terça-feira, 27 de outubro de 2015

Economia, Lula, Roosevelt, recessão e CPMF.

Uma pequena tragédia dos tempos modernos, para quem escreve, é a necessidade da mídia só tolerar artigos curtos porque, do contrário, não serão lidos. Quando curtos — dolorosamente simplificados —, os mais exigentes o criticam por serem “elementares”. A solução seria, dizem, colocar explicações mais elaboradas em livros. Mas quem lê os alentados livros de Economia? Só uns poucos economistas, como que conversando entre eles e quase sempre discordando, tanto no diagnóstico da “doença” quanto nos remédios.

Segundo George Bernard Shaw “se todos os economistas fossem postos lado a lado, nunca chegariam a uma conclusão”. Dir-se-á que ele era apenas um literato, mas J. K. Galbraith, economista mundialmente famoso, beirou o insulto ao dizer que “em economia a maioria está sempre errada”, e que “a economia é extremamente útil como uma forma de emprego”. Certamente estava irritado com os colegas.

Resultado: o “povão”, que só está interessado no que afeta diretamente seu bolso, individualmente, acaba definindo, com sua maior massa de votos — há mais eleitores “pobres” do que “ricos” —, como será, no futuro, a economia do país inteiro, comprometendo todas as classes sociais. Isso, claro, é teoricamente democrático — um homem, um voto, “a maioria tem sempre razão” —, mas nem sempre é a solução mais inteligente para um futuro seguro, porque essa maioria, ganhando a eleição, pode ter sido enganada, vítima da demagogia bem articulada e propagandeada. Além disso, discussões sobre economia, mesmo entre os mais competentes, frequentemente chegam a conclusões opostas.

 Até hoje esquerda e direita, no mundo inteiro, falando pelas bocas mais sábias, divergem sobre o que fazer. Dificilmente transigem. Afinal, perguntamos: a Economia é uma ciência — embora “social’ —, ou uma liga de filosofia com literatura? Digo isso porque um certo talento literário contribui demais para que os leitores se inclinem mais para a esquerda ou para a direita, nos temas econômicos, fenômeno que amesquinha o suposto caráter frio e “científico” da Economia.

Quando Lula, um homem inegavelmente esperto, ou inteligente, ou malandro — escolham — soube, apenas de ouvido, que o presidente americano Franklin D. Roosevelt havia salvo a economia de seu país — e com isso, do mundo inteiro — usando uma receita de “emprego e trabalho a qualquer custo”, o líder petista não quis escutar mais nada: — “É com este que eu vou! Farei igual!”

Fez e deu certo, pelo menos por um longo período. Apostou no amparo do trabalhador e dos mais pobres. Nisso agiu com justiça. Estimulou o consumo interno e a maior produção para satisfazer esse consumo. Insistiu na internacionalização do Brasil, agindo como um “Tio Patinha”, ou Papai Noel, ajudando governos mais afinados com sua filosofia de governo e nisso exagerou. Em suma, acreditou na “economia otimista”, não na “pessimista”. Não sou um acompanhante, nem mesmo razoável, da evolução detalhada da nossa economia, mas presumo que a maioria dos economistas — no Brasil e no mundo —, pensava diferentemente de Lula no início, meio e final de seu governo.

A “receita” acadêmica tradicional à época, para as situações de crise, era apenas “disciplina” e “contenção”. Ele, porém, evitou jogar na “retranca”, conforme o linguajar futebolístico, tão de seu agrado. Fez o Brasil aparecer mais, na área internacional, e até foi elogiado festivamente, por Barack Obama, como sendo “o cara”.

Em suma, “o cara” agiu como um inovador, embora copiando a política do grande presidente americano — que também foi um inovador no seu tempo, com o “New Deal”. Roosevelt, segundo seus biógrafos, não confiava totalmente nas ortodoxias econômicas. Fazia “experimentos”, “testes”. Se não davam certo, mudava de táticas. E seu plano final mostrou-se correto porque quando um país qualquer está imobilizado, desmotivado, fechando fábricas e jogando milhões no desemprego, não será apenas com medidas de austeridade que ele voltará a crescer. Mendigo austero não deixa de ser mendigo. Punam-se os ladrões do dinheiro público — algumas poucas centenas de pessoas físicas — mas estimulem o trabalho dos milhões que não são ladrões e querem apenas emprego, alguma segurança e o suficiente pagarem suas despesas.

 Tal imobilidade “desempregadora” só resultará em agitação, privação, desespero, e descrença na democracia. Foi o que aconteceu na década de 1920 e início da década seguinte, na Alemanha, , parindo um orador furibundo, Hitler, que provocou a 2ª Guerra Mundial, causando a  morte de cerca de 50 milhões de pessoas. Hitler pôs os desempregados a trabalhar, principalmente na fabricação de armas. Era um modo de ocupar suas mãos e mentes. O problema surgiu bem depois, quando Hitler precisou decidir o que fazer com tanto armamento. Deixá-los enferrujar?

Realmente, a imobilidade de pessoas desempregadas não produz riqueza alguma.  E o Brasil, agora — mais que nunca —, precisa crescer, enriquecer, inclusive para pagar suas dívidas, previstas na complexa legislação, desobedecida pelo próprio governo de base petista. Os desempregados estão comprando — quando ainda podem — o mínimo necessário para apenas continuarem vivas. E, mesmo estando ainda empregadas, as pessoas temem tanto o desemprego que só compram com extrema parcimônia. O resultado lógico — embora humanamente compreensível —, desse medo é o fechamento progressivo de fábricas e demais empresas. Com isso a arrecadação de tributos entra em queda. Mesmo os funcionários públicos — que pensavam estar plenamente protegidos pela legislação — constatam, assustados, que dinheiro, apesar de público, não cai do céu. Se o governo não arrecada, não há como continuar pagando o funcionalismo. E atrasos geram greves prolongadas, afetando a educação, a saúde pública e a segurança pública.

Em suma: tudo deve ser feito, no Brasil atual, para que o país volte a crescer, ainda que em ritmo lento. A tal bicicleta que não pode parar. Refiro-me à “pedalada” esperançosa, não à “pedalada fiscal”.

A brilhante intuição de F. D. Roosevelt  — ele foi eleito presidente quatro vezes seguidas, morrendo pouco depois da última eleição — pode ser resumida na seguinte forma: — “Vou contratar esses milhões de desempregados para construir obras públicas úteis: estradas, aeroportos, portos, e tudo o mais que, por si só, será benéfico ao país. Recebendo um salário, eles farão compras, que serão tributadas normalmente, gerando receita. Essas obras  — estradas, portos, aeroportos, etc. —, se não forem utilizadas de imediato, ajudarão meu país, futuramente”. E tais reflexões, ou assemelhadas, salvaram a “locomotiva” americana, bem como os inúmeros “vagões” europeus, por ela puxados.

O ex-Presidente Lula, ouvindo de seu assessor, no início de seu primeiro mandato, a história vencedora de Roosevelt, ficou tão entusiasmado que não teve paciência para escutar, ou entender,  a “ideia inteira” do sensato americano:  — “ Vou dar oportunidade de emprego para os desempregados, mas deles exigirei trabalho”.

Foi essa parte que Lula ou não ouviu. Ou ouviu mas achou muito complicado executá-la. Ou escutou mas decidiu ignorá-la porque, as variadas “bolsas”, enquanto existentes, significariam voto garantido para “meu bonito e longo projeto de governo” .

Em vez de contratar, ou estimular a contratação privada da mão de obra ociosa — pelo menos a masculina — Lula criou o hábito da dependência econômica. Essa dependência “não pode”, por necessidade eleitoral, ser interrompida, haja ou não dinheiro disponível no tesouro. Não havendo, surgem as “pedaladas fiscais”, infringindo a legislação, ensejando a atual batalha do impeachment.

Existem coisas, na política, que poucos sabem e que parecem inacreditáveis. Conversando casualmente com um taxista nordestino — sempre aprendo algo com taxistas — sobre essa ideia de o governo ajudar quem precisa mas, ao mesmo tempo, exigindo dele algum trabalho em troca, eu citei, como mero exemplo, que Lula poderia ter utilizado os nordestinos, desempregados, para trabalhar na abertura de milhares de poços, inclusive artesianos, e fabricando caçambas, ou algo equivalente, considerando o secular problema da seca. Ao que me consta, no nordeste brasileiro a terra é fértil, desde que irrigada. Seria um trabalho que não exige mão de obra especializada.

O taxista então me explicou algo estarrecedor: alguns políticos, não municipais, tiveram essa boa ideia mas os prefeitos das regiões secas — portanto a grande maioria —, boicotaram insistentemente a ideia de construir poços. Isso porque havendo falta d’água — nos sítios, fazendas e povoados —, os agricultores precisam dos “caminhões-pipas” das prefeituras. Recebendo água dos prefeitos, os “sedentos” ficam lhes devendo um favor. Favor que pagam com o voto na próxima eleição. Não recebendo os ditos caminhões, os sertanejos sentir-se-iam livres para votar conforme lhes parecesse melhor.

A não proliferação — deliberada — de poços e outras formas de armazenar água da chuva, perpetuando a sistemática do fornecimento da água com caminhões da prefeitura impediu que o sertanejo tivesse mais água para sua lavoura e gado.  Com isso continuou a migração da população nordestina para o sudeste, aumentando o tamanho das favelas, com seus conhecidos problemas de tráfico e violência.

Como se vê, o mau-caratismo político, em todos os níveis, é um infindável problema, mas caberia ao Lula, quando no pico de seu prestígio, ter lutado contra isso, em vez de tirar proveito eleitoral — deliberado ou meramente oportunista —, desse sentimento até bonito chamado gratidão. Refiro-me à gratidão dos sertanejos que pediam e recebiam água dos prefeitos. Os pobres são muito mais gratos que os ricos, talvez porque são muito mais dependentes que os ricos.

O fato deste artigo mencionar a necessidade de conciliar a punição de erros governamentais passados com a necessidade de crescimento do país não implica em sugerir a dispensa do ministro da fazenda, Joaquim Levy. Pelo contrário, ele é um economista competente e íntegro. Gente assim, algo rara, não se dispensa jamais.

 Embora a teoria econômica mais em voga — sempre há outras... — diga que crescimento e simultâneo controle da inflação são incompatíveis, sempre há espaço para variantes, como fez J. Delano Roosevelt. Joaquim Levy e o ministro do planejamento, Barbosa podem, talvez, encontrar uma saída combinada para a crise. Lembre-se que quando um país cresce na produção, se isso propicia uma inflação essa será provisória, porque o PIB também cresceu. O equilíbrio entre o meio circulante e a quantidade de bens existente ficará mantido, não havendo portanto inflação. Esta seria provisória, como certamente deve ter sido quando Roosevelt deu o impulso do seu país na busca da produtividade. Quanto à técnica da fixação dos juros, não opino, porque o assunto é mais complicado, mas uma coisa é certa: um país mais rico sempre se defende melhor das suas agruras econômicas.

Finalmente, umas poucas palavras sobre a CPMF, tão caluniada porque mal utilizada na versão anterior. Como já disse em artigos anteriores, esse é o imposto do futuro, que pretende ser o mais próximo possível do Imposto Único. Insonegável, tributa toda a população, por igual, quando faz pagamentos via cheque, transferência eletrônica e cartões  de crédito e débito. “Se todos pagam, todos pagam menos” é um mantra elogiável.

Por que a população odeia tanto a ideia da nova CPMF? Porque lhe parece que será apenas “mais um imposto”, em momento de crise.

Querem, os políticos, tornar palatável a CPMF? Digam que ela terá a alíquota de 1%, ou 1,2 % , e que terá a duração de um ano, ou dois, mas no próprio texto da sua exigência ficará expresso que o Imposto de Renda da pessoa física e/ou o ICMS  — ou outra solução técnica melhor  — terá uma redução de x%, a partir da vigência da CPMS.

Se a população tiver a certeza de que sua carga tributária pessoal terá uma imediata e palpável redução — e o restante da arrecadação do “imposto do cheque” saneará as contas públicas —,  encarará a CPMF com menos aversão. Quem hoje paga impostos conforme a lei deve se confortar com a ideia de que milhares  — ou milhões? — de “contribuintes” que não contribuem passaram a contribuir, forçados, e que essa dinheirama toda vai direto para o tesouro, porque não há como sonegar.

Se a CPMF propiciar uma arrecadação próxima de um trilhão de reais, algum ou alguns tributos poderão ser extintos ou reduzidos em suas alíquotas. O que é prioritário é lutar pelo saneamento das contas públicas.

Em época de crises — as graves, porque com as pequenas já estamos habituados — é preciso algum sacrifício. Um por cento, em cada pagamento, por exemplo, não é um pagamento tão grande para sair do atual temporal que pode se tornar um furacão. Em restaurantes, a gorjeta obrigatória é de 10%. Na Revolução de 1932, em São Paulo, as pessoas davam suas joias, principalmente alianças, na luta contra Getúlio Vargas. Preferiam perder os anéis em lugar dos dedos. Tinham motivação. É preciso motivar, agora, os contribuintes, para que aceitem esse imposto que tenderá a se universalizar.

O que importa, no momento, é tirar o pé da lama, digo, da crise. Essa luta ficaria mais fácil se não fosse conduzida pela batuta do PT, cuja liderança hoje não inspira confiança. Mas, se não houver impeachment, nem renúncia, que Joaquim Levy dê uma espiada nas medidas utilizadas por Roosevelt, com adaptações para a economia brasileira.

E não me venham, os economistas, com objeções técnicas e estatísticas sob tal ou qual erro ou detalhe da minha exposiçãozinha despretensiosa. O que me interessa, aqui, é enfatizar que produzir, gerar riqueza, presente ou futura, é mais útil que ficar se lamentando. A orgulhosa Economia também erra, por vezes.

(26/10/2015)








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