De início, declaro-me insuspeito para defendê-lo porque,
lamento dizer, não tenho convicções religiosas, de qualquer natureza, nem
qualquer interesse, direto ou indireto, relacionado com a fé católica ou com o Estado do Vaticano, encarado como
pessoa jurídica de direito público.
Defendo, aqui, apenas “um Homem”, no mais nobre sentido do termo,
o argentino Jorge Mário Bergoglio, utilizando minhas fracas luzes dialéticas, próprias
do materialista meramente intuitivo, por tendência natural, não tendo sido
doutrinado nesse sentido. Talvez, eu seja um materialista iludido, vítima de
uma limitada investigação de uma “realidade total”, abstrata, ignorância só
vencível com centenas de horas estudando filosofia e teologia. Se esse for o
caso, se convencido, mais adiante, da sobrevivência daquilo que denominam “alma”,
corrigirei, com a maior boa vontade meu “erro” no leito de morte — não coagido,
assim espero, pelo medo da danação eterna.
Faço esta digressão considerando que o atual conhecimento
científico, na posse da humanidade, embora impressionante, ainda é
inevitavelmente primário, se comparado com inevitáveis avanços futuros. Ainda
“chutamos” muito no escuro, na física e na astronomia, dissertando sobre Buracos
Negros; Buraco de Minhoca; antipartícula; antimatéria; Big Crunch (não se trata
de sanduíche crocante); matéria escura; energia escura e a ridícula hipótese,
para mim, do Big Bang — apoiada com entusiasmo por muitos religiosos porque
reforça a ideia da criação do universo por estalo divino, extraindo tudo do
nada.
Alguns teóricos afirmam a existência de universos paralelos.
Se isso for possível, mais fortemente provável será o poder da oração. Quem
sabe — digo sem ironia —, milhões de crentes, rezando por algo — como pede Francisco
frequentemente —, possam alterar a realidade. Pelo menos uma realidade apenas
mental, alterando o pensamento, ou o sentimento alvo das orações, como, por
exemplo, a decisão de um chefe de estado no momento de decidir se aperta ou não
o botão nuclear.
Apenas especulando, talvez cada oração sincera emitindo energia
— os neurônios transmitem eletricidade “microscópica” —, talvez seja capaz de transpor
a caixa craniana, — à semelhança do que acontece quando, fechados dentro de
casa, acionamos o alarme do carro, não obstante a espessura da parede de pedra
e tijolo que nos separa do veículo. Quem sabe, milhões de cérebros desejando,
ardente e simultaneamente, algo igual, essa confluência de energias possa
influir em mentes distantes. Até pouco tempo atrás, as características de
nossos filhos não dependiam dos desejos dos pais. Logo, logo, porém, o bebê,
manipulado geneticamente no útero, poderá nascer moldado pelo menu de agrado
dos pais, na cor dos olhos e na aptidão para a matemática. Basta conjeturar como
estará nosso planeta daqui a dois mil anos — se escapar da autodestruição. Imagino
a cena: cientistas e até curiosos gargalhando sobre “como eram estúpidos nossos
‘sábios’ ancestrais no século XXI”.
O materialismo, baseado apenas no hoje concreto, no mensurável,
no comprovável —, na ciência, enfim — pode talvez ser a menos errada concepção
da realidade, mas é uma filosofia triste, rasteira: — “Somos, então, apenas
bichos? Egoístas e carnais? Morreu e acabou? Nem mesmo em outra vida, haverá
justiça para todos, com punição dos maus e prêmio para os bons? Isso seria
ilógico! Recuso-me a ser um mero suíno esperto, comendo, dormindo, praticando o
sexo e pensando no lucro”!
Essa árida filosofia materialista não satisfaz a sede moral
de milhões de pessoas, que através da religião, anseiam algo vago, porém forte:
o sentimento de que os seres humanos valem mais do que pesam, têm, ou procuram aparentar
no dia a dia. Não é só o medo que explica a religião. Há também pessoas, embora
em menor número, que mesmo sem medo, acreditam. Com toda a doutrinação
materialista, na Rússia soviética, o sentimento religioso não foi erradicado.
Foi apenas abafado. Digo tudo isso apenas para frisar aos materialistas, aos
céticos, como eu, que convém deixar um espaço de tolerância para a crença
quando vemos, na televisão, o Papa Francisco pedir aos fiéis que rezem por isso
ou por aquilo.
Com perdão pela digressão, voltemos à defesa de Francisco, no
assunto da suposta tolerância ou inércia dele no punir alguns altos dignitários
da igreja católica acusados de pedofilia .
Defendo o Papa Francisco por um dever de justiça, assim como
o defenderia se ele fosse um mero político, de qualquer país, interessado em
fazer o bem, sinceramente preocupado em melhorar o ser humano, seja ele quem
for.
Tenho lido boa parte do que aparece na mídia sobre ele e
também ouvido suas palavras dirigindo-se aos fiéis na Praça São Pedro. E só
constatei, até agora, sua impressionante sinceridade, sua coragem, sua
inteligência e sua coerência. É pena que com Francisco ocorra o que comumente
acontece com pessoas de valor excepcional. A inveja, o ciúme e o interesse
contrariado não tardam a aparecer.
Lendo as críticas do arcebispo Carlos Maria Veganò,
ex-núncio apostólico nos EUA — pedindo a renúncia do Papa Francisco por não ter
punido com mais severidade o ex-cardeal Theodore Mc Carrick, em 2011, e lendo
as explicações do Vaticano sobre o assunto, vê-se claramente que Francisco vem
se esforçando ao máximo para purificar a igreja mas tentando, ao mesmo tempo,
diminuir o grande mal, autônomo, do escândalo, tremendamente destrutivo de uma
religião que, no seu conjunto, tem procurado melhorar a convivência humana.
Justifica-se essa
preocupação do Papa, porque todo desvio de comportamento, de natureza sexual, ocorrido
em qualquer religião — não só a católica —, tem um efeito destruidor na alma de
milhões de seguidores. Ocorre que é preciso não só punir o crime, o erro, mas
também preservar a instituição.
Os inimigos das religiões, ou as religiões rivais, deliram
de alegria quando um sacerdote católico é acusado de pedofilia. Mas ninguém pode acusar o Papa Francisco de ser
conivente com isso. O Papa tem insistido nesse repúdio. Afasta o sacerdote de
suas funções, recrimina-o, mas sente-se, provavelmente, inibido de mandar
processar criminalmente o infrator. Porém não consta que tenham pressionado a
polícia para não investigar. Apenas tenta evitar que além dos danos já causados
à igreja por alguns sacerdotes — não todos —, seja acrescentado o veneno da “propaganda
destrutiva”, da difusão midiática inerente a processos criminais dessa
natureza, prejudicando uma crença que tem sido útil à moral pública e à alma de
milhões de fiéis.
Todo chefe sensato e honrado de qualquer instituição,
pública ou privada, quando constata falhas internas de enorme repercussão —
principalmente de natureza sexual —, afasta o infrator, pune-o, mas evita ao
máximo o estardalhaço. Sabe que a divulgação dos “detalhes” mórbidos vale ouro
— em sentido próprio — para jornais e revistas. A defesa da reputação ocorre na
instituição familiar, nas empresas públicas e privadas, nos Três Poderes e até
em órgãos de investigação penal. Qual o pai, ou marido, que não tenta esconder
da mídia e da vizinhança um fato escandaloso, sexual, praticado, por filho,
filha ou esposa? O ideal seria que toda investigação de casos dessa natureza
ocorresse em segredo, hoje quase impossível.
“A mídia deve expor os fatos com total crueza!”, dirão as
revistas e jornais. Conversa. Se em alguma revista, notória pela severidade,
houver algum escândalo de natureza sexual, ocorrido na sua redação, fora do
horário de expediente, seu diretor, inocente, terá o maior empenho em evitar
que o fato não seja de conhecimento público. E certamente terá a colaboração de
outras revistas, mesmo rivais. A boa reputação de uma revista, ou jornal,
duramente conquistada, não pode ser destruída por atos de alguns irresponsáveis.
Não sendo um especialista em religiões, pouco interessado
nesse assunto, confesso minha admiração pelos últimos Papas, a partir, pelo
menos, de João XXIII. Pouco sei dos
anteriores. Os mais recentes, atrás mencionados, foram moralmente admiráveis.
Se um dia a Terra se tornar ateia, serão bem lembrados pelos historiadores. O
planeta teria sido pior sem eles.
Encerrando, peço licença para uma atrevida sugestão: que o
Papa Francisco tire algum proveito dos maus ventos que sopram contra o
catolicismo: os recentes escândalos de pedofilia. Refiro-me à permissão aos
sacerdotes para se casarem ou, se preferirem, permanecerem solteiros, mas
desobrigados da castidade. Milhares de padres deixam o sacerdócio, contra a
vontade, porque, honrados, sabem que não poderiam permanecer castos por toda a
vida. É fácil, ou relativamente fácil, a um Papa permanecer casto até morrer
porque geralmente são velhos. Mas forçar um padre novo, forte, a contrariar a
natureza significa aumentar o risco de infrações de natureza sexual, vitimando
seres inocentes, esvaziando igrejas e desmoralizando o esforço de dois milênios
tentando melhorar o ser humano.
A natureza — através
de uma evolução de bilhões de anos — nunca desistiu de garantir, pela força
biológica, a propagação das espécies. Batráquios, peixes, aves, mamíferos,
todos nascem programados para gerar filhos, que continuarão a evoluir. Para
quem não sabe, as plantas também têm vida sexual, umas mais, outras menos. As
flores são órgãos sexuais. Há gametas masculinos e gametas femininos. Quem tem
dúvida sobre o sexo no mundo vegetal que acesse o Google e poderá ler todos os
truques que as plantas utilizam para gerar seus “iguais”. Inclusive atraindo
insetos e pássaros que possam transportar, sem saber, o pólen.
Lamento dizer, mas o sexo é uma dura realidade, que pode ser
refreada, mas não por toda a vida. E para possibilitar o mecanismo da
propagação da espécie a natureza teve que inventar um “gatilho”, a libido, que,
quando represada, realiza-se de uma forma errada, doentia. Sem a libido não
existiria nenhum ser humano, a não ser por inseminação artificial. Nasceriam
filhos, mas a libido dos filhos continuaria a infernizar a espécie humana.
O Papa Francisco tem a máxima autoridade, legitimidade e,
agora, a oportunidade para revogar a obrigatoriedade do celibato e da castidade
dos sacerdotes. Seu nome ficará na história, se conseguir isso, e não teremos
mais certo tipo de escândalo, nem o sofrimento das jovens vítimas e seus pais.
Todas as outras religiões não obrigam a castidade e não param de crescer. Por
que torturar os poucos padres que ainda permanecem? Coragem nunca faltou ao
jesuíta argentino. Que a use também nessa modificação, que certamente será
vista com bons olhos por grande quantidade de fiéis.
Encerro, pedindo desculpa por tanta franqueza, usualmente
omitida em temas delicados.
( 02/10/2018)
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