quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Em defesa do Papa Francisco


De início, declaro-me insuspeito para defendê-lo porque, lamento dizer, não tenho convicções religiosas, de qualquer natureza, nem qualquer interesse, direto ou indireto, relacionado com a fé católica ou  com o Estado do Vaticano, encarado como pessoa jurídica de direito público.

Defendo, aqui, apenas “um Homem”, no mais nobre sentido do termo, o argentino Jorge Mário Bergoglio, utilizando minhas fracas luzes dialéticas, próprias do materialista meramente intuitivo, por tendência natural, não tendo sido doutrinado nesse sentido. Talvez, eu seja um materialista iludido, vítima de uma limitada investigação de uma “realidade total”, abstrata, ignorância só vencível com centenas de horas estudando filosofia e teologia. Se esse for o caso, se convencido, mais adiante, da sobrevivência daquilo que denominam “alma”, corrigirei, com a maior boa vontade meu “erro” no leito de morte — não coagido, assim espero, pelo medo da danação eterna.

Faço esta digressão considerando que o atual conhecimento científico, na posse da humanidade, embora impressionante, ainda é inevitavelmente primário, se comparado com inevitáveis avanços futuros. Ainda “chutamos” muito no escuro, na física e na astronomia, dissertando sobre Buracos Negros; Buraco de Minhoca; antipartícula; antimatéria; Big Crunch (não se trata de sanduíche crocante); matéria escura; energia escura e a ridícula hipótese, para mim, do Big Bang — apoiada com entusiasmo por muitos religiosos porque reforça a ideia da criação do universo por estalo divino, extraindo tudo do nada.

Alguns teóricos afirmam a existência de universos paralelos. Se isso for possível, mais fortemente provável será o poder da oração. Quem sabe — digo sem ironia —, milhões de crentes, rezando por algo — como pede Francisco frequentemente —, possam alterar a realidade. Pelo menos uma realidade apenas mental, alterando o pensamento, ou o sentimento alvo das orações, como, por exemplo, a decisão de um chefe de estado no momento de decidir se aperta ou não o botão nuclear.

Apenas especulando, talvez cada oração sincera emitindo energia — os neurônios transmitem eletricidade “microscópica” —, talvez seja capaz de transpor a caixa craniana, — à semelhança do que acontece quando, fechados dentro de casa, acionamos o alarme do carro, não obstante a espessura da parede de pedra e tijolo que nos separa do veículo. Quem sabe, milhões de cérebros desejando, ardente e simultaneamente, algo igual, essa confluência de energias possa influir em mentes distantes. Até pouco tempo atrás, as características de nossos filhos não dependiam dos desejos dos pais. Logo, logo, porém, o bebê, manipulado geneticamente no útero, poderá nascer moldado pelo menu de agrado dos pais, na cor dos olhos e na aptidão para a matemática. Basta conjeturar como estará nosso planeta daqui a dois mil anos — se escapar da autodestruição. Imagino a cena: cientistas e até curiosos gargalhando sobre “como eram estúpidos nossos ‘sábios’ ancestrais no século XXI”.

O materialismo, baseado apenas no hoje concreto, no mensurável, no comprovável —, na ciência, enfim — pode talvez ser a menos errada concepção da realidade, mas é uma filosofia triste, rasteira: — “Somos, então, apenas bichos? Egoístas e carnais? Morreu e acabou? Nem mesmo em outra vida, haverá justiça para todos, com punição dos maus e prêmio para os bons? Isso seria ilógico! Recuso-me a ser um mero suíno esperto, comendo, dormindo, praticando o sexo e pensando no lucro”!

Essa árida filosofia materialista não satisfaz a sede moral de milhões de pessoas, que através da religião, anseiam algo vago, porém forte: o sentimento de que os seres humanos valem mais do que pesam, têm, ou procuram aparentar no dia a dia. Não é só o medo que explica a religião. Há também pessoas, embora em menor número, que mesmo sem medo, acreditam. Com toda a doutrinação materialista, na Rússia soviética, o sentimento religioso não foi erradicado. Foi apenas abafado. Digo tudo isso apenas para frisar aos materialistas, aos céticos, como eu, que convém deixar um espaço de tolerância para a crença quando vemos, na televisão, o Papa Francisco pedir aos fiéis que rezem por isso ou por aquilo.

Com perdão pela digressão, voltemos à defesa de Francisco, no assunto da suposta tolerância ou inércia dele no punir alguns altos dignitários da igreja católica acusados de pedofilia . 

Defendo o Papa Francisco por um dever de justiça, assim como o defenderia se ele fosse um mero político, de qualquer país, interessado em fazer o bem, sinceramente preocupado em melhorar o ser humano, seja ele quem for.

Tenho lido boa parte do que aparece na mídia sobre ele e também ouvido suas palavras dirigindo-se aos fiéis na Praça São Pedro. E só constatei, até agora, sua impressionante sinceridade, sua coragem, sua inteligência e sua coerência. É pena que com Francisco ocorra o que comumente acontece com pessoas de valor excepcional. A inveja, o ciúme e o interesse contrariado não tardam a aparecer.

Lendo as críticas do arcebispo Carlos Maria Veganò, ex-núncio apostólico nos EUA — pedindo a renúncia do Papa Francisco por não ter punido com mais severidade o ex-cardeal Theodore Mc Carrick, em 2011, e lendo as explicações do Vaticano sobre o assunto, vê-se claramente que Francisco vem se esforçando ao máximo para purificar a igreja mas tentando, ao mesmo tempo, diminuir o grande mal, autônomo, do escândalo, tremendamente destrutivo de uma religião que, no seu conjunto, tem procurado melhorar a convivência humana.

 Justifica-se essa preocupação do Papa, porque todo desvio de comportamento, de natureza sexual, ocorrido em qualquer religião — não só a católica —, tem um efeito destruidor na alma de milhões de seguidores. Ocorre que é preciso não só punir o crime, o erro, mas também preservar a instituição.

Os inimigos das religiões, ou as religiões rivais, deliram de alegria quando um sacerdote católico é acusado de pedofilia.  Mas ninguém pode acusar o Papa Francisco de ser conivente com isso. O Papa tem insistido nesse repúdio. Afasta o sacerdote de suas funções, recrimina-o, mas sente-se, provavelmente, inibido de mandar processar criminalmente o infrator. Porém não consta que tenham pressionado a polícia para não investigar. Apenas tenta evitar que além dos danos já causados à igreja por alguns sacerdotes — não todos —, seja acrescentado o veneno da “propaganda destrutiva”, da difusão midiática inerente a processos criminais dessa natureza, prejudicando uma crença que tem sido útil à moral pública e à alma de milhões de fiéis.

Todo chefe sensato e honrado de qualquer instituição, pública ou privada, quando constata falhas internas de enorme repercussão — principalmente de natureza sexual —, afasta o infrator, pune-o, mas evita ao máximo o estardalhaço. Sabe que a divulgação dos “detalhes” mórbidos vale ouro — em sentido próprio — para jornais e revistas. A defesa da reputação ocorre na instituição familiar, nas empresas públicas e privadas, nos Três Poderes e até em órgãos de investigação penal. Qual o pai, ou marido, que não tenta esconder da mídia e da vizinhança um fato escandaloso, sexual, praticado, por filho, filha ou esposa? O ideal seria que toda investigação de casos dessa natureza ocorresse em segredo, hoje quase impossível.

“A mídia deve expor os fatos com total crueza!”, dirão as revistas e jornais. Conversa. Se em alguma revista, notória pela severidade, houver algum escândalo de natureza sexual, ocorrido na sua redação, fora do horário de expediente, seu diretor, inocente, terá o maior empenho em evitar que o fato não seja de conhecimento público. E certamente terá a colaboração de outras revistas, mesmo rivais. A boa reputação de uma revista, ou jornal, duramente conquistada, não pode ser destruída por atos de alguns irresponsáveis.

Não sendo um especialista em religiões, pouco interessado nesse assunto, confesso minha admiração pelos últimos Papas, a partir, pelo menos, de João XXIII.  Pouco sei dos anteriores. Os mais recentes, atrás mencionados, foram moralmente admiráveis. Se um dia a Terra se tornar ateia, serão bem lembrados pelos historiadores. O planeta teria sido pior sem eles.

Encerrando, peço licença para uma atrevida sugestão: que o Papa Francisco tire algum proveito dos maus ventos que sopram contra o catolicismo: os recentes escândalos de pedofilia. Refiro-me à permissão aos sacerdotes para se casarem ou, se preferirem, permanecerem solteiros, mas desobrigados da castidade. Milhares de padres deixam o sacerdócio, contra a vontade, porque, honrados, sabem que não poderiam permanecer castos por toda a vida. É fácil, ou relativamente fácil, a um Papa permanecer casto até morrer porque geralmente são velhos. Mas forçar um padre novo, forte, a contrariar a natureza significa aumentar o risco de infrações de natureza sexual, vitimando seres inocentes, esvaziando igrejas e desmoralizando o esforço de dois milênios tentando melhorar o ser humano. 

 A natureza — através de uma evolução de bilhões de anos — nunca desistiu de garantir, pela força biológica, a propagação das espécies. Batráquios, peixes, aves, mamíferos, todos nascem programados para gerar filhos, que continuarão a evoluir. Para quem não sabe, as plantas também têm vida sexual, umas mais, outras menos. As flores são órgãos sexuais. Há gametas masculinos e gametas femininos. Quem tem dúvida sobre o sexo no mundo vegetal que acesse o Google e poderá ler todos os truques que as plantas utilizam para gerar seus “iguais”. Inclusive atraindo insetos e pássaros que possam transportar, sem saber, o pólen.

Lamento dizer, mas o sexo é uma dura realidade, que pode ser refreada, mas não por toda a vida. E para possibilitar o mecanismo da propagação da espécie a natureza teve que inventar um “gatilho”, a libido, que, quando represada, realiza-se de uma forma errada, doentia. Sem a libido não existiria nenhum ser humano, a não ser por inseminação artificial. Nasceriam filhos, mas a libido dos filhos continuaria a infernizar a espécie humana.

O Papa Francisco tem a máxima autoridade, legitimidade e, agora, a oportunidade para revogar a obrigatoriedade do celibato e da castidade dos sacerdotes. Seu nome ficará na história, se conseguir isso, e não teremos mais certo tipo de escândalo, nem o sofrimento das jovens vítimas e seus pais. Todas as outras religiões não obrigam a castidade e não param de crescer. Por que torturar os poucos padres que ainda permanecem? Coragem nunca faltou ao jesuíta argentino. Que a use também nessa modificação, que certamente será vista com bons olhos por grande quantidade de fiéis.

Encerro, pedindo desculpa por tanta franqueza, usualmente omitida em temas delicados.

( 02/10/2018)   

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