Poucos dias atrás, publiquei em meu blog — francepiro.blogspot.com — e site — www.500toques.com.br — um artigo: “O Senado Pode Abrir CPI contra Ministros do STF?”
Escrevi aquele texto porque, lendo, ouvindo e assistindo debates nas redes sociais e no parlamento, percebi que alguns participantes manifestavam suas opiniões — exaltadas, ou desesperançadas —, sem o cuidado de uma prévia leitura da legislação, extensa demais e, por vezes, confusa.
Justifica-se o desinteresse porque nunca um Ministro do STF foi afastado do cargo por crime de responsabilidade, desde a criação do Tribunal, no início da República.
Apenas um
deles, o Min. Barata Ribeiro — médico, político, grande administrador, escritor
e orador — foi afastado de sua função de Ministro do Supremo, dez meses depois
de indicado pelo Presidente Floriano Peixoto. Afastado não por ter feito algo
menos ético, mas porque não era formado em Direito, fato nunca escondido por
ele. No seu tempo o indicado pelo Presidente da República não era sabatinado
antes de iniciar suas funções judiciais. Quando, meses depois, como disse, foi
sabatinado no Senado, os senadores da CCJ — que não gostavam de Floriano
Peixoto —, decidiram que Barata Ribeiro não possuía o “notável saber jurídico”,
exigido pela Constituição. Aí ele deixou o cargo no mesmo dia. Não houve
propriamente um Impeachment. O erro jurídico da sua nomeação foi de quem o
nomeou. Algum tempo depois foi eleito senador. Deixou excelente memória como
primeiro prefeito da Capital Federal. Muitas ruas, no país, devem ter o seu
nome.
Como nunca houve, na República, um Impeachment de
Ministro do Supremo, justifica-se porque trago este artigo árido e indigesto
aos olhos dos leitores. É indigesto, realmente, mas trata-se de assunto
importantíssimo a ser examinado com minúcia, até visual, de sua legislação
antiga — a Lei do Impeachment é de l950 —, que permanece inalterada na sua
redação, mas em outro contexto político, e precisa ser atualizada no critério
de escolha de quem deve presidir o eventual Impedimento, no Senado, de um ou
mais Ministros do STF.
Adianto que essa presidência não pode, não deve, não
convém, ser do Presidente do STF — por mais competente, honesto e confiável que
seja o seu Presidente em exercício — porque um “pai”, nunca deve presidir o
julgamento de seus “filhos”.
Compreendendo o desânimo do leitor, na atual
situação política, peço-lhe que faça o sacrifício da sua leitura porque nem
tudo que é necessário é também agradável. E, se puder, leia também meu artigo
anterior — “O Senado Pode Abrir CPI contra Ministros
do STF? —, no blog e site no início mencionados, porque muitos argumentos ali
expostos, sobre CPI servem também para o Impeachment de Ministros do Supremo.
Depois de meses de violentas trocas de acusações, dentro do Senado, caso os senadores decidam pelo Impeachment de algum ministro do Supremo —, será constatado que a Lei 1.079, de 10/04/1950 — “Lei do Impeachment” —, no seu art. 39, § único e no art.39-A dificultará ou impossibilitará corrigir eventuais abusos de poder dos ministros do STF, causando uma enorme decepção em milhões de brasileiros que não apoiam a atual composição de seu mais alto Tribunal, por considerá-la muito mais política que jurídica, propensa a governar o país como se não houvesse os demais Poderes.
Diz a Lei do Impeachment que “aplica-se aos Presidentes dos Tribunais Superiores” — e o STF é o mais importante deles — “as mesmas regras da lei 1.079/1950 que rege o processo de Impeachment do Presidente da República e outras autoridades ali mencionadas. Segundo essa lei — velha, de 1950, não revogada, nem alterada nesse detalhe —, será o Presidente do Supremo que presidirá o processo de Impedimento contra seus colegas de Tribunal —, dificultando imensamente a imparcialidade no processo. Essa perigosa desatualização legislativa deve ser corrigida antes de iniciado o eventual processo do Impedimento.
As regras de qualquer “jogo”, ou disputa de poder, não podem ser alteradas no decorrer da competição. Não terá sentido trocar a presidência de algo tão importante como a presidência de um Impeachment de Ministro do STF no calor da apuração dos fatos.
Embora não veja, de modo geral, com bons olhos qualquer CPI —, ela guarda semelhanças com o Impedimento — a CPI da Covide-19 parece mais um Tribunal da Inquisição, com inquirições grosseiras, impacientes e intimidadoras contra duas médicas competentes e respeitosas, Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi — será conveniente, normal e constitucional, uma investigação sobre alguns Ministros de um Tribunal que atualmente recebe seguidas críticas indignadas da população. Jogaram até rojões contra o edifício.
Se, hoje, um Ministro do STF for identificado em um avião de passageiros é provável que seja insultado, em vez de olhado com simpatia e sorriso de aprovação, como seria normal e desejável em qualquer país civilizado. Se uma investigação pelo Senado demonstrar que não há, ou não houve, abuso dos ministros investigados, a opinião pública, melhor informada, voltará a confiar na qualidade da sua justiça ou pelo menos ficará em dúvida. E quem está em dúvida não vaia nem agride. Essa mera confiança, por si só, já incentivaria a população a agir com respeito e temor da lei.
Não adianta criar leis severas se a comunidade não confia em quem decide em última instância. Quando ocorre uma decisão injusta nas “instâncias inferiores”, cabe recurso. Por isso tais magistrados sem contêm, pensam mais antes de decidir, porque podem ser “corrigidos” quando “erram”. Mas contra uma decisão irrecorrível essa auto vigilância é rara, ainda mais em Direito, “onde tudo se discute”, certo, mas não infinitamente.
Para um senador decidir sobre a abertura de um Impeachment do STF, sem medo de represália do investigado, é necessário que os senadores possam votar apenas apertando um botão, “sim” ou “não”, secretamente desde a abertura da investigação até o encerramento.
Como o Senado Federal, que representa o povo, pode e até deve e controlar o “comportamento” do STF — e não ao contrário, porque o Ministro do Supremo não foi eleito pela população —, é necessário que os senadores possam fazer o seu papel constitucional, legislando, opinando, e eventualmente afastando um ou mais ministros. Somente com o voto secreto o senador poderá exercer livremente seu direito e obrigação, principalmente quando ele estiver sob investigação ou julgamento no STF.
Muitos parlamentares federais estão nessa situação no Supremo, geralmente por suspeita de financiamento ilegal de campanha eleitoral e outros malfeitos envolvendo dinheiro e política. Nem todos os senadores, certamente, seriam condenados em um julgamento “normal”, com juízes isentos.
Sendo, porém, futuramente julgados por ministros do STF — ressentidos com o fato do senador ter assinado um “hostil” pedido de Impedimento, contra eles —, é humano, que os senadores, réus ou investigados, temam assinar ou votar, abertamente, qualquer pedido que melindre seus futuros juízes. Essa situação de perigo no voto “aberto”, identificado, significa violação disfarçada de um direito previsto na Constituição, visando o equilíbrio dos poderes. Votações sujeitas a represálias nada valem, moral e juridicamente.
Repetindo: Para evitar essa “trava” psicológica, opressiva e inconstitucional, é necessário que a Lei e o Regimento Interno do Senado disponham, expressamente, que em todas as votações, no Senado — de pedidos de CPI, ou de Impedimento de ministros do STF — tais votações sejam secretas. Não estando isso expresso, há sempre o perigo da interpretação tendenciosa.
No caso de impeachment do Presidente da República, é natural que a presidência dos trabalhos caiba ao Presidente do Supremo, pelo seu saber jurídico e presumida inexistência de interesse em causa própria. Não terá que julgar um colega.
Quando, porém, seus Ministros, estiverem sob julgamento no Senado, é de se presumir que o Presidente do Supremo não exercerá sua função com a necessária isenção. O coleguismo, ou l’esprit de corps” é presumido. Qualquer firmeza sua, na condução do processo contra um colega de toga será vista, pelos companheiros de trabalho, como uma espécie de “traição”, num grupo de apenas onze seres humanos.
Assim, desde já, no Regimento Interno do Senado deverá constar “quem” — sem menção de nomes, claro — presidirá os trabalhos. E não convém que seja um magistrado na ativa, que espera subir na carreira e não quer ser visto futuramente como “inimigo da classe”. Nem mesmo, a meu ver, Ministro aposentado do Supremo, também inclinado a proteger colegas e amigos, do largo tempo em que esteve na ativa. Sem essa modificação, do R. Interno, o Senado perderá seu tempo. Mais uma decepção popular com a Justiça Brasileira.
Todos sabem que um presidente do Supremo mais agressivo, atuando como presidente de um julgamento de Impeachment, contra colegas poderá, soberanamente, deferir ou indeferir provas, considerando-a “irrelevante”, cortar a palavra de quem depõe, conduzir o julgamento conforme sua simpatia, adiar decisões, etc. Quem não concordar com sua decisão recorrerá a quem? Ao próprio Supremo?
Quando o Regimento, futuramente, obrigar o voto secreto do senador no julgamento de ministros do STF o senador — tenha ou não “rabo preso” — ficará mais confiante de que quando for — ou se for —, julgado no Supremo poderá receber uma decisão justa. E se, depois da modificação do Regimento, for “cobrado”, reservadamente, para confessar se votou a favor do Impeachment poderá — moralmente — silenciar, ou até mentir, dizendo que não, porque quem perguntou não teria esse direito e estava com segundas intenções.
Essas duas “vigilâncias” institucionais, CPI e Impeachment, justificam-se porque se elas não existissem o Poder Judiciário, em qualquer país, poderia se tornar uma “ditadura da toga”, como já disse Rui Barbosa. Seria a mais astuta forma de ditadura porque camuflada, dispensando o uso de armas contra a população.
Todos sabem que quando Hitler e Stálin estavam no poder, havia, formalmente, tribunais de última instância na Alemanha e na União Soviética, para manter as aparências. Recentemente a Venezuela, dominada pela esquerda, trocou, por decreto, em bloco, a composição dos ministros da sua máxima corte, nomeando só pessoas de esquerda, coerente com os ideais da “ditadura do proletariado”.
Paremos por aqui. Já falei demais, com repetições. Juristas poderão dizer que poderia resumir tudo em uma ou duas laudas. Se eu fizesse isso, seria ignorado pelo “homem da rua”, embora inteligente e muito intuitivo. E mesmo o homem educado, provavelmente nunca consultou a velha Lei do Impeachment e muito menos o Regimento Interno do Senado.
Encerrando, quero expressar meu cumprimento entusiasmado com o magnífico artigo do Dr. Renato Monteiro de Rezende — “O voto secreto parlamentar: seu histórico no Brasil e seu tratamento no Direito Comparado” (http://www2.senado.gov/bdsf/handle/lid/556606), ou simplesmente clicando o nome do autor, ou do artigo,no Google. Renato Monteiro de Rezende é consultor legislativo do Senado federal e desconheço quem tenha feito um estudo tão abrangente e minucioso sobre o voto secreto no Brasil. Seu trabalho, para mim uma espécie de “Bíblia”, deve ter consumido meses. Ajudou-me, sua leitura, na internet a escrever meu artigo anterior, “O Senado pode abrir CPI contra Ministros do STF?”. Friso que seu artigo é técnico, sem conotação política.
Despeço-me agradecendo a paciência cristã, budista e filosófica dos leitores que me aguentaram até aqui.
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
oripec@terra.com.br
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