Complô mesquinho e sem nexo, porque todo ser humano
só pode responder, moralmente, pelos próprios atos, não por eventuais atos de filhos
ou cônjuge. Ainda mais quando alegadamente praticados anos atrás, bem antes de
Bolsonaro ser candidato a presidente.
A se pensar o contrário, será arriscado a qualquer cidadão,
doravante — quando tímido —, disputar uma eleição presidencial porque nem
sempre conhecemos completamente a biografia de nossos parentes e afins. Se um
pretendente à presidência tiver filho, ou pai, tio, avô ou avó — próprio ou do
cônjuge — envolvido em algum ato discutível, no passado, seus inimigos não lhe
darão trégua quando o entrevistarem depois de eleito. Ficarão felizes com a
devassa minuciosa, dos parentes do “alvo”, martelando no assunto, com perguntas
ofensivas, buscando o máximo de audiência. Tentarão, pela insistência exasperante,
tirar o presidente do sério.
Razão tinha Rui Barbosa, nosso jurista máximo, ao
dizer que “Um homem irritado é um indivíduo que não responde pelos seus atos,
com que o inimigo pode contar para suas manobras: é um instrumento nas mãos do
seu adversário” (“Migalhas de Rui Barbosa”, citação 684). Digo “razão” porque
Bolsonaro estava certo defendendo, com energia, pessoa acusada ausente, sua
esposa, em pergunta desrespeitosa de um repórter.
Lembram-se, os leitores, da fábula do lobo e do
cordeiro, de Jean de La Fontaine?
Resumo-a aqui: um cordeiro estava bebendo água, à beira de um riacho
quando percebeu que alguns metros mais acima, no terreno inclinado, havia um
lobo, também bebendo, que lhe perguntou como é que ele, cordeiro, tinha coragem
de sujar a água dele, lobo. O cordeiro respondeu que isso era impossível porque
água corre pra baixo e não pra cima. Inconformado, o lobo insistiu: — “Você
fica agitando a água e, além disso, falou mal de mim no ano passado. — Impossível,
porque no ano passado eu não havia nascido. — Se não foi você, foi seu irmão. —
Não tenho irmão. Sou filho único. — Humm..., se não foi você, foi algum seu
amigo, ou outro cordeiro, ou o pastor do rebanho, ou algum cão-pastor e por
isso preciso me vingar”. Dizendo isso avançou contra o cordeiro, matou-o e o
arrastou para a floresta, para comê-lo com a consciência do dever cumprido.
É isso o que vem acontecendo com Jair Bolsonaro,
quando entrevistado por repórteres ou jornalistas enviados por patrões inimigos
declarados do presidente. Ocorre que Bolsonaro não é tímido — muito pelo
contrário. Tem pavio curto, por tendência natural, e por mais que tenha se
esforçado, ultimamente, para se modificar seu temperamento, às vezes não
consegue. Por isso respondeu violentamente, sugerindo um soco na boca porque a
intenção do repórter era denegrir a imagem de uma mulher, não presente, só para
prejudicar o marido dela. O repórter deveria perguntar a um presidente sobre
fatos e decisões dele, não sobre fatos eventualmente praticados pelo cônjuge,
ainda mais ocorridos vários anos antes da eleição presidencial.
Na verdade, certas perguntas são feitas já sabendo,
o perguntador, que provavelmente não serão respondidas. O repórter
provavelmente foi orientado para exasperar, provocar uma reação violenta que
possa tirar do sério o entrevistado. — “Maravilha! Conseguimos nosso objetivo! O
presidente, irritado, será visto como uma espécie de animal violento que odeia
todos os jornalistas”! Generalização enganosa, porque ainda há muitos
jornalistas sensatos que sabem como e quando perguntar sobre atos parentes ou
cônjuge do entrevistado. Costumo lembrar uma frase de Napoleão Bonaparte, que
dizia ter mais medo de três jornais de oposição do que de milhares de baionetas
inimigas.
No incidente do hipotético soco na boca, a pergunta
foi: — “Porque sua esposa recebeu R$89 mil de Queiroz”? Note-se que o repórter
nem pergunta ao entrevistado se sua esposa recebeu. Dá como pressuposto que
recebeu, e com intenção criminosa.
Uma resposta possível de Bolsonaro poderia ter sido:
“Não sei se ela recebeu. Se recebeu, pergunte a ela”. Tal resposta, educada mas,
ingênua, seria logo classificada, na mídia inimiga, como própria de um “sangue
de barata”. E o repórter, estimulado com seus cinco minutos de fama, continuaria
cutucando a ferida, buscando, com novas perguntas — um oportuno “tribunal do
júri” —, humilhar publicamente o presidente e sua mulher, mesmo não estando ela
presente para se defender.
Vamos supor, imaginar, que tenha havido esse depósito,
talvez perfeitamente legal — mas sem prévio conhecimento de Bolsonaro — e que
ele, posteriormente, sabendo disso, tenha repreendido a esposa, explicando que tudo
pode ser desvirtuado pelos seus inimigos. Deveria Bolsonaro, na referida
entrevista, ficar discutindo conjeturas com o repórter, sabendo que milhões de
brasileiros escutariam esse diálogo? Que marido — banana, e burro —, seria ele
se ficasse dando corda ao entrevistador, discutindo detalhes e hipóteses que só
serviriam para diminuir a reputação da mulher? E se ficasse em silêncio essa
recusa seria interpretada pelos jornais como um “quem cala, consente”.
É revoltante a
desonestidade mental da mídia escrita quando tenta convencer o país que o
presidente Jair Bolsonaro precisa sofrer um impeachment porque um de seus
filhos, Flávio, teria, como deputado estadual no Rio de Janeiro, vários anos
atrás — alegadamente entre 2011 e 2016 — provavelmente criado ou participado de
um esquema de “rachadinha” no valor total de 89 mil reais. Em cinco anos — 60
meses — isso daria um ganho ilícito mensal de R$1.483,00, “grande prejuízo”, se
comparado com os desvios petistas naqueles cinco anos.
O que é, juridicamente,
uma “rachadinha”? Para início de conversa, a legislação penal não a formalizou como
“crime”, com a necessária descrição da conduta infratora, o tal “tipo penal”.
Nem o Código Penal, nem qualquer lei avulsa, descreve, com precisão, qual seria
o crime batizado hoje com o apelido de “rachadinha”.
Consideram-na, com razão, como “algo
desonesto”, embora provavelmente praticado em grande parte dos legislativos
municipais, estaduais e federais. Como temos 26 estados e 5.570 municípios,
essa prática talvez tenha sido não rara, pelos motivos que menciono em seguida.
Nos 12 anos de domínio
do PT, provavelmente houve centenas ou milhares de “rachadinhas”, que não serão
investigadas porque para os inimigos de Bolsonaro essa investigação seria
contraproducente. Eles pensarão: — “Se havia milhares de “rachadinhas”, na era
petista, como justificar que apenas Flávio Bolsonaro esteja sendo investigado?
Ficará comprovado que estamos apenas de olho no impeachment do pai dele!”
Se o leitor pesquisar a
respeito, na internet jurídica, verificará que há muita discórdia no enquadramento
jurídico da “rachadinha”. Para alguns seria peculato. Outros a consideram como corrupção
passiva; para outros seria concussão, ou emprego irregular de verbas públicas,
ou improbidade administrativa. Transcrever aqui tais discordantes opiniões
cansaria o leitor, que pode conferir na internet.
Há também quem
considere a “rachadinha” como não sendo crime algum, sendo apenas falta de
ética, conforme o caso concreto, porque se o dinheiro fornecido ao parlamentar entrou
na sua conta, ele pode fazer o que quiser com seu patrimônio.
Já ouvi a explicação — deve
ser verdadeira — de que quando um parlamentar é eleito ele recebe uma verba,
legal e não módica, para pagamento de despesas de contratação de pessoas, de
sua confiança, que o ajudará na atividade parlamentar. Quando ele já se deu por
satisfeito com determinado número de funcionários ele teria legalmente —
presumo —, que devolver ao governo a parte da verba não utilizada para as
contratações. Não sei se essa obrigação de “devolver o não usado” é expressa
igualmente na União, Estados e em todos os Municípios, tendo em vista a
extensão da pesquisa.
Friso que não estou,
aqui, sugerindo — pelo contrário —, que o governo faça uma ampla investigação
para saber quem devia devolver ao governo a parte que não foi usada pelo
parlamentar, nos governos petistas e do presidente Temer. Essa obrigação de
devolver é perniciosa — no meu entendimento —, porque, sendo formalmente ilegal
—, mas provavelmente não obedecida em milhares de casos —, acaba criando um
dispensável complexo de culpa dos parlamentares, estimulando neles a sensação
de que é um hipócrita, um impostor, desde que tomou posse no cargo. Fica “com o
rabo preso”, robustecendo a ideia de que neste país “todos são corruptos” e “quando
em Roma, como os romanos” — referência ao passado daquela nação. Estimula o auto desprezo, quando o novel
parlamentar deveria entrar no parlamento de cabeça erguida.
Melhor seria,
psicologicamente, se não houvesse obrigação de restituir parte de sua verba
parlamentar quando, em vez de, por exemplo, contratar dez assessores,
contratasse só metade — o suficiente para ele — e o resto utilizasse para pagar
suas dívidas pessoais, oriundas das despesas para se eleger. Na minha opinião,
essa verba para contratação de funcionários dos parlamentares deveria ser
apenas de "ida” e não de “ida e volta”. Se for o caso, reduzam-na.
Mantê-la como “crime” é uma forma — talvez não intencionada —, de incutir no
novel parlamentar a ideia de que ele, e o próprio parlamento, não são lá muito
honestos. E acaba, pelo hábito e pelo convívio com colegas, incorporando na
alma a sensação de que é um hipócrita. “Mas quem não é”?
Se o leitor discorda de
meu ponto de vista, pergunto-lhe se nunca “burilou” a descrição de seus ganhos
na declaração do imposto de renda. E se a Receita — por remoto acaso —, errasse
nos seus cálculos de restituição de imposto, favorecendo o contribuinte, o
leitor iria notificar o fisco para lhe restituir menos?
O Brasil, tem um
excesso de leis e regulamentos de toda ordem. “Quanto mais leis, mas corrupto é
o país”, já disse alguém. Onde tudo é proibido, nada é proibido, porque a auto
convicção de que é um hipócrita enfraquece sua coragem de enfrentar outros
Poderes, que não fizeram “rachadinhas” mas talvez coisas piores.
(01/09/2020)
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