade para, impunemente, ofender e desmoralizar.  

“Finalmente, uma última sugestão, para a mesma desejada lei. Nas “reconvenções”, genericamente falando, diz a doutrina que, se o Autor da ação, depois de citado na reconvenção, resolve desistir da sua ação, o Réu, reconvinte, poderá prosseguir na sua ação contra o Autor. É o caso de alguém que está sendo cobrado como devedor de quantia, em um negócio, e que reconvém dizendo que é o Autor que lhe deve dinheiro.

“Nas ações de dano moral a lei sugerida dirá que se o Autor da ação desistir da ação, após citado na reconvenção — também por danos morais —, a ação será encerrada, com extinção tanto da ação quanto da reconvenção. Isso porque a possibilidade — dada ao Réu, genericamente, pelo instituto da reconvenção —, de prosseguir na reconvenção inibirá o Autor de desistir de seu pedido. Não interessará a ele passar de Autor (na ação) e Réu (na reconvenção) a ser somente Réu( na reconvenção). A lei deve estimular a concórdia, não a litigiosidade. É uma solução que me parece melhor, mesmo porque o “sofrimento psíquico” do jornalista será mínimo, ante a rápida desistência do pedido do Autor.

E fiquemos por aqui. A atarefada e competente ministra tem mais o que fazer, não podendo perder tempo com esparramadas dissertações.

Minha esperança é que, além da operosa ministra, algum legislador, ou a ANJ ,ou a ABI – Associação Brasileira de Imprensa, se interessem pelo tema.

(20-10-2015)








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