Tudo no Brasil é oito ou oitenta, quando o bom senso indica sessenta, ou
outro meio-termo. Inclusive o conflito mencionado no título. Falso, porque cada
caso é um caso, como admite, com outras palavras, o sempre tranquilo, corajoso
e quase “revolucionário” juiz Sérgio Moro na entrevista ao Estadão de
28-08-2017, pag. A4.
Na entrevista, Moro declarou “(...) admitir a suspensão dessa execução”
(da prisão na segunda instância) “somente em casos excepcionais, quando for
apresentado um recurso a um tribunal superior que tenha reais chances de
êxito”. Quis dizer: quando os argumentos do réu, lido pelos desembargadores,
forem sérios, merecedores de reflexão, não obviamente protelatórios ou
afrontosos à prova, ele, Moro, admite que a prisão não seja automática, como
regra invariável. Revelou elogiável prudência, sem prejuízo da sua reconhecida
firmeza.
Resumindo — porque o brasileiro, de modo geral, odeia textos longos e
talvez não prossiga lendo — a solução que proponho é a seguinte: como norma
genérica, a condenação em segunda instância implica em recolhimento à prisão.
Essa orientação “básica” desestimula o tradicional abuso da protelação como
meio “prático” de defesa. Prático, porque é demorado o tempo do caso
eventualmente chegar ao STF, agravando a morosidade da justiça,
desprestigiando-a e incentivando a impunidade.
Porém, se o caso concreto comporta alguma dubiedade da prova — ou da
correta interpretação do direito —, a decisão da apelação poderá ser no sentido
de não decretar a prisão, mesmo condenando o réu. A não ser, claro, que não
haja recurso contra o acórdão condenatório, que transitará em julgado e terá de
ser cumprido em seus termos.
Insistindo: a prisão do réu quando condenado na segunda instância, não
será automática, norma invariável. Valerá como orientação geral, mas não
obrigatória se justificado, no acórdão, mesmo em termos genéricos, porque o
condenado poderá recorrer em liberdade. Em termos genéricos porque o relator do
acórdão não pode se transformar em uma espécie de defensor do réu, mostrando
pontos dúbios da acusação.
Exemplos indicativos de dubiedade do caso, dispensando a prisão: o réu
foi absolvido na primeira instância mas condenado na segunda; vacilação e
divergências sobre caso semelhante na jurisprudência; prova muito controversa;
forte conflito doutrinário das leis aplicáveis ao caso e condenação não
unânime, na apelação.
Alguém dirá que se há alguma dúvida, o tribunal deveria absolver, com
base no “in dubio pro reo”. Mas dirá errado, porque mesmo existindo dúvidas, há
base suficiente para condenar. Mais certezas do que dúvidas. Na justiça não há
“empate”, alegando o juiz que o caso é “insolúvel” e por isso não o julga.
Finalmente, há dois pontos ainda a considerar: a decisão, no acórdão,
de não prender — apesar de condenar — deve ser unânime, ou por maioria?
Os promotores, mais “linha dura”, optarão pela necessidade de unanimidade para
dispensar a prisão. Os defensores, mais “linha mole”, dirão que havendo voto
vencido, pró-absolvição, o réu não será preso. Na minha desautorizada opinião,
considerando o tradicional sentimentalismo dos juízes brasileiros, será
necessário a unanimidade do acórdão para dispensar a exigência de prisão do réu
condenado em segunda instância. A população aceitará melhor esta solução, mais
severa, considerando o avanço incontrolável da criminalidade tanto do colarinho
branco quanto a de rua, com matanças gratuitas de policiais e civis.
Como um parêntese, saibam aqueles que nunca foram juízes, que
magistrados conscientes, na hora de proferir a sentença, ou voto, nem sempre
encontram facilmente a solução para o caso concreto. Solução, frise-se, que
seja simultaneamente legal e, se possível, moral. Se a conclusão — apenas
mental, antes de redigir a decisão —, for “indigerível”, insultando o bom senso
do julgador, ou ofendendo sua consciência, algo deve estar nela errado,
merecendo reexame antes de se transformar em sentença ou voto. Isso porque
algumas leis — embora poucas —, podem ser maliciosas desde o início, propondo
um fim mas visando outro, inconfessável. Projetos de lei podem, também, ser
concebidos para o bem, mas depois desviados para o mal, como que envenenados no
útero legislativo. Há exemplo recente disso na lei, de iniciativa popular,
concebida para endurecer a luta contra a corrupção mas transformada em seu
oposto, visando intimidar o juiz e o promotor na fase de investigação.
Torço para que o STF, unifique seu entendimento de que, desaparecida a
presunção de inocência do acusado — porque seu caso foi examinado duas vezes —,
deva ser, como regra geral, decretada sua prisão no julgamento da segunda
instância. Mas não automaticamente, caso os desembargadores concluam,
honestamente, que o caso, pela sua complexidade, e análise da personalidade do
réu, aconselhe “uma segunda opinião”.
Esse reexame, pelos tribunais superiores, tranquilizará a consciência
dos juízes da apelação. Principalmente se, decretada a prisão, na segunda
instância, o réu for, no final, absolvido, depois de meses ou anos de um
constrangimento que se revelou injusto, fruto de uma rigidez processual caolha.
Francisco Pinheiro Rodrigues (30-08-2017)
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